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quinta-feira, 7 de maio de 2020
Largo do Tesouro, São Paulo, Brasil
Largo do Tesouro, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Foto Postal Colombo N. 16
Fotografia - Cartão Postal
Obras de Abertura da Antiga Estrada da Cantareira, Atual Avenida Nova Cantareira, Bairro do Tremembé, 1920, São Paulo, Brasil
Obras de Abertura da Antiga Estrada da Cantareira, Atual Avenida Nova Cantareira, Bairro do Tremembé, 1920, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia
quarta-feira, 6 de maio de 2020
Uma História dos Arcos do Bexiga, São Paulo, Brasil - Artigo
Uma História dos Arcos do Bexiga, São Paulo, Brasil - Artigo
São Paulo - SP
Artigo
Localizados nas proximidades da
avenida 23 de Maio, na região central da cidade de São Paulo, estão os Arcos do
Bexiga, ou Arcos do Jânio, ou Arcos da rua Jandaia, ou ainda Arcos dos
Calabreses. Hoje em dia eles são considerados um importante monumento
paulistano, tombados desde 2002 pelo Conselho Municipal de Preservação do
Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – Conpresp e
associados à memória da imigração em uma região da cidade – o bairro do Bexiga
– culturalmente conhecido pela forte presença da comunidade italiana.
Contudo, originalmente os arcos não
foram edificados com intenção monumental. Autorizada pelo poder público
municipal em 1908, e realizada em sua maior parte entre os anos de 1911 e 1913
(com exceção do parapeito, concluído provavelmente em 1921, como veremos mais
adiante) a construção ocorreu em função da necessidade de um muro de arrimo que
contivesse o desnível entre as atuais ruas Jandaia e da Assembleia.
Em poucos anos, o muro, uma
estrutura arquitetônica de cerca de 220m, formada por 21 módulos em arcos
separados por pilastras, acabou coberto por uma fileira de sobrados e outras
edificações que ocuparam toda sua extensão e tornaram impossível sua observação
a partir da rua. Embora não seja possível estabelecer com precisão a data de
construção destes prédios, é possível supor que pouco depois de 1930 a fileira
já estava erguida, pois nessa época começam a surgir de forma sistemática
anúncios de aluguel desses imóveis nos jornais da cidade. A partir daí os Arcos
ficariam ocultos por cerca de sessenta anos, até que o arrasamento das
construções pela Prefeitura, em 1987, durante a gestão do prefeito Jânio
Quadros (1986-1988), os trouxe de volta à luz.
A história dos Arcos do Bexiga,
contudo, bem como das construções que por seis décadas os esconderam, é repleta
de vazios, falsas crenças e imprecisões. No imaginário urbano e na memória
coletiva da cidade, a versão que mais circula é a de que os Arcos seriam
representativos de técnica construtiva tradicional trazida a São Paulo no
século 19 por artesãos calabreses, que teriam sido responsáveis, inclusive, pela
produção artesanal dos tijolos, o que justificaria seu status de patrimônio
cultural paulistano. Tal versão é reforçada pelo próprio nome com que, em 1992,
foi batizado oficialmente o logradouro onde eles se encontram: “Praça dos
Artesãos Calabreses”, em homenagem àqueles que os teriam construído.
O propósito deste artigo é
reconstituir, até onde possível, a história dos Arcos ao longo das cerca de
oito décadas que se passaram desde seu projeto e construção até a sua
“redescoberta” e monumentalização. O artigo se baseia em pesquisa em fontes
documentais, que incluíram a legislação municipal da cidade de São Paulo,
arquivos públicos e arquivos digitalizados de jornais da cidade. Os dados
obtidos dessas fontes permitiram organizar um relato histórico que em grande
medida desmente as versões do imaginário urbano, e que para efeitos expositivos
se encontra dividido em três períodos: o do projeto e construção dos arcos
(1908-1921), o de seu “esquecimento” (1930-1987) e o da “redescoberta” e
monumentalização (1987-2002).
1908-1921: Projeto e construção
Então conhecido pelo nome de
Travessa da Assembleia, nos últimos anos do século 19 o local dos atuais Arcos
do Bexiga era alvo de constantes reclamações, que podem ser encontradas em uma
busca simples nos arquivos de jornais da cidade, relacionadas a más condições
de limpeza, bem como problemas de iluminação e conservação da via.
Na “Planta Geral da Cidade de São
Paulo”, elaborada em 1905 pelos engenheiros Alexandre Mariano Cococci e Luiz
Fructuoso Costa para a Prefeitura, nota-se a presença da então travessa e a
inexistência da atual rua Jandaia, que hoje corre paralela, em nível mais
elevado e apoiada nos Arcos. Datam dessa mesma época, mais especificamente de
1904 e 1907, os primeiros melhoramentos no local, implicando a desapropriação e
demolição de algumas edificações para o alargamento e prolongamento da rua.
Em 1908, a Prefeitura, chefiada por
Antônio da Silva Prado, solicitou à Câmara Municipal o aval da Comissão de
Obras e de Finanças para uma despesa de 17:210$420 (dezessete contos, duzentos
e dez mil e quatrocentos e vinte réis) destinada à construção de um “muro de
revestimento” na travessa da Assembleia. Um ano depois, era aberta concorrência
pública para a execução do serviço. Embora muito seja dito hoje a respeito de
os arcos terem sido construídos com técnicas tradicionais por imigrantes calabreses
instalados na região, não foi possível encontrar qualquer informação a respeito
da origem ou nacionalidade dos operários que realizaram a obra.
O arquiteto e professor da Faculdade
de arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU USP, Carlos
Lemos, em declaração dada em 1987, atribuiu à “redescoberta” dos arcos, nos
anos 1980, a confusão criada acerca de sua construção, que foi nesse momento
associada à comunidade italiana. Ainda que os pedreiros e demais trabalhadores
empregados na construção do muro tenham eventualmente nascido na Itália, o muro
não foi feito com alguma técnica especificamente italiana ou calabresa, e sim
em concreto armado, com revestimento de tijolos sílico-calcários.
Embora o projeto original do muro –
datado de 15 de julho de 1908 e assinado pelo engenheiro Adolpho Graziani, da
Diretoria de Obras Municipais, por encomenda da Prefeitura – previsse a
construção de um “muro de alvenaria de pedra com argamassa de cal hidráulica e
areia”, dividido em cinco seções separadas por colunas, sem arcos, a obra
acabou executada com outra técnica, outro material e outros aspectos estéticos,
indicando drásticas alterações no projeto inicial ou a existência de um segundo
projeto.
Estudo do arquiteto Nestor Goulart
Reis Filho, também professor da FAU USP, levantou a hipótese de que os arcos
tenham sido projetados por Hyppolito Gustavo Pujol Júnior, por ser este um dos
pioneiros da técnica do concreto armado no Brasil, atuante no mesmo período.
Entretanto, em nossa pesquisa foi possível identificar outro nome: entre 1912 e
1913, o jornal Correio Paulistano noticiou
autorizações de pagamento de quantias de 1:190$000, 21:131$223, 3:742$082 e
31:362$400, ao engenheiro Christiano Machado, da firma Haupt e Comp., pelo
serviço de movimentação de terras e execução das obras de construção do muro de
arrimo durante o segundo semestre daquele ano. Machado era um conhecido
engenheiro, envolvido tanto na elaboração de projetos quanto na execução de
grandes obras públicas, principalmente no interior de São Paulo, fato que
sugere a possibilidade de a obra ter sido projetada e executada por ele. Além
disto, o Relatório de 1911 Apresentado á Câmara
Municipal de São Paulo, assinado pelo prefeito Raymundo Duprat, confirma
os nomes dos engenheiros Christiano Machado, responsável pela obra de
construção do muro, e Mauricio Rosa, engenheiro da Diretoria de Obras
Municipais, responsável pela fiscalização.
Quanto ao material utilizado na
construção, apesar da crença, bastante disseminada no imaginário popular, de
que os tijolos utilizados na obra foram fabricados pelos próprios mestres
italianos que teriam atuado na construção dos arcos, é possível identificar
pela análise de documentos oficiais e jornais da época que, na verdade, a
Companhia Paulista de Tijolos Calcareos, a Companhia Materiaes e a Haupt e
Comp. foram as empresas responsáveis pelo fornecimento dos materiais para a
construção dos arcos. Segundo a publicação Melhoramentos
da Capital 1911-1913, editada pela Prefeitura, o muro é constituído por
concreto de cimento e tijolo sílico-calcário, que “simultaneamente, serviu de
cofragem ao concreto e de paramento, dispensando trabalhos de reboco, que não
teria melhor aspecto e seria, seguramente, de conservação precária”.
Longe de serem produzidos
artesanalmente pelo engenho de mestres calabreses segundo sua cultura
tradicional, os tijolos sílico-calcários eram uma inovação na São Paulo das
primeiras décadas do século 20, surgindo como concorrentes aos tijolos de
argila, comumente utilizados até então. A origem desse material não se deu na
Itália, mas sim na Alemanha, como se lê em artigo publicado à época em revista
especializada:
“Não há muitos anos, surgiu para os
tijolos de argila um concorrente poderoso na do sílico-calcário, que se
propagou rapidamente nos Estados Unidos e principalmente na Alemanha, onde se
originou. No Brasil será muito rendosa nos lugares em que o preço da cal e da
areia forem pouco elevados, e além disso, em centros de certa importância que
possam dar escoamento a uma produção mínima de 6 mil tijolos diariamente. É uma
indústria que oferece reais vantagens”.
Ainda segundo a publicação Melhoramentos da Capital 1911-1913,
já mencionada, a conclusão dos arcos estaria prevista para o ano de 1913.
Contudo, diversas reclamações de cidadãos em jornais indicam a ocorrência de
uma série de atrasos quanto ao cumprimento dos prazos, a partir de 1914. O
calçamento da obra só foi concluído em 1915 e o parapeito provavelmente em
algum momento de 1921, visto que a última concorrência pública aberta para sua
conclusão é datada de janeiro daquele ano.
1930-1987: Seis décadas de
esquecimento
Com base em fotografias e anúncios
de jornais, é possível inferir que, ao final da primeira metade da década de
1930, o terreno existente entre o muro e a rua da Assembleia já estava quase
completamente ocupado por sobrados que, com seus fundos voltados para os arcos,
acabaram encobrindo-os. Datam de 1930 os primeiros anúncios publicados de forma
sistemática em jornais da capital, oferecendo “na rua da Assemblea” casas de
três e quatro dormitórios, novas e limpas, “perto do centro” para aluguel,
aparentemente voltadas a famílias de classe média.
Depois da construção das casas e do
consequente desaparecimento dos arcos, somente em 1965 e 1967 a região volta a
chamar a atenção. O que desencadeia este retorno ao debate público é um novo
projeto elaborado pelo Departamento do Urbanismo da Prefeitura, enviado à
Câmara Municipal pelo prefeito José Vicente de Faria Lima (1965-1969). O
projeto propõe uma modificação parcial do plano original de abertura da avenida
23 de Maio, incluindo a construção de uma alça de ligação com a futura ligação
Leste-Oeste e a formação de uma praça no leito das ruas Jandaia e Assembleia.
Para a execução deste projeto,
iniciou-se um processo de desapropriação de vários dos imóveis localizados
entre em ambas as ruas, processo este que, por volta 1970, já estava completo.
Porém, apesar da desapropriação dos imóveis, o projeto não chegou a ser
executado. O acesso à ligação Leste-Oeste acabou sendo feito na altura da
avenida Brigadeiro Luiz Antônio, e o projeto da gestão Faria Lima foi
abandonado pelas gestões municipais subsequentes. Em consequência das
desapropriações, no entanto, em pouco tempo novos moradores começaram a ocupar
ilegalmente os sobrados que haviam se tornado propriedade municipal e
permaneciam sem uso.
No início da década de 1980,
estimava-se que pelo menos de 120 famílias residiam nos imóveis, transformados
em cortiços ao longo da década de 1970. Isto incluía os imóveis que haviam sido
desapropriados pela Prefeitura, e também outros, cujos moradores originais
passaram a se mudar devido à nova configuração da vizinhança. Em 1981, na
gestão de Antônio Salim Curiati à frente da Prefeitura (1979-1982), a Empresa
Municipal de Urbanismo – Emurb iniciava um estudo sobre a situação dos imóveis
e das famílias ali instaladas.
O noticiário da época permite inferir
que havia uma grande desinformação da Prefeitura sobre os próprios imóveis
desapropriados: o então secretário municipal de Vias Públicas, Otávio Camilo de
Almeida, demonstrou desconhecimento quanto à existência dos antigos arcos,
afirmando em entrevista que os imóveis não poderiam ser demolidos pois suas
fundações serviam de arrimo para a rua Jandaia, sendo necessária a construção
de um “custoso muro de arrimo” para que se pudesse executar o projeto de
urbanização da região. Doze meses depois desta declaração do Secretário, já na
gestão Reynaldo de Barros (1982-1983), representantes da Emurb informaram que
jamais receberam qualquer solicitação de estudo e que não haviam quaisquer
planos para a área das ruas Jandaia e Assembleia, o que mostra a inconstância e
descontinuidade das políticas para a região.
Dois anos depois, a área dos imóveis
da rua da Assembleia volta a ser objeto de interesse político. Pela Lei
Municipal 9.725, de 1984, assinada pelo prefeito Mario Covas (1983-1985), toda
a área, incluindo os imóveis municipais e aqueles que não haviam sido
desapropriados – nesta altura, já quase todos ocupados por cortiços –, passou a
ser considerada Zona de Uso Especial (Z8-200), portanto sujeita a preservação.
A medida garantiria a preservação dos sobrados das ruas Assembleia e Jandaia,
tanto por seu interesse como patrimônio cultural e arquitetônico, como por seu
interesse social para políticas de habitação, dado que o local se tornara
habitado por grande número de famílias de baixa renda.
Apesar disso, em março de 1986, o
prefeito Jânio Quadros (1985-1988), em conjunto com seu secretário de
planejamento, Marco Antônio Mastrobuono, apresenta novo projeto de urbanização
vertical, que prevê a remoção dos ocupantes dos imóveis, seguida da abertura de
licitação para demolição e construção de novos prédios que aproveitariam de
forma mais racional a área, “ainda pouco adensada”. Em questão de meses, porém,
o projeto é abandonado e substituído por um novo, que também prevê a demolição
dos imóveis, mas agora com a finalidade de construir um anel viário de ligação
entre as avenidas 23 de Maio e a Ligação Leste-Oeste. Retomava-se assim, a
destinação originalmente proposta na gestão Faria Lima, na década de 1960.
No entanto, para a realização da
obra, o prefeito teria que submeter um projeto de lei à aprovação da Câmara
Municipal, a fim de tornar sem efeito a conversão da área em Zona de Uso
Especial, promovida pela acima referida Lei nº 9.725/84, do prefeito
antecessor, Mario Covas.
A intenção de remoção dos moradores
e demolição dos imóveis gerou manifestações tanto favoráveis ao projeto, como
contrárias. O projeto ia em sentido oposto ao de estudos elaborados pelo
Departamento do Patrimônio Histórico do Município – DPH, que previam a recuperação
dos prédios para habitação de interesse social, em sintonia com a lei municipal
assinada por Covas. Além do DPH, o Movimento Pró Mulher, liderado pela então
vereadora oposicionista Irede Cardoso, em conjunto com a comunidade e a igreja
de Nossa Senhora Achiropita, propunha um projeto que previa a transformação das
construções em “moradias populares, autoadministradas por seus moradores, após
reforma e melhoria das condições das casas”.
Por outro lado, proprietários de
imóveis no entorno, bem como “especialistas” do setor imobiliário consultados
pela imprensa, viam o novo projeto da gestão Quadros com bons olhos, diante da
possibilidade de valorização imobiliária na área, após o despejo dos moradores
e a demolição dos imóveis transformados em cortiços. Os proprietários dos
imóveis não desapropriados nas ruas Assembleia e Jandaia também celebraram a
determinação da prefeitura.
Em abril de 1987, finalmente, após
uma série de polêmicas e manifestações na Câmara Municipal, o prefeito Jânio
Quadros consegue a aprovação de projeto de lei que retirava os imóveis da área
de preservação, podendo enfim dar continuidade ao seu projeto de reurbanização.
A partir da aprovação do projeto, as desapropriações daqueles imóveis que não
haviam sido desapropriados em 1965-67, e que já haviam sido feitas parcialmente
no início do ano, avançaram. Iniciou-se processo de remoção das famílias,
transferindo-as para conjuntos habitacionais nas regiões de Guaianases, no
extremo leste da cidade e Campo Limpo, na região sudoeste.
Apesar de não haver registros de que
tenham oferecido resistência à remoção, muitos moradores declararam sua
inconformidade com o processo. Alguns, uma vez instalados em suas novas
moradias na periferia paulistana, protestaram pelo fato de terem sido
transferidos para zonas com pouca infraestrutura urbana e muito distantes do
centro. Eram comuns reclamações a respeito de moradias inacabadas, sem água,
luz e esgotamento sanitário. Alguns moradores transferidos para a região do
Campo Limpo reclamaram que, devido a problemas no fornecimento de água, eram
formadas longas filas de pessoas, inclusive crianças, em um galpão próximo,
carregando baldes para enchê-los na única caixa d’agua operante da região. Além
disso, as ruas não eram asfaltadas, causando grandes transtornos em dias de
chuvas, e não havia vagas nas escolas públicas para as crianças transferidas.
1987-2002: Redescoberta e
monumentalização
Paralelamente ao processo de
desocupação, iniciou-se a demolição dos imóveis das ruas da Assembleia e
Jandaia, que durou de maio e dezembro, contando, inclusive, com a implosão de
alguns dos casarões e de um edifício de seis andares. Fotografias publicadas
pela imprensa mostram que desocupação e demolição se deram de forma simultânea,
com algumas casas sendo demolidas enquanto outras, suas vizinhas, ainda estavam
ocupadas.
Com o decorrer do processo de
demolição, os arcos do muro de arrimo, construído durante os primeiros anos da
década de 1910, foram aos poucos sendo revelados. A descoberta dos arcos
despertou a atenção dos responsáveis pelas obras, o que geraria uma
reformulação no projeto de reurbanização da área, por conta da presença dos
arcos.
Ao tentarem identificar a origem da
estrutura, as autoridades novamente demonstraram desconhecimento e incapacidade
de levantamento de dados acerca da construção. O secretário de Vias Públicas,
Walter Bodini, em entrevista, afirmou que se tratava provavelmente de uma
construção de alvenaria do século 19, feita com tijolos importados da Europa,
por empreiteiros estrangeiros, com a finalidade de um muro de arrimo. A mesma
matéria indicava que “um exame mais cuidadoso mostrou que os tijolos haviam
sido cozidos na Itália”. Com a exceção da finalidade, todas as informações
estavam incorretas. Tamanha era a imprecisão dos dados divulgados pela
Prefeitura e pelos veículos de comunicação da época, que os arcos chegaram a
ser chamados até mesmo de aqueduto.
Apenas posteriormente, em estudo a
respeito da origem dos arcos solicitado pelo secretário municipal dos Negócios
Jurídicos, Cláudio Lembo, foi confirmada sua construção entre 1911 e 1913, e
sua estrutura de concreto armado e tijolos sílico-calcários.
A respeito da relação entre os arcos
e a comunidade italiana, o arquiteto Carlos Lemos, da FAU USP, afirmou que
embora os romanos tenham sido os primeiros a utilizar tijolos no lugar de pedra
na construção de arcos, não significava que aquele conjunto redescoberto havia
sido necessariamente construído com estilo ou técnica italianos, conforme
divulgado na imprensa à época. Lemos concluía seu comentário dizendo que “isso
até causa uma certa confusão. Talvez os pedreiros que construíram o muro tenham
nascido na Itália. Mas não existe uma técnica italiana de confecção de arcos”.
Mesmo com a suposta existência do
estudo feito a pedido de Cláudio Lembro, e após os comentários do arquiteto
Carlos Lemos, ao final de julho de 1987, uma matéria publicada no Estado de S.
Paulo, assinada por Luiz Roberto de Souza Queiroz, apresentou uma versão da
história dos arcos que, embora sem embasamento, até hoje é difundida por
diversos portais de notícias e páginas de memória. Segundo a matéria, os arcos
“de alvenaria” teriam sido construídos no final do século 19, em parte com
tijolos importados.
De acordo com a mesma matéria,
“quando se comprovou que os tijolos usados na obra haviam sido fabricados na
Itália, o historiador [Emanuel] Massarani foi chamado a opinar”. Não se sabe ao
certo quais informações fornecidas na publicação foram, de fato, apresentadas
pelo historiador mencionado. Massarani lista alguns fatos a respeito da
nomeação da rua, que se mesclam com informações a respeito de enchentes no
século 19, córregos inundados, a presença de um matadouro na região, entre
outras.
Embora ingênuo e muito conveniente
(principalmente para a comunidade italiana), o conto promovido pela imprensa da
época se perpetuou ao longo das décadas, e esta versão romantizada da origem
dos arcos está presente no imaginário e na memória da cidade até os dias
atuais.
Em meio à crescente circulação e
aceitação da versão calabresa, em março de 1988, após meses de polêmicas,
remoção de inúmeras famílias, demolição dos imóveis e reurbanização da área dos
Arcos, finalmente era inaugurado o novo acesso à avenida 23 de Maio, tornando
os Arcos passagem obrigatória para os motoristas que vinham da Radial
Leste-Oeste e se dirigiam à 23 de Maio no sentido do Aeroporto de Congonhas, e
para aqueles que, vindos da região do Ibirapuera, se dirigissem ao centro ou à
zona oeste.
A demolição dos imóveis das ruas
Jandaia e da Assembleia chamou a atenção de diversos atores sociais, entre
especialistas, professores, ativistas, políticos e representantes da sociedade
civil, que se manifestaram a respeito do processo. As críticas foram duras,
classificando a ação da prefeitura como um retrocesso que, além de destruir
patrimônio histórico e arquitetônico da cidade, também contribuiu para a
marginalização dos ex-moradores daqueles prédios.
Modesto Carvalhosa, então consultor
do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan, atual
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, considerou a
demolição dos prédios e a transferência das pessoas uma “eliminação da pobreza
através da eliminação dos moradores”. As arquitetas Suzanna Cruz Sampaio e
Regina Meyer, ambas ex-diretoras do DPH, consideraram a ação um “vandalismo da
memória histórica”, lamentando a inércia da diretoria do DPH no período, e o
“desconhecimento demonstrado no que se refere a questões urbanas”. Para o
ex-secretário estadual da Cultura, Jorge Cunha Lima, a demolição do conjunto
contrariava “uma tendência mundial de reaproveitamento dos imóveis históricos nos
centros metropolitanos”. Segundo ele, o conjunto “poderia ser restaurado e
negociado com os moradores, para uso habitacional e para atividades artesanais
e pequenos ofícios”.
O arquiteto e urbanista Nabil
Bonduki também se manifestou a respeito do caso, afirmando na época que a ação
da administração municipal visava “destruir a memória da cidade, expulsar os
moradores pobres para a periferia e ‘entregar o ouro’ para os bandidos da
especulação imobiliária”. Ex-presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo –
Condephaat na época, o geógrafo e professor da USP Aziz Ab’Saber, lamentou a
demolição do conjunto e criticou a falta de iniciativa da então secretária
estadual da Cultura, Bete Mendes. Segundo ele, “o Condephaat poderia ter
tornado os imóveis intocáveis”, evitando sua demolição. No mesmo sentido da
opinião de Ab’Saber, o arquiteto Cândido Malta Campos Filho, ex-secretário
municipal do Planejamento (Gestão Reynaldo de Barros), afirmou que a demolição
dos imóveis não tinha sentido diante da profunda crise habitacional que o país
passava. Para ele, “a questão habitacional deveria ter preferência sobre as
obras viárias”.
Em respostas às críticas feitas ao
Condephaat, o então presidente do órgão, Paulo de Mello Bastos, afirmou que não
houvera tombamento dos imóveis pois os mesmos estavam sob proteção da lei de
zoneamento municipal – modificada, no entanto, pelo prefeito Jânio Quadros.
Para Bastos, “existe um conflito porque se exige do Condephaat tombar tudo e
ele não tem estrutura para isso”. Ainda segundo ele, “na verdade, por função, o
Condephaat deveria preservar imóveis ou conjuntos com interesse para o Estado,
como algo que represente o ciclo do café. Mas acaba atuando como verdadeiro
pronto-socorro de preservação”.
Também defendendo-se das críticas
recebidas, a então secretária estadual da Cultura, Bete Mendes, afirmou que
houve divergência em estudos feitos pelo Condephaat quanto à preservação do
conjunto, “existindo, inclusive, pareceres contrários ao tombamento”. Apesar
disso, Mendes disse concordar que o conjunto deveria ser preservado, mas não
pelo seu valor histórico, e sim por questão de moradia. Mendes também
argumentou que “tombar não é sinônimo de preservação”, e que além do tombamento
deveriam existir leis e mecanismos como em outros países, para dar
financiamento para restauração ou isenção de impostos. A socióloga Eva Blay
discordou da maneira com a qual as ações da prefeitura colocavam a população
moradora de cortiços para “fora da cidade”, destacando que este é um problema
que afeta a cidade como um todo.
Para o então deputado federal Fábio
Feldman, em pleno final do século 20, a administração municipal estava
ressuscitando projetos urbanísticos superados “com a intenção de demolir esses
valiosos bens culturais, utilizando argumentos […] totalmente ultrapassados nos
dias atuais, até mesmo em países de administração marcadamente conservadora
como a Inglaterra”.
Por outro lado, apesar da grande
quantidade de críticas negativas quanto à demolição dos imóveis, alguns setores
se manifestaram a favor da ação da prefeitura, como é o exemplo de Joaquim
Guedes, arquiteto e especialista em planejamento urbano. Uma nota do
jornal O Estado de S. Paulo em
maio 1987, expressando a opinião oficial do jornal, elogiava a ação da
prefeitura, classificando-a como “corajosa” merecedora do aplauso até mesmo das
famílias “invasoras”, que “enfim, receberam a oportunidade de ter algo seu, por
ele pagando aquilo que podem”.
Por fim, a escolha da Prefeitura de
demolir os imóveis das ruas Jandaia e Assembleia, apesar de duramente criticada
por especialistas, rapidamente deixou de ser o centro das atenções, graças à
conveniente “redescoberta” dos Arcos. A disputa pela manutenção do conjunto de
imóveis, que para muitos possuía valor histórico e/ou social, acabou cedendo
lugar ao novo monumento. A associação aos Arcos da imagem trabalhadora da
comunidade italiana em São Paulo, elemento importante do espírito e da
identidade paulistanos, além de convencer sobre sua importância, justificou de
vez, perante a opinião pública, a demolição dos imóveis que ocupavam o local.
Dada a importância histórica e
urbanística do bairro da Bela Vista, em dezembro de 2002 o Conpresp tombou os
“Arcos da rua Jandaia, juntamente com outros equipamentos urbanos localizados
na área, destacando seu inegável valor histórico, arquitetônico, ambiental e
afetivo”. Dez anos antes, em 1992, por decreto da Prefeita Luiza Erundina de
Sousa (1989-1992), a logradouro público à sua frente, formado na área antes
ocupada pelas construções demolidas em 1987, recebeu a denominação oficial de
“Praça dos Artesãos Calabreses”, contribuindo para essa vocação monumental.
Consolidado o processo de
monumentalização dos Arcos, hoje eles desempenham um importante papel como
cartão postal do bairro do Bexiga, além de estarem incorporados ao imaginário
urbano da cidade de São Paulo, sendo alvo de disputas políticas e polêmicas até
os dias atuais.
Com a finalidade de sintetizar o
histórico relatado no artigo, elaboramos no quadro abaixo uma linha do tempo
que permite a visualização e comparação dos principais eventos relacionados à
história dos Arcos do Bexiga.
Considerações finais
O relato apresentado nas seções
anteriores não tem a pretensão de ser uma história exaustiva dos Arcos do
Bexiga. A história do monumento, como dito anteriormente, é cheia de vazios,
falsas crenças e imprecisões, que não seria possível enfrentar apenas com este
artigo. Por outro lado, acreditamos termos reunido aqui alguns elementos
relevantes que podem ser úteis para uma historiografia dos Arcos a ser ainda
melhor desenvolvida.
O relato também contribui para a
discussão do mito urbano dos Arcos como representativos de técnicas
construtivas tradicionais trazidas a São Paulo por imigrantes italianos, mito
este cuja origem pode ser atribuída a declarações imprecisas emitidas na década
de 1980 por representantes do poder público municipal, com ampla cobertura da
imprensa. Essas declarações oficiais acabaram fazendo com que se cristalizasse,
na memória urbana, uma versão romanceada do passado dos Arcos, mais
comprometida com os interesses políticos daquele momento do que com qualquer
critério de acuracidade dos fatos ou compromisso histórico.
O passado construído e valorizado
nesse local, e inscrito na memória coletiva da cidade, é o dos imigrantes
italianos e artesãos calabreses. Não é o dos primeiros habitantes dos sobrados,
nem o da população de baixa renda que os habitou por cerca de duas décadas. As
memórias desses grupos foram silenciadas. Texto de Diego Vasconcellos Vargas e Martin Jayo.
Interior da Garagem de Carros da Light, Alameda Barão de Limeira, 18/01/1900, São Paulo, Brasil
Interior da Garagem de Carros da Light, Alameda Barão de Limeira, 18/01/1900, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia
Bonde da linha "Barra Funda - Largo São Bento" no interior da garagem de carros da Light — antes da inauguração que ocorreria meses depois, em 7/5/1900.
Bonde da Linha Penha, Avenida Rangel Pestana com Rua Piratininga, 1916, São Paulo, Brasil
Bonde da Linha Penha, Avenida Rangel Pestana com Rua Piratininga, 1916, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia
Em 1909, um decreto municipal unificou as tarifas de bonde e fixou o preço único de 200 réis.
Mas, para a linha Penha, foi criado um carro para operários — pela metade do preço, conforme se observa na placa no alto do carro, denominado como de 2ª classe. De autoria de Guilherme Gaensly, a imagem foi registrada em julho/1916 — no cruzamento da Rangel Pestana com a Rua Piratininga. Veja no detalhe um bilhete normal de bonde, com preço de 200 réis, emitido pela The São Paulo Tramway, Light and Power Company.
Mercado dos Caipiras, Atual Mercado Kinjo Yamato, 1925, São Paulo, Brasil
Mercado dos Caipiras, Atual Mercado Kinjo Yamato, 1925, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia
Foto 01 Mercado dos Caipiras.
Nessa época funcionavam dois Mercadões, o então Mercado dos Caipiras (foto) e o Mercado 25 de Março.
Nessa época funcionavam dois Mercadões, o então Mercado dos Caipiras (foto) e o Mercado 25 de Março.
Foto 02 - Atual Mercado Kinjo Yamato
Esse é o antigo e reformulado Mercado dos Caipiras que vemos na foto 01. O da foto 01 era na Várzea do Parque Dom Pedro. E este é mais próximo do Mercadão Municipal.
Esse é o antigo e reformulado Mercado dos Caipiras que vemos na foto 01. O da foto 01 era na Várzea do Parque Dom Pedro. E este é mais próximo do Mercadão Municipal.
Na reformulação do lugar, ele foi movido um pouco mais para o
final da Rua Barão de Duprat. A ideia era que fosse um suporte ao Mercadão.
As ruas internas são de paralelepípedos da época, mantidos até
hoje.
A história do Mercado Municipal Kinjo Yamato tem início no
antigo “Mercado Caipira” ou “25 de Março dos produtos hortifrutis”, como era
chamado o local antes instalado na Várzea do Parque Dom Pedro e que se tornou
conhecido pela comercialização de frutas, legumes e verduras provenientes dos
campos onde trabalhavam imigrantes japoneses. Como complemento de renda, esses
imigrantes traziam os produtos que sobravam da colheita para vendê-los no
centro da capital paulista de maneira informal.
Em 1922 o chamado Mercado Caipira mudou-se para o número 377 da
Rua da Cantareira. O novo local – que foi adquirido pela Prefeitura de São
Paulo – até então era utilizado pela Light (atual Eletropaulo), companhia que
acomodava os bondes (meio de transporte coletivo utilizado na época) numa
espécie de estacionamento. Ainda hoje as ruas de paralelepípedos são mantidas
preservadas.
Originalmente a céu aberto, o mercado – que ocupa uma área
construída de 4.550 metros quadrados – recebeu em 1936 a doação de uma
cobertura que veio da Escócia e inicialmente seria usada na estação de trem que
ficava no Anhangabaú.
Mais tarde, em 1988, quando da comemoração dos 80 anos de
imigração japonesa no Brasil, o local foi batizado de Kinjo Yamato. O nome foi
escolhido para homenagear o primeiro imigrante japonês a se formar em
Odontologia.
Hoje o Kinjo Yamato forma, junto com o Mercado Municipal
Paulistano (Mercadão), o Complexo Cantareira. Os dois mercados compartilham de
histórias em comum não só no que diz respeito à comercialização de produtos.
Durante o período de construção do vizinho Mercadão, o Kinjo foi utilizado como
base de construção. Já durante a Revolução Constitucionalista de 1932, foi
utilizado como enfermaria, enquanto o Mercadão serviu como depósito de armas.
Casa de Maria Rafaela de Paula Souza, Rua Florêncio de Abreu com Rua Paula Souza, 1900, São Paulo, Brasil
Casa de Maria Rafaela de Paula Souza, Rua Florêncio de Abreu com Rua Paula Souza, 1900, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia
Construída entre 1891-1893.
Foto da coleção Escritório Ramos de Azevedo.
A parte do telhado foi descaracterizada, algumas janelas também,
além de ter sofrido pintura em uma única cor.
Foram escavadas posições no prédio para a abertura de 3
diferentes comércios.
Uma pena...O Antes e o Depois dos Arcos do Bexiga, São Paulo, Brasil
Estava bonito...
Estava...
O Antes e o Depois dos Arcos do Bexiga, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia
Rua Jandaia, Antes da Descoberta dos Arcos do Bexiga, São Paulo, Brasil
Rua Jandaia, Antes da Descoberta dos Arcos do Bexiga, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia
Nota do blog: À direita na primeira e quarta imagens ficam os imóveis que foram construídos por cima dos Arcos. Durante o governo do prefeito Jânio Quadros, os imóveis foram demolidos após desapropriação e os Arcos descobertos, sendo posteriormente reformados.
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