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quarta-feira, 2 de setembro de 2020
Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, Atual ArcelorMittal, Anos 50, João Monlevade, Minas Gerais, Brasil
Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, Atual ArcelorMittal, Anos 50, João Monlevade, Minas Gerais, Brasil
João Monlevade - MG
Fotografia
Praça Xavier Ferreira, Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil
Praça Xavier Ferreira, Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil
Rio Grande - RS
Edicard
Fotografia - Cartão Postal
Praça Xavier Ferreira, Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil
Praça Xavier Ferreira, Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil
Rio Grande - RS
Edicard
Fotografia - Cartão Postal
"O Passeio do Veado da Rua São Bento", Botica Ao Veado d'Ouro, São Paulo, Brasil
"O Passeio do Veado da Rua São Bento", Botica Ao Veado d'Ouro, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia
Se alguém estranhou o título, pode ficar despreocupado porque eu não perdi a compostura nem vou comentar sobre nenhum rapaz alegre saracoteando no centro de São Paulo. O veado em questão era uma escultura de madeira pintada de dourado que servia de frontispício em uma farmácia, a Botica Ao Veado D’Ouro, talvez esta escultura exista até hoje...vai se saber…
Chegou a ser a farmácia mais antiga de São Paulo, pois foi fundada em 1858 por Gustavo Schaumann. A origem da botica vem de mais longe. A história foi assim:
Philip Gustav Schaumann nasceu em Hamburgo no dia 21 de janeiro de 1825. Pertencia a uma família burguesa culta e politizada. Estudou química na cidade de Heidelberg, graduou-se farmacêutico e fez parte do exército prussiano chegando a participar da campanha contra a Dinamarca em 1852.
Em 1853 veio para o Brasil. Gustavo Schaumann não seguia o padrão dos imigrantes alemães que eram subvencionados pela Província para obras públicas ou trabalho agrícola, era culto e tinha recursos. O que levou aquele jovem de 23 anos, tão bem preparado a dar baixa no exército e partir para tão longe? Seriam motivos políticos? Seria um desertor? Queria evitar alguma punição? O motivo de sua emigração é até hoje ignorado.
Ficou por um tempo em Santos e depois seguiu para Campinas onde ficou amigo de Gustavo Gravenhorst. Lá abriram uma casa de secos e molhados e também alguns medicamentos manipulados.
Gravenhorst muda-se para São Paulo e abre uma casa de papéis, livros e outras miudezas. Schaumann o segue e em 12 de maio de 1858 torna-se sócio da loja, pensando em formar uma farmácia de alto padrão, havia somente quatro farmacêuticos em toda a cidade, que na época tinha menos que 30.000 habitantes. Neste mesmo ano Gravenhorst segue em viagem para a Alemanha para adquirir os equipamentos necessários à montagem da botica, ficando Schaumann cuidando do negócio.
Porém, Gravenhorst adoeceu morrendo em território alemão e Schaumann, conforme o contrato social, acabou comprando a parte do extinto sócio.
Foi a partir de então que batizou seu estabelecimento de Botica Ao Veado D’Ouro, como uma homenagem ao brasão de seus antepassados e colocou a escultura no frontispício da loja.
E o veado dourado ficou lá até que num belo dia de maio de 1871, Gustavo Schaumann, que morava no sobrado, desceu para abrir a loja e viu que tinha sumido. Quem iria roubar uma escultura sem nenhum valor e tão conhecida? Schaumann não precisou de muito tempo para desconfiar que sem dúvida aquilo era obra dos estudantes da Academia de Direito do Largo de São Francisco, conhecidos por suas “estudantadas”.
Assim, mandou publicar anúncios nos jornais Diário de São Paulo e Correio Paulistano, com o seguinte teor:
“Veado – O abaixo assignado offerece ao ilm. sr. ladrão a quantia de 50$000 dinheiro à vista pelo veado que lhe roubou; e no caso de se realizar este negócio, promete, debaixo de sua palavra de honra, não denuncial-o às autoridades. Gustavo Schaumann”
Deve ter funcionado porque logo a estátua voltou ao seu lugar.
Mas este não foi o único passeio do veado. Durante a Primeira Grande Guerra (1914-1918), quando o Brasil entrou no conflito ao lado dos aliados contra a Alemanha, apareceram agentes policiais e recolheram a escultura por um bom tempo. Era um símbolo de família alemã…
Quando a Botica mudou do número 40 (antigo) para o 33 (antigo) da Rua São Bento, o veado passou a ocupar um lugar de destaque dentro da loja. Do lado de fora, apenas uma placa com o perfil da marca.
Gustavo Schaumann retirou-se para a Alemanha em 1887 e morreu em Hamburgo em 1892.
A Botica Ao Veado D’Ouro continuou sob a direção de seu filho Henrique Schaumann. Em 1905, assumiu a empresa Alfredo Thiele e daí em diante passou por vários outros proprietários.
Em 1998 esteve envolvida em um escândalo de falsificação de medicamentos e em 2008 encerrou as atividades depois de 150 anos de existência.
Texto de “São Paulo Passado”.
Propaganda "A Farmácia de sua Confiança", Botica Ao Veado d'Ouro, São Paulo, Brasil
Propaganda "A Farmácia de sua Confiança", Botica Ao Veado d'Ouro, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Propaganda
Nota do blog: Tempos depois a realidade acabou se mostrando bem diferente da propaganda...
Botica Ao Veado d'Ouro, São Paulo, Brasil
Botica Ao Veado d'Ouro, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia
A Botica Ao Veado d'Ouro foi uma tradicional farmácia sediada na Rua São Bento, no centro histórico da cidade brasileira de São Paulo.
Foi inaugurada em 1858 pelo farmacêutico alemão Gustav Schaumann. No local existia originalmente uma loja de miudezas e quinquilharias que pertencia ao também alemão Gustav Gravenhost. Schaumann e Gravenhost formaram uma sociedade, deliberando que o último se deslocaria para a Europa para selecionar e adquirir todo o material necessário à instalação de uma botica. À época, a cidade de São Paulo possuía apenas cerca de 30 mil habitantes, atendidos por três dentistas, doze médicos, quatro farmacêuticos e um oculista.
Após ter embarcado com o material adquirido em um navio rumo ao porto de Santos, Gravenhost veio a falecer durante a viagem.
Schaumann recebeu o material, prosseguindo sozinho com o projeto, utilizando como emblema do seu estabelecimento a escultura de um veado dourado, inscrito em seu brasão de família, e que fora trazido no mesmo navio com o material da botica.
Em 1879, o seu filho, Henrique Schaumann (que dá nome a uma famosa rua paulistana), então com 23 anos, recém-formado em Hamburgo, assumiu o controle do negócio da família. Com ele veio a trabalhar Conrado Melcher, nascido na Alemanha e naturalizado brasileiro. Melcher assumiu a direção do estabelecimento em 1905, quando Henrique Schaumann foi à Europa. Mais tarde viria a tornar-se proprietário da farmácia, imprimindo a ela os elevados padrões de qualidade que tornaram a Botica famosa no Brasil inteiro. Atendia a políticos e personalidades de expressão na sociedade brasileira da época, incluindo presidentes da República. Na década de 40, quando se aposentou, Melcher vendeu a farmácia a colaboradores.
A Botica gozava de um prestígio e credibilidade com poucos paralelos na cidade de São Paulo. Não eram raros os clientes que simplesmente se recusavam a consumir medicamentos de manipulação que não fossem produzidos pelo estabelecimento.
No entanto, no ano de 1998 a farmácia envolveu-se em um famoso e contundente escândalo envolvendo a falsificação do medicamento Androcur (destinado essencialmente ao tratamento de câncer de próstata). Segundo investigações realizadas à época, a Botica produziu algo como um milhão e trezentos mil comprimidos que eram nada mais que placebo. A fabricação de placebo não é ilegal, observadas as quantidades permitidas para cada fabricante bem como, principalmente, o fim a que se destina. Retirados e levados para outro endereço, os comprimidos-placebo eram embalados e recebiam um rótulo (falsificado) do Androcur. Os sócios (Edgar Helbig e Daniel Eduardo Derkatscheff Vera) foram indiciados, acusados, julgados e condenados a 13 anos de prisão. Os sócios defenderam-se alegando que os comprimidos eram produzidos a pedido de um cliente e que, da porta do estabelecimento para fora, desconheciam a destinação dos mesmos. No entanto, sem explicação ficou o fato de que o volume encomendado não gerou suspeitas aos donos da Botica; além do que, a Empresa sequer tinha autorização legal para produzir medicamentos em escala industrial, tanto que a Vigilância Sanitária havia lacrado o estabelecimento já em setembro de 1998 pelo simples fato deste estar produzindo em escala industrial, independente da qualidade dos produtos.
Condenação maior sofreu, entre outros, o empresário de Belo Horizonte (MG), José Celso Machado de Castro. Sua pena foi de 16 anos, por ter sido peça chave na distribuição do medicamento falso no varejo.
Segue trecho da sentença prolatada pelo juiz Sidney Celso de Oliveira em 14-07-2003: "(os réus) revelaram torpeza, perversão, malvadez, cupidez e insensibilidade moral, posto que agiram única e exclusivamente visando o ganho fácil, sem se importarem com o destino de milhares de pessoas”... “(o que) sem dúvida, abreviou a vida dos pacientes”.
As notícias mais recentes dão conta que os condenados jamais pagaram as multas condenatórias nem cumpriram pena de prisão, estando recorrendo em liberdade. Particularmente chama a atenção a situação do empresário José Celso Machado de Castro, peça chave na distribuição do medicamento falso no varejo (como dito anteriormente), a qual revela que vive luxuosamente em Belo Horizonte, após ter transferido 99% de sua nova empresa (Look Distribuidora de Cosméticos e Equipamentos Ltda.) para a sogra, Ireni Nunes Rosa, que vive em Anápolis, Goiás.
Contrariando a velha máxima de que "brasileiro não tem memória", a verdade é que o estigma do escândalo criou raízes na Botica Ao Veado d'Ouro de forma indelével, independente do teor de culpa do estabelecimento no episódio, sendo fato que o evento ainda é lembrado por muitos paulistanos mesmo décadas depois. A administração ficou prejudicada a partir dos anos 90, não totalmente como decorrência do escândalo. Em 2008 a Botica encerrou suas atividades, tendo parte de seus funcionários migrado e sua linha de produtos passado a ser comercializada por uma nova farmácia de manipulação, de nome "Medida Exata" e que está localizada na Rua Cardeal Arcoverde, 1758, bairro de Pinheiros, São Paulo.
Nota do blog: Fui várias vezes com meus pais quando morávamos em SP. Uma empresa que, infelizmente, terminou muito mal, com um escândalo de remédios que não funcionavam. Um crime mais que hediondo contra seus clientes...
terça-feira, 1 de setembro de 2020
Abaporu: A História do Quadro Mais Valioso da Arte Brasileira - Artigo
Abaporu: A História do Quadro Mais Valioso da Arte Brasileira - Artigo
Artigo
Em 11 de janeiro de 1928, a pintora Tarsila do Amaral
(1886-1973) acordou ansiosa. Era aniversário de seu marido, o escritor Oswald
de Andrade (1890-1954), e ela tinha preparado uma surpresa: um quadro de 85
centímetros por 73 centímetros, pintado em segredo nos últimos meses.
Com seu jeito afobado e verborrágico, Oswald nem deixou
que artista explicasse
a obra. Foi logo elogiando, dizendo que era a coisa mais incrível que ela já
tinha feito. "É excepcional este quadro", dizia ele. "É o homem
plantado na terra."
No mesmo dia, Oswald mostrou o presente para um de seus
amigos, o poeta Raul Bopp (1898-1984). E juntos começaram a enxergar ali,
naquela figura enigmática, um índio canibal, um homem antropófago, aquele que
iria devorar a cultura para se apossar dela e reinventá-la.
Tarsila empolgou-se com a interpretação e correu para um
velho dicionário de tupi-guarani. Ali encontrou as palavras "aba" e
"poru" - "homem que come". Estava batizado aquele que se
tornaria o mais valioso quadro da arte brasileira, Abaporu.
Mas o que seria apenas um presente de aniversário de uma
artista para seu marido acabou transcendendo qualquer relacionamento para se
tornar um dos quadros mais famosos do Brasil -
e, certamente, o mais valioso.
"Sua grandeza se deu desde o início, porque naquele
contexto ele acabou inspirando o Manifesto Antropófago, escrito por Oswald, e o
movimento que seria decorrente desse texto, a Antropofagia", afirma
Tarsilinha do Amaral, sobrinha-neta e responsável pelos direitos da obra da
artista, em entrevista à BBC News Brasil.
"Em seguida, o quadro acabou virando símbolo de tudo
o que o modernismo queria dizer. A antropofagia, no sentido de absorver a
cultura europeia, dominante na época, e transformá-la em algo nacional, tudo
isso foi sintetizado com Abaporu."
"Um quadro com essa história foi ganhando
importância e fama. E tudo colaborou para ele se tornar o quadro mais
importante da arte brasileira", diz Tarsilinha.
Em 16/04/2019, o quadro ficou entre os assuntos mais
comentados no Twitter no Brasil. O motivo foi a comparação feita num tuíte por
um internauta, para quem a tela "Batalha do Avaí", de Pedro Américo
(1843-1905), "deveria representar a arte brasileira no mundo". Outros
usuários da rede social logo se mobilizaram para defender a obra de Tarsila.
Mas o Abaporu não seria de Oswald por muito tempo. No fim
de 1929, Tarsila e ele se separaram. Na hora da divisão dos bens, a pintora
ofereceu ao poeta, de sua coleção, uma obra muito mais valorizada, à época
- O Enigma de Um Dia, de Giorgio de Chirico (1888-1978). E ficou com
seu homem que come.
Em 1928, o quadro foi exibido pela primeira vez em uma
exposição, em Paris. No ano seguinte, integraria as duas primeiras mostras
individuais de Tarsila, uma em São Paulo, outra no Rio.
Abaporu voltaria a ser exibido em terras cariocas em
1933. Em 1950, o quadro foi exibido no Museu de Arte Moderna (MAM) de São
Paulo. Dois anos depois, integrou nova mostra no MAM. O Abaporu participaria
ainda de duas bienais: a VII de São Paulo, em 1963, e a XXXII de Veneza, em
1964.
Em 1969, o quadro participou de uma turnê por várias
cidades brasileiras, na mostra Tarsila: 50 Anos de Pintura. Três anos mais
tarde, estaria novamente exposto em São Paulo, na comemoração dos 50 anos da
Semana de Arte Moderna de 1922.
Mas nos anos 1960, Tarsila havia vendido o quadro para o
colecionador Pietro Maria Bardi (1900-1999), fundador do Museu de Arte de São
Paulo (Masp). Conforme Tarsilinha conta em seu livro Abaporu: Uma Obra de
Amor, "a pintora nutria uma expectativa de que o quadro passasse a
integrar permanentemente o acervo de um museu".
Bardi preferiu fazer dinheiro. Menos de um mês depois da
aquisição, revendeu a obra para o colecionador Érico Stickel (1920-2004). Em
1984, o galerista Raul Forbes comprou o quadro por US$ 250 mil - então o valor
mais caro já pago por uma pintura brasileira. Em 1995, Forbes decidiu leiloar
Abaporu na famosa Christie's, em Nova York. Foi arrematada pelo empresário
argentino Eduardo Constantini, por US$ 1,35 milhão - novamente um recorde
nacional.
Constantini criaria o Museu de Arte Latino-Americana de
Buenos Aires, o Malba, para o qual doou a coleção. O Abaporu voltaria a ser
exibido no Brasil em 2008, em mostra na Pinacoteca do Estado, em São Paulo; em
2011, no Palácio do Planalto, em Brasília; e em 2016, no Rio de Janeiro.
Em abril de 2019, o quadro chegou à casa sonhada por
Tarsila: o Masp, a renomada instituição criada pelo homem para quem ela vendeu
a obra, Pietro Bardi.
omo o Abaporu não está à venda, a referência mais precisa
que pode ser utilizada para estimar seu valor é o seguro feito durante
exposições. No ano passado, quando esteve exposto no MoMA, o museu de arte
moderna de Nova York, a apólice garantia US$ 45 milhões. Questionados pela
reportagem, nem o Masp nem o Malba informaram se o valor foi aumentado para a
exibição brasileira.
À BBC News Brasil, o argentino Eduardo Constantini,
fundador e presidente do Malba, não economizou elogios à obra.
"Sem dúvida é a peça mais representativa e valiosa da
arte brasileira. Sua iconicidade cresce ano a ano, como um mito também da arte
latino-americana", pontua. "Seu valor estimado hoje é impossível de
ser definido, mas é muito superior a US$ 45 milhões."
Tarsilinha revela que, em 2011, a então presidente Dilma
Rousseff perguntou a Constantini quanto custaria repatriar a obra. "Eu
estava ao lado e ele falou em US$ 200 milhões", conta.
O atual recorde financeiro atingido por uma obra de arte
brasileira é outro quadro de Tarsila. A Lua, pintado em 1928, foi comprado em
fevereiro deste ano pelo MoMA por US$ 20 milhões.
"As obras dela estão alcançando valores
estratosféricos, e isso valoriza os demais quadros também", comenta
Tarsilinha. "Tarsila do Amaral está começando a ganhar relevância para o
mundo."
Professora de História da Arte da ABRA - Escola de Arte e
Design, de São Paulo, a arquiteta Márcia Iabutti considera que, a despeito das
cifras das apólices, o Abaporu é uma rara obra "de valor
inestimável". "É símbolo de um movimento e carrega todo um contexto
junto a ela", comenta.
O marchand e doutor em história da arte Olívio Guedes tem
da mesma opinião. Para ele, o quadro é daqueles que "valem cada
centímetro". "O mercado tem vida própria e numa eventual negociação
futura é ele quem dirá o preço", afirma.
Guedes dá a equação que faz com que um quadro desse
quilate seja valorizado.
"Uma obra de arte é notória por vários sentidos: o
artista, seus relacionamentos, seu momento histórico e suas relações com o
período", resume.
Tarsila foi inventiva quanto às técnicas, era do circuito
considerado a elite intelectual brasileira dos anos 1920 e traduziu, com seu
trabalho, o contexto cultural de então.
"Somando tudo isso temos seu status e, portanto, sua
contabilização financeira", completa Guedes. "Abaporu é uma obra com
currículo próprio."
O marchand acredita que até o fato de a obra pertencer a
uma instituição estrangeira contribuiu para a valorização.
"É status", diz. "Porém, é péssimo não
tê-la (no Brasil)."
Guedes compara com o fato de a Mona Lisa, obra máxima do
italiano Leonardo da Vinci (1452-1519), estar no francês Museu do Louvre.
Tarsilinha diz que, no íntimo, também gostaria que a obra
mais importante da tia-avó estivesse no país.
"Claro que eu ficaria feliz com esse quadro no
Brasil. Por outro lado, acho que para a arte brasileira a venda do Abaporu foi
importantíssima. A arte brasileira começou a ter um caráter internacional
depois disso", avalia, comentando que, sobretudo após a mostra realizada
ano passado no MoMA, a obra da artista tem despertado muito interesse em outros
países.
"Estivesse recentemente em Paris, no Centro Georges
Pompidou, e o diretor me disse ter interesse em uma mostra da Tarsila. A
britânica Tate Modern também já se manifestou nesse sentido."
Iabutti lamenta profundamente o Abaporu não integrar
nenhuma coleção nacional.
"Fere o orgulho nacional. Não tem o menor
sentido", afirma.
Já a crítica e curadora Aracy Amaral, professora de
História da Arte da Universidade de São Paulo, tem outra opinião. Para ela, é
importante que a obra da Tarsila pertença a uma instituição estrangeira, pela
visibilidade.
"É uma honra o Abaporu estar em coleção tão
prestigiada como o Malba. Assim como é uma honra A Lua integrar o MoMA",
cita. "São coleções do mais alto nível internacional. Nessas instituições,
as obras são cuidadas e vistas por um grande público."
Mas o que é, afinal, o Abaporu? A leitura de Oswald de
Andrade e Raul Bopp acabou dominando o imaginário: aquela criatura canibal
simbolizaria o brasileiro devorando a cultura europeia e refazendo-a ao seu
modo. "Era um grupo maluco que falava que a gente pode comer o europeu e
depois criar uma coisa nova", diz Iabutti.
"É uma obra muito interessante, porque traduz o
sentimento de brasilidade", prossegue a professora. "Abaporu tem uma
composição muito limpa, muito concisa. É uma pessoa agigantada, de uma pessoa
com pés e mãos muito grandes, como se fosse o trabalhador. É a representação do
brasileiro, sendo visto de baixo para cima, com rosto indefinido, como se não
fosse uma só pessoa. Tem a cabeça pequena, os braços e as pernas grandes - uma
crítica social."
Em 2014, Tarsilinha lançou em livro uma tese inusitada
para explicar a obra da tia-avó. Em Abaporu: Uma Obra de Amor, ela traz
evidências de que a pintura seja um autorretrato de Tarsila, provavelmente nua,
feita como presente ao marido.
Tarsilinha recorreu a pesquisas familiares para
corroborar a versão. Ela descobriu que na casa onde a artista morava com
Oswald, um sobrado na Rua Barão de Piracicaba, região central de São Paulo,
havia um grande espelho que ficava inclinado no corredor que dava para seu
quarto-ateliê.
"O reflexo, distorcido por conta da posição
inclinada do espelho, mexeu com a imaginação da artista. Foi um estalo. Ela
sabia perceber a poesia nos detalhes, tinha esse faro artístico aguçado de quem
não enxerga o óbvio nas coisas, mas vai além. Tarsila viu na cena uma
oportunidade de criação", relata ela, no livro.
"No espelho, a cabeça da artista aparecia bem
pequena. O pé, gigante. Seus olhos de pintora se encantaram com aquela visão
inusitada, diferente e, por isso mesmo, interessante."
"Tarsila deve ter gastado muito tempo se observando.
Horas, talvez. O pé imenso… A cabeça, minúscula… A boca e os olhos quase
sumindo, a mão caída ao lado do pé grande… Que figura diferente!",
prossegue. "Aquela imagem lhe parecia provocativa, ousada, perfeita,
bem-humorada. Ficou gravada em sua retina, grudada em seu pensamento. Tornou-se
uma insistente obsessão."
Um outro indicativo é anatômico. De acordo com relatos
familiares colhidos por Tarsilinha, a artista, assim como a figura que aparece
no famoso quadro, também tinha o segundo dedo do pé maior do que o dedão.
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