História da Locomotiva N. 19 BLW 38009 / "Maria Fumaça" do Shopping Estação, Curitiba, Brasil
Curitiba - PR
Fotografia
Texto 1:
Depois de aposentada, qual é o melhor destino para uma locomotiva? Em muitos casos, entidades de preservação fazem uma petição para que a companhia administradora dos bens ferroviários conceda o direito de manter a peça de valor histórico em tráfego em um trecho restrito, com fins turístico-culturais. Quando isso não é possível, tenta-se ainda preservar o equipamento como peça estática em um museu ou mostra, com todas as suas características originais mantidas ou recuperadas. Preferencialmente, opta-se por manter a máquina histórica preservada em um lugar próximo a ferrovia onde operava, para que ateste o passado da companhia e seus admiradores possam ter noção da tecnologia do passado.
Infelizmente isso não acontece sempre. Muitas locomotivas e vagões que outrora prestaram valiosos serviços em linhas do Brasil, hoje jazem em pátios e galpões a espera de um destino, na maioria dos casos não muito amistoso. Algumas só saem de lá por motivos totalmente incoerentes, como o uso e locomotivas para enfeitar praças e alamedas. Muito benquistos para dar um toque neoclássico em ambientes públicos urbanos, os materiais ferroviários, alguns de grande valor histórico, se perdem pelo vandalismo e abandono ao tempo. Um exemplo bem conhecido na EFOM (Estrada de Ferro Oeste de Minas) é o da locomotiva American Nº 19 (BLW 38009), que prestava valiosos serviços no transporte turístico e executivo de passageiros nas linhas de 760 mm da companhia. Com o advento da era intensiva do transporte de cargas, as locomotivas 4-4-0 foram sendo deixadas de lado, até que pouquíssimas se encontravam em operação.
Fato é que a "19" foi vendida para ser utilizada como escultura no Parque Barigui, onde permaneceu por mais de 20 anos sob a ação do tempo e de vândalos, até que em 2010 a equipe do Museu Ferroviário de Curitiba, em parceria com o Shopping Estação, conseguiu autorização para retirar a locomotiva do referido parque e levá-la para seu empreendimento.
Atualmente se encontra preservada em um museu existente no local.
Parece bom? Sim e não. O problema é que foi totalmente descaracterizada, pintada com cores que destoam do padrão original, cabine totalmente alterada, várias das peças menores da caldeira e dos comandos removidas, tudo isso aliado a localização da mesma, em um museu que trata de uma ferrovia totalmente diferente (uma locomotiva da EFOM e um museu da RVPSC). Texto J. Teixeira adaptado por mim.
Texto 2:
Nas diferentes épocas da E.F Oeste de Minas, a empresa sempre lidou com três diferentes tipos de locomotivas: 4-4-0 (American), 4-6-0 (Ten-Wheeler) e 2-8-0 (Consolidation). Independentes do tipo de rodagem, sempre foram locomotivas "boas de vapor" e "boas de linha", no jargão dos ferroviários mais antigos. Os diretores da EFOM e posteriormente da Rede Mineira de Viação fizeram bom uso dos equipamentos, usando-os para tracionar trens de acordo com a sua capacidade.
Porém, com a chegada da Viação Férrea do Centro-Oeste, ou VFCO, a situação começou a adernar para o mau lado da companhia. Para começar, houve a erradicação de mais de 500 km da malha original da Oeste de Minas (Linha do Paraopeba e Ramal das Águas Santas, esse último removido contra a vontade do povo são-joanense). Depois, houve a notícia distante da construção de uma usina hidrelétrica na bacia de Itaipu, e haveria grande demanda do transporte de materiais de construção de todas as partes do Brasil. Os dirigentes da VFCO nem precisaram de se oferecer para gerenciar o transporte da carga: a ferrovia já havia sido escalonada para escoar o minério e o cimento que fosse fabricado e extraído nas pedreiras do Campo das Vertentes para as cidades de Antônio Carlos e Aureliano Mourão, onde a carga seria baldeada para trens de bitola de grosso calibre para ser levada até o local da obra, a quase 900 km dali. Nisso, a VFCO começou a fazer uma avaliação de seu material rodante para verificar quais equipamentos estavam adaptados para a árdua tarefa. As máquinas 2-8-0 passaram no teste sem problemas. As 4-6-0 também. Porém, as locomotivas da classe American foram observadas com olhar crítico, pois sua configuração era considerada ineficiente para o transporte intensivo de cargas. Então, o pessoal da companhia começou a tentar se desfazer de suas máquinas 4-4-0, dado que elas não seriam úteis no transporte do minério. Máquinas como a Nº 21 e a Nº 22 foram mantidas como locomotivas de manobra, servindo nos pátios de São João del-Rei e Antônio Carlos para movimentar as gondolas, pranchas e boxes que chegavam e partiam. Fora isso, restavam apenas mais algumas 4-4-0: A Nº 1, que nesse tempo se encontrava em Belo Horizonte como monumento, a Nº 16, já encostada na fila de morte, e a Nº 20, que estava em Lavras também como monumento estático. Fora isso, havia apenas mais uma locomotiva que não estava manobrando e nem parada: a pequena e desprotegida Nº19.
Apesar da locomotiva estar rodando e em perfeito estado de conservação, os dirigentes do Complexo Ferroviário de São João del-Rei da década de 1970 decidiram jogar a faca no quadro da Nº 19. Sem o conhecimento de seu "dono", a VFCO fechou um contrato com a Prefeitura de Curitiba para a venda do equipamento para os paranaenses, que desejavam uma locomotiva "clássica" para enfeitar uma das alas do Parque Birigui, situado na capital do estado. A venda foi efeituada. Porém, antes da locomotiva partir, os engenheiros da VFCO tiveram o cuidado de raspar todas as peças que pudessem vir a ser úteis em outras máquinas. Manômetros, a válvula do freio, bateria do farol, o tanque de óleo do tender e até o sino foram retirados para serem aproveitados em outros equipamentos. E semanas depois, veio a carreta para buscar a locomotiva.
No Parque Birigui, a VFCO 19 foi colocada em exposição em um jardim, dividindo espaço com dois outros carros de passageiros. Porém, a peça perdeu sua bela pintura original que deu lugar a um estilo bizarro, em tons de vermelho, amarelo, branco, rosa e azul. Permaneceu lá por aproximadamente 20 anos, até que os administradores do Shopping Estação decidiram comprar a máquina para servir como principal peça no hall do empreendimento.
A VFCO 19 ainda se encontra em Curitiba. Sua cabine está lisa, completamente isenta de peças de comando, embora a caldeira em si esteja em perfeitas condições. Preservada pelo pessoal do Shopping, felizmente está conservada. Porém, o fato da locomotiva estar situada no Paraná tem os seus contras. Esse equipamento não tem absolutamente nada a ver com a história da ferrovia em Curitiba. Não faz sentido a peça da Oeste de Minas fazer parte do museu que conta a história da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, ou RVPSC. Tem mais: a locomotiva está em boas condições, com suas peças básicas intactas. Poderia estar sendo exposta novamente no museu da ferrovia em que ela rodou, ou fazendo parte da frota de trens ativos da EFOM. De qualquer forma, atualmente, a única ameaça que a Nº 19 sofre são os raros casos de vandalismo leve, estilo chiclete grudado na cabine e papel de bala. Texto J. Teixeira adaptado por mim.
Nota do blog: Concordo que não é o local adequado. Mas muitas vezes temos o "ideal" e o "possível" da situação. Dessa vez o "possível" prevaleceu. O importante, no final, foi a preservação da locomotiva.