Mostrando postagens com marcador Usina Monte Alegre. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Usina Monte Alegre. Mostrar todas as postagens

sábado, 3 de abril de 2021

Usina Monte Alegre, 1917, Piracicaba, São Paulo, Brasil


 

Usina Monte Alegre, 1917, Piracicaba, São Paulo, Brasil
Piracicaba - SP
Fotografia


Mais do que metáfora, pode se dizer que a alma piracicabana se alimenta do rio Piracicaba. Às margens dele, construímos uma cultura, uma forma de ser. As marcas são indeléveis, permanentes. Por isso, já no Século XXI, todo um projeto de vida e de desenvolvimento de Piracicaba volta-se ao próprio umbigo da terra, aos lugares que lhe deram identidade: rua do Porto, Engenho Central, os lugares ribeirinho se, acima de tudo, Monte Alegre. Mais do que um nome mágico, é um lugar como que sagrado: relicário ecológico e patrimônio histórico-cultural.
Piracicaba, mesmo quando aconteceu o grande ciclo do café, viveu sob o signo do açúcar. E continua vivendo. Desde o início, quando a povoação se instalou em 1º de agosto de 1767, à margem direita do rio, já se sabia que as terras eram de tal forma férteis que permitiriam uma produção de cana superior à de Itu. (A historiadora Maria Celestina Teixeira Mendes Torres têm profundos estudos sobre essa formidável história, fontes idôneas para os textos destes fascículos.) Assim, quando a povoação se transfere para a margem esquerda, em 31 de julho de 1784, vão surgindo, ao longo do rio, acima e abaixo, os engenhos de açúcar, aumentando a área canavieira. Desde o seu início, pois, Piracicaba se faz elemento fundamental na economia açucareira paulista.
Os senhores de terras:
Em meados do Século XIX, a economia brasileira era dominada pelos barões do café, poderosos e absolutistas, influentes também na política. Senhores de grandes propriedades, como que imperaram em todo o Vale do Paraíba e no Oeste Paulista. Em Piracicaba, a lavoura de café teve, também, algum destaque. Mas, desde o Século XVIII, pequenina ainda, a povoação surgira para abastecer a longínqua Iguatemi, donde a necessidade de lavouras de subsistência, que surgem ao lado da incipiente lavoura de cana. Há como que uma economia mista com o plantio de milho, arroz, feijão, algodão, fumo, mandioca, além de cabeças de gado vacum e cavalar e boa quantidade de porcos.
A lavoura de café existe, mas os fazendeiros se destacam pela produção de cana de açúcar. No Século XIX, contam-se 51 importantes engenhos de açúcar, e apenas 21 fazendeiros plantando café. Segundo levantamento de Maria Celestina, o tombamento de 1817 acusava, em Piracicaba, “264 fazendeiros, sendo35 senhores de engenhos e 893 escravos”. A maioria dos engenhos e “fábricas de açúcar” está à margem esquerda do Rio Piracicaba, “junto à estrada da Vila de Itu e Porto Feliz”, no “bairro do Lambari e estrada de São Carlos (Campinas)”. E, no “bairro do Ribeirão das Panelas e Morro Azul”, há referências ao engenho de Felipe de Campos Bueno e a “terras com princípios de cana do dr. Nicolau Pereira de Campos Vergueiro”.
As terras férteis de Piracicaba já despertavam o interesse de homens de negócios e de grande fortuna. Um dos grandes proprietários, tido como um dos maiores latifundiários paulistas do Século XIX, foi o lendário Brigadeiro Luiz Antônio de Souza, casado com Genebra de Barros Leite. Estreitamente ligado a Piracicaba, o Brigadeiro Luiz Antônio possuía 16 engenhos, e instituíra morgadios (dotes de terras rurais) para os filhos, um deles o que se tornaria Barão de Limeira, Vicente de Souza Queiroz, e Luiz Antônio de Souza Barros, que se tornaria um dos senhores de engenho e fazendeiro de café de maior prestígio em Piracicaba.
Laços de família e Vergueiro:
Laços familiares poderosos fincam raízes em Piracicaba. Ao falecer, o Brigadeiro Luiz Antônio deixa, nas redondezas do povoado, terras sem fim. Uma de suas filhas, Ilidia Mafalda – irmã de Vicente e Luiz Antônio – casa-se com o Marquês de Valença, Estevão Ribeiro de Rezende, de forma que os seus descendentes virão fixar-se em Piracicaba, de onde surgirão os Barões de Rezende. Por outro lado, com a morte do Brigadeiro, a viúva Genebra casa-se com outro fazendeiro e político poderoso e de grande prestígio, José de Costa Carvalho, governador da Província, Marquês de Monte Alegre. Assim, por laços afetivos e familiares estão unidos os Barões de Limeira e de Rezende, o Marquês de Valença.
A esse tempo, um jovem português – bacharel em Direito e futuro senador – adquire, com o seu sogro, José de Andrade Vasconcelos, uma sesmaria com o nome de Morro Azul, origem do Engenho do Limoeiro. Em 1814, o mesmo Campos Vergueiro adquire a sesmaria Monjolinho, nos campos de Araraquara. As propriedades são fazendas imensas, que se unem – através da sociedade agrícola Vergueiro & Souza – às terras do Brigadeiro Luiz Antônio, fazendas do Taquaral e o Monte Alegre, este último adquirido ao Padre Manoel Joaquim do Amaral Gurgel, também um dos grandes proprietários de terra em Piracicaba. São fazendas como nome de Limoeiro, Taquaral, Monte Alegre, Pau Queimado, Monjolinho, que se estendem desde São Carlos (Campinas) até os Campos de Araraquara, nas proximidades onde está, hoje, Bauru.
Com a morte do Brigadeiro, e o casamento da viúva Genebra com José da Costa Carvalho, desfaz-se a empresa Vergueiro & Souza. Pelo acerto entre as partes, passam a pertencer ao casal José (Genebra) da Costa Carvalho o Monte Alegre, Taquaral e Limoeiro. Monte Alegre, à beira do rio Piracicaba e dentro do município de Constituição; o Taquaral, em direção a Rio das Pedras; o engenho do Limoeiro, nas proximidades de Porto Feliz. As terras que sobraram a Vergueiro – Ibiacaba e Tatu – correspondem em parte aos municípios de Limeira, Rio Claro e Araraquara.
Quando se forma, em 1822, o novo município de Vila Nova da Constituição, a maior parte das terras é formadas por Monjolinho, Morro Azul, Limoeiro, Monte Alegre, Taquaral e Pau Queimado. Essas terras iriam ser desmembradas, formando, mais tarde, cerca de três mil propriedades rurais.
O poderoso Costa Carvalho:
José da Costa Carvalho está entre os mais poderosos paulistas de seu tempo. Nascido na Bahia, foi em São Paulo que se projetou. Político, jornalista, homem da cidade e de partido, mais urbano do que fazendeiro, mesmo assim se tornou grande senhor de terras, para as quais voltou a sua capacidade administrativa. Foi o fundador do primeiro jornal de São Paulo, “O Farol Paulistano”, lançado em 7 de fevereiro de 1827. A sua influência é tão grande e suas ideias marcam de tal forma a intelectualidade brasileira que, quando da abdicação de D. Pedro I, em 1831, é ele chamado para ser membro da Regência Trina. Homens vinculados a Piracicaba estão no poder: José da Costa Carvalho e Nicolau de Campos Vergueiro, ao lado de Diogo Feijó. As lutas políticas irão separá-los, mas a força desses homens marca um tempo em que Piracicaba e Itu são centros de política e de economia.
De seu casamento com Genebra, as propriedades de José da Costa Carvalho multiplicam-se: adquire mais terras na vizinhança de Monte Alegre, amplia-as com outras propriedades à margem do Rio Corumbataí, mais outras da antiga sesmaria de Carlos Bartolomeu de Arruda, ainda outras da sesmaria do Padre Galvão. E estende suas propriedades também para além do Taquaral.
Serão Monte Alegre e Taquaral o embrião da Usina Monte Alegre. E José da Costa Carvalho passará para a história como o Marquês de Monte Alegre.
Cana e escravos:
Em 1836, Piracicaba – ainda Vila Nova da Constituição – está entre os principais produtores de açúcar para exportação no Estado de São Paulo. Com 78 engenhos, é superada apenas por Itu (93) e Campinas (83 engenhos e 9 fazendas). O café quase inexistia. A paisagem rural piracicabana é tipicamente canavieira: o verde claro dos canaviais, com alternância de pastagens, roças de feijão, arroz, milho, bananais e laranjais, além de pequenas plantações de algodão. Os viajantes e historiadores falam da presença de muita madeira de lei, como guarantãs, jequitibás, cabreúvas, perobas.
Em 1824, o engenho do dr. José da Costa Carvalho – o “Monte Alegre” – é administrado por Damião de Souza Nogueira, que também administrara o Limoeiro. Segundo Damião, havia escravos em ambas as propriedades. Em 1833, outro administrador de Monte Alegre e Monte Olimpo afirma haver “157 escravos naqueles engenhos, havendo necessidade de muita diligência e atividade.”
A produção e o Marquês:
Há registros da produção de açúcar dos engenhos e nas terras de Costa Carvalho em Piracicaba, incluindo Monte Alegre. O administrador Damião de Souza Nogueira declara, em 1822: “produziu 1.000 arrobas de açúcar branco, 550 arrobas de açúcar redondo, 41 canadas de aguardente, 500 alqueires de milho, 130 alqueires de feijão e 60 alqueires de arroz, com 30 escravos e 3 agregados”.
Em 1824, o mesmo Damião declara a produção: “açúcar branco, 600 arrobas; redondo, 400 arrobas; milho, 400 alqueires; feijão, 84 alqueires; arroz, 20 alqueires; aguardente, 40 canadas; 28 escravos e 2 agregados.”
Outros administradores, no entanto, acrescentam números mais amplos à produção, num total de mais 1.027 arrobas de açúcar branco e 385 arrobas de açúcar redondo, o que revela o aumento de produção à medida em que se ampliavam as terras cultivadas. Não se pode estabelecer a produção por engenho, pois os relatórios não os citam nominalmente. No entanto, fica claro que José da Costa Carvalho é um adepto da policultura e, também, interessado na pecuária. Foi José da Costa Carvalho quem, também, tentou incentivar a produção cafeeira no município. Assim, embora não residindo em Piracicaba – em virtude de sua intensa vida política – José da Costa Carvalho se torna responsável por princípios de desenvolvimento que irão marcar o município. A questão do transporte da produção, das comunicações – temas constantes da Câmara Municipal de Piracicaba – são acolhidos com atenção especial por José da Costa Carvalho, o primeiro todo poderoso proprietário do Engenho de Monte Alegre, por isso mesmo tornado nobre com o título de Marquês de Monte Alegre.
Ainda que não morando em Piracicaba, para onde vinha apenas esporadicamente, José da Costa Carvalho – Barão e Marquês de Monte Alegre – participa ativamente das questões locais, como a construção de pontes, que são de grande interesse para a sua atividade agrícola. As terras são situadas junto “ao rossio da Vila” e no já conhecido “Caminho de Monte Alegre”. Não são as maiores propriedades do município, mas chamam a atenção pela sua organização exemplar.
A influência de Costa Carvalho no Brasil vai-se ampliando. E Monte Alegre começa a receber visitantes ilustres, como Augusto Emílio Zaluar, historiador português, que faz longa viagem pelo Brasil imperial. Zaluar encantou-se com Monte Alegre, falando da “casa perto do rio Piracicaba, sobre uma suave colina, rodeada de plantações de cana”, mas com pouco café. Segundo Zaluar, “Monte Alegre seria uma das melhores e mais produtivas propriedades agrícolas do município, onde havia horta e pomar magníficos, cômodas e bem construídas senzalas, reinando em toda parte, ordem e disciplina”.
Em 1854, a Câmara Municipal envia ao governo da Província uma relação dos principais engenhos do município. O Brigadeiro Luiz Antônio de Souza é destaque, com três engenhos; Costa Carvalho, em seguida, com dois, ao lado do Barão de Itu.
Trabalho escravo:
A lavoura piracicabana ressente – se de mão de obra. Naquele ano de 1854, há claras referências às dificuldades “para se obter escravos”. As senzalas de Monte Alegre são testemunho da existência deles que, “escasseiam e começam a envelhecer”. Começa – se a falar em “política de colonização”, de busca de mão de obra no exterior. A produção piracicabana chama a atenção pela fertilidade do solo. Além da cana do açúcar, a prioridade, há café e chá. O alto custo dos escravos e a escassez deles em meados do Século XIX revela a importância que representam não apenas como mão de obra, mas como “instrumento de trabalho”. Um escravo custava 2:000$, sendo que uma criança, filha de escravos, valia 200$, preço de foices, enxadas e enxós.
Após a morte do Marquês de Monte Alegre, quando o Engenho de Monte Alegre foi visitado pelo Barão J. J. von Tschudi, este se surpreende ao encontrar o arado, instrumento para o amanho da terra então quase desconhecido em Piracicaba, mas muito usado na Fazenda Ibicaba, do Senador Vergueiro, em Limeira, já desde 1847.
O Senador Vergueiro e o Brigadeiro Luiz Antônio chegaram a diminuir o trabalho escravo, quase extinguindo-o, substituindo-o pela mão de obra estrangeira, especialmente alemã. Mas o José da Costa Carvalho, o Marquês de Monte Alegre, morre, em 1860, sem ter adotado a política da migração europeia.
Sem o Marquês, mas aristocrata:
José da Costa Carvalho, morrendo em 1860, não deixa filhos. Sua segunda esposa e viúva, Maria Izabel de Souza Alvim, herda suas terras e bens. Casa-se com um primo do Marquês de Monte Alegre, o dr. Antônio da Costa Pinto e Silva, que se tornaria famoso como Conselheiro Costa Pinto. Assim, o sítio de Monte Alegre passa, de sucessão em sucessão, por mãos de origem aristocrática e de forte influência política: Brigadeiro Luiz Antônio e Senador Vergueiro, depois José da Costa Carvalho, em seguida o dr. Antônio Costa Pinto. Sem o esplendor dos engenhos do Nordeste, do Vale do Paraíba ou do Rio de Janeiro, Monte Alegre continua recebendo visitantes ilustres.
Um desses visitantes é o escritor José de Alencar, amigo pessoal e companheiro de turma de Costa Pinto. Alencar é considerado o fundador do romance brasileiro, que ele introduz com temas indianistas. O escritor, ainda que muitos o tenham criticado por não ser fiel às paisagens que descreve, era apaixonado por ambientes rurais. Hóspede de Monte Alegre, também se encanta ao ver o rio Piracicaba, as colinas, a dureza do trabalho escravo. Em Monte Alegre, José de Alencar se inspira para escrever o romance “Til”, que se desenvolve no ambiente rural de Piracicaba e Santa Bárbara. É publicado em 1872 e fala da casa de Monte Alegre e de outra, na rua São José, como “relíquia histórica” . O nome “Til” é de um personagem, garoto, inspirado, segundo o intelectual Joaquim Luiz – em memorável palestra no “Theatro São José”, em 1912 – no sinal gráfico “til” que o serpentear do rio parece desenhar.
Tempos de Costa Pinto:
Antônio da Costa Pinto e Silva é um dos mais poderosos e influentes brasileiros na segunda metade do Século XIX. É um dos políticos que, também ao lado do Marquês de Monte Alegre e Senador Feijó, definiu a política do segundo reinado. Ocupou altos cargos, governando diversas províncias, como a Paraíba, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Entre outras atividades, associou-se ao Visconde de Mauá e ao Marquês de São Vicente para a construção da estrada de Ferro Santos-Jundiaí.
Por laços de amizade e de parentesco, por interesses econômicos, Costa Pinto é vinculado à chamada “dinastia açucareira” paulista. Em primeiras núpcias, foi casado com D. Maria Nazareth de Souza Queiroz, descendente de um dos mais ilustres troncos familiares paulistas, Francisco Antônio de Souza Queiroz, irmão do Brigadeiro Luiz Antônio de Souza Queiroz. Os laços de parentesco, Costa Pinto os fortalece ao se casar, em segundas núpcias, com a viúva do Marquês de Monte Alegre, Maria Isabel, que é filha de Ana de Souza Queiroz.
Apenas após cumprir o seu mandato no governo do Rio de Janeiro, o Conselheiro Costa Pinto passa a ter mais tempo para saborear do sossego de suas terras e residências em Piracicaba. Além de Monte Alegre, ele tem uma grande propriedade rural junto ao rio Corumbataí e uma bela casa ao lado do Jardim, onde é, hoje, o antigo cinema e atual Teatro São José, na rua São José. Nessa casa, Costa Pinto hospedou o Presidente da Província de São Paulo quando se inaugurou o abastecimento de água em Piracicaba e o chafariz, que foi uma doação de o fazendeiro Júlio Conceição, irmão do seu genro, João Conceição, casado com a filha Maria de Nazareth.
Conceição, Costa Pinto, depois os Silva Prado, todos eles se unem em laços familiares e interesses comuns. A eles se unem também os Pacheco e Chaves. A Chácara Nazareth resulta dessa história. Costa Pinto morre no dia 1º e julho de 1887, no Rio de Janeiro, ao visitar uma das filhas, Maria Catarina, casada com o Conselheiro Antônio Prado. O usufruto de seus bens é da viúva, Maria Isabel e, após o falecimento desta, os sobrinhos de Costa Pinto entram no gozo da herança.
Até o final do Século XIX:
Com a dissolução da herança, Monte Alegre passa – antes de atingir o fastígio com Pedro Morganti – por diversos outros proprietários. Em 1881, torna-se propriedade dos herdeiros do Marquês, Pedro Augusto da Costa Silveira e sua mulher Virgínia. Em 1888, com a morte de Pedro Augusto, a viúva Rita vende a fazenda a Joaquim Rodrigues do Amaral e a Indalécio de Camargo Penteado.
Naquele século XIX, o modelo de exploração agrária do Brasil era baseado na grande propriedade, na monocultura e na escravocracia. As terras e o Foto, 1935engenho de Monte Alegre tiveram muitos desses traços fundamentais. No entanto, não se pode dizer que o desenvolvimento de Piracicaba, no Império, possa ser comparado em tudo ao do Brasil. Por ter se destinado a centro de abastecimento da longínqua Colônia de Iguatemi, Piracicaba desenvolveu a policultura e, logo depois, manteve uma economia mista, não exclusivamente açucareira.
Em Piracicaba, os engenhos – Monte Alegre, entre eles – não se apresentam como eram os do Nordeste brasileiro, pois vão além da simples produção do açúcar para exportação. Há a “casa de morada”, não “casa grande”, com suas senzalas, mas os donos do engenho não residem na fazenda e, muitas vezes, nem mesmo em Piracicaba, mas em São Paulo ou no Rio de Janeiro.
Maria Celestina Teixeira Mendes Torres encontra a descrição de um engenho piracicabano, datado de 1825: “As fornalhas destas fábricas são construídas simplesmente. As caldeiras são assentadas sobre arcos feitos de tijolos e crivos em cuja cavidade por um arco em ponto menor que os outros, que lhe chamam boca, deitam a matéria combustível cuja cavidade segue com diminuição e alguma elevação até avante por onde deita o fumo deste chamam-lhe de ouvido; na parte inferior há outra cavidade aonde fazem depósitos de cinzas. Queimam-se nestas fornalhas todas as qualidades de madeira. Tempo próprio para o trabalho é de junho a dezembro.”
As primeiras grandes mudanças começam a surgir quando João Tibiriçá de Piratininga traz, para o Brasil, novas técnicas de produção a partir do engenho a vapor. Até aí e com as novas técnicas trazidas pela eletricidade, são os engenhos centrais os responsáveis pelo desmatamento das regiões açucareiras. É em 1890 que o antigo engenho de Monte Alegre será incluído entre os poucos engenhos centrais de São Paulo. Antes dele, havia o Engenho Central de Porto Feliz, de 1878. E, em 1884, o futuro Barão de Rezende, Estêvão Luiz de Souza Rezende, inauguraria o Engenho Central de Piracicaba. No mesmo ano, inaugurava – se o de Capivari.
É a nova e brilhante fase do ciclo do açúcar, com leis imperiais protegendo engenhos e estipulando condições e normas para a criação dos engenhos centrais. Em 9 de março de 1900, uma nova sociedade, a Companhia Engenho Central do Monte Alegre, adquire a Fazenda Agrícola Monte Alegre que “contém 835 alqueires de terras mais ou menos, ocupados por cultivados, matos, capoeiras, pastos, etc cerca de 200 quartéis de cana, um pequeno cafezal, Engenho Central bem montado, casas de morada, de administração”…
É em 1901 que a Companhia Engenho Central do Monte Alegre decide, por decisão de assembleia geral, transferir a sua sede para Piracicaba. Os proprietários são fazendeiros e capitalistas poderosos. E será importante notar – para avaliar-se a forte influência que exerceram em Piracicaba – que alguns deles estavam vinculados se, também, à fábrica de tecidos de Luiz de Queiroz, adquirindo, inclusive, o Palacete às margens do rio. São, especialmente, o Barão de Bananal – Luiz da Rocha Miranda Sobrinho, pai de Rodolfo Miranda – e Manuel Buarque de Macedo, um dos fundadores do “Jornal de Piracicaba”.
No início do Século XX, portanto, Piracicaba passa por um forte surto desenvolvimentista. O Engenho Central do Monte Alegre apresenta uma produção anual de cinco mil sacas de açúcar, de 60kg a saca, abrigando 50 operários nas atividades do engenho e mais 200 no plantio e colheita da cana. Segundo o “Almanaque de Piracicaba de 1900”, o açúcar de nossos engenhos estava “entre os melhores do Brasil”, destacando, o redator, o “açúcar cristal, de alvura de neve”. Em todo o município, a produção era de 35 mil arrobas anuais, através de cerca de 80 engenhos, pequenos e grandes, movidos a vapor, a água e por animais.
Desde o século XIX, o Brasil mostrava boa presença, no mercado mundial, pela produção de açúcar. Em 1873, na Exposição Universal de Viena, o açúcar brasileiro, produzido em Pernambuco e na Bahia, fora premiado com a “Medalha do Progresso”. Em 1904, na Exposição Universal de São Luiz, Maranhão, o primeiro grande prêmio coube ao açúcar produzido pelo “Engenho Central de Rafard”, um dos quatro engenhos da “Sucrérie Brésiliénne”. (Os outros três eram os engenhos centrais de Piracicaba, Porto Feliz e Lorena).
No entanto, apesar da boa qualidade do açúcar de Monte Alegre, será apenas a partir de 1910, quando adquirido por Pedro Morganti, que o engenho, além de produzir o melhor açúcar brasileiro, irá tornar- se uma das primeiras usinas não apenas do Estado de São Paulo, mas do País.
O italianinho Pedro Morganti:
Quando se proclama a República em 1889, já é grande o contingente de imigrantes estrangeiros, especialmente de procedência italiana, no Brasil. Em 1890, já havia uma família Morganti em São Paulo, chefiada pela “mamma” Beatrice Sargentini Morganti que tinha, a auxiliá-la, o irmão Carlos Morganti. Os Morganti residem na capital paulista, numa casa da rua Amaral Gurgel, esquina da Rego Freitas. No local, há uma torrefação de café. E, na casa, há um menino de 14 anos, um italianinho de nome Pedro. O menino nascera em Bozzano, Mazzarosa, Província de Lucca, na Itália, no dia 2 de abril de 1876.
Mal ainda adaptado ao Brasil, o menino Pedro é obrigado a retornar à Itália para cumprir o serviço militar italiano. Cumpre-o no 6ª “Bersaglieri” e, mais amadurecido, retorna ao Brasil onde o esperam novas e grandes lutas, intensas atividades. Pois o início do século XX permite, aos imigrantes, novas possibilidades que não apenas as da zona rural para onde eram alocados. São Paulo, especialmente, já vira a expansão de atividades de trabalhadores italianos, incluindo a de um certo Francisco Matarazzo, que inventara um processo de enlatar banha, em Sorocaba. A atividade industrial paulista é, pois, intensa. E os italianos participam da vida brasileira, com “concertos italianos” no Jardim da Luz, alfaiates que se vestem de soldados e tocam em bandas e cantam músicas populares. Há oficinas italianas na Bela Vista (Bixiga) e ouvem-se as cantorias espalhafatosas dos italianos.
Pedro Morganti trabalha como menino de recados, caixeiro, operário, um rapazote disposto a “fazer tudo”. Prepara, para si mesmo, um quarto feito de madeira, debaixo de uma escada, sem janela, como que já habituando-se à dureza da vida que o espera. Com alguns tachos a fogo nu e uma pá – conforme conta a historiadora Maria Celestina T. M. Torres – trabalha de 18 a 20 horas por dia para conseguir refinar dois ou três sacos de açúcar por dia. É o seu ingresso no mundo do açúcar, como comerciante. Em 1902, faz sociedade com Stefano Gori e, dois anos depois disso, consegue ampliar suas instalações, cria uma refinaria de açúcar ainda quase primitiva, requerendo autorização – que lhe foi concedida – para abrir uma porta e modificar uma janela na casa da Rua Amaral Gurgel, 110.
A abertura da porta e a mudança da janela abriram um novo mundo para o moço Pedro Morganti. Isso aconteceu em 28 de fevereiro de 1904.
Da batedeira aos refinadores:
Pedro Morganti teve a ideia de construir uma batedeira mecânica que agilizasse o refino do açúcar. E construiu-a . E, então, os seus negócios tomaram vulto de forma que, sempre em busca de aperfeiçoar os métodos de trabalho, o moço se Manifestações religiosas: procissão em 1947 e 1ª Comunhão em Monte Alegre, em 1956tornasse em profundo conhecedor do assunto. Dissolve-se a firma “Morganti & Gori” e, em 1910, Pedro Morganti organiza a Companhia União dos Refinadores. A ideia surge a partir das vantagens que Pedro enxerga em reunir, em uma única empresa, a matéria prima e o produto acabado. As usinas plantariam e produziriam ao mesmo tempo. É a partir dessa visão que, no mesmo ano de 1910, Pedro Morganti adquire o Engenho Central de Monte Alegre, em Piracicaba.
Transformando aquele Engenho Central na nova Usina de Monte Alegre, Pedro Morganti entra, definitivamente, para o universo da indústria açucareira, tornando-se um todo-poderoso e progressista senhor de engenho e de usinas. É a grande fase não apenas do Engenho de Monte Alegre, mas da indústria açucareira no Brasil. Os números expressam a evolução que a competência e a lucidez de Pedro Morganti imprimem ao setor: se, na safra de 1912/13, a produção fora de 13 mil sacas, há um salto, na safra de 1917/ 18, para 48.440 sacas.
Pedro Morganti não para. Deixa a Companhia União de Refinadores em 1916 e adquire a Usina Porto Real, em Floriano, município de Rezende (RJ). Em 1917, adquire, a José Teixeira Marques, o ainda pequeno Engenho Fortaleza, de Araraquara. Forma a Companhia União Agrícola que não prospera mas que dá lugar, em 1924, a uma empresa maior, a Sociedade Anônima Refinadora Paulista, com grande e moderna refinaria na Mooca, em São Paulo, à rua Borges de Figueiredo.
Em 1925, a crise do açúcar atinge o setor de maneira avassaladora. Pedro Morganti assume, junto aos credores, o passivo da Refinadora Paulista. O caos financeiro vinculasse à devastação dos canaviais por uma praga ainda desconhecida. É um piracicabano, o engenheiro-agrônomo José Viziolli – que seria indicado prefeito de Piracicaba anos mais tarde – quem identifica o causador da praga: o mosaico. Da Estação Experimental de Cana de Piracicaba, sai a descoberta da causa. Mas a devastação já acontecera. E a crise se torna aguda.
Em 1930, o governo federal cria a Comissão de Defesa do Açúcar e o Instituto do Açúcar e do Álcool. E dá-se início ao reerguimento.
Pioneirismo no álcool anidro:
São os lavradores paulistas que entendem mais rapidamente a nova ordem criada pelo Governo Federal. Os canaviais se renovam com outras variedades de cana, a javanesa especialmente. O governo passa a oferecer assistência técnica aos lavradores, estímulos para ampliação das usinas, substituição de equipamentos, para, enfim, a modernização delas. Em pouco tempo, são as usinas paulistas as que têm maior rendimento médio. O IAA – conforme citação de Maria Celestina – mostra o rendimento industrial de 1934/35, acima de 100 kg de açúcar por tonelada de cana. A primeira usina é da Vila Raffard, a segunda, de Piracicaba.
Além de dez usinas bem equipadas, Piracicaba, no entanto, continua o município onde há o maior número de engenhos pequenos, com processos rudimentares. Em 1935, são 235, que, ao lado das dez modernas usinas, fazem de Piracicaba o maior município paulista em número de instalações açucareiras. A Usina Monte Alegre está ao lado das grandes. Não é a maior, mas é considerada a mais moderna e de organização exemplar. E, portanto, preparada para receber novas técnicas de produção. Pedro Morganti conseguira fazer, de Monte Alegre, uma usina modelo.
E foi ele, Pedro Morganti, quem, de imediato, entendeu a campanha do IAA para o melhor aproveitamento da cana de açúcar como matéria prima. Era a produção de álcool ampliando-se. Pedro Morganti – cuja usina produzia álcool desde 1917 – determinou a importação imediata do primeiro aparelho para a fabricação do álcool anidro. Logo em seguida, adquire um ainda mais moderno para a usina de Araraquara, então com o nome de Usina Tamoio. Juntas, Monte Alegre e Tamoio se capacitam para produzir 60 mil litros diários de álcool anidro. Durante a II Guerra Mundial, apenas a Usina Monte Alegre haveria de produzir 6 milhões de litros, no ano de 1943.
A partir de Pedro Morganti e ao longo de sua luta e espírito renovador, o Estado de São Paulo consegue, em 1947, deslocar a liderança da produção açucareira do Nordeste para o Sul. A lavoura canavieira expande-se em todo o Brasil mas a grande transformação está em São Paulo: dos 52.590 alqueires cultivados em 1935, a área da lavoura da cana passa, em 1947, para 102.661 hectares. A partir de então, São Paulo passa a ser o líder absoluto da indústria açucareira nacional, com 193 usinas, com o maior número de destilarias, na produção também de álcool de todos os tipos. São Paulo é o primeiro em produção e em modernidade. Mas Minas Gerais e Pernambuco continuariam sendo os maiores em área de plantio.
De toda essa revolução industrial e econômica, um nome – entre outros que ousaram e realizaram – é o de Pedro Morganti. Em Monte Alegre, acontece a grande epopeia do açúcar e do álcool. Mais do que isso: um lugar modelo de produção, de riqueza e de viver.
O estudo de Maria Celestina Teixeira Mendes Torres não deixa margem a qualquer dúvida a respeito da espantosa evolução da Refinadora Paulista sob o comando de Pedro Morganti. Para se avaliar rapidamente, Monte Alegre produzia, em 1923, 47.634 sacos de 60kg. de açúcar; em 1932, passaria a 139.555. A Usina Tamoio, de 42.166 sacos em 1923, quadruplicaria a produção, em 1932, para 177.922 sacos de 60kg.
Pouco antes da eclosão da II Grande Guerra, Pedro Morganti ampliou enormemente a área das propriedades rurais e, por conseguinte, a sua produção. Em 1938, a Usina Monte Alegre era formada por enormes propriedades que se espalhavam pelo território de Piracicaba, além de terras nos municípios de Limeira e Rio das Pedras. Apenas em Piracicaba, à Usina pertenciam as terras de Monte Alegre, Taquaral, Santa Rosa, Bela Vista, Santa Izabel, São João, Varginha, Santa Cruz, Boa Vista, Recanto, Pigatti, Santo Antônio, Batistada, Sertãozinho, Furlan, São Luiz, Dois Córregos, Tijuco Preto. Em Limeira, a Fazenda Casulos, e, em Rio das Pedras, a Fazendinha e Santa Cruz.
Na realidade, quase um século depois, Pedro Morganti conseguira novamente juntar as antigas propriedades que haviam pertencido a personalidades de grande influência na economia brasileira, como o Senador Vergueiro e o Brigadeiro Luiz Antônio de Souza.
Tempos de glória e poderio:
Segundo estudos da assistente social Ilda Regitano apenas em Piracicaba as terras da Usina Monte Alegre somaram 5.135,8 hectares ou 2.122,24 alqueires. Incluindo Rio das Pedras e Limeira (Iracemápolis), eram 8.990,8 hectares ou 3.715,24 alqueires de terras, sendo que mais da metade ocupada pela cultura da cana.
Eram terras formadas por fazendas, pequenos sítios e, de maneira geral, interligadas por estrada de ferro e de rodagem. Sud Menucci é festejado em uma das visitas feitas à Monte Alegre A moderna indústria açucareira fazia-se acompanhar por trilhos de estradas de ferro. E, para se avaliar o espírito desenvolvimentista de Pedro Morganti, os trilhos da Companhia Paulista de Estradas de Ferro estavam a menos de um quilômetro da sede da Fazenda Taquaral, justamente na chamada Estação Taquaral. E a essa ferrovia ligava-se a estrada de ferro particular da Usina Monte Alegre. Em 1936, a usina tinha, em suas terras, 55 km. de estradas de ferro.
Em 1965, Monte Alegre era, ainda, uma comunidade rural pujante, organizada, com estrutura suficiente para lhe dar condições de vida dignas e adequadas. Naquele ano, segundo o estudo de Ilda Regitano, eram 3.089 os moradores da usina, sendo 1.709 pessoas na Usina Monte Alegre propriamente dita, 1.169 nas fazendas anexas de Bela Vista, Santa Joana, Santa Izabel, Varginha, Taquaral, Santa Rita e São Pedro, mais 211 em Macabá e Recanto.
Formara-se – daquela Usina e daquela comunidade – também um bairro, o bairro de Monte Alegre, que se revelava exemplar num estilo de vida, em condições comunitárias dignas de educação, saúde, entretenimento e lazer. Eram, em 1965, 326 casas de trabalhadores, além de residências de superintendentes, chefes, encarregados de serviços, estas mais amplas e confortáveis.
Morar em Monte Alegre:
À Monte Alegre de Pedro Morganti, embora uma comunidade rural, não faltou o conforto dos pequenos centros urbanos. As casas eram de boa construção, de tijolos, cobertas de telhas e servidas por rede de água tratada e esgoto, além de completas instalações elétricas. Apenas as fazendas Santa Joana, Santa Izabel e Bela Vista não possuíam instalações elétricas.
Os moradores de Monte Alegre dispunham de armazém de fornecimento, padaria, farmácia, barbearia, torrefação de café, bar, cinema e até mesmo pensão. Pedro Morganti pretendera, na verdade, construir uma verdadeira cidade dentro de sua usina, a gloriosa Usina Monte Alegre.
Quanto à saúde, nunca faltaram, à comunidade, recursos médicos. A Usina dispunha de ambulatório médico, inaugurado em 1942. Mesmo antes do ambulatório, o atendimento era efetivo, pontificando a dedicação de um médico que se tornou parte da história de Piracicaba, o dr. José Rodrigues de Almeida, tido como “anjo da guarda” daquela população. Em 1945, a usina passou a contar com um centro de puericultura, com serviço de higiene infantil, pré-natal e lactário. O prédio dispunha de quartos para pacientes, sala de operação, curativos e injeções, além de consultório médico e gabinete dentário. Tendo a sede da Usina como centro, realizavam- se trabalhos profiláticos em relação a enfermidades comuns à zona rural, além de exames médicos permanentes a todos os trabalhadores, da área industrial e rural, incluindo vacinas e abreugrafia.
Viver em Monte Alegre:
Em Monte Alegre, não apenas se trabalhava ou se morava. Vivia-se. Era lema de Pedro Morganti, como senhor de engenho moderno e consciente: “Trabalhar, sim. Mas com saúde e recreações.” Assim, foi por incentivo do próprio Pedro Morganti que se criou o clube de futebol da comunidade, o União Monte Alegre Futebol Clube, o mitológico UMA, que foi celeiro de craques e no qual iniciou a carreira um dos grandes ídolos do futebol brasileiro, Baltazar, tido como um “deus-negro” corintiano. Em 23 de abril de 1923, estava criado o UMA, apenas dez anos após o surgimento do E.C.XV de Novembro de Piracicaba.
O UMA foi um dos centros de união de Monte Alegre. Iniciando – se como clube de futebol, tornou-se, logo, uma entidade esportivo-recreativa agregando os moradores do local. Construiu – se a sede própria, canchas de bocha, salão de baile e a biblioteca. Como grande inovação para a época – e revelando, ainda outra vez, a visão de Pedro Morganti – adaptou-se um dos prédios para abrigar uma sala de cinema que passou a ser parte do lazer dos “montealegrinos”.
Escolas rurais:
Inicialmente, Monte Alegre tinha uma pequenina escola rural. As lembranças dos antigos mantêm a figura da “professorinha de roça”, vestindo guarda – pó, chegando de charrete para lecionar, trazendo seu próprio lanche. Depois, o Grupo Escolar, com classes atendendo em dois períodos e abrigando cerca de 350 crianças. É quando Pedro Morganti decide e inicia aquilo que irá fazer em todas as suas propriedades: ter a própria escola. E, em 21 de janeiro de 1927, cria-se o Grupo Escolar “Marquês de Monte Alegre”, em prédio da usina, inaugurado no dia 7 de fevereiro do mesmo ano.
Na Fazenda Taquaral, passariam a funcionar três escolas isoladas e, nas outras propriedades, escolas de emergência. Na Marquês de Monte Alegre, o corpo docente é nomeado pelo Governo do Estado que, também, fiscaliza o funcionamento das demais escolas. O grande educador piracicabano, Sud Mennucci, marca sua presença inúmeras vezes, tanto nas escolas de Monte Alegre como nas demais escolas rurais, fortalecendo- lhe a convicção da necessidade de se criar, no País, também as escolas normais rurais. É de Sud Mennucci o projeto de criação de tais escolas e, em Piracicaba, surgiria a primeira delas em São Paulo
Por exigência de Pedro Morganti, a diretoria da Refinadora Paulista não apenas cria escolas em suas propriedades, como ampara crianças com bolsas de estudos e apoia iniciativas educacionais. Tomando Monte Alegre e Tamoio como exemplo, Pedro Morganti dá ênfase a seu mecenato.
A igreja de Monte Alegre:
Católico com origens tradicionalistas italianas, Pedro Morganti fez questão de que, em suas propriedades, sempre houvesse uma capela. E os trabalhadores, a maioria deles também de origem italiana, ansiavam por manter viva essa fé católica. Em Monte Alegre – por decisão de Pedro Morganti e com a participação de famílias de moradores – surgiu , em 1936, a capela curada em homenagem a São Pedro, primeiro Papa da Igreja Católica. Em 1937, estava erguida – no alto da colina e voltada para os canaviais e para a usina – a Igreja de São Pedro, que acompanhava o mesmo estilo da Igreja dos Santos Caterina e Prospero, de Bozzano, Massarosa (Província de Lucca, na Itália).
Segundo Hugo Pedro Carradore, o projeto teria sido do engenheiro italiano Antônio Ambrote, que faleceu em São Paulo durante a construção da igreja. Capela de Monte Alegre, cujo interior possui pinturas de Alfredo Volpi. O acompanhamento da obra teria estado a cargo do engenheiro João Cirtes e, em seguida, de Ricardo Carderino. Depoimento colhido por Eugênio (Neno) Nardin, e também citado por Carradore, dá conta de ter sido Luiz Bocchetti o encarregado da obra, tendo João Foter como primeiro chefe dos pedreiros e João Batista Zinsly Sobrinho como chefe dos carpinteiros.
A pintura da capela ficou a cargo do então “pintor de paredes” Alfredo Volpi, italiano a quem, mais por ser italiano do que por ser pintor, Pedro Morganti dera o encargo. Volpi era, ainda, um desconhecido e sua arte não obtivera reconhecimento. Em Monte Alegre, a sua pintura encantou as pessoas sem que elas vissem a importância de uma obra que ali ficara impressa, na qual Volpi tivera o auxílio de dois pedreiros da usina, Vergílio Silva e João de Campos.
A Capela de São Pedro era parte da Paróquia do Bom Jesus, onde era vigário Monsenhor Martinho Salgot. A pedido deste, em 4 de janeiro de 1937, D. Barreto (D. Francisco de Campos Barreto), Bispo de Campinas – a cuja diocese se vinculava Piracicaba – concedeu a licença para, na capela, realizarem-se ofícios religiosos.
Neste ano de 2003, a Capela de São Pedro de Monte Alegre é de propriedade particular do empresário piracicabano Wilson Guidotti Júnior (Balu), que a restaura dentro do grande projeto que pretende implantar em áreas de Monte Alegre.
O aeroporto e vida cultural:
Pedro Morganti conseguiu dar, a Monte Alegre, intensa vida cultural. As suas relações com o Brasil e o exterior traziam, a Piracicaba, personalidades do mundo econômico, empresarial, cultural e artístico, especialmente os de nacionalidade ítalo-brasileira. Tendo conseguido também a cidadania brasileira, Pedro Morganti manteve suas raízes italianas, participando de e criando “círculos italianos”. Monte Alegre, assim, chegou a ser como que das relações culturais “ítalo-brasileiras”.
Adepto da aviação e compreendendo que o Brasil não poderia, com suas dimensões continentais, desenvolver-se sem uma grande estrutura aeronáutica, Pedro Morganti engajou-se na Campanha Nacional de Aviação. O líder do movimento foi o jornalista Assis Chateaubriand, com os “Diários Associados” mobilizando a opinião pública nacional. Em Piracicaba, o empresário João Bottene –inegavelmente, um gênio em Mecânica, inventor também de motores e locomotivas – foi o grande parceiro do patriarca de Monte Alegre. Com Bottene, Pedro Morganti fez, de Araraquara e Piracicaba, ainda em 1939, centros importantes daquela grande campanha.
O aeroporto de Piracicaba – Aeroporto Pedro Morganti, com o nome de seu criador – foi construído em terras de Monte Alegre. Pedro Morganti assim o quis. Mas, ele não viu esse seu sonho realizar-se: morreu antes da inauguração, que se deu no dia 18 de abril de 1942, com a presença de Fernando Costa, o Interventor Federal de São Paulo. Um dos aviões – de propriedade de João Bottene – foi batizado com o nome de “Comendador Morganti”.
Queda e renascimento:
Com a morte de Pedro Morganti, sucederam-lhe os filhos Lino, Hélio, Fúlvio e Renato. Com eles, Monte Alegre viu surgir a fábrica de papel e celulose, em 1953. As constantes mudanças na economia e na política brasileiras, no entanto, não conseguiram ser absorvidas pela Família Morganti. O Império Morganti foi, aos poucos, entrando em decadência. Em 1971, os novos proprietários da Refinadora Paulista pertencem à família Silva Gordo, com José Adolpho da Silva Gordo presidindo-a. A roda da História girava, pois os Silva Gordo dos tempos do Império Brasileiro tinham raízes fincadas em Piracicaba, aparentados com Prudente de Moraes.
Em 6 de março de 1980, há uma nova razão social: Indústria de Papel Piracicaba. E, em 20 de abril de 1988, é incorporada à Indústria de Papel Simão S/A, tendo Raul Calfat na direção. A partir de 1982, a Papel Simão entra em negociações com a Votorantim e, em 1995, Piracicaba vê a nova razão social que se dá à heroica e gloriosa saga das terras e das obras que se iniciaram nos tempos dos barões: Votorantim Celulose e Papel (VCP), da família Ermírio de Moraes.
São novos tempos. Mas Monte Alegre, o bairro, respira ares revitalizadores. A VCP, tendo como gerente geral Júlio Piatto, projeta grandes investimentos, olha para o bairro com atenção especial e com sensibilidade ambiental e histórica. Através da família Guidotti – em especial os irmãos Wilson (Balu) e Marco Antônio – projetos urbanísticos, imobiliários, estudos turístico-culturais, esforços de recuperação da memória de Monte Alegre se realizam. A Prefeitura Municipal volta seu olhos para o potencial histórico-cultural e turístico.
Monte Alegre, dos tempos em que o escritor José de Alencar olhava o rio Piracicaba e se inspirava para escrever romances, volta a iluminar-se. A roda da História, movimentando-se, faz seu eterno retorno: os tempos de glória estão voltando.

Usina Monte Alegre, Piracicaba, São Paulo, Brasil



Usina Monte Alegre, Piracicaba, São Paulo, Brasil
Piracicaba - SP
Fotografia - Cartão Postal


Os engenhos-usinas de São Paulo foram divididos segundo sua operação e rendimento. Entre os chamados de dupla pressão seca e de maior rendimento estão o Engenho Central de Piracicaba, o da Vila Raffard, o de Lorena, o de Monte Alegre e o Indaiá.
O Engenho Monte Alegre foi desenvolvido pouco a pouco, improvisado com aparelhos das engenhocas e duas moendas. Foi comprado dos herdeiros da Fazenda do Marquês de Monte Alegre e de parte da sesmaria de Carlos Bartholomeu de Arruda (Cartório do 10 Ofício de Piracicaba. Registro de Imóveis); em 1887 já produzia de 8.000 a 10.000 arrobas de açúcar.
Já em 1819, a propriedade do Marquês de Monte Alegre, Luiz Antônio de Souza Barros, situada à margem esquerda do rio Piracicaba, e aproximadamente a seis quilômetros do centro da cidade, foi avaliada em 10:822$160, contendo toda a “vasta terra, 24 escravos, casa de engenho, casa de purgar, senzalas, monjolo, olaria para telhas, alambique, três caldeiras de whe, duas rocas, dois novilhos, dois bois”.
Uma sociedade, formada por Indalécio de Camargo Penteado e Joaquim Rodrigues do Amaral,em1889, com um empréstimo bancário, remodela o antigo Engenho. Pertenciam então ao Engenho, num total de 2.228 hectares, 856 hectares de mato, 500 hectares plantados de cana, 622 hectares prontos para plantar.
Para o transporte de cana até o Engenho, existiam alguns quilômetros de estrada de ferro, comum a locomotiva e alguns vagões. A maior parte da cana chegava em grandes carros, puxados por seis mulas, carregando perto de 1.500 quilos do vegetal. Monte Alegre era um engenho pequeno em relação à grande extensão de suas plantações de cana e de seus compromissos com os fornecedores.
Em 1901, possuía duas moendas horizontais a vapor, três caldeiras geradoras de vapor, uma chaminé de tijolo, dois filtros para caldo e xarope, duas bombas de ar para os mesmos, resfriadeiras para massa cozida, seis turbinas Five-Little, uma moenda para açúcar, dois alambiques, oficina para reparações, estrada de ferro bitola 60cm., uma locomotiva e alguns vagões.
No decênio 1881-90, a exportação do açúcar é de 6,1% das exportações brasileiras, transformando-se, portanto, em produto restrito ao mercado interno. O relatório A Situação da Cultura da Canna deAssucar, a respeito de mão-de-obra dos engenhos, ressalta: “é crença geral que o assucar se faz na fábrica, mas não é assim; o assucar se faz na lavoura e extrahe-se e crystalliza-se na fábrica.” A economia rural apresentava vários aspectos novos, tais como a integração engenhos-fornecedores e a mão-de-obra dos imigrantes.
O fazendeiro era mais citadino que rural; a propriedade rural era seu meio de vida e só ocasionalmente local de residência e recreação. As receitas gastronômicas não mais se aprendem pelo convívio; tradições e festas de moagem desaparecem.
No caso dos engenhos-usinas, famílias, maioria de italianos, eram colonos pagos por peso de cana entregue e a administração não se preocupava muito com o sistema pela qual eles cultivavam a terra.
Segundo Nícia Vilela Luz, ainda não foram totalmente elucidadas as causas das falhas dos engenhos centrais. Autores contemporâneos atribuem à especulação desencadeada pela política de garantia de juros, enquanto outros estudos afirmam que os engenhos foram derrotados pela concorrência das usinas, que não estavam adstritas às mesmas prescrições contratuais.
O processo de fabricação do açúcar na usina distingue-se, sobretudo, pela evaporação a vácuo da água contida no caldo de cana com conjuntos de moendas de grande capacidade de extração. O produto obtido é dos tipos cristalizados com menos impurezas que os açúcares dos engenhos. Fabrica-se o álcool do melaço residual.
Em 1890, a usina reúne as atividades agrícolas e industriais, forma o seu latifúndio, aplicando métodos agrícolas tradicionais e criando no colono a consciência de fornecedores de cana.
Aparece o tipo social empreendedor e dominador: o usineiro, que nada tem a ver com a figura do senhor de engenho ou a do dono de fazenda. O usineiro é homem da cidade, industrial, representante da burguesia urbana. O usineiro vale pelas suas qualidades pessoais, realçadas pelo seu poderio econômico.
A figura do colono é diversificada nas várias usinas paulistas; enquanto em algumas há um contrato de empreitada para o trato das canas, nas usinas da Société Sucrérie Bresiliénne, o colono é todo aquele que planta, roça, corta, transporta e entrega a cana, carregada sobre vagões. São pagos, tomando por base os preços médios da cotação do açúcar no mercado de São Paulo.
A utilização de colonos era uma imposição do próprio estágio de desenvolvimento da lavoura canavieira paulista, num período onde a mecanização agrícola era muito incipiente e mantinha trabalhadores fixos nas empresas durante todo o ano.
As usinas, que desfrutavam de grandes extensões de terras, aproveitaram-se da instabilidade do colono nas lavouras de café, decorrente das crises do fim do século XIX. Passaram a usar os colonos cada vez mais intensamente nas lavouras de cana. Os colonos pagavam aluguel do terreno que ocupavam, variando entre 30$000 e 80$000 por alqueire. O preço da cana era de 8$000 por tonelada, quando o preço do açúcar cristal era inferior a 28$000 e a despesa de transporte, em média, 200 réis por tonelada de cana ou por quilômetro percorrido.
Em geral, o imigrante encontrou, à sua espera, um cenário pré-fabricado, com casas, todas do mesmo estilo e do mesmo material, pintadas da mesma cor e com as mesmas dependências: varanda, sala, cozinha, despensa e quarto, jardim, horta e instalação sanitária (casinha) no espaço externo. O colono introduz o forno externo para assar pão. As casas, em grupos de duas, três ou quatro, ficavam numa distância aproximada de 60 metros, uma da outra. Este cenário é rotineiro e padronizado, com plano simples e racional para facilitar a construção em serie. Os colonos que não dispunham de imediato de casas prontas, recebiam telhas, caixilhos, portas e janelas, madeira e cal, construíam seus próprios ranchos, comprometendo-se a devolvê-los ao deixarem o emprego.
No interior das casas encontravam-se móveis padronizados e formados, em geral, por cadeiras simples, amplas mesas retangulares e camas toscas, paredes recobertas de fotografias de parentes e gravuras de santos. Dentre as construções para atender às exigências iniciais da colonização, era construída a igreja com o seu campanário. O seu interior apresentava, geralmente, cenas da via sacra.
Quando as reações dos imigrantes, em particular da mulher, são focalizadas, sabe-se que a mulher reagiu, negativamente, às modificações de seus costumes domésticos. Na Itália central e do sul, o banho diário não fazia parte dos hábitos rotineiros. Aqui, a terra chamada roxa impregna a pele, a roupa, escurece as paredes e os móveis da casa. Essas alterações influenciaram o quadro cultural de algumas famílias, que já começaram a construir uma espécie de banheiro, fora da casa.
Direta ou indiretamente, o calor e a terra levaram o italiano à mudança de certos padrões de vida.
Os chamados “nortistas”, migrantes do nordeste brasileiro, por sua posição inferior na estrutura ocupacional, eram os empregados; os italianos eram os patrões e aqueles se sujeitavam aos horários destes.
Em 1877 havia, na região de Piracicaba, 1.660 imigrantes italianos. Já se percebia a marca do peninsular nesta região, onde foi fundada, nesse ano, a Societá Italiana di Mutuo Soccorso. Ainda nesse ano, vem à cidade de Piracicaba o representante da Itália, Alessandro D’ Atri, para verificar denúncias feitas por colonos italianos da cidade, de maus tratos infligidos pelos fazendeiros. D’Atri manda retirar a interpelação, noticiando “a grande amizade reinante” .
Já na terceira década do século XX, em 1938, a ação do empresário Pedro Morganti consegue novamente juntar as antigas propriedades que pertenceram ao Senador Vergueiro e ao Brigadeiro Luiz Antônio de Souza, em anos da primeira metade do século XIX. A Usina Monte Alegre, ainda no século XX (1965), era uma comunidade rural organizada, com aproximadamente 1.709 moradores da própria Usina e 1.169 provenientes de outras fazendas do município.
Foi formado o bairro de Monte Alegre, que contava com condições comunitárias de educação, saúde e lazer. Os moradores de Monte Alegre dispunham de armazéns, padaria, farmácia, barbearia, torrefação de café, bar, cinema e, até mesmo, pensão.
O Grupo Escolar Marquês de Monte Alegre foi inaugurado no dia 7 de fevereiro de 1927. Foi construída, em 1936, a Capela em homenagem a São Pedro e, em 1937, no alto da colina, a Igreja São Pedro, que acompanhava o mesmo estilo da Igreja dos Santos Caterina e Prospero, de Bozzano, Massarosa (província de Lucca, Itália). A pintura da Igreja ficou a cargo do, então, chamado “pintor de paredes” Alfredo Volpi. O artista teve o auxilio de dois pedreiros da Usina.
Em 1953 é implantada, no local, uma fábrica de papel e celulose.
O império Morganti entra em decadência. Os novos proprietários, em 1981, são da família Silva Gordo (Refinaria Paulista). A partir de 1982 a Usina, já incorporada à Indústria de Papel Simão S.A., passa a negociar com a Votorantim Celulose e Papel (VCP), da família Ermírio de Moraes.
Quanto ao programa da propriedade, foi mantida a urbanização central, com o prédio da Escola, o espaço de comércio, farmácia, empório e biblioteca, edifícios sem o seu uso específico. No alto da colina, a Igreja e algumas casas de moradia mantiveram-se como tais; outras tornaram-se escritórios e arquivos da empresa atual; os edifícios fabris estão plenamente desativados, descaracterizados em processo de deterioração.

História da Usina Monte Alegre, Piracicaba, São Paulo, Brasil

 


História da Usina Monte Alegre, Piracicaba, São Paulo, Brasil
Piracicaba - SP
Fotografia

Se hoje o Monte Alegre transmite uma sensação de paz e tranquilidade, aquele pedaço de Piracicaba já foi o símbolo da nossa riqueza, da nossa pujança econômica, da cultura canavieira que até hoje nos projeta. Monte Alegre já foi a nossa vanguarda financeira, hoje é o retrato da tradição que o Village Arte Decor quer preservar. “Mais que um nome mágico, Monte Alegre é um lugar como que sagrado: relicário ecológico e patrimônio histórico-cultural”, define, sem economizar poesia, o jornalista e escritor Cecílio Elias Netto, que lançou recentemente o livro Piracicaba que Amamos Tanto.
“O bairro, e especificamente a Usina Monte Alegre, fazem parte da história do setor sucroalcooleiro, como referência em produção de açúcar e álcool e, consequentemente, da história de Piracicaba e do Brasil. Monte Alegre é um retrato do ciclo canavieiro não apenas da cidade, mas do país”, concorda o pesquisador e escritor Pedro Caldari, ex-presidente do IHGP (Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba). O retrato do Monte Alegre, como afirmam os dois historiadores, vai da glória à decadência em menos de um século. Começa com os barões dos engenhos de açúcar, como José da Costa Carvalho, o marquês de Monte Alegre; tem seu auge no empreendedorismo de Pedro Morganti, e chega ao fracasso nos anos 70, quando não se renovou. “A usina do Monte Alegre foi considerada a segunda do Brasil, atrás apenas do Engenho Central. A fábrica de papel do Monte Alegre foi pioneira na fabricação de papel a partir do bagaço de cana. A decadência se deve às mudanças do próprio setor sucroalcooleiro, crises e transformações econômicas das décadas de 1960 e 1970”, explica Caldari.
Em sua fase de glória, nada anunciava a derrocada. Em meados do século 19, os barões do café dominavam a economia. Poderosos, mandavam e desmandavam no Vale do Paraíba e no Oeste Paulista. Mas Piracicaba não seguia a norma. A cana-de-açúcar é que imperava por aqui e as terras férteis do município atraíam a cobiça de ricos senhores. Um deles foi José da Costa Carvalho, que se casou com a viúva do famoso brigadeiro Luís Antônio de Souza e deixou sua marca em Piracicaba, mesmo não morando na cidade.
Carvalho passou a ser conhecido como marquês de Monte Alegre, e foi o primeiro ícone do bairro. “Ele foi um homem à frente do seu tempo. Não era apenas um senhor de terras, mas também um pensador, suas ideias marcaram a intelectualidade brasileira do século 19. Tanto que fundou o primeiro jornal de São Paulo, O Farol Paulistano. À frente do engenho Monte Alegre, adquiriu terras da vizinhança, indo até depois do Taquaral”, destaca. Era a primeira metade do século 19, quando o município ainda era conhecido como Vila Nova da Constituição. Na época, o engenho chegava a produzir 1.000 arrobas de açúcar branco. No período final do século, Monte Alegre tinha as senzalas, mas encontrava dificuldade
para conseguir escravos. Naquele período já se começava a pensar numa ‘política de colonização’ com imigrantes. Naquela época, morre o marquês de Monte Alegre, e sua viúva Maria Izabel se casou com um primo dele, Antônio da Costa Pinto e Silva, que ficou conhecido como conselheiro Costa Pinto. Por conta da influência política e social de Costa Pinto, Piracicaba e o Monte Alegre passaram a receber visitas ilustres, como o presidente da província de São Paulo, quando inaugurou o abastecimento de água em Piracicaba. E, como lembra Cecílio
Elias Netto, o escritor José de Alencar, que preferiu ficar em Monte Alegre. “Colega de turma de faculdade de Costa Pinto, o escritor era apaixonado por ambientes rurais, apesar de criticado por não ser fiel às paisagens que descreve. Ele se inspirou no Monte Alegre para escrever Til, ambientado no clima rural de Piracicaba e Santa Bárbara d’Oeste. O nome Til é de um garoto, inspirado no acento gráfico, semelhante às curvas do rio Piracicaba”, lembra o escritor.
Com a morte do Conselheiro, em 1887, o Monte Alegre passa por várias mãos. Nos primeiros anos do século 20, a riqueza do engenho é indiscutível, com a produção anual de 5.000 sacas de açúcar branco. E tudo começa a mudar de vez com a chegada do italiano Pedro Morganti, em 1904. Nascido em Bozzano, na Itália, em 2 de abril de 1876, ele já estava com a família em São Paulo, em 1890, mas retorna ao país natal para cumprir o serviço militar. Volta ao Brasil cheio de ideias e enxerga no Monte Alegre o palco para seu desejo de empreender. E transformar.
Cecílio define a fase Morganti como a mais progressista do Monte Alegre. Até porque seu patriarca tomava contato, em São Paulo, com outros trabalhadores italianos que escolheram o Brasil, caso de Francisco Matarazzo. “Pedro Morganti organiza a Companhia União dos Refinadores. A ideia surge a partir das vantagens que Pedro enxerga em reunir, em uma só empresa, a matéria-prima e o produto acabado. As usinas plantariam e produziriam ao mesmo tempo. É a partir desta visão que, no mesmo ano, ele adquire o Engenho Central do Monte
Alegre e o transforma na nova Usina Monte Alegre. Começa, assim, a grande fase não apenas do Monte Alegre, mas da indústria açucareira no Brasil”, conta Cecílio. Os números da safra não mentem. Se em 1912 a produção foi de 13 mil sacas de açúcar, em 1917 sobe para 48 mil sacas.
“Fundador, patriarca e referência como empresário para o momento histórico que representa a usina Monte Alegre e a fábrica de papel.” Assim Caldari define Pedro Morganti. O escritor também cita as raízes italianas e o espírito desenvolvimentista do empresário. “Pedro Morganti foi contemporâneo de Pedro Ometto, Mário Dedini e outros imigrantes italianos que se fixaram em Piracicaba e contribuíram muito para a criação de empresas de alcance e importância nacional.
Também contribuiu para obras de benemerência na cidade. A usina foi fundada por Pedro Morganti com apoio dos filhos Hélio (engenheiro, excelente técnico açucareiro) e Lino (profundo conhecedor de celulose)”, destaca.
Apesar de alguns entraves, como a ocorrência de uma praga chamada mosaico, em 1925, então combatida pelo agrônomo José Vizioli, Monte Alegre só prospera, a ponto de contribuir de forma definitiva para a liderança do setor açucareiro nos anos 1940. Ao mesmo tempo, Morganti cuidou de instalar uma série de equipamentos sociais em Monte Alegre, não apenas as casas dos funcionários, que, como lembra Cecílio, tinham o conforto dos centros urbanos. “Eram casas bem construídas, de tijolos, servidas por rede de água tratada e esgoto, além de instalações elétricas”. Em volta, os moradores tinham uma série de serviços à disposição: armazém, padaria, farmácia, barbearia, torrefação de café, bar, cinema e pensão.
“As edificações e equipamentos do bairro fazem parte de um modelo muito comum à época, dando apoio ao funcionamento da usina e fábrica de papel por meio de diversos serviços, incluindo igreja, comércio para atender operários e familiares, escola, ambulatório médico e odontológico. Todos privados e mantidos pela usina”, ressalta Caldari. Morganti morreu em 1941, antes da inauguração do aeroporto que desejou ver construído em terras do Monte Alegre e depois ganhou seu nome. Foi sucedido pelos quatro filhos (Lino, Hélio, Fúlvio e Renato), que implantaram a fábrica de celulose em 1953. Mas, em 1971, a usina passa para a família Silva Gordo. Acaba fechando as portas nos anos 80. “Sou otimista com esses projetos que olham para o Monte Alegre com sensibilidade ambiental e histórica. Monte Alegre, dos tempos em que José de Alencar olhava o rio Piracicaba e se inspirava para escrever romances, faz seu eterno retorno. Os tempos de glória estão voltando”, conclui Cecílio.