Vercingetórix Joga as Suas Armas aos Pés de César, Alésia, Atual Alise-Sainte-Reine, França (Vercingetorix Jette Ses Armes aux Pieds de Jules César / Vercingetorix Throwing Down His Weapons at the Feet of Julius Caesar) - Lionel Noel Royer
Alésia, atual Alise-Sainte-Reine - França
Museu Crozatier, Le Puy-en-Velay, França
OST - 321x482 - 1899
Vercingetórix (Auvérnia, 80 a.C. — Roma, 46 a.C.) foi o chefe gaulês do povo dos arvernos que liderou a grande revolta gaulesa contra os romanos entre 53 a.C. - 52 a.C. Seu nome em gaulês significa ver (" acima de", "supremo" ou "grande") ; cingéto ("guerreiro") e rix ("o rei" ou "o chefe"). Caso se considere que o ver se aplica a rei ou aos guerreiros, tem-se "o chefe supremo dos guerreiros", ou "o chefe dos grandes guerreiros".
Teria sido a inspiração para a criação de Asterix, personagem francês de história em quadrinhos e desenho animado.
Filho de Celtilo, Vercingetórix serviu como auxiliar no exército romano. Em 56 a.C., Júlio César protegeu seu pai, permitindo-lhe afirmar-se como chefe de todos os arvernos com pretensões de ser rei. Porém Celtilo foi assassinado e César não interveio em seu favor.
A Gália estava dividida em três partes, ao norte, a "Terra dos Celtas", habitada pelos belgas, no centro pelos gauleses propriamente ditos (Galia Comata), e, ao sul pelos aquitanos. Politicamente, a parte meridional encontrava-se nas mãos dos romanos entre 222 a.C.-121 a.C., que a denominavam de Gália Narbonense, tendo como principal centro o porto de Marselha.
A Gália Comata estava habitada por tribos celtas. Dividiam-se, de um modo geral, em galos Heudos, Arvernos, Belgas, e nos que compunham as tribos marítimas que habitavam nas margens do Atlântico (onde hoje se situam a Bretanha e a Normandia). Esses gauleses, rústicos e durões, que até então estavam fora da órbita romana, eram chamados de "galos cabeludos" (Gallo comata), para separá-los dos chamados "galos togados" (já totalmente romanizados).
Caçadores e guerreiros, envolvidos em intermináveis desavenças tribais, os galos cabeludos desprezavam a atividade agrícola, apesar da grande fertilidade do solo. Dedicavam-se à criação de cavalos e de gado, havendo entre eles grandes artistas no trabalho com bronze, estanho e objetos de prata. O pouco comércio que conheciam era em geral praticado por comerciantes romanos.
Tendo se tornado governador da província romana da Gália Narbonense (moderna Provence) em 58 a. C., Júlio César procedeu com a conquista da tribos da Gália nos anos seguintes, realizando uma estratégia cuidadosa de "dividir e conquistar". Ele utilizou-se primeiramente de estratégias políticas com as elites da Gália, favorecendo certos nobres com apoio político e produtos de luxo como o vinho.
Sabendo explorar as desavenças e as eternas desconfianças reinantes entre os galos cabeludos, particularmente entre as duas grandes tribos que habitavam a parte central da Gália, os heudos e os arvernos, Júlio César se pôs em marcha. O pretexto para intervir na Gália Transalpina foi a provável invasão dela pelos helvécios, que faziam ameaças do outro lado do Rio Reno.
Com apenas quatro legiões (a 7ª, a 8ª, a 9ª, e a 10ª), cerca de 24 mil homens, sem contabilizar as tropas auxiliares, o romano deslocou-se pelos seis anos seguintes, entre 58 a.C. e 52 a.C. , por quase todo o território da Gália, impondo-lhe a obediência ao gládio e à lei de Roma. Sob seu comando, à sua disposição, ele tinha uma das grandes invenções de Roma: a legião.
Durante o primeiro semestre do ano 53 a.C., aldeias foram incendiadas, povos foram massacrados, sobretudo entre os belgas. Júlio César fingiu acreditar que a Gália estava novamente pacificada, mas esperava pelo pior, e isso aconteceu em 23 de janeiro de 52 a.C., quando, na floresta de Orleans, no território dos carnutos, foi decidida, por ordem dos druidas (magistrados das tribos) e dos chefes gauleses finalmente reunidos, uma insurreição geral da Gália.
Essa insurreição revelou-se necessária a seus líderes quando estes, bem informados, tanto por prisioneiros romanos, quanto por espiões gauleses presentes em Roma e capazes de transmitir-lhes mensagens, sobre as dificuldades políticas que os partidários de César enfrentavam em Roma. Os carnutos, em 13 de fevereiro de 52 a.C., massacraram então os cidadãos romanos de Orleans e a notícia foi transmitida a toda a Gália. Para a grande estupefação de César, pois a informação atravessou centenas de quilômetros em algumas horas, de modo que todos os gauleses foram informados em pouco tempo. Os avernos estavam sob a chefia de Vercingetórix.
Vercingetórix, de início, encontrou dificuldades pela frente. Foi expulso de Gergóvia, sua cidade natal, pelos dirigentes da comunidade que, por um lado, não queriam se lançar no que consideram como uma aventura e, por outro, viam com desconfiança o filho que podia também querer reivindicar a coroa de rei dos arvernos, como fizera o pai. Vercingetórix sabia ser popular e foi aos campos para recrutar vagabundos e certamente muitos camponeses ou mesmo lavradores privados de suas terras pela ocupação romana. Com esse primeiro exército, penetrou em Gergóvia, exortou os habitantes da cidade à resistência, acabou por convencê-los, além de expulsar os covardes e os traidores.
Consciente de que pode realizar na urgência uma espécie de unidade nacional, da qual talvez tenha ainda um sentimento confuso mas mesmo assim profético, ele enviou mensagens aos principais povos da Gália para convidá-los a se rebelarem e a se colocarem sob sua autoridade. Seus delegados foram bastante convincentes para obter a aliança de senenses, parisienses, pictos, cadurcos, turões, aulercos, lemovices, andecavos e todos os povos que viviam às margens do oceano Atlântico, a oeste da Gália. Para estar seguro de sua lealdade, exigiu, segundo o costume, que lhe fossem entregues reféns que serviriam de garantia.
Excelente organizador, ele recrutou soldados em cada povo, ao qual ordenou a fabricação urgente de armas, dando prazos imperativos de entrega. Sabia que a cavalaria era a arma do movimento e da decisão suprema numa batalha, e, portanto, zelou por sua formação. Ameaçou queimar vivos ou torturar até a morte os que pensassem em traí-lo, e inclusive deu exemplos aterrorizantes entre os que mostraram alguma fraqueza ou algum medo, cortando-lhes as orelhas ou furando-lhes os olhos, antes de enviá-los de volta para casa. Escolheu um de seus lugares-tenentes, Luctero, um cadurco, para comandar um exército que se instalará entre os rutenos do Rouergue (sul da França atual), enquanto partiu à frente de um exército sólido e disciplinado, o que era uma novidade entre os gauleses. Mas Vercingetórix serviu no exército romano, entre os bitúrigos. Estes, aliados de César, pediram auxílio aos éduos, que enviaram tropas e cavaleiros, mas, temendo a aliança dos bitúrigos com os arvernos, não atravessaram o rio Loire e voltaram para suas terras. O temor tinha fundamento, pois os dois povos uniram, de fato, seus exércitos.
Por seu lado, Luctero sublevou os povos do centro da Gália para poder atacar a província da Gália Narbonense. César, ao tomar conhecimento dessas más notícias da Gália Cisalpina, para onde se retirou, como de hábito, para passar o inverno, estava diante de um dilema, na falta de tropas suficientes. Devia dirigir-se para Bourges ou para a Gália Narbonense, sabendo que em ambas as hipóteses se arriscava a perder? Ele escolheu a segunda, próspera e pacificada há muito tempo, preferindo o risco de perder territórios do lado das Gálias do que ver uma província romana recair sob a dominação gaulesa.
Chegando a esta, e após uma visita de inspeção a Tolosa e a Narbona, enviou contingentes armados aos hélvios do Vivarais para pressionar os vizinhos destes, isto é, os arvernos de Vercingetórix, por sua presença militar ameaçadora. Ele próprio, contra toda expectativa nesse período de inverno, conseguiu atravessar em pouco tempo a região das Cévennes e atacar o território dos arvernos, que chamaram Vercingetórix em socorro. Depois, deixando o grosso do exército aos cuidados de Bruto, César foi a Viena, onde se achavam importantes elementos de uma cavalaria pronta a combater, e, remontando em direção ao norte, atravessou o país dos éduos. cuja atitude hesitante lhe pareceu suspeita, para mostrar sua força, e acampa entre os língones. Vercingetórix, segundo as previsões de César, desguarnece então suas posições do lado de Bourges e parte às pressas para Gergóvia, a fim de auxiliar seus compatriotas. César deixou em Sens duas legiões e, após confiar uma parte das tropas a seu lugar-tenente C. Trebônio para fazer o assédio a uma cidade gaulesa do Morvan (talvez Beaunet, no Loiret), cerca a cidade de Genabo (atual Orleans) com duas legiões que se instalam junto à ponte sobre o rio Loire para impedir a fuga dos habitantes. Estava decidido a punir de maneira exemplar essa cidade que deu o sinal da insurreição e após tomá-la com facilidade, mostra-se implacável: seus liderados queimaram, saquearam e massacraram. César marcha, a seguir, sobre Bourges. Advertido dessa aproximação, Vercingetórix deixou precipitadamente Gergóvia e retornou em direção a Bourges, indo primeiro em auxílio de uma cidade em bitúrigos, cuja localização exata é hoje difícil de saber e as legiões de César invadiram, antes de os centuriões e as tropas tomarem posse. À aproximação da cavalaria ilesa e dos primeiros elementos do exército de Vercingetórix, os habitantes dessa cidade, inicialmente submetidos pelos romanos, buscaram livrar-se deles, mas, vendo que a cavalaria gaulesa fora derrotada pelos cavaleiros romanos, acabam se submetendo definitivamente.
César, tranquilizado, prosseguiu seu caminho em direção a Avárico (Bourges). Ao dividir as tropas gaulesas por suas investidas, ao surgir onde não era esperado, ele desorganizou o dispositivo militar de Vercingetórix e desmontou a armadilha que o obrigava a escolher entre a perda da Narbonesa ou das Gálias. Daí por diante, ele foi de novo o mestre do jogo militar.
Vercingetórix decidiu então empregar meios extremos e praticar o que chamaríamos hoje a política da terra arrasada. Os gauleses corajosamente a aceitaram como um último recurso. Incendiaram suas aldeias e casas a fim de impedir os romanos de se reabastecerem de forragem e alimentos de primeira necessidade. Queimaram inclusive cidades, não apenas entre os bitúrigos mas entre seus vizinhos, ou em regiões limítrofes que os romanos teriam tentado ocupar para escapar à escassez. Júlio César, que conhecia perfeitamente a psicologia dos gauleses, escreve a esse respeito:
Se tais meios parecem duros e rigorosos, os gauleses devem achar ainda mais dura a perspectiva de verem seus filhos, suas mulheres reduzidas à escravidão e eles próprios perecerem, sorte inevitável dos vencidos. (...) Por todos os lados só se veem incêndios: esse espetáculo causava uma aflição profunda e universal, mas seu consolo era a esperança de uma vitória quase certa que faria esquecer prontamente, todos esses sacrifícios.
A questão colocou-se a Vercingetórix: Bourges devia também ser queimada? O chefe gaulês estava decidido a isso, mas os habitantes da cidade lhe imploram a não agir assim, argumentando que Bourges seria facilmente defendida, situada numa colina e cercada de um rio e de um pântano. Vercingetórix cedeu a esse pedido e confiou a defesa do lugar a seus melhores soldados. A piedade, num militar, é má conselheira: Vercingetórix acabou de cometer um erro que não deve ser cometido e que terá tristes consequências. Ele retirou-se na retaguarda de Bourges com seu exército de reserva e observou de longe, por seus batedores, o avanço romano, ao mesmo tempo em que mantinha contato com os habitantes de Bourges, encerrados em sua cidade e dispostos a suportar um longo cerco que César empreendeu sem hesitar. Quando soldados romanos se afastaram demais das tropas para buscar forragem e víveres, Vercingetórix os atacou, os dispersou e causou também uma grande carnificina.
O cerco de Bourges foi marcado por episódios sangrentos, e nem sempre César e suas legiões tiveram a vantagem, isso porque os habitantes da cidade resistiram até à fome, e os exércitos gauleses de apoio desferiram golpes muito duros contra os soldados romanos. Vercingetórix foi obrigado a afastar-se para tomar distância, elaborar uma nova estratégia e buscar o contato com o inimigo. Mas sua ausência é vista como suspeita e fala-se mesmo, nas fileiras gaulesas, de traição.
Esse episódio poderia ter custado a carreira e a vida de Vercingetórix. Este voltou ajuntar-se aos seus, que se inquietavam com sua ausência. Foi acolhido sem amenidade por seus soldados, cujas suspeitas nos são relatadas por César em frases: "Todas essas circunstâncias não podiam ter acontecido por acaso e sem intenção da parte dele. Ele preferia ter império da Gália com o consentimento de César do que com o conhecimento de seus compatriotas."
Vercingetórix, diante dessa rebelião verbal que poderia se transformar em revolta declarada, não perdeu a calma, explicou as razões da ausência e por que não delegou então seu comando nem se lançou ao combate. Impressionados, os gauleses aprovaram ruidosamente, batendo, como de costume, espada contra o escudo, aclamando seu chefe e censuram-se por terem duvidado dele por um momento. Mas o cerco a Bourges prosseguiu e tornou-se insuportável para a população civil. As legiões romanas acabaram por assaltar a cidade, derrubaram as fortificações e massacraram muitos habitantes, em represália aos assassinatos de cidadãos romanos cometidos em Orleans. Não pouparam nem velhos, nem mulheres, nem crianças. Os poucos sobreviventes buscam a proteção de Vercingetórix, que os acolhe em seu acampamento, mas cuidaram para abrigá-los num local retirado, para que esses derrotados não provocassem o pânico e a sedição nas fileiras de seu exército. Ao raiar do sol, Vercingetórix, num discurso às tropas, lembra que nunca desejou defender Avárico e lhes promete amanhãs felizes e vitoriosos com o prosseguimento de seu trabalho de unificação de toda a Gália, pedindo a todas as cidades gaulesas que forneçam recrutas.
César desceu então o vale do Loire e do Allier para chegar a Gergóvia, entre os arvernos, e impor-lhe o cerco, sabendo o quanto essa cidade natal de Vercingetórix tinha um poder simbólico. Encarregou seu lugar-tenente Labieno, que se encontrava em Sens, de dominar os parisienses de Lutécia que, sob o comando do aulerco Camulogenos, originário de Évreux, também tomaram parte no levante geral.
Pela primeira vez o nome de Lutécia, isto é, a capital do povo dos parisienses, foi mencionada na história romana. Labieno deixou os mais jovens de seus recrutas em Agedinco, isto é, em Sens, e dirigiu-se a Lutécia com quatro legiões. Depois de muitas hesitações e diversas peripécias, Cainulngenos e seu exército gaulês se instalaram na margem esquerda do rio Sena (na altura atual da praça Saint-Germain-des-Prés), e enquanto os soldados de Labieno acamparam na margem direita, no local hoje do Louvre. Com astúcia e valendo-se de uma tempestade e da noite, uma frota de pequenos barcos carregados de legionários conseguiu passar e desembarcar na atual Maison de la Radio. Avisados, os gauleses acorreram ao local que seria a planície de Grenelle e lançaram-se a uma luta que lhes seria desfavorável, apesar da valentia e da coragem do chefe Camulogenos, que morreu na batalha. Para escapar ao massacre, os gauleses fugiram imediatamente para as colinas de Meudon e de Issy, mas foram exterminados pela cavalaria romana lançada a seu encalço. Após essa expedição, Labieno voltou a Agedinco (Sens), onde foram deixadas as bagagens de todo o exército. Dali partiu ao encontro de César com todas as suas tropas.
Nesse meio-tempo, César cercou Gergóvia, cidade natal de Vercingetórix. Mas uma revolta dos éduos o obrigou a abandonar o projeto de apoderar-se dessa cidade altamente simbólica. Naturalmente, apresentou sua retirada como uma necessidade estratégica e dirigiu-se em marcha forçada rumo a Bibracte, onde jogou com a rivalidade entre os chefes dessa cidade. Após muitas lutas, matanças e escaramuças muitas vezes sangrentas, resolveu a questão e subjugou esse povo que havia muito dizia-se seu aliado e que, no entanto, assinou clandestinamente um tratado de aliança com Vercingetórix. Este, encurralado pelas legiões de Labieno e de César que acabam de se juntar, vendo sua cavalaria e sua infantaria em debandada, pediu às nações gaulesas limítrofes o apoio à sua causa. Não lhe restou senão um único recurso estratégico: encontrar um sítio geograficamente inexpugnável e entrincheirar-se ali com todo o seu exército. Ele escolheu Alésia.
O cerco de Alésia pelos romanos, em agosto e setembro de 52 a.C., e a resistência dos gauleses fazem parte da gesta nacional de uma Gália unificada provisoriamente como nunca havia sido, e tanto da lenda quanto da História. César compreendeu isso e se estendeu longamente sobre o que deveria marcar simbolicamente o fim da independência gaulesa. Militarmente, porém, o bloqueio e a tomada de Alésia nada tiveram de excepcional, os legionários romanos servindo-se de todas as máquinas de guerra habituais, das torres de aproximação, elevando linhas de circunvalação e túneis, rechaçando os exércitos de apoio gauleses ou as saídas dos sitiados, sobretudo graças à cavalaria constituída de auxiliares germanos, e acabando por privá-los de água e de alimento, ante a investida bem-sucedida dos romanos. Um último exército de apoio gaulês foi despedaçado. Os sitiados de Alésia, vendo os restos desse exército debandarem, compreenderam que tudo estava perdido. Vercingetórix convocou então uma assembleia e comentou assim sua derrota, dizendo, segundo César, "que não empreendeu essa guerra para seus interesses pessoais, mas para a defesa da liberdade comum; e que, sendo preciso ceder ao destino, oferecia-se a seus compatriotas, deixando-lhes a escolha de apaziguar os romanos por sua morte ou de entregá-lo vivo". Negociadores foram enviados a César. Este ordenou o desarmamento dos gauleses e a convocação de todos os chefes inimigos perante seu tribunal. Entre eles, Vercingetórix.
Júlio César foi voluntariamente lacônico sobre a rendição daquele que o enfrentou durante um ano e que conseguiu reunir os povos da Gália, o que era inimaginável para um romano. Ele não quis fazer de Vercingetórix um herói nem um mártir. Outros historiadores relataram a cena que forneceu o tema de muitos quadros de pintores de História, sobretudo no século XIX. Ela não engrandece César, menos irritado pela coragem desse inimigo que ele admira implicitamente do que pela perda de tempo que este lhe impôs, obrigando-o a desviar-se do essencial, isto é, a política que se faz em Roma, nesse meio tempo, sem ele e sobretudo contra ele. Essa cólera foi expressa numa atitude mesquinha que não era digna de César. Ele perdeu a serenidade. Foi Amédée Thierry, irmão esquecido de Augustin Thierry, que, levando em conta informações antigas sobre esse encontro último e trágico entre César e Vercingetórix, especialmente as de Dião Cássio e de Plutarco nos forneceu o melhor relato, em sua "História dos Gauleses":
Vercingetórix não esperou que os centuriões romanos o arrastassem de pés e punhos atados até os joelhos de César. Montando um cavalo ajaezado como para um dia de batalha, vestindo ele próprio sua mais rica armadura, saiu da cidade e atravessou a galope a distância entre os dois acampamentos, até o lugar onde estava o procônsul. Fosse pois que a rapidez da corrida o levasse muito longe, fosse porque estivesse cumprindo apenas um cerimonial antiquado, ele girou em círculo em volta do tribunal, saltou do cavalo e tomando a espada, o dardo e o capacete, lançou-os aos pés do romano, sem pronunciar uma palavra. Esse gesto de Vercingetórix, seu brusco aparecimento, seu porte elevado, seu rosto orgulhoso e marcial causaram entre os espectadores uma comoção involuntária. César ficou surpreso e quase assustado. Guardou o silêncio por alguns instantes. Mas em seguida, explodindo em acusações e invectivas, censurou o gaulês por "sua antiga amizade, por seus benefícios que ele havia retribuído tão mal". Depois, fez um sinal a seus lictores para que o atassem e o arrastassem pelo acampamento. Vercingetórix sofreu em silêncio. Os lugares-tenentes, os tribunos, os centuriões que cercavam o procônsul, mesmo os soldados, pareciam vivamente comovidos. O espetáculo de um tão grande e nobre infortúnio falava a todas as almas. Somente César permaneceu frio e cruel. Vercingetórix foi conduzido a Roma e lançado num cárcere infecto, onde esperou durante seis anos que o vencedor viesse exibir no Capitólio o orgulho de seu triunfo. Pois somente nesse dia o patriota gaulês haveria de encontrar, sob o machado do carrasco, o fim de sua humilhação e de seus sofrimentos.
Após sua rendição, Vercingetórix foi levado prisioneiro a Roma e jogado em uma cela na prisão Mamertina, onde foi mantido por seis anos. Sobreviveu até o triunfo final de César, quando foi obrigado a caminhar de mãos atadas amarrado ao carro de triunfo do general romano pelas ruas de Roma até o Capitólio, sendo novamente enviado à prisão e executado por ordem de César.
Vercingetórix cruzou a história como um meteoro. Sua principal epopeia durou apenas nove meses do ano de 52 ac. Ela foi narrada no último livro de César sobre sua conquista das terras onde hoje existe a França, a Guerra das Gálias. Muitos séculos depois, esse chefe gaulês se transformaria em um mito fundador da história francesa, e depois em ícone mundial, ao servir de inspiração para o personagem de história em quadrinhos Asterix.
O historiador latino Florus descreveu o líder gaulês como “aterrorizante por seu aspecto físico, por suas armas e por seu caráter”. Para o grego Dion Cassius era “impressionante por seu tamanho e por suas armas”. Nesses dois retratos estereotipados, reconhecemos o lugar-comum da Antiguidade clássica sobre os gauleses: todos eram grandes e assustadores. E loiros, de pele branca, cabelos longos, bigode, comiam e bebiam muito, enfim, verdadeiros gauleses de quadrinhos! O único que viu Vercingetórix e que poderia fazer uma descrição física apropriada foi César. Mas este preferiu falar sobre seu caráter.
Vercingetórix possuía um imenso carisma e grande eloquência: não desprezava a demagogia, que era a maneira pela qual convencia sua assistência como bem entendia. Possuía um autêntico gênio militar, e um instinto impressionante para compreender e neutralizar a estratégia do inimigo. Um adversário digno de César que poderia ter mudado o destino da guerra em favor da rebelião gaulesa. Vercingetórix também parecia desprovido de qualquer escrúpulo ou senso moral. Em muitas ocasiões fingiu, mentiu para suas próprias tropas ou para seus aliados; e agiu, contra inimigos e companheiros de armas, com uma crueldade e desprezo pelo outro que só tinha como possível justificativa a eficiência militar. Naturalmente, a guerra nunca foi parecida com o mundo colorido dos quadrinhos. E é claro que se César reconhecia o valor do adversário, tinha interesse em ressaltar os traços negativos de sua personalidade.
Assim o general romano o apresenta: “Vercingetórix, filho de Celtillos, arverno, jovem de classe social muito elevada; seu pai obteve a primazia sobre toda a Gália e isso lhe valeu, por aspirar à realeza, ser assassinado por seu povo”. O povo arverno tinha dominado a Gália, porém, depois que os belgas, ao norte, e os romanos, ao sul, tomaram muitos dos seus vassalos, e de mais de 100 mil guerreiros terem sido mortos pelos romanos, perdeu muito de sua influência e se confinou em Limagne, no coração de sua fortaleza. Esse recuo do poder arverno, ocorrido no tempo do avô de Vercingetórix, foi acompanhado pela supressão da realeza em favor de uma república de notáveis, de senhores feudais que César chamou de “cavaleiros”. Quando seu pai, que pertencia a essa classe nobiliária, tentou ressuscitar a realeza em seu proveito, foi executado por seus pares, entre 70 e 60 a.C. Em 52 a.C., Vercingetórix era, segundo César, adolescente, tinha entre 20 e 30 anos. Portanto, devia ter pouco mais de 10 anos quando seu pai foi assassinado.
Antes da luta contra os romanos, uma amizade ligava Vercingetórix a César. O gaulês serviu sob as ordens do general, em um dos contingentes fornecidos pelos povos aliados de Roma. Lutaram juntos, sem dúvida tempo suficiente para que Vercingetórix aprendesse táticas do exército romano. Não há registro do momento em que ele “traiu” César, nem a razão.
Segundo César, Vercingetórix tentava mobilizar os arvernos para que se unissem à rebelião dos povos da Céltica, que massacrou os comerciantes romanos instalados na Gália.
A fraqueza da Gália estava na sua incapacidade de se mobilizar como um todo, na falta de uma consciência nacional. Os sacerdotes druidas apareciam como os únicos capazes de reunir sob sua autoridade moral os turbulentos povos da Gália. Eram a alma, o cérebro e o nervo da rebelião de 52 a.C. Vercingetórix, por um lado, se colocava como braço armado dos druidas. Por outro, tomou o poder na sua cidade, e à custa de uma guerra civil se atribuiu o título de rei, tendo sucesso onde o pai fracassou. E atacou povos vizinhos, para restaurar a antiga supremacia dos arvernos na Gália.
À frente da coalizão gaulesa, seu maior objetivo era a libertação do jugo romano. Uma série de fracassos nas batalhas contra as forças de César o obrigou a mudar de estratégia. Começou uma tática de terra arrasada, destruindo colheitas, fazendas, burgos e cidades, com o objetivo de expulsar os romanos da região no inverno. Vercingetórix acreditava que os enfraqueceria, cercando-os para quando estivessem no final das suas forças, lançar um ataque devastador. Na Gália, poupou só Avacarium, uma cidadela com fama de inexpugnável.
Mas César se adiantou e atacou primeiro, tomando Avacarium. Por meio de uma imensa rampa de acesso, enviou seus legionários durante a noite, sob uma chuva incessante, e se apoderou da cidade. A primavera chegou e o exército romano pôde refazer suas forças graças às provisões encontradas na cidadela. Vercingetórix mudou novamente de estratégia. No lugar de vigiar de fora dos muros o esgotamento dos romanos para poder atacá-los, ele se fechou em outra cidade, Gergóvia, com o principal de suas forças, no início do verão. Esse local era mesmo inexpugnável, e César descobriu isso ao lançar um ataque e perder o efetivo de uma legião.
Essa vitória teve uma imensa repercussão na Gália. Foi a primeira vez que um gaulês conseguiu derrotar um exército romano. Muitos povos aderiram à rebelião, a começar pelos éduos da Borgonha. A Província (a Gália romana do sul) estava ameaçada. César não teve escolha: reuniu todo seu corpo expedicionário e se dirigiu para o sul a fim de proteger as possessões. Nunca o sonho de independência esteve tão próximo de se concretizar.
Contra dez legiões enfileiradas que se estendiam por quilômetros, Vercingetórix lançou a formidável cavalaria pesada gaulesa, capaz de penetrar nas linhas inimigas já dizimadas pelas flechas dos seus arqueiros. Foi então que César deferiu seu “golpe secreto”: a cavalaria germânica, que ele acabara de recrutar como tropas mercenárias. Sob seu ataque selvagem, os gauleses, desorientados, cederam e, em desordem, se retiraram para o local mais próximo: Alésia.
Alésia era a capital de um pequeno povo vassalo dos arvernos, os mandúbios. Era uma poderosa fortaleza e um local santo da Gália. César começou a cercar Alésia, fazendo com que seus soldados trabalhassem na construção de defesas 24 horas por dia. Após uma tentativa fracassada de escapar, Vercingetórix, no início de agosto, se fechou na cidade com provisões para 30 dias. Depois, fez com que toda sua cavalaria, inútil no caso de um cerco, escapasse durante a noite, com ordem de fazer um recrutamento em massa por toda a Gália. O plano era que o exército de César, encurralado entre os sitiados e a onda do exército de reforço, fosse exterminado. César percebeu a estratégia e dobrou suas defesas, dessa vez para o exterior de seu dispositivo. Estava cercado, mas preparado.
O exército de socorro chegou tarde demais. Apresentou-se diante das linhas romanas somente em 20 de setembro, quando os sitiados, desesperados, consideravam a possibilidade de recorrer ao canibalismo para sobreviverem. Os 250 mil homens, somados aos 50 ou 60 mil guerreiros de Alésia, deveriam vencer facilmente os 70 mil romanos. Mas estes estavam enterrados nas linhas de defesa, perigosamente mortais. Possuíam uma artilharia de catapultas eficiente, e soldados unidos na dura disciplina romana, sob o gênio militar de César. Do outro lado, os sitiados enfraquecidos pela desnutrição, e os reforços compostos na maioria por camponeses mal armados e mal treinados, pouco motivados a lutar tão longe de casa por uma causa incerta. Vercingetórix, isolado na fortaleza sitiada, não comandou o exército que veio tentar salvá-lo. Impotente, presenciou, do alto das muralhas, à sua derrota.
Os reforços gauleses realizaram três ataques em quatro dias contra as defesas romanas. O primeiro foi um ataque de cavalaria que foi vencida pelos germânicos de César. No dia seguinte, todo o exército gaulês atacou as linhas romanas que quase sucumbiram, não fosse pela presença de espírito de dois tenentes de César – um deles era Marco Antônio – que cobriram as brechas com tropas transferidas de outros pontos. O último ataque, o mais inteligente, colocou em confronto uma posição exposta do dispositivo romano e uma ação de comando de guerreiros de elite gauleses, enquanto o resto do exército fazia pressão sobre as linhas romanas. César, com seu manto púrpura de general, foi obrigado a intervir pessoalmente para libertar sua posição. Em seguida, o exército romano atacou os gauleses, que debandaram. Sob um luar fatal, a cavalaria de César contra-atacou massacrando os fugitivos.
No dia seguinte, Vercingetórix convocou a assembleia. Observou que ele não iniciara essa guerra para satisfazer uma ambição pessoal, mas pela liberdade de todos. Como era preciso ceder ao destino, ele se ofereceu. Enviaram uma delegação a César para tratar desse assunto. Este ordenou que entregassem as armas e lhe trouxessem os chefes. César estava nas trincheiras, à frente do campo de batalha. Entregaram Vercingetórix e depuseram as armas. O que se destaca claramente no relato é que Vercingetórix foi entregue por seu próprio estado-maior, que obedeceu a um ultimato de César exigindo a rendição total, incondicional. Por que César insistiu em ter Vercingetórix vivo? Para fazê-lo desfilar em seu triunfo. Era um costume romano que os chefes vencidos estivessem presentes, junto com o butim tomado do inimigo, no momento da cerimônia triunfal que consagrava a glória do general vencedor, atravessando Roma em um carro pomposo com suas tropas até o Capitólio. É o que aconteceria a Vercingetórix seis anos mais tarde, em setembro de 46 a.C.
Entre a captura e a exibição como troféu em Roma, Vercingetórix apodreceu na velha prisão de Tullianum. Escavada na rocha calcária da colina do Capitólio, era uma prisão úmida, sem luz ou ventilação. Podemos imaginar o estado de degradação do homem que a multidão veria desfilar para o triunfo de César: um farrapo humano lívido e esquelético, piscando incessantemente sob o sol de Roma. Depois disso, de acordo com a tradição, ele seria enforcado e jogado aos corvos e aos ratos.
Os franceses preferem guardar dele a imagem do unificador efêmero da Gália, do rival militar de César. Curiosamente, os historiadores romanos também: as versões tardias de sua rendição revelam isso. Em contrapartida, não temos indício de que ao menos uma das revoltas gaulesas que se seguiram, durante meio século, tenha sido em sua memória. Era como se Vercingetórix tivesse sido mais popular entre os romanos, que sempre reconheceram o valor de seus adversários, do que entre seus compatriotas, que provavelmente viram nele um aventureiro. Não havia na Gália o menor sentimento “nacional”. Além disso, os benefícios da paz romana, que se estenderam durante pelo menos quatro séculos, começaram a dar seus frutos, com o nascimento da civilização galo-romana. Três gerações após a conquista, os netos dos chefes gauleses que combateram em Alésia receberam do imperador Cláudio o título de cidadãos romanos.
Só no século XVI nasceu a idéia de que os gauleses eram os ancestrais dos franceses, e não os francos, e só na metade do século XIX reapareceu na história Vercingetórix. “O inventor” do mito foi Napoleão III. As escavações que ele conduziu nas supostas localizações de Gergóvia e de Alésia beneficiadas por vasta divulgação, trouxeram à tona a epopeia militar e nacional do chefe arverno.
Nascia Vercingetórix, como o primeiro herói histórico da nação francesa. O seu mito serviu para o patriotismo de uma França voltada para seus valores ancestrais, a ponto de transformar a imagem do guerreiro derrotado em Asterix, encarnação de certo “espírito francês”: irônico, belicoso e rabugento. E que, supostamente, nunca se rende.