terça-feira, 8 de junho de 2021

Chernobyl e a Tentativa da União Soviética de Esconder o Maior Acidente Nuclear da História - Artigo

 





Chernobyl e a Tentativa da União Soviética de Esconder o Maior Acidente Nuclear da História - Artigo
Artigo


É difícil imaginar uma tragédia pior que a de Chernobyl. Mas é ainda mais difícil compreender a ideia de como o alto escalão da União Soviética tentou evitar de todas as formas que o maior acidente nuclear da história viesse à tona.
Quando o reator número quatro explodiu, espalhando nuvens radioativas no hemisfério norte da Terra, da Checoslováquia ao Japão, e liberando na atmosfera o equivalente a 500 bombas de Hiroshima, o Partido Comunista da União Soviética tentou controlar informações para criar sua própria versão dos fatos.
"Esconderam a gravidade do acidente desde o início e se recusaram a evacuar Kiev (capital da Ucrânia)", diz a jornalista Irena Taranyuk, do serviço ucraniano da BBC.
Irena era uma estudante e vivia na época na parte ocidental da antiga URSS. Ela se lembra do medo e da confusão que sentiu quando a notícia foi divulgada.
"Nós nos informávamos por meio do 'inimigo' - a mídia ocidental, como a BBC - sobre o que estava acontecendo. Enquanto isso, muitos jovens e colegas universitários foram enviados para trabalhar na zona como voluntários, sendo expostos à radiação."
A URSS não conseguiu conter as notícias por muito tempo. "Não foi possível encobrir algo tão grande quanto isso. Os rumores começaram a se espalhar como água", diz Taranyuk.
Três décadas depois, ainda não sabemos a extensão total da tragédia ou quantas pessoas exatamente morreram de câncer ou de outras doenças decorrentes - estima-se que sejam cerca de 4 mil, mas este número pode ser maior.
Testemunhos, dados e histórias de sobreviventes, juntamente com o trabalho de pesquisadores, nos contam hoje como tudo aconteceu.
Mas vamos voltar aos fatos. O que exatamente aconteceu em 26 de abril de 1986 e como a antiga União Soviética tentou impedir que o mundo soubesse desse desastre?
Eram 5h da manhã quando Mikhail Gorbachev, o último líder da URSS, recebeu um telefonema. Ele foi informado de que havia ocorrido uma explosão na usina nuclear de Chernobyl, mas, aparentemente, o reator estava intacto.
"Nas primeiras horas e até mesmo no dia seguinte ao acidente, não se sabia que o reator havia explodido e que havia acontecido uma enorme emissão de material nuclear na atmosfera", disse o próprio Gorbachev mais tarde.
O homem mais poderoso da URSS naquela época não viu necessidade de acordar outros líderes políticos ou interromper seu fim de semana para realizar uma reunião de emergência, explica o historiador ucraniano Serhii Plokhii no livro Chernobyl: the History of a Nuclear Catastrophe (Chernobyl: a História de uma Catástrofe Nuclear, em tradução livre 2018).
Em vez disso, ele criou uma comissão do governo liderada por Boris Shcherbina, vice-presidente do conselho de ministros, para investigar as causas da explosão. Enquanto isso, os cidadãos corriam perigo. Mas ninguém se atreveu a ordenar uma evacuação.
A primeira aproximação de helicóptero, cerca de 24 horas após a explosão, mostrou a magnitude da catástrofe. "Quando eles desembarcaram, ainda não estavam prontos para aceitar o que havia ocorrido", diz o historiador.
O próprio Shcherbina escreveu em suas memórias que teve de se forçar a assimilar o que seus olhos viam.
"No começo, eles estavam em estado de choque e negação, não queriam aceitar o que havia acontecido, não queriam se responsabilizar pelo que aconteceu", diz Plokhii, que também é diretor do Instituto Ucraniano de Pesquisa da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
"Houve uma negação por parte daqueles que trabalhavam em Chernobyl e, além disso, era muito difícil dizer o que estava acontecendo sem se colocar em uma situação ainda mais perigosa."
Plokhii escreve em seu livro que "à medida que os níveis de radiação aumentavam, as autoridades ficavam cada vez mais nervosas, mas não tinham o poder de decidir pela evacuação". "O país levou 18 dias para falar sobre isso na televisão", acrescenta.
"A reação imediata foi esconder a tragédia e, em seguida, tentar minimizar a quantidade de informação publicada", diz Adam Higginbotham, autor de Midnight in Chernobyl (Meia-noite em Chernobyl, em tradução livre, 2019), que reúne testemunhos sobre o desastre.
O escritor aponta que havia uma "dimensão psicológica" nessa negação inicial. "O evento foi tão catastrófico e a escala do desastre foi tal que nem mesmo especialistas bem treinados, que entendiam exatamente a energia nuclear, conseguiram assimilar o que estavam vendo", diz Higginbotham.
"É preciso entender que a escala do acidente era muito grande até mesmo para os soviéticos para não se deixar levar por estereótipos típicos sobre como funcionava a URSS. A história é mais complexa e complicada do que isso."
Armen Abagian, na época diretor de um instituto de pesquisa em energia nuclear, disse a Shcherbina que a cidade tinha de ser evacuada. "Falei para ele que havia crianças correndo pelas ruas, gente colocando a roupa para secar no varal. E a atmosfera estava radioativa", teria afirmado Abagian, segundo o historiador Serhii Plokhii.
Mas a URSS avaliou que a retirada não era necessária. Ninguém queria assumir a responsabilidade de ordenar uma evacuação e, assim, fazer um mea culpa. Mas, enquanto a comissão pensava sobre o que fazer, as pessoas começavam a deixar a cidade.
O governo soviético não queria que as más notícias se espalhassem tão rapidamente quanto a radiação. Por isso, cortou as redes de telefonia, e os engenheiros e funcionários da usina nuclear foram proibidos de compartilhar informações sobre o que aconteceu com seus amigos e familiares, explica Plokhii.
Não era a primeira vez que os soviéticos enfrentavam uma situação assim. "Houve um outro desastre nuclear (muito menor) em setembro de 1957, em Kyshtym, nos Montes Urais, mas não havia nenhuma informação sobre isso", diz Plokhii. "Manter o silêncio era um protocolo padrão na URSS."
"Os americanos encontraram alguns sinais de que houve uma explosão e contaminação no primeiro desastre, mas não disseram nada porque eles próprios desenvolviam grandes planos nucleares e não queriam criar alarde."
Higginbotham também cita o acidente em Kyshtym, que os soviéticos conseguiram esconder com sucesso "Simplesmente adotaram a mesma abordagem em Chernobyl, mas, neste caso, a fronteira era mais próxima do Ocidente e a contaminação e seu alcance foram muito maiores."
"Foram os suecos que detectaram primeiro que algo estava errado e, em seguida, alguns britânicos que trabalhavam em outra usina nuclear", diz Plokhii.
Higginbotham diz que os suecos começaram a perguntar às autoridades soviéticas se houve um acidente nuclear, "mas, mesmo naquele momento, eles continuaram negando que algo tivesse acontecido."
Na Suécia, altos níveis de radiação foram detectados nos dias após o acidente cuja origem não tinha explicação.
"Autoridades europeis alertaram sobre o que estava acontecendo, e a URSS teve de divulgar informações. Revelaram mais e mais coisas, mas apenas pela pressão do Ocidente", concorda Plokhii, que acrescenta que o contexto da Guerra Fria é essencial para entender como os fatos se desenrolaram.
O historiador diz que a "insatisfação" daqueles que viviam na URSS naquela época também desempenhou um papel fundamental. As pessoas estavam se informando sobre os fatos por meio da mídia estrangeira e de rumores - alguns corretos e outros não - e não por seu próprio governo.
"Levou semanas, meses e até mesmo anos até que, gradualmente, a verdade emergisse, em parte porque eles capturaram correspondentes estrangeiros baseados em Moscou e os impediram de sair da cidade e se aproximar da zona do acidente", diz Higginbotham.
"Muitos desses jornalistas começaram a publicar qualquer informação que recebiam, mesmo que fossem rumores." Nos Estados Unidos, o jornal New York Post chegou a dizer que 15 mil pessoas haviam morrido, exatamente o oposto do que o governo queria.
"Eles não queriam que a população tomasse precauções", diz Irena. "Foi irônico que nos informássemos pela mídia estrangeira."
Mas Higginbotham diz que a história contada sobre Chernobyl no Ocidente é muitas vezes incompleta e que "muitas coisas que foram escritas são baseadas em ideias pré-concebidas sobre como era a vida na URSS", deixando de lado a dimensão psicológica e humana daqueles que tomaram as decisões.
"Chernobyl está frequentemente ligado a mudanças estratégicas na União Soviética e aos primórdios da sua abertura política, o princípio de tudo está em Chernobyl", explica Plokhii.
O historiador diz que queria escrever sobre a tragédia que fez parte de sua história pessoal. "Lembro-me do horror daqueles dias, não sabia o que ia acontecer e tentei reconstruir os fatos da melhor forma possível", diz Plokhii.
"A reconstituição me fez concluir que houve realmente uma ligação direta entre Chernobyl e a queda da URSS."
"A maneira como a União Soviética entrou em colapso não pode ser realmente entendida sem a história de Chernobyl."
Higginbotham considera que este foi um momento-chave "na desintegração da URSS, não só pelo custo econômico ou pela crescente desconfiança das instituições pelos soviéticos, mas também por causa de como isso mudou o próprio Gorbachev".
"O acidente revelou que Gorbachev corrompeu o império que havia herdado", diz ele.
"Mas a lição mais importante que Chernobyl nos deixa é o problema de confiar demais na tecnologia - as pessoas acreditavam que um acidente daquela escala era impossível mesmo após ter ocorrido - e também que uma cultura que nega evidências científicas e é baseada em mentiras e sigilo não é segura para ninguém."


Praça da Sé, 12/04/1934, São Paulo, Brasil


 

Praça da Sé, 12/04/1934, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
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Rua Barão de Itapetininga, Vista da Praça da República, São Paulo, Brasil


 

Rua Barão de Itapetininga, Vista da Praça da República, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
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Bairro da Liberdade, São Paulo, Brasil


 

Bairro da Liberdade, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia 

segunda-feira, 7 de junho de 2021

Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema / Fundição Ipanema, Iperó, São Paulo, Brasil

 


























Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema / Fundição Ipanema, 1884, Iperó, São Paulo, Brasil
Iperó - SP
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Criada pela carta régia de 4 de dezembro de 1810, na vila de Sorocaba, capitania de São Paulo, a Fábrica de Ferro de Sorocaba, denominada Real Fábrica de Ferro São João de Ipanema a partir de 1814, destinava-se à extração e fundição de ferro, voltada para o abastecimento do mercado interno e para exportação. O investimento na produção de ferro fez parte dos esforços lusos em modernizar a economia, sob inspiração do saber cientifico ilustrado que caracterizou a segunda metade do século XVIII. Com a Revolução Industrial, a pesquisa mineralógica e a produção de ferro e aço receberam incentivo do governo português, com a implantação de fábricas em Portugal e na América portuguesa.
Teve suas atividades iniciadas em 1765, quando Domingos Ferreira Pereira obteve privilégio exclusivo para exploração de ferro na região. Apesar da importância estratégica, a iniciativa enfrentou diversas dificuldades que culminou com o alvará de 1785 que proibiu o funcionamento de fábricas e manufaturas no Brasil, com exceção daquelas que produzissem tecidos grossos destinados à vestimenta de escravos. A vinda da corte portuguesa para a colônia em 1808 e a revogação deste alvará possibilitaram a retomada da exploração da metalurgia em vários locais do Brasil, como em Sorocaba.
Uma parte dos recursos para sua instalação seria proveniente da Real Fazenda e outra, de particulares, que teriam representação na administração. A fábrica constitui-se num grande complexo econômico que ocupava uma vasta área com inúmeras edificações, ampliada progressivamente ao longo dos anos. São João de Ipanema era formada por casa de fundição, administração, armazéns de carvão, açude, senzalas, moradias dos operários, fábricas de armas brancas, hospital, oficinas, quartel, represa e forno de cal. A fábrica contou com uma grande quantidade de mão-de-obra, especialmente escravos africanos, mas também trabalhadores livres, nacionais e estrangeiros.
Inicialmente foram trazidos da Suécia mineiros e o diretor, Carl Gustav Hedberg, cuja gestão foi marcada por conflitos e pelos escassos resultados, que levaram à sua demissão em 1814. Hedberg foi substituído pelo engenheiro Ludwig Wilhelm Varnhagen, que ficou na direção até 1821, quando a fábrica teve um período de recuperação, com a construção de dois altos fornos, inaugurados em 1818, a contratação de mestres fundidores alemães, a conclusão dos edifícios e a organização da escrituração contábil.
A direção da fábrica passou ao capitão Rufino José Felizardo e Costa (1821-1824) e Antônio Xavier Ferreira (1824-1834), período em que entrou em acentuado declínio. Enfrentando problemas de várias ordens, especialmente a baixa demanda no mercado interno e dificuldade de transporte para escoamento da produção, o ferro de Sorocaba tinha um preço pouco competitivo, o que tornava o empreendimento deficitário, situação que perdurou ao longo do Primeiro Reinado. Seu alto custo de manutenção somava-se à falta de investimentos, sendo o Estado um de seus únicos compradores, o que não era suficiente para suprir seu custeio.
Em 1825, pela decisão n. 78, de 29 de março, a Fábrica de Ferro de S. João de Ipanema, então sob a responsabilidade da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, passou para a Secretaria de Estado dos Negócios do Império. Tal decisão foi revista em 1831 pela lei de 15 de novembro, que orçou a receita e fixou a despesa para o ano financeiro de 1832-1833, que não apenas submeteu a fábrica novamente à pasta da Guerra, mas também designou verba do orçamento imperial para sua manutenção. Na década de 1830, a fábrica teve períodos de relativa prosperidade, com a expansão do mercado consumidor de produtos voltados para a lavoura canavieira em São Paulo, que aumentou sua receita. No fim dessa década, verifica-se a queda na venda desses produtos e o Estado assume o lugar de seu principal comprador, adquirindo munição e ferro destinado ao Arsenal do Rio de Janeiro. Foi também nesse período que foram contratados trabalhadores alemães, na administração do major João Bloem, com o objetivo de aumentar a produtividade da fábrica. Porém, um ano depois, a maior parte dos operários havia abandonado o estabelecimento.
A partir da década de 1850 a fábrica entrou em franca decadência relacionada ao avanço da cafeicultura e abandono do plantio da cana, cuja lavoura absorvia grande parte da produção e foi duramente atingida pelo fim do tráfico negreiro e pela substituição do escravo pelo trabalhador livre. Além disso, mantinha-se o quadro de precariedade das estradas, custo elevado da produção e concorrência estrangeira, situação agravada pelo crescimento de pequenas siderurgias ao longo do período, agravando a precária situação financeira da fábrica.
Em 1850, o artigo 11 da lei n. 555, de 15 de junho, autorizou o governo a arrendar a Fábrica de Ferro de Ipanema. Como só houve uma proposta de arrendamento, em 1860 o governo imperial suspendeu seu funcionamento, mantendo apenas o pessoal suficiente para o plantio das árvores e conservação dos edifícios. Grande parte do pessoal e material da Fábrica Ipanema foi destinada à unidade fabril que se mandou estabelecer na província de Mato Grosso, de acordo com o artigo 7º da lei n. 1.042, de 14 de setembro de 1859. Porém, como o empreendimento de Mato Grosso não deu certo, o governo encomendou dois relatórios para avaliar a situação de Ipanema: do metalurgista Julius Bredt (1862) e do engenheiro Guilherme Schuch Capanema (1863), que atestavam seu mau estado de conservação.
O relatório ministerial de 1863 informa sobre a necessidade de se aproveitar Ipanema “não só para a fundição de artilharia e máquinas de guerra, como para a produção do aço e do ferro maleável, necessários ao fabrico de armamentos”. Com a Guerra do Paraguai (1864-1870) a fábrica volta a funcionar, sob a direção de Joaquim de Souza Mursa, recebendo um regulamento provisório pela decisão n. 422, de 25 de novembro de 1867. Ipanema foi responsável pelo fornecimento de armas brancas e munições, mas sua produção não foi capaz de suprir completamente as necessidades do Exército, em face da situação de abandono em que se encontrava a fábrica. Sua retomada foi um processo bastante lento: prédios e maquinaria estavam deteriorados, era necessário adquirir novos equipamentos, havia falta de mão-de-obra e escassez de matas para fornecer combustível necessário ao seu funcionamento.
A lei n. 2.692, de 20 de outubro de 1877, que aprovou o orçamento do Império para os exercícios de 1877-1878 e 1878-1879, designou que o dispêndio da Fábrica de Ferro Ipanema se daria pela Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Assim, pelo decreto n. 6.727, de 3 de novembro deste ano a fábrica foi oficialmente transferida para a Secretaria de Agricultura. Tal mudança obedeceu aos mesmos princípios que nortearam a criação da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas em 1860: o fomento à modernização e ao progresso, que colocava temas relativos a estradas de ferro, abertura de vias, navegação, telégrafos e demais serviços relacionados aos avanços tecnológicos sob sua jurisdição.
Durante a década de 1870, a fábrica voltou a produzir, mas enfrentava alguns dos mesmos desafios e obstáculos já elencados, oscilando entre períodos de maior e menor produtividade. Nesse período, ressaltam-se também melhoramentos importantes que favoreceram a retomada da Fábrica Ipanema, como a inauguração do ramal da estrada de ferro Sorocabana, que permitiu o escoamento da produção diretamente para a capital da província. Além disto, a produção de ferro foi beneficiada com a introdução de benfeitorias como, por exemplo, “novo forno, prédios para refino do metal, forja, modelagem e laminador”. No entanto, a concorrência sofrida com o produto importado, que atingia o ferro gusa e as obras moldadas, colocava a fábrica em situação de desvantagem, tendo limitado seu mercado consumidor, especialmente nos centros urbanos maiores. A crise financeira de Ipanema permaneceu ao longo dos anos. Mesmo sem estrutura adequada e com elevado custo de mão-de-obra, o governo continuou a financiar o empreendimento, o que gerou diversas manifestações nos debates políticos e intelectuais travados em torno do problema.
Uma questão que parece ser fundamental para os desvios de rota da Fábrica Ipanema refere-se, na realidade, à infraestrutura da economia brasileira no século XIX. Em especial, a carência de uma rede de transportes eficientes foi uma reclamação constante dos inúmeros relatórios apresentados pelos administradores da fábrica aos ministérios aos quais estavam subordinados. A boa qualidade da produção de Ipanema foi ressaltada por alguns de seus diretores, entretanto a concorrência era impossível, pois o custo de transportar os artigos para dentro ou fora da província de São Paulo elevavam os preços a patamares sem precedentes.
Considerada estratégica para o projeto de modernização da economia, a fábrica recebeu investimentos do governo imperial na década de 1880, especialmente em 1882 e 1883, o que não foi suficiente para garantir os déficits operacionais. Apesar disso, o governo continuaria investindo na Fábrica de Ferro Ipanema até o fim do Império, sustentando um projeto que visava garantir a implantação da siderurgia no país.

Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema / Fundição Ipanema, 1884, Iperó, São Paulo, Brasil


 

Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema / Fundição Ipanema, 1884, Iperó, São Paulo, Brasil
Iperó - SP
Fotografia


A Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema, ou Fundição Ipanema, foi uma siderúrgica que operou entre 1810 e 1926 na Fazenda Ipanema região de Sorocaba, no atual município de Iperó, interior do estado de São Paulo, no Brasil.
Este importante empreendimento industrial foi o resultado de um longo planejamento da Coroa Portuguesa. Foi precedido pelas experiências de fabricação de ferro no morro de Araçoiaba, que começaram ainda no século XVI, com Afonso Sardinha (pai e filho). Ali, no que se chamava vale das Furnas (atual Ribeirão do Ferro), fizeram instalar um forno e duas forjas para fabricação de ferro pelo método direto, reconhecidos como a primeira tentativa de fabricação de ferro em solo americano.
A partir da reforma da Universidade de Coimbra, o professor de Química Domingos Vandelli incentivou muitos de seus alunos a estudar mineralogia e metalurgia. A Coroa Portuguesa enviou vários de seus ex-alunos para viagens de conhecimento na Europa. José Álvares Maciel esteve por ano e meio em Birmingham, Inglaterra, e José Bonifácio de Andrada e Silva e Manuel Ferreira da Câmara percorreram França, Alemanha, Itália e Suécia por 8 anos. Ao voltar da viagem, Bonifácio foi encarregado de restabelecer a Fábrica de ferro de Foz d'Alge, em Portugal, para onde contratou o engenheiro metalurgista Friedrich Ludwig Wilhelm Varnhagen (pai de Francisco Adolfo de Varnhagen) e o geólogo e mineralurgista Wilhelm Ludwig von Eschwege. O futuro Intendente dos Diamantes Manuel Ferreira da Câmara voltou para o Brasil com o projeto de implantar uma Fábrica de Ferro em Minas Gerais. Com a vinda da família real para o Brasil, os dois alemães foram convocados para contribuir na implantação de outros empreendimentos siderúrgicos no Brasil. Em janeiro de 1818 os naturalistas alemães Johann Baptiste von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius visitaram a Fundição Ipanema, como descrito no livro Viagem pelo Brasil.
D. Rodrigo de Sousa Coutinho, ministro de D. João VI, encarregou Varnhagen e Martim Francisco de Andrada e Silva de projetar uma Fábrica de Ferro moderna que aproveitasse o minério de Araçoiaba. O projeto foi concluído em julho de 1810, orçado em 60 contos de réis. A proposta enfatizava a necessidade de trazer técnicos europeus experientes na técnica siderúrgica.
A empresa foi criada através de Carta Régia de 4 de dezembro de 1810, como uma sociedade de capital misto, com treze ações pertencentes à Coroa Portuguesa e 47 a acionistas particulares de São Paulo, do Rio de Janeiro e da Bahia.
Para implantá-la foi criado o Distrito do Ipanema e trazida para a região uma equipe de técnicos sueca, contratada em dezembro de 1809, liderada por Carl Gustav Hedberg.
Além da presença de jazidas de magnetita, foram decisivos para a escolha do local, a abundância de madeira que alimentaria os fornos, e de água, força motriz por excelência até meados do século XIX.
Em 1815, Hedberg foi substituído pelo alemão Ludwig Wilhelm Varnhagen, incumbido de construir os altos fornos da fábrica, inaugurados em 1818. Duas campanhas de fusão foram realizadas, um com duração de 3 meses e outra com duração de sete meses.
Em 1820, José Bonifácio visitou a Fábrica e redigiu uma Memória, com críticas à arquitetura funcional dos altos fornos.
Dos altos-fornos da Real Fábrica de Ferro de Ipanema sob a direção de João Bloem saíram muitos dos artigos necessários ao Brasil do século XIX, de panelas de ferro a maquinário para engenhos de açúcar e café, gradis, escadas, luminárias, etc, com artigos premiados em feiras nacionais e internacionais, à época.
A Fábrica vive um momento de crescimento e investimento sob a direção do Coronel Mursa, entre 1865 e 1890. Com as reformas introduzidas nos perfis internos dos altos-fornos, dobrou a produção diária de ferro gusa. Os operários austríacos que trouxe em 1878 permitiram introduzir um novo processo de refino do ferro, o processo estiriano, mais eficiente. Uma das técnicas que Mursa utilizou para garantir suporte econômico para o empreendimento foi a distribuição de coleções de objetos ligados a fabricação do ferro em Ipanema. Uma caixa desses objetos pode ser vista no Museu Republicano de Itu e outra faz parte do acervo do Museu Nacional, no Rio de Janeiro.
Considerada o berço da siderurgia nacional, a Real Fábrica de Ferro de Ipanema conserva menos de 20% de seu conjunto original. Os seus altos-fornos geminados existem até hoje e encontram-se sob a guarda do ICMBio, por meio da Floresta Nacional de Ipanema, em Iperó. Os três altos fornos foram escaneados interna e externamente em 2015 (por equipe da Universidade de Ferrara, Itália) e em 2016 (por equipe da Universidade de São Paulo), permitindo uma análise do vazio interior de cada um deles.
Documentos oficiais da Fábrica encontram-se arquivados e, em sua maioria, para livre consulta, em diferentes instituições: Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional do Brasil (Rio de Janeiro) e Arquivo Público do Estado de São Paulo (São Paulo).
Exemplares de livros suecos sobre siderurgia, correspondentes aos trazidos por Hedberg em 1810, estão disponíveis para consulta na Biblioteca de Livros Raros da Escola Politécnica da USP.
O trabalho de escravos públicos especializados foi utilizado na Fábrica de Ipanema. Esses escravos pertenciam ao Estado desde 1760, em ocasião do confisco dos bens dos jesuítas por parte da Coroa Portuguesa. O trabalho escravo na Fábrica estava presente em praticamente todas as etapas da produção exercendo as mais diversas atividades.

Stanislav Petrov, o Homem que Salvou o Mundo - Artigo


 

Stanislav Petrov, o Homem que Salvou o Mundo - Artigo
Artigo


Dizem que o mundo nunca esteve tão perto de desaparecer como naquele dia. Naquele dia, o presidente Reagan discursava contra os comunistas na ONU, a França continuava vetando a entrada da Espanha na Europa, os ditadores argentinos concediam anistia a si mesmos e a dupla Simon & Garfunkel se despedia do cenário musical para sempre. Naquele dia, ocorreria a inauguração de um centro comercial em La Vaguada [em Madri] e temiam-se ataques terroristas; a nova lei socialista de ensino, que reduzia a presença da religião nas escolas, era atacada por bispos e conservadores.
Naquele dia, 26 de setembro de 1983, Stanislav Petrov estava com 44 anos de idade e era um tenente-coronel do exército soviético responsável pelo Centro de Detecção de Ataques Nucleares da URSS. A partir desse bunker, ele gerenciava a imensa rede de radares, satélites, técnicos e analistas que procuravam proteger seu território contra os mísseis atômicos norte-americanos. No meio da noite, o centro foi sacudido por um alarme: os computadores tinham detectado um míssil que estaria voando em direção à Rússia a 24.000 quilômetros por hora. Petrov pediu que se confirmasse a informação; os computadores a mantiveram, embora os satélites de observação não conseguissem ver o tal míssil. Petrov achou — eram outros tempos — que as máquinas e seus algoritmos podiam se enganar. Decidiu aguardar; nos cinco minutos seguintes, mais quatro alarmes foram disparados. Um único desses mísseis tinha — tem — o dobro do poder explosivo de todas as bombas da Segunda Guerra Mundial reunidas.
Deve ser muito esquisito pensar que se tem nas mãos o destino do mundo. Se Petrov tivesse seguido o protocolo e alertado seus superiores, em poucos minutos várias centenas de mísseis nucleares teriam sido disparados em direção ao território norte-americano. Em apenas uma hora, a guerra nuclear teria acabado com a vida de milhões e milhões de pessoas. Mas Petrov decidiu esperar. Os computadores reconfirmavam a informação, mas não havia nenhuma confirmação visual dela. Deve ser muito estranho saber que, se você tomar uma decisão equivocada, a humanidade inteira pagará por isso.
Stanislav Petrov nasceu em Vladivostok, em 1939; não gostava de ser militar, mas vinha lidando com a função com facilidade. Menos agora, pois ali não havia nenhuma margem para dúvidas. Decidiu, então, que o alarme devia resultar de algum erro. Não fazia sentido que os EUA estivessem mandando apenas cinco mísseis em vez de centenas, como se poderia prever. Alguns minutos depois, o radar confirmou que não havia ataque nenhum.
Petrov acabara de salvar o mundo, mas o mundo não ficou sabendo disso, e tudo continuou como se nada tivesse acontecido. Os militares russos silenciaram sobre o caso. Seu sistema de defesa tinha falhado demais para que divulgassem o acontecido, de modo que só ficamos sabendo do episódio 20 anos depois. E, por alguma razão, o fato de nos inteirarmos disso não nos leva a perguntar quantas outras coisas nós também ignoramos hoje, coisas que estariam acontecendo neste momento e que só saberemos, talvez, em algum dia do futuro.
Stanislav Petrov não permaneceu por muito mais tempo no exército. Sua esposa morreu e ele pediu para ser reformado. Hoje, é um senhor de idade raivoso, fumante, irritadiço, trancafiado em um apartamentinho da periferia de Moscou, meio cansado de ser procurado apenas para falar sobre aqueles 15 minutos, que não parece ter outras coisas a dizer além daquilo que se passou naqueles 15 minutos, quando o seu grande acerto foi não fazer nada: a decisão de que a inação era a melhor ação possível. O fato de ele estar no comando ali, naquela hora, foi um acaso; talvez um outro militar tivesse seguido ao pé da letra o protocolo, talvez o mundo não existisse mais. Sua vida são esses 15 minutos, mas esses 15 minutos salvaram o mundo: poucas vidas — tão plenas, tão vazias — pesaram tanto para o destino como a sua.
As bombas continuam por aí: Estados Unidos, Rússia, China, França, Inglaterra, Índia, Paquistão e Coreia do Norte possuem milhares delas, capazes de fazer tudo voar pelos ares. Mas, por alguma razão, isso já não parece nos preocupar. Mesmo estando, como sempre, ao sabor de um acaso desconhecido. Ou de um bastante conhecido, um tal de Donald Trump, que ameaça com “fogo e fúria como o mundo nunca viu”, e que pode fazê-lo.

Palácio do Café / Antiga Bolsa de Mercadorias, São Paulo, Brasil


 



Palácio do Café / Antiga Bolsa de Mercadorias, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Prugner 28
Fotografia - Cartão Postal



O Edifício da Antiga Bolsa de Mercadorias está localizado entre os logradouros: Pátio do Colégio, Praça Manuel da Nóbrega, 40 e Rua Anchieta S/N, no centro da capital paulista. Nos primeiros anos de sua existência, era conhecido como o "Palácio do Café" e desde de 1977, abriga o Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. O edifício foi construído pelo Escritório Técnico Ramos de Azevedo e Severo & Villares, com estrutura de concreto e alvenaria de tijolos.


Hotel Esplanada, São Paulo, Brasil


 



Hotel Esplanada, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
94
Fotografia - Cartão Postal

Colégio São Luís, São Paulo, Brasil


 

Colégio São Luís, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
112
Fotografia - Cartão Postal