sábado, 7 de outubro de 2023

Monumento a Maria Polenta, Curitiba, Paraná, Brasil

 


Monumento a Maria Polenta, Curitiba, Paraná, Brasil
Curitiba - PR
Fotografia


Maria Trevisan Tortato, ou Maria Polenta, nasceu em 02/03/1880 em Mira, comunidade próxima à Veneza, região de Vêneto na Itália, filha do casal Giuseppe Francisco de Moretto Trevisan e Tereza de Bortoli.
O nome Maria prevaleceu durante toda vida, mas o Trevisan Tortato foi substituído por Polenta, cujo apelido veio a impor-se de maneira tão forte que até a data da sua morte, constrangendo a cidade, foi assim conhecida, tratada e benquista.
Em 12/02/1892 Giuseppe e Tereza imigram para o Brasil, à bordo do navio La Veloce. Chegam ao Paraná em 28/04/1892, provenientes do Rio de Janeiro. Trouxeram seus oito filhos: Giovani, Maria, Antônio, Sante, Virgínio, Domenico, Emílio e Anna. Mais tarde nasceria Luiz, já no Brasil.
Foi-lhes destinada a Colônia Alexandra, mas pelas condições inóspitas do local, mudaram-se para a Colônia Dantas, que mais tarde seria o bairro Água Verde, no local chamado Capão d'Amora. A região também era conhecida como Borghetto (que seria hoje entre a Travessa João Turin e a Avenida Sete de Setembro até a Praça do Japão), onde havia a maior concentração de italianos em Curitiba.
Maria Trevisan casou-se em 12/02/1898 com Giuseppe Tortato, na Paróquia de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. Em 14/01/1908, era celebrado o casamento civil, em Campo Comprido, Curitiba. Seu marido, conhecido como Bépi Érico, era pedreiro de elite, chamado para construir igrejas, a exemplo da Imaculado Coração de Maria, no bairro Rebouças. Após o casamento, passaram a residir na Rua Alferes Ângelo Sampaio, entre a Avenida Sete de Setembro e a Silva Jardim. Tiveram 10 filhos.
Antônio, irmão mais novo de Maria Trevisan, era funcionário da Todeschini e teria substituído Domenica Todeschini que era a cozinheira da fábrica. Como saiu-se bem na polenta, que era a base da comida, passou a ser chamado de "Antônio Polenta", apelido que estendeu-se à família.
A própria Maria contava que tudo iniciou quando ela sonhou com seu avô e este lhe dissera que no dia seguinte iria vir à sua presença uma criança com uma fratura e que ela deveria fazer tal procedimento para curá-la. De fato, segundo ela, tal sucedeu e a criança ficou sã em pouco tempo.
Maria Moreira, benzedeira famosa, lhe transmitiu os conhecimentos, além do ancião Modesto Emiliano que teria lhe instruído como lidar com os traumatismos musculares e ósseos.
Maria Polenta exercia a medicina prática, que está associado ao passe, à reza e a certos aspectos místicos, que acabam fornecendo elementos produtores de sabor às histórias. Ela era especialista em massagens magnéticas e diziam, principalmente os jogadores de futebol, que ela voltava qualquer osso no devido lugar.
Por ser uma espécie de curandeira, não apreciava médicos. Também benzia e receitava chás. Além de recolocar articulações como ninguém, transmitia ao elemento receptor a fé daquelas aplicações. Era tamanho o êxito de seus tratamentos que a cada dia aumentava sua clientela.
Era extrema a bondade de Maria Polenta. Vestia-se em trajes longos, a cobrir-lhe os pés. Nada cobrava pelos serviços, cabendo a cada um deixar numa caixinha o que pudesse.
O ritual de atendimento era sempre o mesmo. Ela puxava conversa, perguntava o nome e ia passando o polegar esquerdo na região afetada. De repente, dava um puxão. Depois, passava água vegetal canforada. Se fosse o caso, improvisava uma tala. O material era comprado no Laboratório Antisardina logo em frente. Depois de tirar a tala ela ensinava o que hoje se chama de fisioterapia. Foi assim durante 50 anos. Uma vida dedicada a minorar o sofrimento humano.
Maria Polenta era popular entre os "sem-médico", mas também cortejada pela nata. Tinha como vizinhos Guido Viaro, Erasmo Piloto e João Turin. Poty Lazzarotto chegou a pintar-lhe um retrato, de memória, por sugestão do médicoLuiz Carlos Sobania. Não por menos, um ano depois de sua morte, em 1960, o celebrado escultor Erbo Stenzel, fundiu o busto da "curadora de ossos", hoje instalado numa pracinha que leva o nome dela na Avenida República Argentina com a Getúlio Vargas.
Não lhe faltaram homenagens. Na década de 70, Maria Polenta virou nome de rua no bairro Novo Mundo, via que, aliás, faz cruzamento com a Maria Bueno, a santa não-oficial da capital. Nos anos 80, seu nome batizou a unidade de saúde da Rua Carneiro Lobo, no Batel.
Nas cinco décadas em que Maria Polenta atuou, as filas de carroças no trecho da Ângelo Sampaio, entre a Sete de Setembro e a Silva Jardim, onde ela morava, foram substituídas por carros. A saúde da italiana ficou arisca. Tinha erisipela e uma artrose infernal. Como se negou a usar a cadeira de rodas que os filhos lhe compraram, apoiava-se numa cadeira de cozinha, com a qual andava pela casa.
Maria Polenta morreu aos 79 anos de idade, em 22/04/1959. Seu túmulo no Cemitério da Água Verde fica na quadra 177. Tem vários agradecimentos por graças recebidas. Reza a lenda, não passa um dia sem que ali se coloque um ramo de flor.
Maria Polenta mereceu um dos maiores funerais que a cidade já viu. "A cidade foi pequena. Quando o corpo chegou no Cemitério da Água Verde, ainda tinha gente saindo em fila da casa dela", lembra a sobrinha Geni Tissot Massocin, sobre o cortejo de aproximados cinco quilômetros.
Texto 2:
A "milagreira" e o ortopedista quando jovem:
O médico Luiz Carlos Sobania, 69 anos, era um menino de calças curtas quando foi arrastado por um cachorro, tendo um dedo avariado. A mãe, que morava na frente do Hospital de Crianças, o Cezar Pernetta, preferiu andar mais umas quadras e levá-lo à casa de Maria Polenta. Foi tiro e queda. O menino ficou bom e nunca mais esqueceu do rosto da mulher que o atendeu. "Esse fato marcou minha infância. Lembro como se fosse hoje. Ela tinha um lenço na cabeça."
Sobania garante que não foi influenciado por Maria Polenta na escolha de sua área de atuação, a ortopedia, na qual é uma das referências da cidade. "Coincidência, nada mais." Ele atua na Clínica de Fraturas desde 1964. Fato é que Maria passou a fazer parte de sua biografia. Tem entre seus guardados, inclusive, o desenho de Poty de uma "polaca" tratando de um joelho. "Polaca?", "como sou de família polonesa, ficou sendo essa a imagem dela para mim. Descrevi-a para ele como uma polaca", brinca.
Para o médico, a grande virtude de Maria Polenta era saber de seus limites. Corre entre os homens de jaleco branco que a curadora de ossos da Água Verde remetia muita gente aos hospitais, todas as vezes que se certificava da gravidade de um problema. Médicos como Sobania, contra todas as evidências, também fazem parte dessa confraria informal.
Clélia Mari Tortato Contin, 58 anos, era ainda uma guria de saia plissada quando pegou de jeito sua turma de liceu. Ao fazer uma redação apontando quem era seu ídolo, não respondeu Roberto Carlos ou Wanderley Cardoso, a exemplo das garotas papo-firme. Apontou a caneta e disparou orgulhosa o nome de Maria Polenta, sua nonna. Até hoje tem sido assim. Clélia faz parte de uma espécie de confraria em que se abrigam os admiradores dessa que é uma das figuras mais curiosas do panteão curitibano.
 Maria Trevisan Tortato, a italiana da Água Verde que por pelo menos meio século tratou fraturas dos que batiam palmas no portão de sua casa, no alto da Rua Ângelo Sampaio, principalmente jogadores de futebol, fossem eles do Atlético, do Britânia, Savóia ou do Palestra Itália.
A existência dessa legião é um dos mistérios de Curitiba. Muitos personagens marcam a vida da capital. Só de Marias, o pesquisador Valério Hoerner Júnior, em seu livro Ruas e Histórias de Curitiba, aponta cinco fora a Polenta: Maria Balão, Maria Sete, Maria Pelanca, Maria Desenhista, Maria do Cavaquinho. Mas poucas figuras cativam tanto quanto Maria Polenta, cuja história ainda corre de boca em boca, apesar de ter morrido em 22 de abril de 1959, há 48 anos, merecendo um dos maiores funerais que a cidade já viu. "A cidade foi pequena. Quando o corpo chegou no Cemitério da Água Verde, ainda tinha gente saindo em fila da casa dela", lembra a sobrinha Geni Tissot Massocin, 83 anos, sobre o cortejo de aproximados cinco quilômetros.
Maria era popular entre os "sem-médico", mas também cortejada pela nata. Tinha como vizinhos Guido Viaro, Erasmo Piloto e João Turin. Poty Lazzarotto, que não morava perto, chegou a pintar-lhe um retrato, de memória, por sugestão do médico Luiz Carlos Sobania. Não por menos, um ano depois de sua morte, em 1960, o celebrado escultor Erbo Stenzel, o mesmo da Praça 19 de Dezembro, fundiu o busto da "curadora de ossos", hoje instalado numa pracinha que leva o nome dela, na Avenida República Argentina com a Getúlio Vargas. Não lhe faltaram homenagens. Na década de 70, Maria virou nome de rua no bairro Novo Mundo, via que, aliás, faz cruzamento com a Maria Bueno, a santa não-oficial da capital; nos anos 80, seu nome batizou a unidade de saúde da Rua Carneiro Lobo, no Batel.
Popularidade:
Mas as obras dedicadas a Maria Polenta não justificam sua popularidade. Parte do fascínio que a personagem exerce vem justamente do nome engraçado, desses que gera gracejos e hipóteses absurdas. "Tem gente que pensa que ela era polenteira", brinca a neta Alba Gabardo, 76 anos, a que conviveu mais tempo com a nonna. O apelido veio de contrabando. Antônio, irmão mais novo de Maria, era funcionário da Todeschini e teria substituído um cozinheiro da fábrica. Como mandou muito bem na polenta, passou a ser chamado de Antônio Polenta. No Capão da Amora, hoje bairro Seminário, onde parte da família Trevisan Tortato morava, o clã ficou conhecido como os Polenta, o que se estendeu à aguaverdeana Maria.
Os dez filhos da italiana detestavam ver a mãe ser chamada pelo apelido. A implicância passou e hoje faz parte do anedotário da família. Ainda riem ao lembrar que Nilo, um dos garotos, foi abordado por um grupo que pedia informações sobre a casa de Maria Polenta. Irritado, não só disse que nunca tinha ouvido falar como desceu num ponto depois na Avenida Iguaçu, para não deixar pistas. Sem sucesso. Ao chegar em casa, deu de cara com os visitantes. Não faltou quem lhes informasse onde ficava o endereço mais movimentado do antigo Borghetto, como a Água Verde era então chamada.
As descendentes de Maria não arriscam chutar quantas pessoas ela ajudou, mas calculam que pelo menos 15 pacientes/dia passavam o portão da velha casa de madeira dos Tortato. Multiplicados por 50 anos, tempo estimado em que atuou, a conta ultrapassaria 2 milhões de consultas. O ritual era quase sempre o mesmo. Ela puxava conversa, perguntava o nome e ia passando o polegar esquerdo na área ferida. De repente, dava um puxão. "A gente só ouvia o grito", lembra Alba. Em seguida, passava água vegetal canforada, fazia uma tala de cavaco com algodão e gaze, material comprado no laboratório Antisardina, logo em frente. Depois, revestia com celofane. Com sorte, servia uma pratada de sopa de carne, ou o taiadelli, uma receita típica de macarrão. Antes de se despedir, perguntava se o paciente tinha dinheiro para o bonde. Caso não, sacava do que recebia de doações espontâneas.
Como a fama de generosa de Maria Polenta tinha se espalhado por Araucária, São José dos Pinhais e na distante Santa Felicidade, a mulher deu de financiar o retorno do paciente, o que poderia acontecer mais de uma vez. Tinha quem voltasse dessa para tirar a tala e aprender a fazer o que hoje se chama de fisioterapia. Podia ser uma série de exercícios de peso, pondo um tijolo em cada mão, ou massagem à base de talco. Depois, alta.
Maria é descrita como uma senhora de hábitos monásticos. Era pequena, usava vestidos até os pés costurados por ela, de pouca fala e temperamento cordial. "Só mudava na hora de dar conselho: ela era curta e grossa", diz a neta Clélia. Numa enquete da reportagem pelos espaços em que foi homenageada é comum encontrar quem não saiba exatamente o que fazia, como Marlene Moreira, moradora da esquina da Rua Maria Trevisan Tortato com a Maria Bueno. "A Maria Polenta botou muita gente no mundo", garante, sobre a parteira que Maria nunca foi. Mas ninguém erra no essencial. "Essa mulher fazia o bem para muita gente", diz a portuguesa Carla Rocha, há oito meses no Brasil, vendedora de garapa de cana na Praça Maria Polenta. Ela inclusive garante que a homenageada morava ali perto, na casa onde hoje funciona o Centro de Valorização da Vida (CVV), o que não é verdade. Mas bem que podia.
Dona de uma banca de revistas na mesma pracinha, Ana Paula Pereira, 35 anos, faz parte dos que não economizam na hora de explicar por que essa Maria é diferente. "Muita gente vem me perguntar quem era ela. Como minha mãe a conheceu, explico que a Maria foi uma mulher muito boa", garante. O mesmo vale para o empresário do setor de transportes Fernando Cascardo, há 17 anos atuando na área em que o busto feito por Stenzel desperta curiosidade. Ele lembra que até hoje, a velha-guarda do Clube Curitibano, logo ali, costuma dar um pulinho na Praça Maria Polenta, gabando-se de ter um dia curado uma luxação com a personalidade que dá nome ao logradouro.
Os familiares não pestanejam em apontar a gentileza com que a antepassada recebia as pessoas como a fonte de sua longevidade no imaginário curitibano. Sua sobrinha Geni Tissot, 83 anos, passou um tempo de convalescença na casa da Ângelo e lembra do impacto de ver tanta gente recorrer aos préstimos da tia. A neta Alba cresceu assistindo a esses rituais. Tanto que detesta ver a nonna ser classificada como uma benzedeira. As "costuras" para as quais era solicitada eram tratadas com leituras da Bíblia. "Acho que o que acontecia com minha vó só a parapsicologia explica. Ela tinha um olho no polegar, enxergava o que ia por dentro e arrumava. Nunca soube de ninguém que tenha reclamado", explica Alba. Nem os médicos. Um deles, Wagner do Nascimento, convenceu Ida, uma das filhas de Maria, a se tratar argumentando que a Polenta era citada até em aulas na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
A mulher do Bépi:
Maria Trevisan chegou no Brasil em 1892, aos 12 anos de idade, e não se sabe em que colônia viveu com os pais e os sete irmãos até se casar, aos 18, com José Tortato, o Bépi Érico. Ele foi tão famoso quanto a mulher, mas não pelo dom da cura. Era um daqueles pedreiros italianos de elite, chamados para construir igrejas, a exemplo do Imaculado Coração de Maria, no Rebouças. Também erguia túmulos no cemitério, a ponto de ser confundido com o coveiro, até porque adorava pegar carona com carrocinha fúnebre. O resto fica por conta de ter sido o bebedor "mais conhecido da região", como brinca Celso Gabardo, 76 anos, marido de Alba, também ele, um dia, cliente de Maria. "Tive uma dor de dente terrível e meu pai me levou lá. Até nisso ela dava jeito", diverte-se, sobre a popular que chegou a tratar da pata de um cavalo do Atuba. O bicho, conta-se, não foi sacrificado.
Uma das dúvidas que ronda a Polenta é sobre o exato momento em que tudo começou. É consenso que um filho se machucou. Ao passar o polegar, ela botou a fratura no lugar. Maria também teria sonhado com um cadáver, diante do qual recebeu todas as informações sobre o funcionamento do corpo humano. Para Alba, a nonna entendeu o acontecido como uma manifestação divina, à qual teria de retribuir fazendo caridade. A informação, claro, espalhou feito rastilho de pólvora e só não atraiu a desconfiança dos padres porque Maria era católica de missa e piedade. Dizem que o vigário Francisco Stajinski chegou a bater no portão para saber se ela realmente benzia. Não precisou passar um sabão. Ao ver que lia a Bíblia não tocou mais no assunto.
Epílogo:
Nas cinco décadas em que Maria Polenta atuou, as filas de carroças no trecho da Ângelo Sampaio, entre a Sete de Setembro e a Silva Jardim, onde ela morava, foram substituídas por carros. A saúde da italiana ficou arisca. Tinha erisipela e uma artrose infernal. Como se negou a usar a cadeira de rodas que os filhos lhe compraram, apoiava-se numa cadeira de cozinha, com a qual andava pela casa, como mostra a reportagem "Um dia com Maria Polenta", publicada no jornal O Estado do Paraná em 19 de fevereiro de 1952. Morreu aos 79 anos de idade, em 1959. Seu túmulo no Cemitério de Água Verde fica na quadra 177. Tem cerca de 30 agradecimentos por graças recebidas. Reza a lenda, não passa um dia sem que ali se coloque um ramo de flor. "Grato Maria Polenta."
Nota do blog: Embora existam divergências nas histórias contadas, o que é normal em se tratando de memórias, uma coisa é certa: foi uma excelente pessoa e a homenagem é mais que merecida.

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Escultura "Idílio" / "O Beijo Eterno", São Paulo, Brasil









Escultura "Idílio" / "O Beijo Eterno", São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia


Ela tem uma história de vida inusitada para uma estátua:
Mas é difícil saber o motivo olhando para ela agora, em uma tarde ensolarada de quinta-feira no centro de São Paulo. Não existe qualquer placa explicativa sobre aquele beijo. Ou o que ela enfrentou para estar ali: a censura, o discurso de um político indignado, abaixo-assinado de moradores, fúria e preconceito de parte da imprensa paulistana.
Enquanto os alunos da tradicional Faculdade de Direito da USP, conhecida como Largo São Francisco, entram no prédio para assistir às aulas, o monumento O Beijo Eterno na entrada parece apenas o que é de fato: uma estátua de bronze com um homem e uma mulher, nus, beijando-se.
Considerada "imoral" nos anos 1960, ela chegou a ser retirada do espaço público algumas vezes, porque representava um "acinte ao decoro e aos bons costumes do paulistano".
A história de um beijo:
A estátua foi criada em 1922 como parte de um grande monumento em homenagem a Olavo Bilac (1865–1918), poeta parnasiano bastante popular no início do século 20.
Antes de morrer, o escritor havia se tornado um ídolo dos estudantes do Largo São Francisco. Embora nunca tenha se matriculado no curso de Direito, chegou a frequentar algumas aulas na faculdade por dois ou três anos.
Além da literatura, ele ganhou fama entre universitários por um motivo político, segundo Heloisa Barbuy, professora de museologia da USP e autora do livro As Estátuas da Faculdade de Direito (Ateliê Editorial).
"Na faculdade, ele ficou famoso por ser um dos principais líderes do movimento nacionalista, que, na época da Primeira Guerra Mundial, teve bastante importância no país", explica Barbuy. "Em 1915, Bilac chegou a fazer um discurso na faculdade que ficou muito famoso, emocionando as pessoas. Décadas depois, os estudantes ainda citavam de cor parte desse texto."
Quando Bilac morreu, em 1918, um grupo de estudantes quis homenagear o poeta com um monumento público. Para isso, fizeram um financiamento coletivo para bancar o projeto, um conjunto de oito figuras: entre elas, Pátria e Família e O Caçador de Esmeraldas. Já O Beijo Eterno é uma representação de um poema homônimo de Bilac.
O trabalho foi dado ao escultor sueco William Zadig. Na última hora, entretanto, faltou dinheiro para completar as estátuas, mas os alunos da Faculdade de Direito foram socorridos pelo então presidente da Liga Nacionalista, Frederico Vergueiro Steidel. A entidade "passou o chapéu" no comércio paulistano e em redações de jornais para arrecadar o valor que faltava.
O enorme monumento foi inaugurado na confluência das avenidas Paulista, Consolação e Angélica em 7 de setembro de 1922, para coincidir com o centenário da Independência do Brasil.
"Inicialmente, a obra foi muito elogiada nos jornais. Mas, depois de alguns meses, começaram as críticas", diz Heloisa Barbuy. "Uma das publicações da época, A Gazeta, criou uma campanha contra o monumento e pediu inclusive sua demolição, dizendo que ele não tinha qualidades estéticas."
Havia também reclamações pelo fato de o escultor ser estrangeiro, embora Zadig já morasse no Brasil havia anos e fosse casado com uma brasileira. "Era um momento em que o nacionalismo estava em todas as discussões, inclusive na arte. Havia um sentimento de valorização de aspectos nacionais. A Semana de Arte Moderna de 1922 tinha acontecido havia poucos meses, reafirmando essa característica, mesmo que na época ela não tenha tido a importância que se dá hoje", diz Barbuy.
Por outro lado, o jornal A Gazeta afirmou que O Beijo Eterno não tinha qualquer relação com o famoso poema de Bilac, porque a estátua representava um encontro amoroso entre uma índia e um português, cena que não é citada em nenhum dos 59 versos da poesia.
Essa foi a primeira vez que alguém interpretou a personagem feminina do monumento como uma índia — talvez pelo formato de seu cabelo e por uma faixa ao redor da cabeça. O homem tinha característica caucasiana e, por isso, talvez tenha ganhado a alcunha de europeu.
"Não se tem informação de que o artista queria retratar um beijo inter-racial entre uma índia e um branco, mas foi assim que a obra ficou conhecida. E isso foi tratado de maneira preconceituosa na imprensa. A Gazeta chamou a personagem de 'bugre', uma palavra pejorativa para se referir aos indígenas", diz Barbuy.
Não há registros de que, na década de 1920, alguém tenha se escandalizado com o fato de a dupla estar nua. Reclamações contra o "conteúdo sexual" só viriam décadas depois.
A historiadora Heloisa Barbuy acredita que a campanha contra o monumento a Bilac, nessa fase, tinha mais a ver com motivações políticas, que são muito difíceis de compreender agora, quase um século depois. "Era um momento conturbado, com a convergência de muitos grupos políticos. Talvez, essa campanha tenha ocorrido para atacar Frederico Vergueiro Steidel, presidente da Liga Nacionalista, que participou ativamente da confecção da obra".
O monumento foi finalmente desmontado em 1935, quando a prefeitura mudou o trânsito na região. Algumas das peças foram levadas para outros pontos da cidade.
Por sua vez, O Beijo Eterno foi parar em um depósito da prefeitura, onde permaneceu por muitos anos.
Até que apareceu Jânio Quadros.
Os bons costumes dos moradores do Cambuci:
Provavelmente, quando assumiu o cargo de prefeito de São Paulo em 1953, Jânio Quadros conhecia a história de O Beijo Eterno, pois ele também havia se formado em Direito no Largo São Francisco, onde a estátua era célebre.
"Em 1956, ao ver a obra parada em um depósito, Jânio decidiu levá-la para o Cambuci, bairro onde ele morava", conta Giselle Beiguelman, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e autora do livro Memória da amnésia: Políticas de esquecimento (Edições Sesc), lançado na semana passada.
Segundo uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo na época, a prefeitura tinha instalado, anos antes, a imagem na entrada do colégio estadual Fernão Dias Paes, em Pinheiros. Mas ela ficou na escola por um brevíssimo período, porque os pais dos estudantes se mobilizaram para retirá-la. Eles diziam que a figura era "imoral".
Já no Cambuci, boa parte dos moradores também não ficou nada contente com a presença da escultura. Foi organizado um longo abaixo-assinado para que a obra fosse removida imediatamente do bairro, alegando que ela atentava contra os bons costumes.
O então prefeito, que depois viraria presidente da República, não resistiu à pressão e retirou o monumento das ruas do Cambuci. Censurado, O Beijo Eterno voltou ao depósito da prefeitura, onde não podia ser visto pelo grande público.
Mas, de fato, a estátua mostra muita coisa?
A resposta depende da época em que você vive.
O personagem masculino está ligeiramente curvado sobre a moça, com uma das mãos nas costas dela e outra mais abaixo, na cintura. Já a mulher se estica para alcançar a boca do amante, colocando o braço direito ao redor da cabeça dele, que, aliás, parece desproporcionalmente grande em relação ao resto do corpo. Ambos estão nus, com seios, nádegas e pênis (não ereto) à mostra. A cena congelada em bronze poderia representar o momento anterior ao início de uma relação sexual.
Hoje em dia, nossa exposição a conteúdos eróticos e pornográficos é muito mais frequente, então a estátua não parece "nada demais", tanto que ela passa quase despercebida no calçadão que se estende à entrada da Faculdade de Direito da USP. Ninguém para na sua frente e diz, escandalizado: "que absurdo, temos aqui uma cena de sexo".
Mas nos anos 1950, década anterior à chamada revolução sexual, a pornografia ou cenas eróticas não eram tão acessíveis, menos ainda no espaço público. Então, para um morador do Cambuci daquela época, talvez O Beijo Eterno fosse "um pouco demais". Não que a história da arte não tenha há séculos milhares de quadros e monumentos com personagens nus, diga-se, mas é possível que eles chocassem menos estando dentro de um museu.
Para Beiguelman, não apenas a cena sexual causou rebuliço, mas o contexto dos personagens. "Na minha concepção, além dos corpos nus, tinha essa situação de ser um homem branco com uma indígena. Isso era um problema para os padrões morais da época, as pessoas consideravam um relacionamento como esse ofensivo e censurável. A cidade era mais preconceituosa, e as questões de gênero e raça eram mais veladas", diz.
A professora cita outras estátuas que passaram por processo semelhante, de perseguição e censura, em São Paulo, mas nenhuma foi "tão polêmica" quanto O Beijo Eterno.
"Bem ao lado dela, no Largo Francisco, há o O Menino e o Catavento, que também foi removido uma vez porque ele está nu. Há também O Fauno, do (artista modernista) Victor Brecheret, que foi retirado de uma praça no Centro depois que algumas pessoas começaram a fazer um culto noturno em frente à obra", explica.
"O Monumento a Garcia Lorca virou alvo do Comando de Caça aos Comunistas, durante a ditadura militar, porque ele homenageava o poeta espanhol, que era comunista e homossexual".
O incrível retorno de O Beijo Eterno:
Dez anos depois da censura no Cambuci, em 1966, o então prefeito José Vicente Faria Lima decidiu instalar O Beijo Eterno na entrada do túnel da avenida 9 de Julho, no centro da cidade. Mas houve nova resistência.
"Dizendo-se portador de memorial assinado por senhoras residentes da 9 de Julho, o sr. Antonio Sampaio, membro da Arena (partido da ditadura), solicitou a retirada da estátua. A solicitação foi feita por meio de um discurso na Câmara", escreveu o O Estado de S.Paulo em 8 de outubro de 1966. "Segundo o vereador, a estátua constitui um 'verdadeiro acinte ao decoro e aos bons costumes do paulistano'"
O Beijo Eterno então voltou a ser escondido no depósito, segundo o jornal. Mas, dessa vez, uma reviravolta selaria o destino da escultura: os estudantes da Faculdade de Direito decidiram agir. Os jovens fretaram um caminhão, invadiram o espaço da prefeitura e furtaram a figura de bronze de 400 quilos.
Já o jornal Folha de S.Paulo contou a história de uma maneira um pouco diferente: segundo a publicação, a estátua não chegou a sair da entrada do túnel. Antes de ir para o depósito municipal, ela foi resgatada pelos universitários.
Seja como for, momentos depois, ela foi instalada em frente ao campus. Os alunos ainda fizeram uma ameaça: se a estátua fosse retirada do Largo São Francisco, iriam cobrir com panos todas as outras representações de pessoas nuas que houvesse na cidade.
"Os estudantes se sentiram no direito de pegar a estátua, porque ela é um patrimônio da faculdade. Foi o Largo São Francisco que financiou sua construção", diz José Carlos Madia de Souza, presidente da Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da USP.
Último verso:
Depois do furto, O Beijo Eterno não saiu mais do calçadão em frente à faculdade: passou incólume até pela ditadura militar, que tinha uma máquina ativa de censura à liberdade de expressão e artística.
Hoje, ela é só mais uma estátua no centro de São Paulo, e sua história ficou nos livros e nos arquivos de jornais. "Os estudantes passam por ela e nem sabem o que aconteceu. Mas isso é normal, o tempo passa e as pessoas se esquecem", diz Madia de Souza.
Ao menos que haja outra reviravolta ou uma nova onda de censura, os dois amantes ficarão expostos por ali, paralisados em um beijo moldado em bronze para ser eterno, como queria o último verso do poema de Olavo Bilac:
"Quero um beijo sem fim
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue: acalma-o com teu beijo!
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para minha vida,
Só para o meu amor!"

São Bento do Sul, Santa Catarina, Brasil


 

São Bento do Sul, Santa Catarina, Brasil
São Bento do Sul - SC
AW N. 314
Fotografia - Cartão Postal

Nota do blog: Circa 1933.

Figuras de Pedras / Obra da Natureza, Parque Estadual de Vila Velha, Ponta Grossa, Paraná, Brasil


 

Figuras de Pedras / Obra da Natureza, Parque Estadual de Vila Velha, Ponta Grossa, Paraná, Brasil
Ponta Grossa - PR
AW N. 263
Fotografia - Cartão Postal

Interessantes Pedras em Vila Velha, Parque Estadual de Vila Velha, Ponta Grossa, Paraná, Brasil


 

Interessantes Pedras em Vila Velha, Parque Estadual de Vila Velha, Ponta Grossa, Paraná, Brasil
Ponta Grossa - PR
AW N. 252
Fotografia - Cartão Postal

Propaganda "Com Suco Maguary, Você Faz Muito Mais Quilômetros por Litro", Suco Maguary, Maguary, Brasil


 

Propaganda "Com Suco Maguary, Você Faz Muito Mais Quilômetros por Litro", Suco Maguary, Maguary, Brasil
Propaganda

Nota do blog: Uma propaganda "clássica" das capas de gibis dos anos 80.

Parque Estadual de Vila Velha, Ponta Grossa, Paraná, Brasil








Parque Estadual de Vila Velha, Ponta Grossa, Paraná, Brasil
Ponta Grossa - PR
Fotografia 

Nota do blog : Fotografias de Arthur Wischral e equipe, circa 1929.





 

"O Calix", Parque Estadual de Vila Velha, Ponta Grossa, Paraná, Brasil





 

"O Calix", Parque Estadual de Vila Velha, Ponta Grossa, Paraná, Brasil
Ponta Grossa - PR
AW N. 262
Fotografia - Cartão Postal

Nota do blog 1: Atualmente essa formação é conhecida como a "Taça".
Nota do blog 2: Fotografia de Arthur Wischral, circa 1929.
Nota do blog 3: A foto N. 2 do post é a original antes do corte efetuado pelo fotógrafo para o cartão postal (foto N. 1 do post).

Câmara Municipal, Anos 70, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil



Câmara Municipal, Anos 70, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
Ribeirão Preto - SP
Fotografia

Nota do blog: Na época a Câmara Municipal de Ribeirão Preto funcionava na Rua Barão do Amazonas, no antigo prédio da Sociedade Recreativa, atual MARP (Museu de Arte de Ribeirão Preto). Detalhe para o belo Chevrolet Opala na frente do prédio.

Pedreira / Atual Parque Prefeito Luiz Roberto Jábali / Parque Curupira, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil


 

Pedreira / Atual Parque Prefeito Luiz Roberto Jábali / Parque Curupira, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
Ribeirão Preto - SP
Fotografia