Monumento Pavilhão Nacional / Mastro Especial da Praça dos Três Poderes / Mastro da Bandeira, Brasília, Distrito Federal, Brasil
Brasília - DF
Fotografia
Texto 1:
É possível imaginar a dimensão do prestígio de Sérgio Bernardes ao ser procurado pela Presidência da República, em 1972, para projetar o Pavilhão Nacional na Praça dos Três Poderes de Brasília. Tratava-se do mais importante símbolo cívico da nação, a ser implantado na praça representativa dos Três Poderes do Estado, concebida pelos dois expoentes máximos da arquitetura moderna brasileira – Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Um convite prestigioso, portanto, mas que renderia muita polêmica no meio arquitetônico desde então. Dentre uma sequência de encomendas para Brasília no período militar, mais precisamente durante os anos pujantes (e também mais duros) da ditadura conhecidos como “milagre brasileiro” (1968/73), seria esse projeto o início de uma “maldição” que apagaria o nome Sérgio Bernardes da historiografia arquitetônica brasileira?
Conhecida também por Mastro da Bandeira, a estrutura é um corpo estranho que emerge do gramado verde sobre a terra vermelha do planalto central, contrastando sua materialidade ferruginosa e transparente (vazada) com o equilíbrio branco dos planos de mármore e concreto da Praça dos Três Poderes. Como um brinquedo de montar gigante, seu processo construtivo desperta tanta atenção quanto a forma resultante. Numa carta ao crítico de arte Jayme Maurício, Sérgio Bernardes explicou a concepção do Monumento ao Pavilhão Nacional dizendo “ter sido este o tema mais difícil de imaginar em seus 35 anos de profissão”. No documento, o arquiteto esclarece:
a iniciativa de criar um monumento ao Pavilhão Nacional nasceu em decorrência da reformulação da lei da Bandeira [Lei 5.700, 1º setembro 1971], que [estabeleceu] o hasteamento e a permanência do Pavilhão no topo dos mastros, em todo o território nacional e nas representações do Brasil no exterior.
De acordo com o Art. 12 da Lei 5.700, “a Bandeira Nacional estará permanentemente no topo de um mastro especial plantado na Praça dos Três Poderes de Brasília, no Distrito Federal, como símbolo perene da Pátria e sob a guarda do povo brasileiro”. Logo, a definição do projeto nasce tutelada e restringida pelo texto da lei – “um mastro especial” – o que possivelmente levou Sérgio Bernardes a enumerar as razões da dificuldade da encomenda:
1) um mastro não é uma torre com bandeira; 2) o monumento em si não pode esmagar, pela sua força estética, o Pavilhão Nacional, que é a razão do próprio monumento; 3) pela lei, o Pavilhão Nacional em Brasília deverá estar pairando acima de qualquer edificação, devendo ser visível por toda a cidade e na intocável Praça dos Três Poderes, que realmente tem um equilíbrio extraordinário; 4) as exigências de criar um mastro de 100 metros de altura vieram em decorrência da própria altura do Congresso e das condicionantes da lei; 5) um mastro de 100 metros de altura, que não seja torre, é realmente um problema dos mais difíceis para que a bandeira não vire etiqueta.
- A própria lei protege e ampara esse aspecto com as proporções estabelecidas para o Pavilhão Nacional, que deverá ter 1/7 por 1/5 da altura do mastro. Assim sendo, teremos os problemas de hasteamento de uma bandeira de 14,30 por 20 metros, com um pano de 286 metros quadrados, que no drapeamento, com vento de 100 km na sua força máxima por hora, dará um esforço de 24 toneladas no topo do mastro; 6) os problemas estruturais a cargo do Professor Paulo Fragoso e sua equipe não foram pequenos para sustentar a filosofia do projeto e minimização dos custos de execução da obra pela apuração técnica.
Vê-se que Bernardes entende o “mastro especial” como um monumento ao símbolo nacional da Bandeira, um suporte viabilizador que problematiza sua condição de existência diante da função a que se destina, cabendo ao arquiteto equacionar o protagonismo da Bandeira e o papel coadjuvante de sua obra, a qual não deixa de ser também monumental. Não sendo propriamente uma torre, todavia não é apenas um grande pilar que esteia a Bandeira. Na verdade a estrutura pode ser comparada a uma imensa viga em balanço engastada no solo, com 100 metros de comprimento e uma carga de 24 toneladas na sua extremidade. Como dar forma a esta estrutura que é um todo mastro/bandeira, de grandes dimensões e força simbólica, com a rapidez exigida e dentro da territorialidade fechada da Praça dos Três Poderes? Sim, porque a composição arquitetônica da Praça de Niemeyer e o desenho urbano de Lúcio Costa configuram um todo que é por si só um monumento assinado, com rigor formal e equilíbrio clássico, onde qualquer interferência não deixa de significar uma “invasão” de território.
Diante da delimitação simbólico-conceitual, das exigências e condicionantes legais e do desafio programático-estrutural do projeto, o arquiteto procurou enfrentar a “intocabilidade” da Praça cravando um organismo de ferro vermelho, com cem metros de altura, atrás do Congresso Nacional, contraposto a outro marco de verticalidade do eixo monumental – a Torre de TV de Lúcio Costa (1957/67). Esta, com 217 metros de altura e a 3,7km de distância. Pode-se dizer que a partir deste momento, e da oportunidade sem precedentes que ele representa, Sérgio Bernardes se instaura no panteão da arquitetura moderna brasileira, ao lado de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa.
O Mastro é um sistema de barras tubulares circulares e diafragmas composto de 24 mastros menores, com quatro transições de seção entre base e topo, perfeitamente arranjados na projeção ideal e simbólica do círculo. Um sistema linear fechado sob a forma clássica do cone, implantado na paisagem urbana a partir de uma perspectiva centralizada, que assume claramente um ponto focal em favor do protagonismo da Bandeira Nacional. Ou seja, um projeto que se mostra como resultado possível de um “raciocínio bem tomado” e da “boa forma do desenho”, de uma concepção controlada e “correta” da forma e do exercício da razão, como postulado pelo arquiteto renascentista Leon Battista Alberti ao defender a centralidade da planta e as áreas poligonais e circulares. Mas qual teria sido o ponto de partida de Sérgio Bernardes neste projeto? A busca da menor seção, da forma/sistema mais eficiente, e da simplicidade máxima construtiva para que 24 toneladas de carga pudessem flamular na ponta de uma estrutura (viga em balanço) totalmente submetida à flexão? Diz o arquiteto:
admitindo-se que o símbolo do diálogo é o círculo, e que todos os Estados devem se fazer representar neste contexto, projetei 24 mastros de 86 metros de altura, com seção de 0,40 na base, terminando com 0,10 no topo, sendo que cada transição de seção, isto é, de 0,40 para 0,30, de 0,30 para 0,20, de 0,20 para 0,15 e de 0,15 para 0,10 representam, simultaneamente, a primeira transição de bitola, o entrelaçamento do povo, as três seguintes, o entrelaçamento dos Três Poderes e a última transição, a nascença do símbolo único, o Pavilhão Nacional.
Vinte e dois Estados, o Distrito Federal e os Territórios em comunhão, geratrizes figurativas da unidade nacional e esteio do mastro soberano do Pavilhão (este com 80 centímetros de diâmetro e 14 metros de altura). Elementos coesos numa fisicalidade semitransparente e monumental, alçada a cem metros de verticalidade.
Implantado a cinquenta metros da Praça dos Três Poderes, no eixo do Congresso e da Via das Nações,
a estrutura irrompe tão artificial e estrangeira quanto a paisagem edificada, mas diferentemente da composição urbana pousada no solo, dá continuidade à terra vermelha do cerrado. Da captura estática de movimentos circulares surgem círculos dentro de círculos, uma espécie de ciranda de ferro, ascendente e finita em direção ao cume da Bandeira, alçada aos 360° do horizonte de Brasília. Os 24 tubos cilíndricos do conjunto estão inclinados a 2°18’36”, conectados por quinze diafragmas paralelos com dimensões decrescentes, abrigando, numa sucessão limitada de peças até o vértice da forma cônica, o mecanismo giratório de hasteamento da bandeira. Os montantes são encaixados e soldados em suas conexões. No cume da estrutura, o mastro de calibre único (0,80m) e significado singular: o esteio do Pavilhão Nacional. O projeto é um sistema de elementos e forças articulados e fechados para dentro e em torno de si, ancorados unicamente na base. Uma costura de movimentos em favor de uma causa maior: a apoteose esvoaçante dos 286m2 da flâmula nacional (20m x 14,30m); o movimento “livre” e simbólico da Ordem e Progresso. Uma aposta do arquiteto na continuidade da modernização do país após o Golpe de 1964, no desenvolvimento tecnológico e no potencial do projeto transformador do território e da sociedade.
A partir dos anos 1960, a ideia de progresso (e de futuro) pelo viés da tecnologia aplicada ao projeto e à industrialização da construção cada vez mais inspira e move o desejo criador de Sérgio Bernardes. Daí seu processo criativo reafirmar-se na sistematização conceitual-construtiva: conceber/racionalizar-produzir; transportar-montar/construir. Como se vê no projeto do Mastro, para Bernardes a arquitetura estava na sistematização filosófico-construtiva do objeto, articuladora de programa, conceito, estrutura, material e forma, neste caso, sintetizada na metáfora do círculo como “símbolo do diálogo”. Há no projeto um sistema de relações que operam o hasteamento e a sustentação da Bandeira, fazendo coexistir simbolismo, programa, estrutura, material, forma, processo de montagem e funcionamento do objeto - conjunto de elementos que se torna a própria arquitetura.
A estrutura, calculada pelo engenheiro Paulo Fragoso, não aparenta leveza. Sua materialidade resiste ao momento fletor de uma viga de cem metros, em balanço, acrescida de 24 toneladas na ponta. Apesar da semitransparência proporcionada pelos vazios entre as geratrizes da forma, todos os montantes do esqueleto têm seção robusta. As bitolas da base iniciam com 0,40m de diâmetro e vão reduzindo rumo ao topo da estrutura. Mas mesmo as peças de menor calibre (Æ 0,10m) justapostas próximo à Bandeira, no vértice do cone, reafirmam essa materialidade bruta, meio bélica, como se o mastro aludisse ao cano de um tanque de guerra, a pino. A leveza do aço parece intencionalmente negada pelas seções dos perfis e componentes estruturais, fato que acaba reforçado pelo sistema de união das partes, em sua maioria, utilizando a solda ao invés de rebites ou parafusos. O resultado plástico-formal da estrutura impõe sua presença. Talvez pela rigidez fechada da composição e nudez material do aço corten; talvez pelo desejo de permanência do monumento (e da marca de seu criador na construção da capital); talvez por certa condição irônica de “objeto pop”, aludindo, por exemplo, à estrutura de um guarda-chuva gigante. Certamente pela necessidade estrutural de resistir à alta carga sofrida na extremidade. Em todo caso, o conjunto cônico de tubos robustos, inclinados e soldados aos pesados diafragmas de seção retangular, compõe uma espécie sequencial de pavimentos engaiolados sobrepostos, reforçando o ideal de Ordem e Progresso e simbolizando, ao mesmo tempo, a potência do Estado militarizado.
Sabe-se que os desafios da engenharia, seja vencendo grandes vãos ou alcançando alturas surpreendentes, revelam a potência técnica de uma nação e balizam seu poder de desenvolvimento. Em geral, os grandes projetos do período do “milagre brasileiro” carregam esse espírito, valorizando o espetáculo da técnica. O Mastro projetado por Sérgio Bernardes não foge à regra. Nele a engenhosidade construtiva, a montagem, a rapidez e a eficiência do sistema metálico operam em conjunto com a precisão da técnica (projeto), o apuro do cálculo e a pré-fabricação industrial.
Embora o arquiteto tenha sido categórico ao distinguir mastro e torre, do ponto de vista estrutural, o Mastro da Bandeira pode ser entendido como uma torre. Segundo Lopes, Bogéa e Rebello, “se as pontes conectam margens, redesenhando o território a ser percorrido, as torres conectam o solo ao inatingível”, não conhecendo limites além do ponto de partida. Metaforicamente, o Mastro da Bandeira parece ficar num lugar intermediário na medida em que reconfigura a territorialidade da Praça dos Três Poderes e alça a Bandeira (e o poder da nação) ao ilimitado.
Para Koolhaas, que publicava neste mesmo ano da construção do Mastro (1972) sua tese sobre o “manhattanismo” (uma ode à congestão urbana de Nova York e à verticalização), “cada invenção tecnológica carrega uma dupla imagem: em seu êxito se encontra o espectro de seu possível malogro.
A partir dos anos 1960, a ideia de progresso (e de futuro) pelo viés da tecnologia aplicada ao projeto e à industrialização da construção cada vez mais inspira e move o desejo criador de Sérgio Bernardes. Daí seu processo criativo reafirmar-se na sistematização conceitual-construtiva: conceber/racionalizar-produzir; transportar-montar/construir. Como se vê no projeto do Mastro, para Bernardes a arquitetura estava na sistematização filosófico-construtiva do objeto, articuladora de programa, conceito, estrutura, material e forma, neste caso, sintetizada na metáfora do círculo como “símbolo do diálogo”. Há no projeto um sistema de relações que operam o hasteamento e a sustentação da Bandeira, fazendo coexistir simbolismo, programa, estrutura, material, forma, processo de montagem e funcionamento do objeto - conjunto de elementos que se torna a própria arquitetura.
A estrutura, calculada pelo engenheiro Paulo Fragoso, não aparenta leveza. Sua materialidade resiste ao momento fletor de uma viga de cem metros, em balanço, acrescida de 24 toneladas na ponta. Apesar da semitransparência proporcionada pelos vazios entre as geratrizes da forma, todos os montantes do esqueleto têm seção robusta. As bitolas da base iniciam com 0,40m de diâmetro e vão reduzindo rumo ao topo da estrutura. Mas mesmo as peças de menor calibre (Æ 0,10m) justapostas próximo à Bandeira, no vértice do cone, reafirmam essa materialidade bruta, meio bélica, como se o mastro aludisse ao cano de um tanque de guerra, a pino. A leveza do aço parece intencionalmente negada pelas seções dos perfis e componentes estruturais, fato que acaba reforçado pelo sistema de união das partes, em sua maioria, utilizando a solda ao invés de rebites ou parafusos. O resultado plástico-formal da estrutura impõe sua presença. Talvez pela rigidez fechada da composição e nudez material do aço corten; talvez pelo desejo de permanência do monumento (e da marca de seu criador na construção da capital); talvez por certa condição irônica de “objeto pop”, aludindo, por exemplo, à estrutura de um guarda-chuva gigante. Certamente pela necessidade estrutural de resistir à alta carga sofrida na extremidade. Em todo caso, o conjunto cônico de tubos robustos, inclinados e soldados aos pesados diafragmas de seção retangular, compõe uma espécie sequencial de pavimentos engaiolados sobrepostos, reforçando o ideal de Ordem e Progresso e simbolizando, ao mesmo tempo, a potência do Estado militarizado.
Sabe-se que os desafios da engenharia, seja vencendo grandes vãos ou alcançando alturas surpreendentes, revelam a potência técnica de uma nação e balizam seu poder de desenvolvimento. Em geral, os grandes projetos do período do “milagre brasileiro” carregam esse espírito, valorizando o espetáculo da técnica. O Mastro projetado por Sérgio Bernardes não foge à regra. Nele a engenhosidade construtiva, a montagem, a rapidez e a eficiência do sistema metálico operam em conjunto com a precisão da técnica (projeto), o apuro do cálculo e a pré-fabricação industrial.
Embora o arquiteto tenha sido categórico ao distinguir mastro e torre, do ponto de vista estrutural, o Mastro da Bandeira pode ser entendido como uma torre. Segundo Lopes, Bogéa e Rebello, “se as pontes conectam margens, redesenhando o território a ser percorrido, as torres conectam o solo ao inatingível”, não conhecendo limites além do ponto de partida. Metaforicamente, o Mastro da Bandeira parece ficar num lugar intermediário na medida em que reconfigura a territorialidade da Praça dos Três Poderes e alça a Bandeira (e o poder da nação) ao ilimitado.
Para Koolhaas, que publicava neste mesmo ano da construção do Mastro (1972) sua tese sobre o “manhattanismo” (uma ode à congestão urbana de Nova York e à verticalização), “cada invenção tecnológica carrega uma dupla imagem: em seu êxito se encontra o espectro de seu possível malogro.
O meio de impedir esse desastre espectral é quase tão importante quanto a própria invenção em si”. Ao dizer isso, o arquiteto reverencia o elevador como invenção revolucionária e espetacular no contexto oitocentista de Manhattan, atribuindo a Otis a responsabilidade pela “novidade da teatralidade urbana: o anticlímax como desfecho, o não acontecido como triunfo”. Anticlímax que se dá no instante “espetacular” da apresentação pública do equipamento, no qual Otis, montado sobre a plataforma elevada, corta o cabo que a içou e que aparentemente a sustentava e nada acontece. Na visão de Koolhaas, o elevador seria uma espécie de passaporte para a ambição de Manhattan, já anunciada na Feira Internacional de 1853, e exemplificada na construção da torre (agulha) do Latting Observatory (106m de altura) e na cúpula (esfera/globo) do Crystal Palace. Confrontando essas duas concepções, o autor conclui que há uma relação arquetípica entre ambas as formas: a agulha – como “estrutura mais fina e menos volumosa [combinando] o máximo impacto físico com um consumo insignificante de solo, (...) essencialmente um edifício sem interior”, e o globo – “matematicamente a forma que encerra o maior volume interno com a menor superfície externa".
A leitura permite o diálogo formal entre o Mastro da Bandeira e o Latting Observatory, os quais guardam grande similaridade, apesar de construídos com materiais e propósitos distintos (o Latting era feito de madeira com braçadeiras de ferro, tinha dois andares-base comerciais e duas plataformas-mirante). Ambos, torre e Mastro, são “edifícios sem interior”, objetos da ambição do homem que submete técnica e tecnologia ao exercício e demonstração de poder. Também, o idealismo da esfera – o sólido platônico, não deixa de ser aludido na forma circular do Mastro, seja na seção das barras, na planta do sistema, na “simbologia do diálogo” entre os Estados ou na representação da nação no globo terrestre – o marco da Bandeira. Por esse viés, talvez seja possível inclusive um paralelo entre a ambição de Nova York delirante e a ambição de um “Sérgio Bernardes delirante”. Esta, simbolizada na arquitetura do Mastro e em tudo que ela representa como monumento ao progresso e ao poder – nacional, estratégico, militar, técnico, tecnológico e, principalmente, do projeto/planejamento.
É importante destacar que desde os projetos dos pavilhões da CSN (1954), de Bruxelas (1958) e de São Cristóvão (1957/60), entre outros, Sérgio Bernardes vinha aprimorando a pesquisa de sistemas projetuais e de uma lógica de construção serial ancorada na experimentação com a estrutura metálica e materiais industriais. Investigando soluções estruturais menos convencionais, algumas delas intuídas com base em conceitos de geometrias não euclidianas, Bernardes escapa muitas vezes da planta geradora e das relações ortogonais entre os planos, tão exploradas pelos arquitetos modernistas. No projeto do Mastro, embora a forma clássica do cone aparente certo convencionalismo, a estabilidade dos esforços mecânicos sofridos é desafiadora. Além de seu próprio peso, altura e dos esforços de vento, há 24 toneladas concentradas no vértice. Logo, a relação forma estética/forma estática submete-se a uma carga dupla: o peso dos 286m2 de tecido flamulante da Bandeira e a significação histórico-simbólica do monumento. Vista dessa ótica a estrutura é bastante arrojada. É no “diálogo do círculo” que o arquiteto associa o discurso conceitual-simbólico à racionalidade técnico-construtiva. Isso fica evidente na simetria dos tubos agrupados segundo um sistema ideal de geometria cônica que resiste por igual à flexão em qualquer ponto da estrutura. Conforme aponta Filizola,
no grande sistema estrutural ‘mastro engastado no solo’ a forma cilíndrica do conjunto de tubos é propicia, pois é sempre a mesma forma estrutural, independente da direção do vento, que pode soprar em qualquer direção. Certamente foi por isso que a solução foi adotada.
Assim, a solução estrutural do Mastro é de extrema coerência, uma vez que a associação de barras tubulares-circulares num sistema geométrico uniforme de planta circular, vazado e em forma de agulha (diminuindo no topo onde sofre a grande solicitação) equaliza o efeito dos momentos fletores, além de minimizar a ação dos ventos. Estabilidade que se completa, estando todo o conjunto travado por diafragmas.
Do ponto de vista plástico, contudo, há certo estranhamento inicial. O impacto dessa “viga-sistema” – uma grande armadura exposta, semitransparente e bruta, tão artificial quanto a própria paisagem construída de Brasília, está mais que tudo na nudez construtiva da sua forma-material. Uma nudez ferrosa, linear e pronunciada que se contrapõe à opacidade do arcabouço (também metálico porém revestido) de outras edificações do Eixo Monumental, por exemplo, o Congresso Nacional e os Ministérios, ambos projetados por Oscar Niemeyer.
Como uma espécie de memória da estrutura invisível do Congresso, o esqueleto metálico fincado por Sérgio Bernardes na Praça dos Três Poderes não deixa de aludir à própria ausência de Niemeyer, naquele momento “exilado” em Paris. Tensiona também questões intrínsecas ao modernismo arquitetônico brasileiro, como o formalismo preponderante do concreto armado, que ora mascara e dissimula (forma estática submetida à voluntariosidade da forma estética), ora potencializa a lógica expressiva da solução estrutural, como em Vilanova Artigas, por exemplo. Todavia, entre o escamoteamento estrutural dos Palácios de Niemeyer, a invisibilidade dos esqueletos metálicos nas sedes do Congresso e Ministérios, e o “exibicionismo” estético-estrutural do Mastro, a estrutura de Bernardes não poderia ser lida como uma crítica à própria arquitetura modernista, de certo modo análoga àquela feita pelos arquitetos modernos ao ecletismo? Uma espécie de ícone pop da arquitetura em processo (tentativa) de expressão de uma cultura (aposta) industrial?
Seja como for, mesmo (bem) intencionado quanto à “inovação” arquitetônica no contexto brasileiro dos anos 1970, quando da inauguração, o Monumento de Sérgio Bernardes foi amplamente atacado pela “estranheza” formal-material “perturbadora” do equilíbrio da Praça dos Três Poderes. Na verdade, seu experimentalismo estrutural acabou apagado pelo simbolismo negativo atribuído ao Mastro da Bandeira, ícone cívico do Poder militarizado.
Certamente, a polêmica causada pelo “objeto” se deu muito mais pela ausência de peso moral e crítica ideológica de seu autor, do que por sua atitude “invasora” e contrastante da estrutura na paisagem homogênea (e artificial) de Brasília. Entre críticas da época, a edição 221 da revista Veja, de novembro de 1972, traz a seguinte nota:
Em julho [1972], os habitantes de Brasília notaram o surgimento de um corpo estranho a elevar-se na tranquila paisagem da Praça dos Três Poderes. O Palácio do Congresso, especialmente, parecia ameaçado pelo apêndice a crescer por trás da cúpula branca da Câmara. Veio agosto e estava terminada a obra: um mastro de 100 metros de altura, que sustentaria uma bandeira nacional de 286 metros quadrados. Sua inauguração, a 1º de setembro, marcaria a principal solenidade brasiliense na semana do Sesquicentenário.
A engrenagem para o hasteamento não ficou pronta na hora, e o presidente Emilio Garrastazu Médici adiou a cerimônia por tempo indeterminado. E aumentaram as críticas. Na época, o responsável pelo projeto, o engenheiro Sérgio Bernardes disse à Veja: ‘Brasília não é intocável, nem estática. Brasília não é Ouro Preto. Havia uma lei determinando que fosse erguido um monumento à bandeira, na Praça dos Três Poderes, e me encarregaram de projetar esse monumento.’
No último 19 de novembro, dia da Bandeira, houve finalmente a inauguração, com presença do presidente Médici, várias autoridades e 20.000 pessoas. (...) E Brasília, aos poucos, se refaz do impacto de julho. As críticas agora são menos ásperas. Como a do professor de teoria da arquitetura, Edgar Graeff: "o assunto não comporta qualquer tipo de cogitação quanto à intocabilidade da praça, um órgão vivo da cidade, e como tal, sujeita a refletir as transformações da vida. É suficiente constatar: a infeliz estrutura destruiu os melhores valores do centro cívico de Brasília. E, penso, não foram alcançados os objetivos perseguidos pela iniciativa. Lá no alto e no jogo das proporções visuais, a bandeira aparece como uma forma mesquinha, desgraciosa e até mesmo um pouco ridícula".
Sob outro olhar, Jayme Mauricio, no seu artigo Sérgio, Niemeyer e Lúcio, revela a simpatia de Oscar Niemeyer pela contribuição arquitetônica de Bernardes para Brasília, citando o Mastro entre outros projetos, e aponta para o urbanista da capital federal como solicitante de mudanças na concepção:
o projeto para o Monumento ao Pavilhão Nacional havia sido modificado atendendo às ponderações de Lúcio Costa, com as quais Sérgio Bernardes concordara, embora as autoridades de Brasília não tenham concordado.
Sobre as “ponderações” de Costa não há detalhes no artigo. Todavia, paira sob o silêncio historiográfico que acometeu a obra arquitetônica de Sérgio Bernardes desde então um fantasma conhecido: um telegrama fúnebre de Lúcio ao arquiteto, na época da inauguração do Mastro, que supostamente dizia apenas: “meus pêsames.” Já nos anos 1980, o urbanista de Brasília teria declarado: “‘Simpatizo com a pessoa do Bernardes. Do trabalho dele não quero falar. Lamento’”. Quanto a Niemeyer, ao visitar Brasília após retornar do exílio, em 1979, o arquiteto teria dito: “o Mastro foi um amigo meu que fez, mas eu acho que ele deveria estar em outro lugar”. Em defesa às críticas sofridas pelos dois expoentes máximos da arquitetura moderna brasileira e responsáveis pela concepção da capital federal, Bernardes esclareceu seu ponto de vista, atacando o aspecto conceitual de Brasília:
Eu faço críticas não à arquitetura de Brasília, mas às condições de Brasília. A cidade deu realmente um impulso formidável à arquitetura brasileira. Só que a arquitetura de Niemeyer é a arquitetura de um gênio;[...] Niemeyer é um homem que vê bonito. Mas você não pode dizer que a arquitetura de Niemeyer seja a arquitetura brasileira. [...] Na cidade, o que eu critico são os conceitos, que são bastante estáticos. A parte conceitual de Brasília talvez pertença ao século 18. Não é nem ao século 19, nem ao 20. Os conceitos de Brasília são velhíssimos, velhíssimos do ponto de vista conceitual, como velhíssimo é o conceito da Barra da Tijuca. [...] Minha crítica não é ao Lúcio, mas ao conceito que ele utilizou. Faço críticas ao conceito que ele emite, uma informação estética estática. Quando você fala de estética e não fala de ritmo, você está falando em condições estáticas. Quer dizer: você não poderá mexer na Câmara dos Deputados de Brasília, que é um dos símbolos da cidade. A cidade vai crescendo numa série de anexos. Há até cidades anexas.
O Oscar não gostou do monumento, o Lúcio também não, mas eles também não me perguntaram se eu gosto das coisas que eles fazem. Mas se eu tivesse que fazer de novo o monumento, faria igualzinho. Quando foi feito, ele entrava em contraste com o branco, o branco da arquitetura, os brancos dos edifícios e dos mármores. Mas ele foi concebido por estar unido a terra, por isso tem a cor de ferrugem, de terra. Era o que eu queria. A bandeira, e o monumento, que é ideia integrada, são símbolos da pátria, não têm que estar integrados à arquitetura. A bandeira é a primeira marca que você põe para que a cidade se desenvolva atrás dela. Em primeiro lugar deve estar a marca de referência do país, assim como os americanos fizeram ao pisar na lua. Marcaram o local com a sua bandeira. Depois é que a cidade se desenvolve. Fiz um monumento como se a cidade se desenvolvesse depois dele. Ele está ligado a terra e ao país.
Fica evidente o tom crítico de Sérgio Bernardes em sua argumentação em defesa tanto do polêmico Monumento ao Pavilhão Nacional quanto de seu desejo de inovação conceitual no desenvolvimento de Brasília. Mas do que Bernardes estaria falando ao se opor aos “conceitos estáticos” ou à “informação estética estática” atribuída “não à arquitetura de Brasília, mas às condições de Brasília”? Provavelmente à forma composicional fechada de Brasília, na qual elementos implantados individual e funcionalmente sobre um campo verde setorizado e hierarquizado não preveem expansão, não admitem intervenções não-planejadas, nem demandas imprevistas, e limitam o desenvolvimento da cidade ao nascer. Sim, porque ao falar de “ritmo”, “crescimento” e “anexos”, Sérgio Bernardes está falando da dinâmica do tempo. Como planejar e projetar fora das “condições estáticas” de pensamento afim de não gerar uma “informação estética estática”? Para ele, pela via da associação e sistematização de ideias e conceitos permanentemente renováveis, traduzidos para a linguagem arquitetônica e urbana num constante processo de evolução, tendo a tecnologia como aliada. Talvez por isso o Mastro da Bandeira não configure um anexo do conjunto edificado na Praça dos Três Poderes, não utilize o concreto armado como partido tectônico, nem a composição plástica como forma estrutural, constituindo de fato um elemento “intruso”, contrário à “condição estético-estática” da unidade fechada da Praça. Ademais, a abordagem conceitual de uma dinâmica de tempo/movimento subjaz no próprio objeto arquitetônico monumental – a viabilidade sistemática de rápida montagem incorporando alguma possibilidade de “transformação” – conforme esclareceu o próprio arquiteto:
caso haja uma redivisão político-administrativa no País, cada mastro de um Estado que venha a ser subdividido anexará um nome sob o nome do Estado a que pertence o mastro. Dessa forma, o monumento estará mostrando a história político- administrativa do Brasil em sua constante evolução.
De fato, passados 49 anos da inauguração do Monumento, os territórios de Rondônia, Amapá e Roraima se tornaram Estados; Fernando de Noronha se incorporou a Pernambuco; surgiu o Estado de Mato Grosso do Sul e Goiás se dividiu com Tocantins. Ainda assim, o Mastro da Bandeira continua abrigando as insígnias dos 26 Estados atuais e do Distrito Federal. Ao que parece, foi a historiografia da arquitetura brasileira que se esqueceu de Sérgio Bernardes.
A leitura permite o diálogo formal entre o Mastro da Bandeira e o Latting Observatory, os quais guardam grande similaridade, apesar de construídos com materiais e propósitos distintos (o Latting era feito de madeira com braçadeiras de ferro, tinha dois andares-base comerciais e duas plataformas-mirante). Ambos, torre e Mastro, são “edifícios sem interior”, objetos da ambição do homem que submete técnica e tecnologia ao exercício e demonstração de poder. Também, o idealismo da esfera – o sólido platônico, não deixa de ser aludido na forma circular do Mastro, seja na seção das barras, na planta do sistema, na “simbologia do diálogo” entre os Estados ou na representação da nação no globo terrestre – o marco da Bandeira. Por esse viés, talvez seja possível inclusive um paralelo entre a ambição de Nova York delirante e a ambição de um “Sérgio Bernardes delirante”. Esta, simbolizada na arquitetura do Mastro e em tudo que ela representa como monumento ao progresso e ao poder – nacional, estratégico, militar, técnico, tecnológico e, principalmente, do projeto/planejamento.
É importante destacar que desde os projetos dos pavilhões da CSN (1954), de Bruxelas (1958) e de São Cristóvão (1957/60), entre outros, Sérgio Bernardes vinha aprimorando a pesquisa de sistemas projetuais e de uma lógica de construção serial ancorada na experimentação com a estrutura metálica e materiais industriais. Investigando soluções estruturais menos convencionais, algumas delas intuídas com base em conceitos de geometrias não euclidianas, Bernardes escapa muitas vezes da planta geradora e das relações ortogonais entre os planos, tão exploradas pelos arquitetos modernistas. No projeto do Mastro, embora a forma clássica do cone aparente certo convencionalismo, a estabilidade dos esforços mecânicos sofridos é desafiadora. Além de seu próprio peso, altura e dos esforços de vento, há 24 toneladas concentradas no vértice. Logo, a relação forma estética/forma estática submete-se a uma carga dupla: o peso dos 286m2 de tecido flamulante da Bandeira e a significação histórico-simbólica do monumento. Vista dessa ótica a estrutura é bastante arrojada. É no “diálogo do círculo” que o arquiteto associa o discurso conceitual-simbólico à racionalidade técnico-construtiva. Isso fica evidente na simetria dos tubos agrupados segundo um sistema ideal de geometria cônica que resiste por igual à flexão em qualquer ponto da estrutura. Conforme aponta Filizola,
no grande sistema estrutural ‘mastro engastado no solo’ a forma cilíndrica do conjunto de tubos é propicia, pois é sempre a mesma forma estrutural, independente da direção do vento, que pode soprar em qualquer direção. Certamente foi por isso que a solução foi adotada.
Assim, a solução estrutural do Mastro é de extrema coerência, uma vez que a associação de barras tubulares-circulares num sistema geométrico uniforme de planta circular, vazado e em forma de agulha (diminuindo no topo onde sofre a grande solicitação) equaliza o efeito dos momentos fletores, além de minimizar a ação dos ventos. Estabilidade que se completa, estando todo o conjunto travado por diafragmas.
Do ponto de vista plástico, contudo, há certo estranhamento inicial. O impacto dessa “viga-sistema” – uma grande armadura exposta, semitransparente e bruta, tão artificial quanto a própria paisagem construída de Brasília, está mais que tudo na nudez construtiva da sua forma-material. Uma nudez ferrosa, linear e pronunciada que se contrapõe à opacidade do arcabouço (também metálico porém revestido) de outras edificações do Eixo Monumental, por exemplo, o Congresso Nacional e os Ministérios, ambos projetados por Oscar Niemeyer.
Como uma espécie de memória da estrutura invisível do Congresso, o esqueleto metálico fincado por Sérgio Bernardes na Praça dos Três Poderes não deixa de aludir à própria ausência de Niemeyer, naquele momento “exilado” em Paris. Tensiona também questões intrínsecas ao modernismo arquitetônico brasileiro, como o formalismo preponderante do concreto armado, que ora mascara e dissimula (forma estática submetida à voluntariosidade da forma estética), ora potencializa a lógica expressiva da solução estrutural, como em Vilanova Artigas, por exemplo. Todavia, entre o escamoteamento estrutural dos Palácios de Niemeyer, a invisibilidade dos esqueletos metálicos nas sedes do Congresso e Ministérios, e o “exibicionismo” estético-estrutural do Mastro, a estrutura de Bernardes não poderia ser lida como uma crítica à própria arquitetura modernista, de certo modo análoga àquela feita pelos arquitetos modernos ao ecletismo? Uma espécie de ícone pop da arquitetura em processo (tentativa) de expressão de uma cultura (aposta) industrial?
Seja como for, mesmo (bem) intencionado quanto à “inovação” arquitetônica no contexto brasileiro dos anos 1970, quando da inauguração, o Monumento de Sérgio Bernardes foi amplamente atacado pela “estranheza” formal-material “perturbadora” do equilíbrio da Praça dos Três Poderes. Na verdade, seu experimentalismo estrutural acabou apagado pelo simbolismo negativo atribuído ao Mastro da Bandeira, ícone cívico do Poder militarizado.
Certamente, a polêmica causada pelo “objeto” se deu muito mais pela ausência de peso moral e crítica ideológica de seu autor, do que por sua atitude “invasora” e contrastante da estrutura na paisagem homogênea (e artificial) de Brasília. Entre críticas da época, a edição 221 da revista Veja, de novembro de 1972, traz a seguinte nota:
Em julho [1972], os habitantes de Brasília notaram o surgimento de um corpo estranho a elevar-se na tranquila paisagem da Praça dos Três Poderes. O Palácio do Congresso, especialmente, parecia ameaçado pelo apêndice a crescer por trás da cúpula branca da Câmara. Veio agosto e estava terminada a obra: um mastro de 100 metros de altura, que sustentaria uma bandeira nacional de 286 metros quadrados. Sua inauguração, a 1º de setembro, marcaria a principal solenidade brasiliense na semana do Sesquicentenário.
A engrenagem para o hasteamento não ficou pronta na hora, e o presidente Emilio Garrastazu Médici adiou a cerimônia por tempo indeterminado. E aumentaram as críticas. Na época, o responsável pelo projeto, o engenheiro Sérgio Bernardes disse à Veja: ‘Brasília não é intocável, nem estática. Brasília não é Ouro Preto. Havia uma lei determinando que fosse erguido um monumento à bandeira, na Praça dos Três Poderes, e me encarregaram de projetar esse monumento.’
No último 19 de novembro, dia da Bandeira, houve finalmente a inauguração, com presença do presidente Médici, várias autoridades e 20.000 pessoas. (...) E Brasília, aos poucos, se refaz do impacto de julho. As críticas agora são menos ásperas. Como a do professor de teoria da arquitetura, Edgar Graeff: "o assunto não comporta qualquer tipo de cogitação quanto à intocabilidade da praça, um órgão vivo da cidade, e como tal, sujeita a refletir as transformações da vida. É suficiente constatar: a infeliz estrutura destruiu os melhores valores do centro cívico de Brasília. E, penso, não foram alcançados os objetivos perseguidos pela iniciativa. Lá no alto e no jogo das proporções visuais, a bandeira aparece como uma forma mesquinha, desgraciosa e até mesmo um pouco ridícula".
Sob outro olhar, Jayme Mauricio, no seu artigo Sérgio, Niemeyer e Lúcio, revela a simpatia de Oscar Niemeyer pela contribuição arquitetônica de Bernardes para Brasília, citando o Mastro entre outros projetos, e aponta para o urbanista da capital federal como solicitante de mudanças na concepção:
o projeto para o Monumento ao Pavilhão Nacional havia sido modificado atendendo às ponderações de Lúcio Costa, com as quais Sérgio Bernardes concordara, embora as autoridades de Brasília não tenham concordado.
Sobre as “ponderações” de Costa não há detalhes no artigo. Todavia, paira sob o silêncio historiográfico que acometeu a obra arquitetônica de Sérgio Bernardes desde então um fantasma conhecido: um telegrama fúnebre de Lúcio ao arquiteto, na época da inauguração do Mastro, que supostamente dizia apenas: “meus pêsames.” Já nos anos 1980, o urbanista de Brasília teria declarado: “‘Simpatizo com a pessoa do Bernardes. Do trabalho dele não quero falar. Lamento’”. Quanto a Niemeyer, ao visitar Brasília após retornar do exílio, em 1979, o arquiteto teria dito: “o Mastro foi um amigo meu que fez, mas eu acho que ele deveria estar em outro lugar”. Em defesa às críticas sofridas pelos dois expoentes máximos da arquitetura moderna brasileira e responsáveis pela concepção da capital federal, Bernardes esclareceu seu ponto de vista, atacando o aspecto conceitual de Brasília:
Eu faço críticas não à arquitetura de Brasília, mas às condições de Brasília. A cidade deu realmente um impulso formidável à arquitetura brasileira. Só que a arquitetura de Niemeyer é a arquitetura de um gênio;[...] Niemeyer é um homem que vê bonito. Mas você não pode dizer que a arquitetura de Niemeyer seja a arquitetura brasileira. [...] Na cidade, o que eu critico são os conceitos, que são bastante estáticos. A parte conceitual de Brasília talvez pertença ao século 18. Não é nem ao século 19, nem ao 20. Os conceitos de Brasília são velhíssimos, velhíssimos do ponto de vista conceitual, como velhíssimo é o conceito da Barra da Tijuca. [...] Minha crítica não é ao Lúcio, mas ao conceito que ele utilizou. Faço críticas ao conceito que ele emite, uma informação estética estática. Quando você fala de estética e não fala de ritmo, você está falando em condições estáticas. Quer dizer: você não poderá mexer na Câmara dos Deputados de Brasília, que é um dos símbolos da cidade. A cidade vai crescendo numa série de anexos. Há até cidades anexas.
O Oscar não gostou do monumento, o Lúcio também não, mas eles também não me perguntaram se eu gosto das coisas que eles fazem. Mas se eu tivesse que fazer de novo o monumento, faria igualzinho. Quando foi feito, ele entrava em contraste com o branco, o branco da arquitetura, os brancos dos edifícios e dos mármores. Mas ele foi concebido por estar unido a terra, por isso tem a cor de ferrugem, de terra. Era o que eu queria. A bandeira, e o monumento, que é ideia integrada, são símbolos da pátria, não têm que estar integrados à arquitetura. A bandeira é a primeira marca que você põe para que a cidade se desenvolva atrás dela. Em primeiro lugar deve estar a marca de referência do país, assim como os americanos fizeram ao pisar na lua. Marcaram o local com a sua bandeira. Depois é que a cidade se desenvolve. Fiz um monumento como se a cidade se desenvolvesse depois dele. Ele está ligado a terra e ao país.
Fica evidente o tom crítico de Sérgio Bernardes em sua argumentação em defesa tanto do polêmico Monumento ao Pavilhão Nacional quanto de seu desejo de inovação conceitual no desenvolvimento de Brasília. Mas do que Bernardes estaria falando ao se opor aos “conceitos estáticos” ou à “informação estética estática” atribuída “não à arquitetura de Brasília, mas às condições de Brasília”? Provavelmente à forma composicional fechada de Brasília, na qual elementos implantados individual e funcionalmente sobre um campo verde setorizado e hierarquizado não preveem expansão, não admitem intervenções não-planejadas, nem demandas imprevistas, e limitam o desenvolvimento da cidade ao nascer. Sim, porque ao falar de “ritmo”, “crescimento” e “anexos”, Sérgio Bernardes está falando da dinâmica do tempo. Como planejar e projetar fora das “condições estáticas” de pensamento afim de não gerar uma “informação estética estática”? Para ele, pela via da associação e sistematização de ideias e conceitos permanentemente renováveis, traduzidos para a linguagem arquitetônica e urbana num constante processo de evolução, tendo a tecnologia como aliada. Talvez por isso o Mastro da Bandeira não configure um anexo do conjunto edificado na Praça dos Três Poderes, não utilize o concreto armado como partido tectônico, nem a composição plástica como forma estrutural, constituindo de fato um elemento “intruso”, contrário à “condição estético-estática” da unidade fechada da Praça. Ademais, a abordagem conceitual de uma dinâmica de tempo/movimento subjaz no próprio objeto arquitetônico monumental – a viabilidade sistemática de rápida montagem incorporando alguma possibilidade de “transformação” – conforme esclareceu o próprio arquiteto:
caso haja uma redivisão político-administrativa no País, cada mastro de um Estado que venha a ser subdividido anexará um nome sob o nome do Estado a que pertence o mastro. Dessa forma, o monumento estará mostrando a história político- administrativa do Brasil em sua constante evolução.
De fato, passados 49 anos da inauguração do Monumento, os territórios de Rondônia, Amapá e Roraima se tornaram Estados; Fernando de Noronha se incorporou a Pernambuco; surgiu o Estado de Mato Grosso do Sul e Goiás se dividiu com Tocantins. Ainda assim, o Mastro da Bandeira continua abrigando as insígnias dos 26 Estados atuais e do Distrito Federal. Ao que parece, foi a historiografia da arquitetura brasileira que se esqueceu de Sérgio Bernardes.
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