domingo, 19 de dezembro de 2021

História da Criação do 13º Salário no Brasil - Artigo

 


História da Criação do 13º Salário no Brasil - Artigo
Artigo




A adoção pelo Brasil de uma gratificação de Natal obrigatória para os trabalhadores ocorreu no bojo das grandes turbulências e transformações da década de 60. Em abril de 1961, os soviéticos haviam pela primeira vez enviado um ser humano para muito além da estratosfera, primeiro grande passo em direção à Lua, cujo solo seria tocado só oito anos mais tarde pela nave norte-americana Apolo 11. No Brasil, que recebera o cosmonauta Iuri Gagarin 90 dias depois de seu feito, discutia-se acaloradamente a criação do “13º mês de salário” como parte dos embates ideológicos entre esquerda e direita típicos da Guerra Fria: de um lado os Estados Unidos e o capitalismo; do outro, a União Soviética e o comunismo.
A criação do 13º, proposta em 1959 pelo deputado Aarão Steinbruch (PTB-RJ), seria aprovada pelo Senado em 27 de junho de 1962 e sancionada pelo presidente João Goulart em 13 de julho. Resultaria na Lei 4.090, de 1962, que garantia a todo empregado o direito a uma gratificação de fim de ano equivalente a 1/12 avos do salário de dezembro para cada mês trabalhado. Na época, entendia-se como empregados os trabalhadores assalariados na iniciativa privada.
No contexto de uma inflação renitente, que chegaria em dezembro a 51,6% (IGP-DI), foi uma das notícias alvissareiras do ano para a população. Em maio, o orgulho dos brasileiros já havia sido massageado pela Palma de Ouro do filme O Pagador de Promessas, em Cannes. Nada, porém, que se comparasse ao delírio das comemorações pelo bicampeonato mundial de futebol, conquistado no Chile em 17 de junho.
Ainda assim, nem todo o otimismo gerado pela Copa do Mundo foi suficiente para desfazer o mau humor no terreno da política e da economia. Contra a vontade dos militares, Jango assumira a Presidência da República em setembro de 1961 com a surpreendente renúncia de Jânio Quadros, eleito pela coligação de direita PTN-PDC-UDN-PR-PL. Sob regime parlamentarista forçado, o Brasil continuou a enfrentar grande inquietação e risco de golpe de Estado, do qual não escaparia em 1964.
Matizando com sua excentricidade a política externa independente arquitetada pelos chanceleres San Thiago Dantas e Afonso Arinos, Jânio tomaria medidas dissonantes, dada a coalizão que o sustentava. Uma delas foi condecorar o guerrilheiro e integrante do governo cubano Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul a seis dias de assinar sua carta de despedida do governo, em 25 de agosto. Um mês antes, ele havia concedido a Ordem da Força Aérea Brasileira ao nada polêmico Gagarin, então uma celebridade em giro pelo mundo e procedente de Cuba. As relações com a URSS seriam normalizadas em dezembro, mas Jânio a essa altura já havia se convertido numa das mais indecifráveis esfinges da política brasileira.
As contradições desse momento ligam, simbolicamente, o cosmonauta soviético às lutas pelo 13º salário, já que Gagarin visitou no Rio de Janeiro o Sindicato dos Metalúrgicos, uma das categorias mais mobilizadas em torno do abono e outras reivindicações. Aprovado em segundo turno no dia 24 de abril de 1962 na Câmara, o PL 440-C/1959 motivara a convocação de uma greve geral em São Paulo, iniciada em 14 de dezembro do ano anterior, quando aquela Casa adiou por 48 horas a votação em definitivo do projeto.
O 13º, entretanto, não era novidade na pauta dos sindicatos, que por ele já batalhavam havia muitos anos, seja em movimentos setoriais, seja naqueles de caráter mais amplo. “Os primeiros registros de que temos notícia falam de greves e demandas pelo abono natalino em 1921 na Companhia Paulista de Aniagem e na indústria Mariângela”, destaca Murilo Leal Pereira Neto em A Reinvenção do Trabalhismo no “Vulcão do Inferno”, tese por meio da qual obteve o título de doutor em história pela Universidade de São Paulo (USP). Na mesma linha, o trabalho menciona episódios posteriores, começando por uma greve geral pelo pagamento do benefício em Santo André, em 1944, depois da concessão do benefício aos operários da Pirelli no ano anterior, e greves nos anos de 1945, 1946, 1951 e 1952 envolvendo diversas categorias, como ferroviários da Sorocabana, trabalhadores da Light, tecelões, gráficos, químicos, bancários, marceneiros, vidreiros, padeiros, sapateiros e comerciários.
O projeto de Steinbruch também não era novidade. Tratava-se do terceiro protocolado na Câmara.
Duramente reprimida, a greve dos paulistas resultou em prisões, mas marcou a forte posição dos trabalhadores. Eles queriam ir além da concessão da gratificação natalina por mera liberalidade das empresas e, muitas vezes, com valores abaixo do salário mensal.
“O 13º salário é um desses casos de reivindicação surgida no chão da fábrica, legitimada nas relações costumeiras entre patrões e empregados em algumas firmas, transformada em lei às custas de greves, demissões, abaixo-assinados, prisões e cuja memória é depois ofuscada pelo brilho da lei que, supõe-se, como toda lei, deve ter sido iniciativa de algum presidente, deputado ou senador”, escreve Pereira Neto.
O historiador cita em sua tese o depoimento do metalúrgico aposentado João Miguel Alonso sobre esses conflitos:
“O 13º salário, a maior parte do nosso povo ignora, saiu do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Pode confiar com toda a consciência no que eu estou falando. Toda vez que nós abrimos qualquer negociação de fim de ano com os patrões, nós encaixávamos o 13º, porque sabe o que acontecia naquela época? Os patrões ganhavam aquele dinheiro no fim do ano, tudo, chegava e dava um panetone e dava uma garrafa de vinho ruim pro cara. Então nós mostramos a realidade. O trabalhador também precisava passar o Natal melhor. (...) Oh, meu Deus do céu, vocês têm que entender, vocês não vão dar a empresa pra eles. Vocês vão dar apenas o essencial para esse coitado viver, passar um Natal melhor com a família.”
Na data marcada para começar a paralisação de dezembro de 1961, o deputado Derville Alegretti, do Partido Republicano (PR) de São Paulo, leu em Plenário carta do seu colega Cunha Bueno, do Partido Social Democrático (PSD), também de São Paulo, que expressava preocupação com “os destinos do regime democrático” face à greve e a um sem-número de outras manifestações que tomavam conta do país. “Sente-se um mal-estar em qualquer parte onde nos encontramos”, escreveu Bueno. O parlamentar relatou que, durante visita naqueles dias a São Paulo, Jango reafirmara sua crença de que a estabilidade econômica dependia das chamadas reformas de base, como a redistribuição de terras. Lamentava, porém, a incompreensão do tema por parte “dos nossos homens de governo”. Ao falar em público, observava Bueno, o presidente recebera um misto de apoio e pressão por parte dos grevistas, que agitavam cartazes sem parar. Sua fala também teve de competir com gritos de “fala, Jango” “viva Jango”, “viva Cuba” e “abaixo o imperialismo americano”.
De acordo com Rubens Goyatá Campante, doutor em sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisador do Núcleo de Pesquisas da Escola Judicial do TRT-3ª Região, uma outra greve, deflagrada 18 dias após o Brasil conquistar a Copa — ou seja, já em 1962 — jogou a favor do 13º. Na opinião de Campante, expressa no artigo "O 13º veio de uma greve geral", esse episódio “desmente análises rasteiras que vinculam os sucessos no futebol a uma ‘apatia sócio-política’ da população”. O movimento afetou principalmente empresas estatais ou sob controle do governo, mas o setor privado não passou incólume. Nos transportes, ferrovias, bancos e portos, a paralisação foi expressiva, assim como nas refinarias e distribuidoras da Petrobras. Cruzaram os braços trabalhadores de São Paulo, Fortaleza, Belém, Recife, Salvador, Campina Grande (PB), Vitória, Santos e Cubatão (SP), Belo Horizonte, Paranaguá (PR), Itajaí e Criciúma (SC), entre outras.
Mesmo pressionada, a Câmara adiou bastante o segundo turno da votação. Quando aprovou o PL, no entanto, o fez sem alterar o texto original de Steinbruch, embora alguns deputados tenham empurrado para o Senado a tarefa de emendar o projeto.
“A proposição foi adiada por 48 horas ainda em dezembro último. Muitas oito horas decorreram sem que a matéria fosse novamente colocada em pauta. Quando se discutiu o assunto naquela ocasião, dizia-se que não era possível sua votação porque se iria surpreender a classe patronal com o pagamento de um mês no próprio mês de dezembro. Estamos em fevereiro, quase ao término da convocação extraordinária, e é preciso que esta Câmara atente em que durante esse período, quase nada votamos”, diria o próprio Steinbruch na sessão de 23 de fevereiro.
Os senadores não foram menos pressionados, conforme deixam claro os registros das sessões da Casa mantidos pelo Arquivo do Senado, um rico acervo a mostrar que o tempo passa, mas embates semelhantes voltam ao plano da vida nacional, a despeito da troca de sinais. Em 1962, como hoje, insistia-se na necessidade de reformas. Aquelas eram voltadas a ampliar os direitos sociais. As de agora, igualmente tidas como condição sine qua non para a estabilidade econômica e o crescimento, incluem disciplina fiscal, reestruturação tributária e administrativa, além da redução de direitos trabalhistas.
“A esta altura dos acontecimentos, no momento em que o Conselho de Ministros remete vários projetos à Câmara dos Deputados, no alto e elevado propósito de conter a inflação devastadora que aí está, todos nos vemos obrigados a medidas paralelas, no sentido de aliviar um pouco os que vivem de salários, quer funcionários, quer operários, mas essas medidas fatalmente agravarão ainda mais a situação a que chegamos”, advertiu o senador Novaes Filho, do Partido Libertador (PL) de Pernambuco, em um prolongado debate que envolveu a emissão de moeda, o controle dos gastos e até o sistema parlamentarista, no dia 2 de maio de 1962.
Novaes Filho emendou: “Já nos encontramos num ambiente de indisfarçável perigo para a própria ordem pública. Já é difícil a quem encarna, neste país, o princípio da autoridade, exigir prudência, exigir hierarquia, exigir disciplina de um povo sacudido pela fome, de um povo em desespero porque o que ganha hoje não satisfaz mais as necessidades de amanhã. Lamento que no Congresso Nacional não se tenha adotado até hoje uma única medida de prudência, de patriotismo, uma única medida enérgica contra esse estado tremendamente prejudicial ao país, em todos o seus setores de atividade”.
Paulo Fender (PR-PA), principal defensor do 13º no Senado, pergunta então a Novaes se o governo poderia coibir as emissões [de moeda] diante de demandas urgentes e se o Congresso não teria cedido “para atender as necessidades do povo”. No entender dele, a saída era estrutural. “Parece-me que os projetos que mais interessam à Nação são os chamados de reforma de base, que não acodem a emergências. São, por conseguinte, proposições cujo alcance têm prazo mais longo, que combatem a inflação no seu cerne, na sua base, na sua infraestrutura”, argumentou. Um desses projetos era o que limitava a remessa de lucros de multinacionais para obrigá-las a reinvestir aqui o que ganhavam. “Penso que o Parlamento Nacional tem feito muito, porém a realidade brasileira não permite que se adotem medidas drásticas”.
Poucos dias antes, ao anunciar a chegada do projeto ao Senado, Fender observava: “O assunto já preocupa as classes conservadoras”.
Tais preocupações mereceram uma cautelosa exegese por parte do senador Ruy Carneiro (PSD-PB):
“Sou favorável ao projeto e devo dizer que dirijo uma organização privada — o Banco Hipotecário Lar Brasileiro — há 14 anos, e esse banco vem dando aos seus funcionários a chamada natalina, correspondente a um mês de vencimentos. Por conseguinte, para esse estabelecimento, o projeto não traz novidade, pois o 13º mês já está incorporado aos proventos dos seus servidores e às suas despesas habituais. O que deve haver, por parte das classes conservadoras, é o receio de que certas organizações sem lucro não possam efetuar obrigatoriamente esse pagamento.”
A resposta de Fender, que nas escaramuças com os conservadores recebia apoio de Lima Teixeira (PTB-BA) e Barros Carvalho (PTB-PE), mostra o quanto de antagonismo pairava no ar:
“Neste país, quase toda falência que se registra é fraudulenta. Nunca vi casas comerciais falirem por não lucrarem os seus proprietários. Estes têm o trato especializado de alterar preços a seu talante. Reúnem-se nas suas associações para que suas casas de negócio mantenham sempre as portas abertas, mercê de constantes aumentos percentuais das mercadorias que dão para sustentar empregados, serviços e despesas. E os lucros de 20% ou 30%, seja qual for a carestia da vida, são invioláveis. Assim, não se venha a dizer que o aumento salarial implica, consequentemente, em aumentar o custo de vida. Só poderá tal ocorrer se os comerciantes quiserem pagar esse aumento salarial à custa do povo.”
As preocupações expressas por Guido Mondin, do Partido de Representação Popular (PRP) do Rio Grande do Sul, iam além dos efeitos inflacionários induzidos pelo aumento do meio circulante, consequência do volume global de recursos a serem pagos. Ele alegava que o valor individual a ser recebido pelos trabalhadores seria irrisório, frente ao “alarmante e acachapante custo de vida no Brasil”. E temia pelo abono de Natal que já era pago pelas firmas: “Há muitas que, espontaneamente, abonam os seus funcionários no mês de dezembro. Então, esta lei deverá especificar que o 13° mês será pago sem prejuízo daquelas vantagens voluntariamente oferecidas aos empregados, desta ou daquela empresa. Repare se não há esta falha no projeto de lei?”
O projeto, contudo, não interferia nos pagamentos espontâneos. Apenas universalizava uma gratificação, que segundo Fender, era de certa forma o primeiro passo para se regulamentar o dispositivo constitucional que previa a participação de todo empregado nos lucros das empresas.
E embora um dos princípios do trabalhismo fosse “contribuir cada um segundo suas possibilidades, para outro segundo suas necessidades”, Fender via uma vantagem do abono para o sistema capitalista, que se mostraria verdadeira:
“Leio, na imprensa carioca, manifestações pessimistas de representantes das classes conservadoras, que alertam a Nação para o perigo que esse projeto de lei pode ocasionar com relação à inflação. Há os que calculam em centenas de bilhões de cruzeiros o aumento das despesas de pagamento de salários que o projeto carreará. O que não se diz, porém, é que aumentará o mercado consumidor e, por conseguinte, a produção terá mais fácil colocação. Não se pode admitir, pura e simplesmente, que não havendo aumento de produção correlata com o aumento de salários, esse salário seja indevido ou injusto. É um raciocínio simplista que, desta tribuna, contestamos.”
Em 9 de maio, Aloysio Carvalho (PL-BA) procurou dar voz diretamente aos empresários, ao ler telegrama enviado pela associação comercial de seu estado, que pedia um “meticuloso e profundo exame do projeto, cuja aprovação importará no agravamento da crise financeira nacional, estimulando o surto inflacionário e consequente majoração do custo de vida.”
Uma abordagem mais ampla da questão viria em longo e virulento discurso proferido por Mem de Sá (PL-RS). O senador apoiou sua argumentação em aspectos técnicos e apresentou estimativas para o que considerava uma provável elevação em escala dos recursos dispendidos com salários em razão do 13º, somados aos que deveriam ser pagos aos servidores públicos. As repercussões inflacionárias seriam amplas, acreditava ele, não só pelo aumento dos custos das empresas e da demanda, como também do déficit público, provocando a necessidade de reajuste do salário mínimo e aumento de impostos, num círculo vicioso infinito.
“Poderá o Estado, depois de publicada tal lei, recusar a seus servidores a liberalidade que coercitivamente impôs às empresas e empregadores privados? Com que autoridade moral negará a seus empregados o que forçou a ser dado aos demais? E então, naturalmente, o déficit será ainda maior e tudo será pior ainda”, previa.
Do “quadro desesperador”, que expôs, o senador anunciou “conclusões imediatas”. E a primeira era: “a ordem constitucional e as instituições” não resistiriam, a economia nacional entraria em colapso e o país, em convulsões sociais.
“O Brasil ameaça explodir!”, alertou Mem de Sá, bastante cético sobre o remédio preconizado por Jango e por Fender, que fazia pouco do déficit público:
“Não há reformas de base, nem emendas constitucionais, nem poderes Constituintes, que resolvam nossos problemas dentro da hiperinflação em que afundamos vertiginosamente. Neste clima e neste ambiente, o esquema subversivo em escancarado desenvolvimento, promovido pela inconsciência da ambição e da demagogia, 'cubanizirá' o Brasil ou o lançará na anarquia de agitações sangrentas e ditaduras instáveis.”
Para Mem de Sá, estariam o Congresso e o governo “procedendo como irresponsáveis”, por se distanciarem dos esforços “de sobrevivência” do combate às causas da inflação, para cada vez mais agravá-las, “como se decididos ao suicídio”. O senador criticou ainda o comodismo, o empreguismo, a politicagem e a tendência de governantes para a inépcia e a corrupção.
Na sequência, desferiu um ataque frontal a Goulart, tentando relativizar a culpa do Parlamento e livrá-lo do papel de bode expiatório “dos descalabros” daquele momento:
“O Sr. João Goulart não pode, assim, descer da dignidade [do cargo] de presidente da República para adotar a linguagem e os expedientes de líder de facção, concorrendo, por esta forma, com a autoridade de seu posto para que o povo se deixe mistificar pela demagogia dos agitadores profissionais e dos caçadores de votos”.
A intervenção de Mem de Sá tocaria por fim no explosivo tema do sistema de governo, que também era objeto de manifestações sindicais, seja a favor da troca do primeiro-ministro seja pela volta dos plenos poderes a Goulart, que também queria converter o Congresso seguinte em Constituinte para votar as reformas de base:
“É preciso dizer ao povo que o Ato Adicional não foi cumprido, que não foi implantado no Brasil o sistema parlamentar de governo, que temos hoje uma caricatura de parlamentarismo servindo de máscara à união ou confusão de partidos dentro de um governo em que o presidente da República cada vez mais cresce em força e poder, à medida que o Conselho de Ministros se apequena e encolhe e o Congresso se demite.”
Da parte dos senadores Miguel Couto (PSD-RJ) e Lima Teixeira, a preocupação era ampliar o escopo do projeto de Steinbruch. Couto ainda resgataria em sua fala do dia 30 de maio o espírito cristão que dera origem à proposição:
“Teve este projeto extraordinária repercussão em todo o país, e podemos considerá-lo vitorioso pelos seus elevados propósitos de amparar as classes menos favorecidas pela fortuna. É justo que durante as comemorações natalinas, quando toda a humanidade procura desarmar os espíritos para devotar-se aos festejos pela data do nascimento do Menino Jesus, que se contribua financeiramente, ofertando os meios necessários a que cada lar modesto possa também participar das merecidas alegrias no aconchego da família”, pregou, para em seguida propor a extensão do benefício aos pensionistas e aposentados dos institutos de previdência, “criaturas já envelhecidas ou inválidas, sem meios para um esforço maior em busca das necessidades familiares”.
Teixeira pediu pelos “inúmeros trabalhadores avulsos da estiva”, cujo trabalho não era constante e que reivindicavam o pagamento do 13º com base no percentual de atividade e de frequência quando “da chegada de navios ao porto”.
O projeto acabou aprovado sem emendas no Plenário, apesar de uma das comissões do Senado apresentar substitutivo prevendo converter o benefício em abono de 1/12 avos relativo a novembro, podendo dele serem descontadas gratificações e participações em lucros. O abono seria dedutível do Imposto de Renda sobre o lucro real a pagar das empresas e valeria até que lei sobre participação nos lucros regulamentasse nesse sentido a Constituição, o que só veio a ocorrer no ano 2000. Pelas regras atuais, a participação é desvinculada dos salários e não é obrigatória, depende de negociações trabalhistas.
Já a Lei 4.090 foi regulamentada em 1965, ou seja, já no regime militar, pelo presidente Castello Branco, e depois das alterações introduzidas pela Lei 4.749/1965, sendo a principal delas a obrigação de os empregadores adiantarem metade do 13º entre fevereiro e novembro. O Decreto 57.155, de 1965, detalhou os artigos das duas leis e instituiu uma regra para os trabalhadores com remuneração variável. Em 1988, a Constituição foi promulgada já com a previsão do direito ao 13º por todos os trabalhadores urbanos e rurais, mas esse direito só foi estendido, formalmente, aos servidores públicos em 1998, por meio da Emenda Constitucional 19.
A consultora do Senado Jeane Arruda, economista com mestrado em política social pela Universidade Autônoma de Barcelona, comunga do ponto de vista de que o 13º salário foi muito além do debate ideológico e se firmou como um ingrediente bastante útil ao modelo econômico brasileiro.
Segundo ela, a Gratificação de Natal tem suas origens nos países majoritariamente cristãos, com a concessão, pelos patrões, de cestas alimentícias a seus empregados. Ao longo do tempo, as cestas foram substituídas por valores monetários. No Brasil, antes de 1962, categorias como a dos trabalhadores das empresas telefônicas de São Paulo já haviam conquistado esse benefício. E há relatos de que nos primórdios das Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, estudou-se institucionalizar o 13º, mas pressões empresariais teriam excluído o tema da CLT.
Bastante combatido a princípio, o 13º é um direito consolidado no Brasil, de acordo com a consultora:
Uma evidência disso pode ser vista, por exemplo, na última reforma trabalhista, ocorrida em 2017, quando não houve alteração alguma relacionada ao 13º. Certamente, o 13º salário aumenta o poder de compra do trabalhador e os recursos na economia. O aumento das vendas no período de fim de ano são positivamente influenciados pelos recursos do 13º. O aumento de gastos que tipicamente o trabalhador tem com as festas de fim de ano e, também, as despesas que se concentram no início do ano seguinte, com pagamento de impostos, matrículas escolares, entre outros, são beneficiados com os recursos desse salário extra. Além disso, os maiores gastos do trabalhador se refletem em maior produção e emprego.
Jeane Arruda explica que esse impacto na economia é significativo porque, além dos trabalhadores ativos no mercado de trabalho, aposentados e pensionistas do INSS também fazem jus ao benefício:
Para este ano, em que a inflação está estimada em 8,59%, bastante acima do teto da meta de inflação de 5,25%, a parcela do 13º ainda a ser paga será especialmente relevante para recompor parte da perda do poder de compra que o trabalhador sofreu ao longo do ano.
Os pensionistas e aposentados do INSS, contudo, já receberam as duas parcelas do 13º, pois o governo federal quis estimular a retomada mais rápida da economia e reverter os efeitos da epidemia de covid-19. Assim, parte do impacto geralmente concentrado ao final do ano será menor em 2021. De acordo com o Ministério da Economia, a medida injetou em torno de R$ 52,7 bilhões no mercado e beneficiou 31 milhões de segurados.
Para este ano, o ingresso de recursos na economia estimado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos está em R$ 233 bilhões, equivalentes a 2,7% do produto interno bruto (PIB). A título de referência, em 2020 o Dieese estimou que foram injetados R$ 215 bilhões ao longo de todo o ano.
O crescimento de um ano para o outro foi de 8,3%. Cerca de 83 milhões de brasileiros serão beneficiados com rendimento adicional, em média, de R$ 2.539, pago aos trabalhadores do mercado formal, inclusive aos empregados domésticos; aos beneficiários da Previdência Social e aos aposentados e beneficiários de pensão da União e dos estados e municípios. Em 2020, o total de beneficiários foi estimado em 80 milhões de brasileiros, com um benefício médio de R$ 2.458.
As previsões catastróficas, afinal não confirmadas, à época da instituição do 13º devem-se, na opinião da consultora, ao fato de que o país passava por forte conturbação política.
As empresas, representadas sobretudo pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo [Fiesp], eram contra a instituição do benefício. Para o empregador, o 13º representa aumento do custo da mão de obra. Daí o interesse em que o benefício pudesse ser firmado por liberalidade entre as partes, sem, por exemplo, a compulsoriedade do pagamento ou sem a imposição de valores mínimos. Além do mais, a economia passava por aceleração inflacionária e havia o temor de que o 13º agravasse o cenário, o que não se verificou.
Ao contrário, os contornos do 13º se amoldaram à tradição jurídica e cultural que situa o Brasil no âmbito de países como os latino-americanos México, Argentina e Uruguai e os social-democratas europeus Espanha, França, Itália e Portugal: benefício instituído por lei nacional, sendo frequente o pagamento em valor igual ao do salário habitual, segundo a consultora. Nos países de tradição liberal como Alemanha e Áustria, a gratificação de Natal se dá por meio de contratos coletivos de trabalho e não chega a se igualar ao valor do salário habitual.
Portugal paga um subsídio de Natal a todos os trabalhadores em valor correspondente ao do salário bruto, de uma vez só, em novembro ou dezembro, ou em duodécimos ao longo do ano. Na Espanha, há garantia do abono, mas não obrigatoriedade de valor mínimo, mesmo que na prática os valores definidos nos acordos e convenções coletivas de trabalho equivalham ao da remuneração mensal. Na Argentina, o pagamento é determinado por lei, sendo realizado em duas parcelas, uma em junho e outra em dezembro.
Jeane Arruda diz que depois de quase três décadas de existência legal, o 13º é envolvido em controvérsias de naturezas distintas às da sua gênese — relacionadas atualmente à sua validade como instrumento de ganho econômico e quanto ao grau de sua incolumidade jurídica. Nos últimos anos, circularam formulações, segundo as quais o benefício não seria na verdade um salário extra, mas sim o pagamento pelas semanas a mais trabalhadas no ano, em razão de alguns meses terem quatro semanas e outros, cinco.
Não há evidências de que o 13º brasileiro tenha essa finalidade. O pagamento no Brasil é mensal, diferentemente de outros países, como os Estados Unidos, onde é semanal. De modo que o argumento não se adequa à realidade brasileira. Por exemplo, se o trabalhador estiver empregado apenas por 20 dias de um mês do ano, ele fará jus a 1/12 (um doze avos) do 13º salário, recebendo o proporcional como se tivesse trabalhado por todo mês, mesmo tendo trabalhado menos de 30 dias. Portanto, não faz sentido o raciocínio por semanas.
Outra dúvida é sobre se o 13º seria uma cláusula pétrea — e, dessa forma, imutável — da Constituição:
O 13º está previsto no art. 7º da Constituição Federal, que trata dos direitos sociais dos trabalhadores. O art. 60 da Constituição Federal inclui os direitos e garantias individuais dentre as cláusulas pétreas, ou seja, direitos que não podem ser extintos pelo legislador. Na doutrina há o entendimento que os direitos e garantias individuais não se restringem ao artigo 5º da Constituição Federal, estendendo-se por todo o texto constitucional. No entanto, especificamente quanto aos direitos sociais, onde está inserido o 13º salário, não há consenso entre os doutrinadores sobre tais direitos estarem ou não inseridos dentre as cláusulas pétreas. Até o momento, o STF não se posicionou especificamente sobre a questão. Para os que entendem os direitos sociais como cláusula pétrea, o 13º estaria garantido permanentemente, cabendo apenas ampliá-lo, mas não extingui-lo ou reduzi-lo — explica a consultora.

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