São Paulo - SP
Fotografia
Texto 1:
Imagens do monumento em sua localização original, no parque Dom Pedro II.
Atualmente o monumento (em péssimo estado de conservação) está na praça Ragueb Chohfi.
Texto 2:
No ano em que comemoramos o bicentenário da Independência do Brasil (2022), assim como no ano de 1922, a efeméride foi objeto de vários eventos celebrativos.
No imaginário da população há uma relação automática entre a proclamação da Independência e o bairro do Ipiranga, lugar que entrou para a história como sítio do grito de D. Pedro. Mas a associação do bairro da zona sudeste de São Paulo e o evento que demarcou o fim do estatuto colonial do Brasil envolveu interesses, perspectivas e apropriações distintas, que vão desde a sua institucionalização no século XIX, passando por sua utilização pelos imigrantes sírio-libaneses e pelos artistas da Semana de 1922. Após os acontecimentos de 7 de setembro de 1822, a região do Ipiranga adquiriu importância como local demarcatório do surgimento do Estado-Nação, algo que foi posteriormente mobilizado inúmeras vezes para criar representações sobre o passado. Já no ano de 1823, José Bonifácio de Andrada e Silva deu a concessão para a construção de um monumento que lembrasse a proclamação de Independência e trouxesse maior visibilidade para a região. Em 1869, o comendador Jerônimo José de Mesquita dirigiu à Câmara Municipal de São Paulo um ofício ressaltando a “necessidade de erigir-se nas margens do Ipiranga um monumento que mostre aos vindouros o lugar onde se soltou o glorioso grito Independência ou Morte”. Contudo, apesar do reconhecimento como um local de importância simbólica e das subscrições feitas para sua construção, o monumento foi erguido muitos anos depois, algo que pode ser atribuído a uma disputa na dinâmica interna do governo imperial e à redefinição dos partidos liberal e conservador. A construção desse marco denota o embate entre província e governo central, bem como a tentativa de setores paulistas em retirar da esfera do Império o poder para realizar o monumento. Neste jogo político, os paulistas procuraram se qualificar como “berço da nacionalidade”. Foi apenas a partir de 1881 que o projeto ganhou forma com o desenho de Thomaz Gaudêncio Bezzi e, em 1894, foi iniciada a construção do monumento sob a supervisão do italiano Luiz Pucci. O empreendimento não envolveu apenas a construção do edifício, mas contemplou também uma proposta urbanística para promover a ocupação da região, com o loteamento de importantes áreas, a abertura de ruas, avenidas e a delimitação dos terrenos destinados ao monumento e à praça. No centenário da Independência, um conjunto escultórico, concluído apenas quatro anos depois, em 1926, foi encomendado ao artista italiano mundialmente conhecido, Ettore Ximenes. O Monumento à Independência do Brasil contém estátuas que representam episódios incorporados na história nacional como importantes para o processo de Independência, entre ele a Inconfidência Mineira e seus protagonistas, a exemplo de José Bonifácio. Em seu interior está localizada a cripta que hoje abriga parte dos restos mortais de Dom Pedro I, de sua primeira esposa, a imperatriz D. Leopoldina, e sua segunda esposa, a imperatriz D. Amélia. O monumento também faz uma releitura do quadro Independência ou Morte (1888) produzido por Pedro Américo, que se tornou um símbolo para o processo de construção de uma identidade nacional. Em 1886, Joaquim Inácio Ramalho, presidente da Comissão do Monumento do Ipiranga, contratou o artista para realizar uma obra que materializasse a “proclamação da Independência pelo príncipe regente D. Pedro nos campos do Ipiranga”. Assim, Pedro Américo iniciou suas pesquisas históricas para elaborar sua pintura, um exemplo de pintura da arte acadêmica brasileira. Vale mencionar que no ano de 1922, a Semana de Arte procurou associar seu programa de liberação artística com o significado do que a Independência do país representava, porém, rejeitavam as expressões como a de Américo, que ainda estavam atreladas a uma estética “passadista’’. Dentro das várias comemorações e homenagens propostas para o centenário, Ettore Ximenes foi convidado a elaborar mais um monumento para a cidade. Liderada por Basílio Jafet, a Comissão para a Homenagem Sírio-libanesa ao Centenário da Independência foi criada com o intuito de perpetuar e propagar a identidade étnica da comunidade em São Paulo. O financiamento do trabalho se deu a partir de assinaturas anuais correspondentes a 120 e 2.400 selos entregues junto de um talão assinado pelo tesoureiro da comissão. Assinaram a cota máxima Nami Jafet, Benjamin Jafet, Basílio Jafet, João Jafet, Chedid Jafet, Nagib Jafet, o fundador da Casa da Boia, Rizkallah Jorge e seu filho Jorge Rizkallah. Em agosto de 1919, ocorreu uma segunda subscrição dos selos, novamente com os membros da família Jafet adquirindo 2.400 selos cada, e outros nomes como Salim Simão com uma cota de 7.200 selos.
Um dos principais objetivos empreendidos na construção deste monumento é representado na sua localização inicial que expressava o anseio da comunidade em demonstrar que haviam se tornado “brasileiros”. Colocá-lo no Parque Dom Pedro II, uma das regiões mais simbólicas da cidade, representava, portanto, uma ação permeada de intencionalidade. O monumento foi inaugurado publicamente em 1928 em frente ao Palácio das Indústrias, sua cerimônia incluiu uma parada com mais de dois mil soldados, o discurso do prefeito, de vereadores e uma banda tocando os Hinos do Brasil, da Síria e do Líbano. Tal momento representou uma afirmação da identidade sírio-libanesa na cidade de São Paulo e um estreitamento nas relações entre a comunidade e a terra que a recebeu. O monumento é composto por uma torre de bronze e granito de dezesseis metros de altura, dividido em quatro seções que visavam demonstrar as contribuições sírias à cultura mundial. Na interpretação de Jeffrey Lesser, as cenas retratadas constroem a narrativa de como a grandeza síria transformou o mundo permitindo que o Brasil fosse descoberto e prosperasse, visto que na parte inferior do monumento estão retratados os fenícios como pioneiros da navegação, a descoberta das Ilhas Canárias por Haitam I, o ensino do alfabeto e a entrada dos sírios no Brasil, representando o setor que os deu prosperidade. O topo do monumento é composto de três figuras em tamanho natural: duas femininas, representando a República Brasileira e uma moça síria e um homem traduzindo um guerreiro indígena. Segundo a interpretação de alguns autores, as figuras podem ser compreendidas como irmãos que compõem a população brasileira. Contudo, Lesser frisa que tal fato não deve ser lido como assimilacionismo, uma vez que a placa dedicatória se encontra tanto em português, como em árabe, significando uma afirmação de identidade. O monumento também suscita uma importante discussão em pauta atualmente, a remoção e realocação de monumentos. Em 1988, a União dos Lojistas da 25 de Março solicitou sua transferência para uma área fortemente relacionada com a colônia sírio-libanesa em São Paulo, o parque na entrada da rua 25 de Março, em uma tentativa de recuperação de sua função memorial que estava pouco aparente em decorrência de sua antiga localização. Algumas matérias de jornal discutiram as implicações desse deslocamento. O jornalista Luiz Prado criticou o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), sublinhando que o monumento permaneceu por 20 anos tampado por tapumes do canteiro de obras da Construtora Camargo Corrêa, enquanto a empresa realizou obras na estação Sé do Metrô. Com tom satírico, o autor também destaca que no momento em que a Prefeitura ordenou a transferência do monumento, o Condephaat não conseguiu determinar a sua localização exata dentro da área do Palácio das Indústrias, confundindo-o com a estátua do “Semeador”. Para Prado a transferência significava uma inversão no objetivo dos idealizadores do monumento, bem como representava uma descaracterização no parque Dom Pedro II. Para o historiador Jeffrey Lesser, a realocação representou que "em meio século, a afirmação da etnicidade sírio-libanesa assistiu a uma mudança espacial: da nação brasileira (o parque Dom Pedro II) a seu próprio bairro étnico". Contudo, deve-se compreender que o próprio parque Dom Pedro II passou por um processo de modificações espaciais em virtude do desenvolvimento de uma série de obras viárias, deixando de ser um espaço de convivência de pessoas, transformando-se em um local de mera circulação de veículos. Em 1992 a prefeitura da cidade foi instalada no Palácio das Indústrias como parte de um esforço para a revitalização do edifício e da região do parque. Desta maneira, questionamos qual a relevância da permanência de um monumento intencional em uma localidade onde ele acabaria obscurecido? Sua mudança também não estaria ligada a tal constatação? A entrega do monumento salienta a imagem que a comunidade sírio-libanesa queria que fosse entrelaçada à sua identidade e seus esforços realizando inúmeras iniciativas para arrecadação de fundos que demonstrassem “os sentimentos sírios para com o Brasil”. Trecho de texto de Renata Geraissati Castro de Almeida e Diógenes Sousa / Casa da Bóia.
Nota do blog: Data e autoria da imagem não obtidas.
Nota do blog: Data e autoria da imagem não obtidas.
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