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sábado, 6 de abril de 2024

O que é Songbun, o Modelo que Determina a Vida dos Cidadãos da Coreia do Norte de Acordo com sua Lealdade - Artigo

 


O que é Songbun, o Modelo que Determina a Vida dos Cidadãos da Coreia do Norte de Acordo com sua Lealdade - Artigo
Artigo


O que seus avós ou bisavós fizeram na década de 1940? Qual era a sua filiação política?
Estes dados podem ser considerados irrelevantes para quase qualquer pessoa no mundo, mas, na Coreia do Norte, elas são determinantes para a vida dos cidadãos.
O rígido modelo de classificação social que rege o país coloca as pessoas em diferentes categorias: as leais ao regime da família Kim, as hostis e as que ficam em um nível intermediário, entre esses dois extremos.
O sistema conhecido como songbun – palavra que significa origem ou ingrediente em coreano e faz parte da expressão "chulsin songbun" ou "origem familiar" – condiciona todos os aspectos da vida de um norte-coreano: como o seu local de nascimento, as regiões que pode visitar, o seu acesso a alimentos e remédios, as suas possibilidades de estudar ou o trabalho que lhes é atribuído pelo Estado.
"Songbun é o sistema no qual o seu valor é medido pelos méritos ou falhas de seus ancestrais e parentes", explica à BBC a ativista e acadêmica Yeonmi Park, autora do livro autobiográfico Escapar para Viver: A Viagem de uma Jovem Norte-Coreana Rumo à Liberdade.
A Coreia do Norte nega a existência do songbun e garante que todos os seus cidadãos desfrutam de oportunidades iguais sob o Estado socialista.
No entanto, norte-coreanos que fugiram do país e especialistas com acesso a documentos do governo compilam testemunhos e provas deste sistema de classificação social ao longo dos anos.
Entenda nesta reportagem as origens do songbun e como ele funciona.
A origem:
Na primeira metade do século 20, a Coreia era um país sujeito ao domínio colonial japonês, herdeiro de uma sociedade feudal confucionista (que dava extrema importância às hierarquias) com quatro classes: nobres, técnicos qualificados, pessoas comuns e párias.
Após a Segunda Guerra Mundial, a península passou do domínio colonial japonês para uma divisão entre o Norte comunista, influenciado pela União Soviética de Josef Stalin, e o Sul capitalista, na esfera dos Estados Unidos.
A Guerra da Coreia (1950-1953) consolidou esta divisão e gerou uma fronteira quase intransponível entre os dois Estados antagônicos.
O fundador e primeiro presidente da Coreia do Norte, Kim Il-sung – avô do atual líder Kim Jong-un – consolidou a ditadura do proletariado sob um sistema de forte influência stalinista, com intensa vigilância ideológica e frequentes expurgos.
Algumas pessoas e famílias eram mais desconfiadas do que outras.
Ex-combatentes que lutaram contra o Japão ou contra o Sul, membros do Partido Comunista, ex-trabalhadores temporários e trabalhadores sem terra, entre outros, passaram a formar a liderança e a classe privilegiada do país.
Grandes e pequenos proprietários de terras, comerciantes, religiosos, pessoas com parentes sul-coreanos ou que lutaram do outro lado da guerra foram identificados como possíveis traidores.
À sua maneira, Kim Il-sung adaptou ao comunismo o sistema de castas confucionista da antiga Joseon — como era conhecida a Coreia entre o século 14 e o final do século 19. Oficialmente, a Coreia do Norte adota esse mesmo nome até hoje: República Popular Democrática de Joseon.
Foi na década de 1960 que, segundo especialistas, o governo norte-coreano completou os enormes registros que classificam cada cidadão em seu lugar correspondente de acordo com seu histórico familiar.
Os leais — ou haeksim:
A maioria dos acadêmicos e norte-coreanos que conseguiram fugir do país distinguem três categorias dentro do songbun, enquanto outros reconhecem duas categorias adicionais dentro dessa mesma classificação, ela própria dividida em cerca de cinquenta subcategorias.
Os norte-coreanos de "casta" superior são classificados como haeksim – que significa "núcleo" – e são considerados cidadãos de confiança e leais aos Kim.
Eles são descendentes dos que lutaram contra a colonização japonesa e depois contra o Sul na Guerra da Coreia, membros ou autoridades do partido único e famílias de origem operária ou camponesa com uma história de lealdade impecável durante décadas.
Esses cidadãos gozam dos maiores privilégios da sociedade norte-coreana: vivem nos municípios mais desenvolvidos, estudam na universidade, recebem os melhores empregos e são tratados nos principais hospitais.
Outra vantagem importante para a classe alta é residir na capital, Pyongyang, cujos 3 milhões de habitantes (aproximadamente 12% da população norte-coreana) pertencem em sua grande maioria à classe haeksim, segundo especialistas.
"Pyongyang é o único lugar na Coreia do Norte onde o socialismo é realmente praticado e as pessoas recebem serviços do Estado", diz Yeonmi Park.
Dentro dos haeksim, explica Park, há uma camada superior composta por famílias próximas dos círculos de poder de Pyongyang que podem até viajar para o exterior e enviar os seus filhos para estudar na China, na Rússia ou na Europa.
Os 'hostis' — ou choktae:
A antítese da classe privilegiada são os cidadãos considerados "hostis", chamados choktae.
O seu sangue é considerado "contaminado" porque são descendentes de proprietários de terras, comerciantes, cristãos ou colaboradores do império japonês durante a ocupação ou do Sul na Guerra da Coreia. Ou seja: os inimigos tradicionais do regime comunista norte-coreano.
Estas pessoas – que são frequentemente comparadas aos "intocáveis" no sistema de castas da Índia – enfrentam discriminação sistemática, vivem nos locais mais remotos onde o acesso a alimentos e eletricidade é limitado, não têm oportunidades de educação e realizam os trabalhos mais difíceis.
"Os filhos desta casta vão à escola no período da manhã, principalmente para doutrinação ideológica, mas depois são usados para trabalhar nos campos e nas minas. Eles geralmente têm vida curta e estão sujeitos a vigilância quase permanente por parte das autoridades", afirma Yeonmi Park.
Segundo ela, é extremamente raro que uma pessoa classificada como choktae viva em Pyongyang ou mesmo obtenha permissão para visitar a capital.
Intermediários — ou dongyo:
Entre as classes mais altas e mais baixas existe um meio termo: o dongyo.
Estas são famílias não consideradas hostis, mas cuja história familiar também não é completamente limpa. Sua lealdade ao regime é vista como ambígua ou questionável.
Suas oportunidades são limitadas, mas dentro deste grupo existem subclassificações.
Por exemplo, um dongyo com ficha limpa poderia viver perto de Pyongyang, frequentar uma universidade de segunda categoria ou ocupar empregos administrativos ou intermediários.
Isto seria inconcebível para outra pessoa da mesma "casta" classificada na parte inferior — perto do limite da "hostilidade".
A maioria dos especialistas estima que os dongyo são os mais numerosos, representando aproximadamente 40% da população, enquanto os haeksim e choktae chegariam a cerca de 30% cada um.
De qualquer forma, não se sabe qual é a proporção real, já que os arquivos de classificação social – como quase todos os documentos oficiais da Coreia do Norte – são mantidos sob o mais estrito sigilo.
Como funciona na prática:
Onde exatamente o songbun é registrado? É um tema de conversa entre os norte-coreanos? Como alguém pode saber seu status? Isso pode ser alterado? Pessoas com songbun diferentes podem se casar?
As informações sobre o songbun de cada norte-coreano são armazenadas em documentos confidenciais do Estado, das administrações locais e da polícia.
Songbun, explica Yeonmi Park, é algo que está na mente de todos os norte-coreanos no seu dia a dia, pois ele determina completamente as suas vidas.
Em geral, as famílias conhecem ou intuem a posição social que ocupam no sistema com base no local onde vivem, no acesso ao ensino superior e à saúde ou nos empregos que exercem.
No entanto, às vezes alguém pode precisar acessar arquivos confidenciais para descobrir o songbun de uma pessoa.
"Os norte-coreanos costumam subornar um oficial ou policial para descobrir o songbun da outra parte antes de arranjar um casamento", diz Park.
Eles fazem isso para garantir que o nível de ambos seja semelhante: "No songbun não há promoções, apenas rebaixamentos, então se um deles tivesse um status superior, quando se casarem serão automaticamente iguais ao do cônjuge 'mais baixo'", diz Park.
Por isso, diz ela, na Coreia do Norte o casamento entre uma pessoa "de confiança" e outra de nível intermédio, ou entre intermédio e "hostil", é extremamente raro, pois pioraria as condições de vida da família das seguintes gerações.
Perguntamos a Yeonmi Park se é possível alterar o songbun através de subornos, já que durante anos alguns norte-coreanos com diploma médio ou baixo acumularam alguma riqueza fazendo negócios no mercado negro, especialmente em áreas próximas à fronteira com a China, onde relegam muitas pessoas "hostis" e de classe média.
Mas ela diz que isso seria praticamente impossível, pois implicaria a falsificação de documentos em diferentes instâncias e, mesmo que isso fosse conseguido, o novo estatuto da pessoa não corresponderia ao dos seus familiares próximos e antepassados, o que poderia levantar suspeitas.
"Não há nada que você possa fazer para mudar seu destino, porque você não pode escolher seus antepassados", diz ela.
E o que o regime de Kim consegue com o songbun? O controle social exaustivo.
"Isso reforça a ideia de que se alguém faz algo errado na sua família, todos são responsáveis. Não se é responsável por si mesmo, pelo próprio comportamento, mas sim pelo grupo." Texto de Atahualpa Amerise / BBC.

domingo, 14 de janeiro de 2024

Turismo na Coreia do Norte - Artigo

 



Turismo na Coreia do Norte - Artigo
Artigo


Texto 1:
Um grupo de turistas da Rússia está prestes a primeira leva de turistas a ter permissão para entrar na Coreia do Norte desde que os bloqueios de fronteira antipandêmicos começaram no início de 2020, de acordo com uma publicação das autoridades provinciais russas e de um guia turístico ocidental.
A Coreia do Norte impôs alguns dos controles de fronteira mais rigorosos do mundo durante a disseminação da covid-19 e ainda não reabriu totalmente para os estrangeiros.
A viagem, anunciada por uma agência sediada em Vladivostok, foi organizada quando o governador da região de Primorsky Krai, no extremo leste da Rússia, que faz fronteira com a Coreia do Norte, visitou Pyongyang para conversações em dezembro, informou o governo regional em uma postagem no Telegram esta semana.
A excursão de quatro dias partirá em 9 de fevereiro e incluirá paradas em Pyongyang e em uma estação de esqui, de acordo com um itinerário online.
Simon Cockerell, gerente geral da Koryo Tours, sediada em Pequim, que não está envolvida na viagem, disse à Reuters que seus parceiros na Coreia do Norte confirmaram que a visita russa está acontecendo em circunstâncias especiais.
"É um bom sinal, mas eu hesitaria em dizer que isso necessariamente levará a uma abertura mais ampla devido às circunstâncias especiais dessa única viagem", disse ele. "Mas, considerando que não há turistas há mais de quatro anos, qualquer viagem de turismo pode ser vista como um passo positivo."
No ano anterior ao início da pandemia, a Coreia do Norte viu um aumento de turistas chineses que podem ter proporcionado ao país que sofre com falta de recursos financeiros até 175 milhões de dólares em receita extra em 2019, de acordo com uma estimativa da NK News, com sede em Seul.
Brasileiros contam como é visitar o país:
"Para entrar no país, precisei contratar, de antemão, os serviços de uma agência turística autorizada pelo governo norte-coreano", conta ele. "São empresas que oferecem roteiros fechados, que vão levar o turista apenas a atrações predeterminadas", diz o brasileiro Mike Weiss.
Enquanto esteve nas ruas do território norte-coreano, Mike foi acompanhado durante todo o tempo por uma guia turística. E ela o conduziu, principalmente, a lugares que promoviam a suposta grandeza da Coreia do Norte. Ir, por exemplo, até a periferia da capital, Pyongyang, nem pensar.
Durante o voo entre Pequim e Pyongyang , o brasileiro recebeu um exemplar, em inglês, do jornal "The Pyongyang Times", controlado pelo regime norte-coreano e que costuma trazer manchetes como "King Jong-un visita fazenda de legumes".
Mais impactantes, porém, foram as recomendações dadas a Mike pela agência turística que ele contratou. Uma delas dizia: "não tente entrar na Coreia do Norte com bíblias ou qualquer outro tipo de material religioso".
E, assim que pisou no país, o brasileiro percebeu que deveria tomar muito cuidado com os símbolos sagrados locais. "Vi um estrangeiro carregando um jornal dobrado sob o braço, e na capa havia uma foto do Kim Jong-un. Um guia turístico chamou a atenção dele, dizendo que a imagem do líder norte-coreano jamais poderia ser dobrada daquele jeito, que era um sinal de desrespeito".
O advogado Lucas Caiado, a arquiteta Adriana Marto e o viajante profissional Lucas Estevam, do canal Estevam Pelo Mundo, foram à Coreia do Norte em 2019, e Tiago Maranhão, viajou ao país para fazer uma reportagem esportiva em 2013.
O pagamento era feito ora ao fim do jantar, ora no hotel. Sempre para os guias, em euros, dólar ou yuans (o dinheiro chinês).
"Estrangeiros não podem usar a moeda local. Consegui trocar com um funcionário uma quantia mínima só para trazer como souvenir", fala Tiago.
Lucas precisou fazer a conversão no dia em que visitou o supermercado (onde achou Pringles, Nutella e Coca-Cola nas prateleiras) e guardou alguns trocados que valeram uma experiência fora do roteiro. "Fiquei na Coreia mais tempo que outros visitantes do meu grupo. Nos últimos dias, estava sozinho com os guias e tive a oportunidade de comprar um sorvete de massa".
O culto aos governantes foi observado por todos os entrevistados, assim como a pequena quantidade de pessoas que ocupavam as mesas dos endereços.
"Era bizarro. Ia para os restaurantes com a guia e muitas vezes tinha eu e mais duas mesas. Ou eu sozinho. Num restaurante gigantesco. Quando fui embora de um deles, a luz logo se apagou. Era como se estivesse funcionando só para atender os turistas", diz Estevam.
Carne de cachorro:
Uma das experiências gastronômicas que permite alteração sem resistências no roteiro é a sopa de cachorro. Para prová-la, os turistas precisam demonstrar a vontade aos guias e pagar um valor extra.
Lucas experimentou e diz que se trata de uma sopa vermelha muito temperada e levemente adocicada com pedaços da carne, que é fibrosa e rígida. "Comi muito bem na viagem e essa foi a refeição mais chique que fiz, mas não sei se toparia de novo. Não achei particularmente gostoso".
Tiago também pediu para ir. "Considerei uma experiência cultural. Chegando no restaurante, porém, me lembrei da minha última cachorra e não tive coragem. Os cinegrafistas que estavam comigo provaram. Acharam a carne um pouco dura e sem sabor marcante", fala Tiago.
Seguido até o banheiro:
Atitudes de desrespeito podem trazer graves consequências para estrangeiros em solo norte-coreano. Em 2016, um jovem turista norte-americano foi detido após supostamente roubar um pôster de propaganda do governo da Coreia do Norte em um hotel de Pyongyang. Ele ficou preso por 17 meses, entrou em coma por prováveis maus-tratos, foi libertado em estado vegetativo e morreu logo depois de voltar aos Estados Unidos.
Texto 2:
Já sabe onde vai passar suas próximas férias? Bem, se você é daqueles que estão cansados de visitar sempre os mesmos países e, na próxima viagem, deseja conhecer um lugar diferente, acredite: a Coreia do Norte é uma boa opção.
Lá, o visitante não pode tirar foto de tudo o que vê pela frente, sair desacompanhado pelas ruas da capital ou questionar o roteiro de viagens, elaborado pela Agência Coreana de Viagens Internacionais (KITC, em inglês), o órgão oficial de turismo.
O país mais fechado do mundo, segundo estimativas não oficiais, recebe uma média de 70 mil turistas por ano. A título de comparação, a França, o mais visitado do planeta, recebe algo em torno de 85 milhões.
Bem, se considerarmos apenas os turistas ocidentais, o número cai para 5 mil. "Brasileiros não chegam a dez por ano", calcula Rayco Vega, diretor da KTG, uma agência de turismo sediada na China.
"Este ano, houve uma queda na procura. Por causa da crescente troca de ameaças entre EUA e Coreia do Norte, muitos turistas desistiram de viajar."
Fácil, mas caro:
Visitar a terra natal de Kim Jong-un - que, semana passada, testou mais um míssil balístico de longo alcance - não é missão impossível.
Com exceção de sul-coreanos, norte-americanos e jornalistas ocidentais, todos são muito bem-vindos. O índice de vistos negados, aliás, é extremamente baixo. A KTG é uma das três agências que operam na Coreia do Norte.
As outras duas são Koryo Tours e Juche Travel Service. São elas que emitem os vistos, compram as passagens, reservam os hotéis - padrão 4 estrelas, com água quente e energia elétrica - e contratam os guias.
A única conexão existente até a Coreia do Norte é a que parte da China. A viagem dura 25 horas de trem ou duas de avião.
Viajar até Pyongyang pode não ser difícil, mas é caro.
A Koryo Tours, por exemplo, oferece pacotes de duas (R$ 3,4 mil) a 21 noites (R$ 17,7 mil) para grupos até 20 pessoas. O valor do pacote inclui hospedagem, transporte e alimentação.
Em solo norte-coreano, o turista nunca vai estar sozinho. Terá sempre a companhia de dois guias e um motorista.
Fugir do hotel pode dar cadeia:
Um dia antes do embarque para Pyongyang, os agentes de turismo orientam os visitantes a seguir algumas recomendações.
"A principal era ter em mente que qualquer coisa que eu fizesse de errado ia ser paga pelos meus guias, dificilmente por mim", recorda o publicitário gaúcho Marcelo Druck, de 29 anos.
"De resto, era basicamente não fotografar militares (exceto na Zona Desmilitarizada, na fronteira com a Coreia do Sul), não sair sozinho do hotel e perguntar antes tudo, qualquer coisa."
Distribuir material religioso e discutir política internacional também estão fora de cogitação. "Atos que parecem triviais em outros países são considerados crime na Coreia do Norte", avisa Rayco Vega, da KTG.
Os turistas também não podem entrar com câmeras com GPS, livros ou revistas sul-coreanos e lentes de longo alcance em Pyongyang. "Tivemos que deixar nossos celulares e passaportes com as autoridades norte-coreanas", recorda o funcionário público paulista Guilherme Bahia, de 38 anos.
Desobedecer às regras impostas pelas agências de turismo pode ser extremamente perigoso. Um exemplo? No dia 2 de janeiro de 2016, o estudante americano Otto Frederick Warmbier, de 22 anos, foi preso por ter roubado um cartaz com propaganda política no hotel onde estava hospedado, em Pyongyang.
Condenado a 15 anos de trabalhos forçados por "atividades hostis", Warmbier foi extraditado, em coma, em 13 de junho de 2017. Nove dias depois, morreu.
Interagir com cidadãos norte-coreanos, ao contrário, não é proibido. "O problema é que poucos falam inglês", lamenta Gabriel Britto, um produtor de conteúdo gaúcho de 41 anos.
Mesmo assim, as conversas giraram em torno de temas, como futebol e novela. "Uma das guias morou em Cuba e quis saber tudo sobre 'A Escrava Isaura'. Foi surreal!", diverte-se Druck.
Já alguns moradores fizeram alusão ao 2 a 1 entre Brasil e Coreia do Norte, na Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. "Foi um jogo apertado. O Brasil ganhou meio no sufoco e eles se orgulhavam disso", acha graça Britto.
Visitantes são convidados a prestar reverência aos grandes líderes:
O roteiro de viagem a Coreia do Norte privilegia visitas a parques, fábricas e museus. Muitos museus. Um deles é o Museu da Guerra Vitoriosa da Libertação da Pátria, que dá sua versão para a Guerra da Coreia (1950-1953).
Outro point obrigatório é a Exposição Internacional da Amizade, que reúne os mais de 100 mil presentes recebidos por Kim Il-sung, o Grande Líder, de outros líderes, como Robert Mugabe, que renunciou à Presidência do Zimbábue, no último dia 21, após 37 anos no poder.
Pensa que acabou? Longe disso. O roteiro, de 12 horas diárias, inclui, ainda, visita a uma plantação de maçãs, um criadouro de tartarugas e uma engarrafadora de água mineral.
Dos muitos costumes locais, o que mais chama a atenção dos turistas é o hábito de prestar reverência e depositar flores diante das inúmeras estátuas erguidas em memória do Grande Líder, que libertou o país da ocupação japonesa, em 1945, e de Kim Jong-il, seu filho, o Querido Líder.
"O povo norte-coreano venera seus governantes como se fossem deuses", resume Britto.
Druck, Bahia e Britto viajaram para a Coreia do Norte em 2012. Na ocasião, passaram cinco dias na capital, Pyongyang.
O primeiro viajou sozinho, e os dois últimos, em excursão. Mas todos por agência de turismo - no caso, a britânica Koryo Tours.
Cinco anos depois, a lembrança que fica, segundo Britto, é a do povo norte-coreano, "gente como a gente". "Não é todo mundo lá que é louco como o ditador, entende?", explica.
Indagado se gostaria de voltar lá algum dia, responde que sim. Mas, que ficaria menos tempo. "Um final de semana é mais do que suficiente", dá a dica.
Texto 3:
O regime norte-coreano quer mudar seu modelo turístico, deixando os atuais tours em grupo para apostar em um "parque temático stalinista" de Pyongyang e oferecer pacotes de sol e praia em novos centros de férias no seu litoral.
"O turismo tem um bom efeito na vida do povo. Por isso, o nosso governo e nosso líder apostam de maneira firme nisso", disse Han Chol-su, vice-diretor de projeto para o desenvolvimento turístico da cidade de Wonsan, conhecida como "a pérola da costa leste" do país asiático.
A cidade, que está situada a cerca de 200 quilômetros de Pyongyang e que conta com bonitas praias, além de lagos, cachoeiras e até uma estação de esqui nos arredores, foi declarada em 2014 Zona de Turismo Internacional, o que lhe permite receber investimentos estrangeiros.
O plano é ambicioso. Os dirigentes mostram através de um vídeo como pretendem que o recém-remodelado aeroporto conte com voos internacionais, além de projetos de conectar a cidade com linhas de trem de alta velocidade e construir áreas de entretenimento e diversos hotéis com um total de 1.900 leitos.
"Buscamos a colaboração e o investimento estrangeiro de empresas que contem com grande experiência neste setor, mas as sanções econômicas não nos deixam avançar", destacou Han, que não quer especificar que porcentagem do projeto já está em andamento.
Um grupo de funcionários do governo norte-coreano viajou recentemente à Espanha para visitar cidades turísticas na costa mediterrânea que poderiam servir de inspiração para a precária indústria turística de um dos países mais isolados do mundo.
Não há cifras oficiais de turistas, mas calcula-se que a Coreia do Norte é visitada a cada ano por entre 4.000 e 5.000 ocidentais, a maioria de Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha.
O sul-coreano Korean Maritime Institute calcula que este volume gera à Coreia do Norte investimentos de entre US$ 30 milhões e US$ 43 milhões anuais.
"Com as atuais normas, não vejo como Wonsan possa se transformar em Benidorm (cidade turística da Espanha). A menos que a Thomas Cook ou uma grande operadora de turismo comece a voar para lá e a oferecer pacotes de sol e praia", disse Simon Cockerell, diretor da Koryo Tours, uma das principais agências especializadas em viagens para a Coreia do Norte.
Segundo Cockerell, o projeto está mais voltado ao turismo local, especialmente às crescentes classes médias de Pyongyang que já se permitem viajar e ir de férias para a praia.
"Ainda que a Coreia do Norte preferisse atrair outro tipo de turismo estrangeiro, os visitantes ocidentais buscam saborear do que lhes proporciona a realidade de um país desconhecido e isolado, não ir à praia", afirmou Cockerell.
Atualmente, a maior atração para os turistas é visitar dentro de um grupo escoltado - a única maneira que se pode viajar pelo país - a capital norte-coreana, a joia da coroa da dinastia Kim e uma autêntica "Disneylândia stalinista".
Os turistas fazem fotos na frente das gigantescas efígies de bronze dos líderes na colina Mansudae, visitam o Museu da Guerra de Liberdade da Mãe Pátria ou avistam a cidade da simbólica Torre Juche, antes de fechar-se ao anoitecer no seu isolado hotel. Um turismo alheio, pelo menos até agora, aos testes nucleares, lançamentos de mísseis e tensões internacionais que preenchem as capas dos jornais de todo o mundo para falar do país.
"Tensões deste tipo sempre houve, em 2003, 2013... mas nunca afetaram o turismo. Desta vez, sim. Esta crise está tendo um grande impacto", disse o diretor da Koryo Tours em relação ao último capítulo de ameaças cruzadas entre Kim Jong-un e Donald Trump.
O impacto será, sem dúvida, muito maior. O caso de Otto Warmbier, o estudante de 22 anos que viajou como turista à Coreia do Norte e acabou em coma após ser condenado a 15 anos de prisão por roubar um cartaz de propaganda, levou o governo dos EUA a proibir seus cidadãos de visitar o país.
"Os meus amigos e família me diziam que estava louco por viajar à Coreia do Norte após o que tinha acontecido", disse um sueco de 26 anos durante seu voo de volta de Pyongyang a Pequim, de onde parte a maioria das viagens organizadas.
"Queria ver com os próprios olhos um país único, um sistema que não acredito que dure muito tempo assim", disse o rapaz, que contratou, com dois amigos, um tour de cinco dias (por 1.500 euros por pessoa).
"Valeu a pena. São férias que jamais vou esquecer", acrescentou, entusiasmado.
Texto 4:
Apesar de toda a tensão envolvendo o regime de Kim Jong-un e o Ocidente, particularmente os Estados Unidos, é permitido a turistas de quase qualquer país (com exceção da Coreia do Sul) a visita à Coreia do Norte, uma viagem vista como inusitada e cheia de regras que precisam ser respeitadas para se evitar problemas.
A apreensão dos candidatos a conhecer o país aumentou após a morte do estudante americano Otto Warmbier, 22, que havia sido preso no país em janeiro de 2016 pela acusação de roubar um pôster de propaganda do regime. Sentenciado a 15 anos de prisão, Warmbier foi finalmente extraditado aos EUA, em coma, no último dia 13. O estudante morreu na segunda-feira (19), por motivos ainda não esclarecidos.
A morte de um turista --que estava preso na Coreia do Norte por supostamente ter desrespeitado uma das regras que lhe foi imposta para adentrar o país-- representa um fato novo para as várias agências que prestam esse serviço. A Young Pioneer Tours, responsável pelo grupo do qual Warmbier fazia parte, decidiu não mais levar americanos ao país, considerando que o risco para esses cidadãos se tornou "alto demais".
No entanto, as recomendações aos turistas feitas pelas várias empresas que fazem o serviço são essencialmente as mesmas e não foram alteradas após a morte do estudante. Veja algumas delas:
Você está seguro se não descumprir nenhuma regra.
As agências classificam como "segura" a estadia na Coreia do Norte, apontando os baixos índices de criminalidade e de terrorismo no país, e dizem que o turismo é bem-vindo aos olhos do governo.
"Os norte-coreanos são amigáveis e receptivos, se você deixá-los ingressar no seu mundo e evitar insultar suas crenças ou ideologia", diz a Young Pioneer Tours. Segundo a empresa, porém, se você não seguir as regras, as consequências podem ser "severas".
"Se você for respeitoso e seguir as regras, você não terá absolutamente nenhum problema", diz outra empresa, a Koryo Tours.
Você nunca andará sozinho pelas ruas:
A circulação livre na Coreia do Norte se limita ao hotel onde o estrangeiro está hospedado. Nas ruas, sempre há o acompanhamento de guias norte-coreanos, que trabalham sob orientação do governo.
Segundo os relatos de viajantes, esses guias, apontados como simpáticos e prestativos, não ficam fiscalizando tudo o que os estrangeiros estão fazendo nos pontos turísticos, mas permanecem de olho no grupo para saber se as regras estão sendo seguidas.
Essa falta de liberdade impede que uma pessoa conheça as cidades e o país por conta própria e tenha uma experiência mais próxima do cotidiano dos cidadãos norte-coreanos. Os turistas que foram ao país reconhecem que suas viagens nunca saem do script oficial.
O contato com a população norte-coreana também é vista como muito restrita, justamente pelo percurso pré-aprovado dos turistas. Também há a barreira da língua; a maioria dos cidadãos fala apenas coreano.
O roteiro é restrito aos pontos turísticos:
Seguindo essa característica, os roteiros são limitados aos pontos turísticos, inclusive monumentos que exaltam os líderes Kim Il-sung e Kim Jong-il, dando aos visitantes pouca oportunidade de variação.
A maior parte das atrações se limita a Pyongyang, mas também é possível conhecer determinados lugares no interior do país --sempre com supervisão dos guias oficiais.
Fotos e vídeos apenas nos locais permitidos:
Não é permitido aos turistas tirar foto ou filmar todos os lugares, quando há restrição, os guias avisam. Mas alguns viajantes relatam que essa norma não é seguida tão à risca.
Segundo o brasileiro Gabriel Britto, que escreve no blog Sunday Cooks e viajou ao país, os locais proibidos geralmente são considerados militarmente estratégicos, e ainda assim é possível capturar imagens desses lugares, desde que o guia autorize. Também há restrições a uso de lentes muito grandes.
É preciso fazer reverência a Kim Il-sung e Kim Jong-il:
Se você visitar as grandes estátuas dos ex-líderes norte-coreanos, é preciso reverenciá-las de alguma forma, ou seu ato pode ser considerado, no mínimo, desrespeitoso.
Eles são vistos como santidades pela população, seguindo a ideologia juche, espécie de religião criada pelo governo de Kim Il-sung (1948-1994), que fundou as bases do regime.
Celulares, laptops e câmeras são vistoriados na entrada e na saída:
É possível levar seus eletrônicos para o país, mas você está sujeito a vistorias das autoridades norte-coreanas. Viajantes relatam que a rigidez é maior para quem deixa o país de trem. Imagens que podem ser consideradas "ofensivas ao Grande Líder" (Kim Il-sung e Kim Jong-il) são deletadas por agentes.
O uso de aparelhos com GPS é proibido no país.