Laboratório Aché, 1959, Rua Lafaiete, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
Ribeirão Preto - SP
Fotografia
Texto sobre a origem do Laboratório Aché em Ribeirão Preto:
Meus avós eram Cesário Ferreira de Brito Travassos e Teolina Vieira de Andrade Palma. Eu os conheci muito bem. Meu avô paterno era um médico muito conceituado, formado no Rio de Janeiro. Naquela época, os médicos receitavam fórmulas e poções, manipuladas nas farmácias. Minha avó era uma mulher bonita, que criou quatro filhos. O mais velho era médico. Depois, veio meu pai, que era farmacêutico e bacteriologista formado pelo Instituto de Manguinhos, no Rio de Janeiro, onde foi aluno dileto do próprio Oswaldo Cruz. O terceiro filho era engenheiro, trabalhava na firma "Azevedo Travassos". Foi ele que doou o terreno para fazer o estádio do Comercial de Ribeirão Preto, que tem o nome dele: Francisco Palma Travassos. O quarto filho era advogado e foi diretor da Revista dos Tribunais. Meu pai, que se chamava João Palma Travassos, foi para Ribeirão Preto já formado e, inicialmente, montou um laboratório de microbiologia que fazia análises clínicas, o Laboratório de Análises João Palma Travassos, que ficou muito famoso. Era no centro da cidade, na rua Álvares Cabral. Meu pai trabalhava sozinho. Ele não admitia nem assistente porque não confiava em ninguém. Ele era um estudioso, mas não gostava de escrever e não deixou documentados os trabalhos que fez. Era um homem muito bravo, explodia e brigava por qualquer coisa, mas era muito dedicado à família.
Ele conheceu a minha mãe em Ribeirão Preto, e lá se casaram. Quando eu nasci, a cidade deveria ter uns 25, 30 mil habitantes. Entrei na escola em 1927, me formei professora em 1937, mas acabei não dando aula porque fui trabalhar com o meu pai.
O laboratório Aché foi fundado pelo doutor Phillipe Aché, que nós conhecemos muito bem. Era um médico notável. Esteve na Índia, foi o introdutor do gado zebu no Brasil. Como idealista que era, criou os soros hormônicos, mas como não tinha capital para investir procurou sociedade com o Vital Brasil, que na época estava iniciando um laboratório próprio para fabricar soros antiofídicos.
Entretanto, o Vital Brasil logo se desinteressou do negócio, e o doutor Aché foi para Ribeirão Preto procurar outro sócio. E esse sócio foi o meu pai. Eles foram apresentados pelo advogado João Alves Meira Júnior, que também participou da sociedade com uma parte do capital. E eles montaram, então, um laboratório modesto, o laboratório Aché. Era mais ou menos 1922.
A partir daí, começaram a fazer os soros hormônicos com sangue de cavalos e éguas. Tinham toda uma tropa de animais para sangrar e foram alugando pastagem e depois compraram uma chácara para manter os animais. E foi indo, até que meu pai sugeriu ao doutor Aché que produzissem também soros hormônicos especiais para cada órgão humano. Dali em diante, meu pai foi estudando cada órgão, extraindo de cada um o seu hormônio e fazendo soros específicos. Era soro para tudo. Acho que me lembro dos nomes. Tinha o Pancreatino, feito com extrato de pâncreas; o Hormorenino, de rim; o Hormopatino, de fígado; o Hormocardino, de coração; o Hormocerebrino, da cabeça; o Hormoplacentino, da placenta, um soro adequado para aumentar a lactação; o Hormoesplenino, feito com extrato de baço; o Hormândrico, feito com testículos de bode. Tinha ainda o soro Hormógeno, feito com ovários. Enfim, eram muitos soros! Todos eles injetáveis.
Depois da morte do doutor Phillipe Aché, só foram lançados o Hormoftálmico, o Travasma, para asma, com boa saída porque tinha curado muita criança, e o Euforam, para reumatismo, em cápsulas, pastilhas. Com sua morte, a família Aché deixou de ter participação no laboratório.
Depois, o doutor Meira saiu da sociedade em 1937, vendendo a sua parte para o meu pai e meu tio.
No início, o laboratório funcionou na rua Amador Bueno, mas logo passou para a rua Lafaiete, em uma casa que depois eles compraram. Era uma casa grande, com um bom terreno, em que dava para levar os animais para sangrar. Na parte da frente, era o escritório da linha de embalagem e, no fundo, o laboratório, com sala de filtragem, fechamento de ampola, esterilização.
Paralelamente, meu pai continuou com o laboratório de análises, que era a sua paixão, e que funcionava completamente separado. No laboratório Aché, ele aplicava toda a sua criatividade na produção de remédios. Mas como comerciante ele – assim como o seu sócio - era uma negação.
Então, quem foi lá para cuidar da parte comercial fui eu, em 1939, com 19 anos. A produção era assim: havia umas três pessoas que lidavam com a sangria, com a preparação e com a filtragem em aparelhos. Também tinha o enchimento e o fechamento das ampolas. Tudo manual, em maçaricos de álcool, que depois passei para gás. Enfim, mudei tudo lá dentro, levantei o laboratório.
Naquele tempo, fazíamos uma propaganda caprichada, as bulas, os rótulos, todos os impressos. Imprimíamos folhetos de divulgação com depoimentos de médicos que tinham testado o produto com bons resultados e que mandavam a sua opinião para o laboratório. Representantes eu quase não contratei, fui até cortando os que já existiam. Aqui em São Paulo tivemos por muito tempo o Ancona Lopes, mas preferi colocar viajantes na praça, que visitavam médicos e farmácias. Levavam amostras, prospectos, conversavam. A distribuição dos soros a gente resolvia despachando pela estrada de ferro ou pelo correio.
Eu fiquei no laboratório até me casar e ir para o Rio de Janeiro. Aí não dava mais. Depois, morei um tempo em Volta Redonda e voltei para o Rio para ter o meu primeiro filho, que nasceu em 1945.
Um ano depois meu pai me chamou, porque ficou doente, e eu reassumi.
Encontrei o laboratório do mesmo jeito que deixei, funcionando direitinho.
Quando foi em 1948, eu tive que vir para São Paulo, aí eu já tinha preparado uma pessoa para ficar no meu lugar.
Em São Paulo, nasceram meus outros filhos. Nesse período, perdi minha mãe, e meu pai chegou a se casar outra vez. Depois, ele sofreu um enfarte e ficou 40 dias na minha casa. Aí conversamos muito, ele me passou muitas recomendações, e voltou para Ribeirão Preto.
Lá ele teve um edema pulmonar e faleceu, com 63 anos.
Da morte do meu pai até a missa de sétimo dia, o laboratório ficou fechado. Aí contratamos um farmacêutico responsável e reabrimos. Continuei dirigindo daqui. Mas como começou a dar prejuízo, o jeito era vender. Então, mandei todo mundo embora, paguei as indenizações e fechei.
Em 1960, o Agostinho Cabreira, de São Paulo, comprou o laboratório, mas não trouxe nada para São Paulo. A maioria dos aparelhos ficou lá, e acabei doando.
Da chácara, que era particular do meu pai, eu era a única herdeira. Então, ficamos com a chácara. Fui me desfazendo da tropa, de tudo, e o prédio do laboratório eu vendi mais tarde.
E o Cabreira nunca fabricou nada do que tínhamos. Ficou só com o nome, laboratório Aché. Texto de Carmen Cecília Travassos Prado Lopes.
Nota do blog: Crédito das imagens para Elinar Helena.