sexta-feira, 13 de setembro de 2019

As Meninas (Las Meninas) - Diego Velázquez

As Meninas (Las Meninas) - Diego Velázquez
Museu do Prado Madri
OST - 318x276 - Entre 1656-1657


As Meninas é uma pintura de 1656 por Diego Velázquez, o principal artista do Século de Ouro Espanhol. Ela está atualmente no Museu do Prado em Madrid. A composição enigmática e complexa da obra levanta questões sobre realidade e ilusão, criando uma relação incerta entre o observador e as figuras representadas. Por essas complexidades, As Meninas é uma das obras mais analisadas da pintura ocidental.
A pintura mostra um grande aposento no Real Alcázar de Madrid durante o reinado do rei Filipe IV da Espanha, mostrando várias figuras da corte espanhola contemporânea representadas, de acordo com alguns analistas, em um momento específico como se fosse em uma fotografia. Algumas olham para fora do quadro em direção ao observador, enquanto outras interagem entre si. A jovem infanta Margarida Teresa está cercada por um séquito de damas de companhia, chaperone, guarda-costa, dois anões e um cachorro. Pouco atrás deles está o próprio Velázquez, que se representa trabalhando em uma grande tela. O artista olha para longe, além do espaço pictórico onde o observador da pintura estaria. Ao fundo está um espelho que reflete o rei Filipe e a rainha Maria Ana. Eles parecem estar colocados fora do espaço da pintura em uma posição similar à do observador, apesar de alguns acadêmicos especularem que suas imagens são o reflexo da pintura em que Velázquez é mostrado trabalhando.
As Meninas foi reconhecida como uma das pinturas mais importantes na história da arte ocidental. O pintor barroco Luca Giordano afirmou que ela representa a "teologia da pintura", com o presidente da Academia Real Inglesa sir Thomas Lawrence descrevendo a obra em 1827 para David Wilkie como "a verdadeira filosofia da arte". Mais recentemente, foi descrita como a "realização suprema de Velázquez, uma demonstração bem consciente e calculada sobre o que uma pintura pode alcançar".
Os pintores raramente gozavam de uma alta posição social na Espanha do século XVII. A pintura era considerada um ofício, não uma arte como poesia ou música. Mesmo assim, Diego Velázquez conseguiu subir pelas fileiras da corte do rei Filipe IV, sendo nomeado em fevereiro de 1651 como camareiro do palácio. O cargo lhe trouxe posição e recompensas materiais, porém seus deveres o deixavam com pouco tempo livre. Ele pintou apenas algumas obras, a maioria retratos da família real, nos últimos oito anos de vida.
Isabel da França, a primeira esposa de Filipe, morreu em 1644; o único filho do casal, Baltasar Carlos, morreu dois anos depois. Sem um herdeiro, o rei se casou em 1649 com Maria Ana da ÁustriaMargarida Teresa foi a primeira filha deles e a única na época da pintura de As Meninas. Ela teve um irmão Filipe Próspero que morreu criança e então Carlos, que sucederia o pai no trono como Carlos II aos três anos de idade. Velázquez pintou retratos de Maria Ana e seus filhos, e apesar de Filipe resistir em ser pintado velho acabou permitindo que o artista o incluisse em As Meninas. Ele cedeu a Velázquez a peça principal do Real Alcázar de Madrid no início da década de 1650, que na época servia como museu do palácio, para usar como estúdio. É lá que As Meninas ocorre. Filipe tinha sua própria cadeira no estúdio e frequentemente sentava para assistir o pintor trabalhar. Apesar de restrito pela rígida etiqueta, o rei amante das artes parece ter tido uma relação incomumente próxima de Velázquez. Após a morte dele, Filipe escreveu "estou devastado" na margem do memorando que nomeava a escolha de seu sucessor.
Velázquez serviu como pintor da corte e curador durante as décadas de 1640 e 1650 da cada vez maior coleção de arte de Filipe. Ele aparentemente recebeu um nível de liberdade incomum nessa função. Supervisionou a decoração e desenho interior dos aposentos que tinham as pinturas mais valiosas, adicionando espelhos, estátuas e tapeçarias. Velázquez também foi responsável pelo fornecimento, atribuição e inventário da maioria das pinturas do rei. Ele era amplamente respeitado na Espanha por volta da década de 1650 como um conhecedor de artes. Grande parte da coleção do Museu do Prado atualmente – incluindo obras de TicianoRafael e Peter Paul Rubens – foram adquiridas e reunidas durante a curadoria de Velázquez.
Esta tela figurava nos inventários do Alcázar de Madrid com o título de O Quadro da Família. Mais tarde, aparece catalogado no Museu do Prado em 1843 pelo seu diretor José de Madrazo com o nome de Las Meninas, título que teve um grande sucesso literário e que perdurou até o nossos dias. Tal título foi imposto ao quadro como referência a duas personagens que aparecem em ele e apoiando-se na descrição que faz da obra o pintor e escritor Antonio Palomino de Velasco (1555 - 1626) na sua obra Museu pictórico. Conta o senhor Palomino nesta obra que "dos damitas acompañan a la Infanta niña; son dos meninas". Com a palavra portuguesa "menina" chamavam as filhas de personagens da nobreza que entravam em Palácio como donzelas de honra das Infantas e as acompanhavam no seu séquito o tempo tudo. Somente recebiam este apelativo até chegarem ao momento do debute, portanto eram sempre damas muito jovens.
Outros títulos que aparecem nos inventários são: "A Sra. imperatriz Infanta da Espanha com as suas damas e criados e uma anã onde se retratou o pintor a si mesmo pintando" (por referência à infanta Margarida, futura imperatriz do Sacro Império) e "A Infanta Maria Teresa" (sendo tal referência equivocada.
Dom Antonio Palomino escreveu uma biografia muito extensa e cheia de pormenores do pintor Velásquez. Muitos dos dados obteve-os do que lhe ia contando Juan de Alfaro, um pintor que fora discípulo de Velázquez nos últimos anos da sua vida. Seguindo a leitura de tal biografia, no terceiro volume subtitulado El parnaso español pitoresco laureado, podem-se conhecer algumas circunstâncias do quadro.
A pintura terminou-se em 1656, data que encaixa com a idade que aparenta a infanta Margarida (uns cinco anos). Filipe IV e dona Mariana da Áustria costumavam entrar com frequência na oficina do pintor, conversavam com ele e às vezes ficavam bastante tempo vendo-o trabalhar, sem protocolo algum. Isto era algo muito repetido na vida normal de Palácio e Velázquez estava afeito a estas visitas. Precisamente daí nasceu a ideia da confeição do quadro tal qual o realizou. O lugar onde trabalhava Velázquez era uma sala ampla do piso térreo do antigo Alcázar de Madrid que fora o aposento do príncipe Baltasar Carlos, morto em 1646, dez anos antes da data d'As Meninas. Quando o príncipe faleceu, reutilizaram esta estância coma oficina do pintor. É precisamente este lugar o que aparece retratado no quadro, por isso o ambiente que pode ver-se é de algo cotidiano e familiar.
Segundo o inventário redigido após a morte de Filipe IV (1665), o quadro achava-se então no seu escritório, para onde houve de ser pintado. Estava pendurado junto a uma porta, e à direita achava-se um vitral. Conjeturou-se que o pintor desenhou o quadro expressamente para tal lugar, com a fonte de luz à direita, e até mesmo que o pensou como um truco visual: como se a sala de As Meninas se prolongasse no espaço real, no lugar onde o quadro era exposto.
No incêndio que destruiu o Alcázar de Madrid (1734), este quadro e outras muitas jóias artísticas tiveram de resgatar-se apressadamente; algumas recortaram-se dos seus quadros e arrojaram pelas janelas. A este contratempo atribui-se um deterioro (orifício) na bochecha esquerda da infanta, que por sorte foi restaurado na época com bons resultados, pelo pintor real Juan García de Miranda. O quadro reaparece nos inventários do novo Palácio de Oriente, até ser deslocado para o Museu do Prado. Em 1984, no meio de forte controvérsia, foi restaurado baixo direção de John Brealey, experto do Museu Metropolitano de Nova Iorque. A intervenção reduziu-se mais bem a eliminar camadas de verniz , que amarelaram e alteravam o efeito das cores. O estado atual da pintura é excepcional, especialmente se se leva em conta o seu grande tamanho e antiguidade.





A numeração das personagens corresponde à que aparece na ilustração da direita.
1- A infanta Margarida, a primogênita dos reis, é a figura principal. Tem cinco anos e está acompanhada pelas suas meninas e de outros personagens. Vai vestida com o guardainfante e a basquinha gris e creme. É a alegria dos seus pais como única sobrevivente dos vários filhos que foram nascendo e falecendo. A infanta Margarida foi a pessoa da família real mais retratada por Velázquez. Conservam-se dela sobressalentes retratos no Museu Kunsthistorisches de Viena. Pintou-a pela primeira vez quando não cumprira os dois anos de idade. Esse quadro encontra-se em Viena e é considerado como uma das jóias da pintura infantil.
2- Dona Isabel de Velasco, filha do conde de Fuensalida que contraiu matrimônio com o duque de Arcos, a outra criança, está ao outro lado, em pé, vestida com a saia ou basquinha de guardainfante, em atitude também de fazer uma reverência.
3- Dona Maria Agustina Sarmiento de Sotomayor, criança da infanta, filha do conde de Salvatierra e herdeira do Ducado de Abrantes por via materna do sua mãe Catalina de Alencastre, que contrairia matrimônio mais tarde com o conde de PeñarandaGrande da Espanha. Agustina preitearia pelos seus direitos a suceder no Condado de Monterrey. A Infanta pediu água para beber e D. Maria Agustina ofereceu-lhe sobre uma bandeja um jarro de argila porosa e perfumada que refrescava a água. A criança inicia o gesto de se reclinar frente da real pessoa, gesto próprio do protocolo de palácio.
4- Mari-Bárbola é a anã hidrocéfala que vemos à direita. Entrou em Palácio em 1651, ano em que nasceu a infanta e a acompanhava sempre no seu séquito.
5- Nicolasito Pertusato, italiano, está ao seu lado e aparece batendo com o seu pé_a um mastim pintado em primeiro término, com ar tranquilo. Nicolasito chegou a ser ajuda de câmara em Palácio.
6- Dona Marcela de Ulloa está detrás de Dona Isabel. Vai enfeitada com tocas de viúva. Era a Camareira-Mor (ou guarda-mor da princesa) viúva de Dom Diego de Portocarrero e mãe do famoso cardeal Portocarrero e antes servira à condessa de Olivares.
7- O personagem que está ao seu lado, meio em penumbra, é um guarda-damas mas não o menciona Palomino no seu conto, embora os estudos recentes asseguram que se trata de dom Diego Ruiz Azcona, prelado basco de família fidalga que fora bispo de Pamplona e arcebispo de Burgos, ostentando o cargo de Aio dos Infantes da Espanha.
8- Dom José Nieto Velázquez (talvez parente do pintor) é a personagem que se vê ao fundo do quadro, na parte luminosa, atravessando o corredor por um vão cuja porta aberta nos amostra os típicos quarterões tão de moda naqueles tempos. Este senhor foi chefe da Tapiçaria e Aposentador da rainha. Como diz o crítico de arte Harriet Stone não se pode estar seguro se a sua intenção é sair ou entrar da sala.
9- À esquerda e diante duma grande tela, o espectador vê ao autor da obra, Velázquez. Está de pé e mantém nos seus mãos a paleta e o pincel, numa atitude pensativa, como se examinasse aos seus modelos antes de aplicar outra pincelada. Está trabalhando rodeado de umas personagens cuja identidade é conhecida totalmente.
10 e 11- Filipe IV e a sua esposa Mariana de Áustria, em plano recuado do quadro, refletem-se num espelho detrás do pintor. Com o espelho, revela-se o que Velázquez está a pintar: pinta os Reis, que posam "fora do quadro", mais ou menos no lugar onde está o espectador. É um truque que nos integra na pintura, fusionando realidade e aparência.
Outros Elementos: Acima do espelho no que se refletem os reis veem-se dois quadros. São cópias realizadas por Juan Bautista del Mazo de Minerva e Aracné, de Peter Paul Rubens, e Apolo e Pan, de Jacob Jordaens. Ambos os quadros achavam-se efetivamente em tal salão, segundo documentos da época; mas acredita-se que Velázquez os reproduziu porque escondem alusões à obediência devida aos reis e ao castigo que acarreia descumpri-la.
Velázquez nos apresenta nesta obra a intimidade do Alcázar de Madrid, e com a sua mestria nos faz penetrar numa terceira dimensão: o espaço, plasmado mais com luzes e sombras que com linhas de perspectiva. É costume dizer que Velázquez chegou a plasmar a perspectiva aérea: que "pintava o ar". Conheceu livros de óptica e ademais observou o efeito que as distâncias, a luz e outros agentes exerciam sobre as formas e cores. Com a sua atual situação e iluminação, As Meninas não amostra plenamente tal efeito, pois requer uma luz mais tênue e focalizada, a habitual nas salas palacianas. Anteriormente a obra fora pendurada em outra sala mais reduzida do Museu do Prado, mas foi mudada de lugar para facilitar o incessante fluxo de turistas.
Teorias: Apesar da grande quantidade de escritores de qualquer gênero que buscaram uma significação definitiva, enquanto não apareça documentação concludente devemos admitir que nenhuma interpretação individual poderá dar resposta aos problemas implicados em As Meninas. Vários historiadores opinam que, como boa obra barroca, esconde vários mensagens solapados, que unicamente o público culto da Corte podia captar.
A interpretação mais fácil é descrever a imagem como uma cena habitual em palácio. Segundo Jonathan Brown, que recolhe nos seus textos diversas teorias anteriores (Sohener), a cena representa o momento em que a infanta Margarida chegou ao estúdio de Velázquez para ver trabalhar o artista. Em algum momento antes que suba a "cortina" pediu água que agora oferece à dama ajoelhada à esquerda. No momento em que esta acerca à princesa uma pequena jarra, o rei e a rainha entram no cômodo refletindo-se no espelho da parede do fundo. Uma a uma, embora não simultaneamente, as pessoas congregadas começam a reagir frente da presença real. A dama de honra da direita que foi a primeira em vê-los, começa a fazer a reverência. Velázquez notou também a sua aparição e detém-se no meio do trabalho. Mari-Bárbola não teve tempo ainda de reagir. A infanta, que estava olhando a Nicolasito Pertusato brincar com o cão, olha de repente para a esquerda, em direção aos reis, embora a sua cabeça permanece ainda volta em direção ao anão. Esta é a razão do estranho efeito de deslocamento entre a posição da cabeça e a direção da sua olhada. Agustina Sarmiento, ocupada em servir a água à princesa, não se deu conta ainda da presença dos reis, o mesmo acontece à senhora de honra em conversação com o guarda-damas que acaba de aperceber-se.
A partir de tal descrição, são propostas possíveis mensagens ou simbolismos. Um deles é Diego Velázquez estar reivindicando a nobreza da pintura, o qual observava os pintores do século XVII. Naquela época, a pintura era subestimada como uma profissão sujeita a impostos, como os sapateiros e todos os outros artesãos. Isto não ocorria na Itália, onde os pintores eram tratados como criadores cultos; El Greco, que trabalhara em esse país, viveu nas suas carnes a pouca estima que mereciam os artistas na Espanha. Velázquez quereria proclamar a nobreza da sua arte cometendo uma "ousadia": incluiu-se a si mesmo num retrato da família real, ocupando um posto destacado e relegando os reis a uma imagem diminuta. Mas se tem de precisar que a presença dos reis não é "real", senão um reflexo; os reis estão na sala com o pintor, não ao seu lado mas a certa distância. Deste jeito, sem violentar o protocolo, Velázquez alardeia da sua posição na Corte e reclama para a profissão de pintor um tratamento acorde como servidor do rei. Como diz Tolnay:
"As Meninas são como um manifesto sobre a pintura como arte liberal."
A presença tão destacada da infanta Margarida interpretou-se como uma alusão política, pois ela era a única descente com opções de herdar o trono. Sua irmã maior Maria Teresa ia casar-se com o rei da França e isso excluía-a do trono espanhol. De acordo a esta situação, alguns sugestionam que o reflexo dos reis no espelho é um símbolo de apoio ou exemplo que a infanta tem de levar em conta para o seu futuro. Finalmente, ela não herdou o trono, pois Filipe IV chegou a ter um herdeiro varão (Carlos II).
Outra hipótese mais arriscada, avançada por Ángel do Campo e Francês nos anos 70-80, sugestiona que Velázquez introduzira adivinhações de Astronomia, ao situar as personagens segundo uma constelação de estrelas ("Margarita Coronae") cujo centro chama-se Margarida (como a infanta situada no centro).
Também se interpretaram alguns personagens como alegorias; assim, a anã Mari-Bárbola tem uma bolsa de moedas nas mãos, elemento incongruente exceto que simbolizasse a cobiça. O anão Nicolasito Pertusato, que molesta o cão, seria o Mal, importunando a Fidelidade. Embora esta interpretação pareça muito ousada, é certo que o Mal consta em tratados de Iconografia como uma personagem vestida de vermelho, e o cão é símbolo de Fidelidade e de alerta ante os perigos. É preciso recordar, para além disso, que Velázquez possuía livros de iconografia, como o de Cesare Ripa;
Estruturação: O quadro pode ser estruturado em diferentes espaços. A metade da obra é dominada por um espaço desértico, no qual Velázquez pinta o ar, e um espaço virtual para onde o pintor dirige a olhada que é onde, supostamente, estão os reis ou bem os espectadores. Outro espaço importante é o do ponto de fuga do fundo do quadro, muito luminoso, onde uma personagem foge da intimidade do momento. Um terceiro espaço é o pequeno espelho; e finalmente, o da luz dourada que se aprecia nas figuras da infanta, as crianças, a anã e o cão. São espaços reais e virtuais que formam a realidade fantástica do quadro.
Uma das características principais da pintura é o seu caráter misterioso que conduz a estabelecer diferentes princípios de interpretação. O desacordo existe já na primeira ação que está descrevendo o quadro. As Meninas são:
O retrato da Infanta. A infanta chama a atenção de outras figuras, tem uma posição central no quadro e além disso, existe a tensão especial em relação ao foco brilhante.
Um auto-retrato de Velázquez. O pintor aparece como uma torre e destaca-se sobre as outras figuras da pintura.
Um retrato de grupo ou familiar. Ademais há o casal real que surge na superfície do retângulo e está apresentada num espelho na parede do fundo como um reflexo.
Por outro lado, o fato de a maior parte das figuras olharem para fora do quadro, provoca que se distingam diferentes pontos de vista luminosos a partir de um foco ao qual as figuras dirigem as suas olhadas:
o casal real que é olhado pelo espectador;
o espectador;
o espectador que se considera numa superfície de espelho grande.
Também se faz a pergunta sem resposta de que quadro estava representando o pintor, quadro do qual o espectador só vê a parte de atrás. Também aqui há três interpretações possíveis:
o pintor representa a casal real, que está na área não visível;
o pintor representa a infanta;
o pintor representa-se a si mesmo.
Seção Áurea e análise da obra: Muitos artistas do Renascimento empregaram a seção áurea nos seus desenhos, por exemplo o grande mestre Leonardo Da Vinci, já em 1509 o matemático Luca Pacioli, publicou o livro De Divina Proportione e em 1525 Alberto Durero publicou Instrução sobre à medida com regra e compasso de figuras planas e sólidas, onde descrevia como traçar a espiral baseada na seção áurea com regra e compasso, que se conhece com o nome de "espiral de Durero" Velázquez na composição áurea do seu quadro As Meninas, ordena-o com a mencionada espiral, o centro é justo o peito da infanta Margarida, marca o centro visual máximo de interesse e o significado simbólico do lugar reservado para os escolhidos, como era tradição na Europa, que o monarca ocupara o lugar central e de privilégio nas cerimônias. Não se tem de esquecer que, no momento da criação da pintura, a infanta Margarida era a pessoa mais indicada como sucessora ao trono, já que Filipe IV não tinha nesse momento nenhum filho varão.
ponto de fuga da perspectiva está trás da porta, onde se encontra José Nieto; precisamente ali é onde vai a vista à procura da saída do quadro; a grande luminosidade existente neste ponto provoca que a olhada se fixe nesse lugar.
Apesar dos séculos que passaram desde que se pintou, a qualidade técnica do quadro, com o tratamento da textura fina e as pinceladas que parecem compactas aplicadas com uma grande mestria, faz possível que não se observe quase nenhuma fenda em todo o quadro. As medidas originais da tela foram ligeiramente retocadas numa primeira restauração na que o quadro se voltou a entelar. Na beira superior e o lado lateral direito pode-se detectar as sinais que deixaram os cravos que fixavam a tela ao caixilho; foi recortada pelo lado esquerdo e fez-se uma pequena dobrez para possibilitar a nova sujeição. Parece que apenas se perdeu um pouco na margem.
Velázquez utiliza os brancos de chumbo, sem quase misturas, em diversos pontos do quadro como nas camisas, os punhos de Mari-Bárbola ou a manga direita de Agustina Sarmiento; fá-lo com um toque rápido e decidido que consegue o reflexo das vestiduras e adornos, como no caso da infanta Margarida ou na camisa do próprio pintor. Nos cabelos da infanta e nos seus adornos, também se aprecia a arte da pincelada do mestre. Nas quatro figuras femininas do primeiro término observa-se um tratamento similar; os vestidos denotam a categoria e a classe de tela de cada um de eles. No caso de Nicolasito Pertusato, a definição fica mais apagada. Velázquez empregou toques de lápis-lazúli sobretudo no vestido de Mari-Bárbola, e fê-lo com o objetivo de conseguir reflexos na cor profunda deste vestido.
Espelho e cenas refletidas: A estrutura espacial e a posição do espelho estão de tal maneira que parece que Filipe IV e Mariana, encontraram-se ao lado da pintura, no lugar onde se encontra o observador da tela, diante da infanta e os seus acompanhantes. Segundo Janson, não somente a infanta e os seus serventes estão para distrair o casal real, mas a atenção de Velázquez foca-se em eles enquanto pinta o seu retrato. Embora somente possam ser vistos refletidos no espelho, a representação do casal real tem um lugar central na pintura, tanto pela hierarquia social quanto na composição do quadro. Como espectadores, em relação a eles, a nossa posição é incerta. A questão é saber se o observador da pintura fica perto do casal real, ou se os substitui e contempla a cena com os seus próprios olhos; é uma questão que gerasse polêmica. A segunda hipótese é, para saber qual é o objetivo das olhadas de Velázquez, da infanta e de Mari-Bárbola, que olha diretamente para o observador da pintura.
N´As Meninas supõe-se que a rainha e o rei estão fora da pintura, e o seu reflexo no espelho situa-os no interior do espaço pictórico. O espelho, situado sobre o triste muro do fundo, amostra o que há: a rainha, o rei e, segundo as palavras de Harriet Stone, as gerações de espectadores que vieram tomar o sítio que o casal tem no quadro.
Os personagens refletidos no espelho estão elaborados de maneira mais rápida e com uma técnica esboçada. Um espelho sobre o muro do fundo reflete os bustos dos reis, que talvez estavam posando para ser retratados, e são surpreendidos pela visita da sua filha e os seus acompanhantes. Uma hipótese alternativa do historiador H.W. Janson é que o espelho reflete a tela de Velázquez, tela que já tem pintada com a representação dos reis.
Provavelmente As Meninas estiveram influenciadas pela tela de Jan van EyckO Casal Arnolfini. Quando Velázquez estava pintando As Meninas, o quadro de Van Eyck fazia parte da coleção de palácio de Filipe IV e Velázquez, sem dúvida, conhecia muito bem esta obra. Em O matrimônio Arnolfini, há também um espelho na parte posterior da cena pictórica, que reflete duas personagens de frente e um casal de costas. Embora estes personagens sejam muito pequenos para serem identificados, uma hipótese é que uma das imagens corresponde ao pintor, justo no momento de entrar a pintar. Segundo Lucien Dällenbach:
"O espelho d´As Meninas fica diante do observador, como no quadro de Van Eyck. Mas o procedimento aqui é mais realista: o espelho, na parte posterior, não é convexo senão plano. Enquanto no quadro de Van Eyck os objetos e as personagens são recompostos num espaço deformado e condensado pela curvatura do espelho, Velázquez recusa jogar com as leis da perspectiva: para quem esteja diante do quadro, ele projeta sobre o espelho os sósias perfeitos do rei e a rainha. Além disso, amostra as personagens que são observadas pelo pintor e, ao mesmo tempo, mediante o espelho, podem-se ver os indivíduos que entram e que dirige a atenção para Velázquez, terminando numa reciprocidade de olhadas que traz como consequência que a imagem saia do seu quadro e convide o visitante a entrar na tela."
O espelho do quadro tem uma medida de cerca de trinta centímetros de altura, e as imagens do rei e a rainha estão, de maneira intencionada, difusas. Jonathan Miller pergunta:"O que teríamos de pensar das faces difusas do rei e a rainha no espelho? É pouco provável que fosse devido a uma imperfeição na óptica do espelho; de fato, quer-se mostrar este efeito da imagem do rei e a rainha". Um efeito similar encontra-se na Vênus do espelho, o único nu que Velázquez realizou; a face das personagens é visível, desvanece-se no espelho, para além de tudo realismo. O ângulo do espelho é tão forte que "embora normalmente seja descrita como que se está olhando em ele, está de maneira desconcertante olhando-nos." De maneira humorística, Miller também comenta que, além do espelho representado em As Meninas, podemos imaginar a existência de outro espelho que não aparece no quadro, sem o qual seria difícil que Velázquez pudesse pintar a ele próprio, auto-retratando-se.
Numerosos aspectos d´As Meninas estão relacionados com outras obras procedentes de Velázquez, onde é utilizado e brinca com os mesmos recursos. Segundo López-Rey, à parte d'O casal Arnolfini, o quadro que mais se acerca a As Meninas é o Cristo na casa de Marta e Maria, tela que Velázquez pintou em 1618, por volta de quarenta anos antes, em Sevilha; neste quadro pode-se detectar uma imagem no fundo como se fora uma janela que dá a outro cômodo, ou que também pudesse ser um espelho.
m 1964, antes da restauração do Cristo na casa de Marta e Maria, numerosos historiadores de arte viam a cena que parece incrustada em cima, à direita do quadro, como se fosse refletida num espelho, ou como se fosse outro quadro pendurado na parede. Este debate continuou, parcialmente, depois da restauração, embora segundo a National Gallery de Londres, que é onde está exposta a tela, Cristo e os seus acompanhantes são visíveis somente através de uma janela que dá a um cômodo contíguo. Os vestidos que aparecem em ambos os cômodos são também diferentes; os vestidos da cena principal são contemporâneos a Velázquez, enquanto os da cena onde se encontra Cristo utilizam os convênios iconográficos tradicionais para as cenas bíblicas. N´As fiandeiras, quadro pintado provavelmente um ano depois que As Meninas, aparecem representados duas cenas de Ovídio: num primeiro plano, com vestidos contemporâneos e no plano posterior, com vestidos antigos. Segundo a crítica Sira Dambe, "nesta tela, os aspectos da representação são tratados de maneira similar aos d´As Meninas."
Opiniões:
O pintor barroco Luca Giordano em 1700 disse que representa a teologia da pintura.
O filósofo Théophile Gautier no século XIX à vista da pintura exclamou a famosa frase: Onde está o quadro?
Thomas Lawrence, um dos melhores retratistas ingleses da geração do século XIX, a qualificou como a filosofia da arte.
Stirling-Maxwell, dentro do livro Annals of the Artists of Spain de 1848, compara ... o realismo d'As Meninas com uma fotografia.
O grande pintor do impressionismo Édouard Manet, depois de uma estância em Madrid o ano 1865 e visitar durante uns dias o Museu do Prado, expressou a sua surpresa diante a obra do pintor espanhol com a que se identificava pela sutileza do seu cromatismo e a chave de arte moderna que se abre com a sua obra. Com esta impressão escreveu ao seu amigo, o pintor Henri Fantin-Latour, realizando o seguinte comentário: Velázquez, por si só, justifica a viagem. Os pintores de todas as escolas que o rodeiam, no museu de Madrid, parecem simples aprendizes. É o pintor dos pintores.
José Ortega y Gasset, no seu livro Papeles sobre Velázquez, deixa escrito: O tema de Velázquez é sempre a instantaneidade de uma cena. Note-se que se uma cena é real consta, por obrigação, de instantes em cada um dos quais os movimentos são diferentes.
Raffaelo Causa, na monografia dedicada a Diego Velázquez de la Pinacoteca de los Genios de 1965, descreve As Meninas assim: Uma série de retratos reunidos num sugestivo quadro de conjunto, que é como uma janela aberta de par em par e, de golpe, à rigorosa etiqueta de palácio. Todos as personagens que rodeiam a infanta Margarida foram identificadas; à esquerda está o auto-retrato do pintor.
Também numa modalidade filosófica encontra-se a interpretação publicada em 1966 por Michel Foucault no seu texto sobre As Meninas, como um ensaio de introdução no seu livro Les mots et les choses . Foucault considera a pintura como uma estrutura de conhecimento que convida o observador a participar na representação dentro de outra representação.
Em 1980, os críticos Snyder e Cohen observaram:
"Velázquez queria que a imagem projetada no espelho dependesse do restante da tela pintada. Por que queria isto? A imagem luminosa do espelho parece refletir o rei e a rainha, mas faz um pouco mais, é contranatural. A imagem refletida é somente um reflexo. Um reflexo de que? Do dono da obra verdadeiro; da arte de Velázquez."
Influências do quadro “As Meninas”:
O primeiro seguidor de Velázquez foi sem dúvida o seu genro Juan Bautista del Mazo, pintor de câmara de Filipe IV no ano 1661. No retrato da infanta Margarida de Áustria de 1666, no plano posterior pode-se apreciar a colocação de Carlos II e a anã Mari-Bárbola numa cena similar à d'As Meninas de Velázquez.
Também a ambientação e a disposição dos diversos elementos da sua obra A família do pintor Juan Bautista Martínez del Mazo, na que representa a toda a sua família e pessoal de serviço, remete sem dúvida a As Meninas.
Luca Giordano, em 1700, depois da sua viagem a Madrid, onde admirou o quadro de As Meninas, realizou uma pintura com o título Homenagem a Velázquez que se conserva na National Gallery de Londres.
Francisco de Goya y Lucientes, foi um pintor fortemente influenciado pela pintura de Velázquez. Quando entrou a trabalhar na corte espanhola, teve acesso às coleções de pintura da corte, e em 1778 publica uma série de água-fortes na que reproduz quadros de Velázquez. Também em 1800 realizou o retrato de A família de Carlos IV onde, num ato de homenagem ao pintor d'As Meninas, Goya auto-retrata-se olhando para o espectador à esquerda da família real, acerca-se nesta pintura à instantânea fotográfica, como já havia feito no quadro A família do infante Dom Luís de 1784, na que também se auto-retrata na parte esquerda como Velázquez.
O pintor estadunidense John Singer Sargent foi influenciado nos seus retratos por Velázquez, maiormente no quadro As filhas da família Boit, realizado em 1882, onde visava a captar o ar do interior como n'As Meninas. Conserva-se no Museu de Belas Artes de Boston.
Salvador Dalí, em 1973, na sua pintura Quadro estereoscópico inacabado, consegue a multiplicação do espaço através de um espelho onde também aparece o seu auto-retrato em clara alusão a As Meninas.
Grande número de artistas realizaram obras a partir de As Meninas, entre os que destacam-se: Richard Hamilton, Cristóbal ToralAntonio SauraEquipo Crónica, também escultores uniram-se com obras relacionadas como Jorge Oteiza em 1958 com a escultura Homenagem às Meninas ou Manolo Valdés. Todos estes artistas foram reunidos para um grande exposição no Museu Picasso de Barcelona com o nome Oblidant Velázquez Les Menines durante 2008.
Picasso, seduzido por As Meninas, que já chamaram a atenção dele quando era novo, a 17 de agosto de 1957, começou a trabalhar em Cannes na elaboração de uma série com 58 interpretações da obra, que terminou no mês de dezembro do mesmo ano. A primeira interpretação pintou a cena completa e sem cor, somente com cinzentos, representou Velázquez com uma medida muito maior, a sua cabeça chega a tocar o teto e destaca-se sobremaneira no seu peito a cruz da ordem de Santiago. Os rostos das crianças Agustina Sarmiento e Isabel de Velasco fê-los com traços angulosos que contra-arrestam com as caras redondas como desenha a infanta Margarida e os anões Mari-Bárbola e PertusatoMarcela de Ulloa e o seu acompanhante Diego Ruiz Azcona amostra-os como personagens fantasmagóricas postos dentro de uma espécie de féretros. Ressaltam os ganchos do teto que em Velázquez passam quase despercebidos, simplesmente são ganchos para as lâmpadas e na versão de Picasso os destaca dando a sensação de sala de torturas. Outra variante é a abertura de todos os vitrais do cômodo palatino. É praticamente em estilo cubista. A 30 de dezembro de 1957, Picasso concluiu a série de As Meninas com o retrato de Isabel de Velasco.
Em 2004, a artista de vídeo Eva Sussman filmou 89 Segundos no Alcázar, um quadro vivo de alta definição de vídeo inspirado n'As Meninas. O trabalho é uma reconstrução em 89 segundos do momento em que a família real e os seus cortesãos teriam vindo até a configuração exata da pintura de Velázquez. Sussman contou com uma equipa de 35 pessoas, incluindo um arquiteto, um desenhista, um coreógrafo, um desenhista de vestidos, atores, atrizes e uma equipa de rodagem.
O escritor irlandês Oscar Wilde inspirou-se n'As Meninas para o seu conto O aniversário da infanta.
O dramaturgo Antonio Buero Vallejo escreveu em 1959, uma obra de teatro: Las Meninas, estreada em Madrid a 9 de dezembro de 1960, sob a direção de José Tamayo.


A Batalha de Argel 1966 - La Battaglia di Algeri









A Batalha de Argel 1966 - La Battaglia di Algeri
Itália / Argélia - 121 minutos
Poster do filme



A Batalha de Argel (em italiano: La battaglia di Algeri) é um filme ítalo-argelino de 1966 dos gêneros "drama histórico" e "guerra", dirigido por Gillo Pontecorvo. O roteiro se baseia em fatos ocorridos no período de 1954-1962, quando o povo da Argélia lutou contra a ocupação colonialista francesa no país (Guerra da Argélia).
O filme enfoca os eventos ocorridos em Argel, a capital da Argélia, de novembro de 1954 até Dezembro de 1960. Durante a "Guerra da Independência Argelina", uma organização de nativos insurretos escondidos na populosa região da cidade de Argel conhecida por Casbah (cidadela), manteve um conflito contra as tropas de ocupação colonialista francesas (pied-noirs). Os dois lados trocaram atos de violência crescente. Em Argel, as tropas paramilitares lideradas pelo General Massu e o Coronel Bigeard confrontaram a FLN - Frente de Liberação Nacional. Os militares franceses se proclamaram vencedores da "batalha", neutralizando as lideranças dos revoltosos por intermédio de prisões e assassinatos.
O filme narra as táticas de ambos os lados, bem como os vários incidentes que se sucedem. É mostrado que as forças em conflito possuem em comum a realização de atrocidades cometidas contra civis. A FLN executa sumariamente nativos acusados de traição, bem como comete terrorismo contra os estrangeiros no país. As tropas colonialistas praticam tortura, intimidação e assassinatos.
O diretor Gillo Pontecorvo e o roteirista Franco Solinas escolheram não ter um protagonista no filme, havendo vários personagens e figurantes em conflito. O filme começa e termina sob o ponto de vista de Ali la Pointe (figura histórica real), interpretado por Brahim Hagiag. Ele é um criminoso radical que enquanto esteve na prisão foi recrutado pelo FLN, através do comandante El-hadi Jafar, uma versão fictícia de Saadi Yacef.
Outros personagens são um menino chamado Petit Omar, que serve como mensageiro da FLN; Larbi Ben M'hidi, um dos líderes da FLN, que é usado para mostrar o lado político-racional da revolução; Djamila Bouhired, Zohra Drif e Hassiba Benbouali, um trio de mulheres militantes da FLN que praticam um ataque terrorista de retaliação. Adicionalmente, o filme usa milhares de figurantes argelinos e muitas cenas de multidão; Pontecorvo utiliza o recurso de transformar em coral grego, vozes dos nativos da Casbah.
Pontecorvo escolheu coadjuvantes amadores entre os árabes argelinos, priorizando o aspecto dramático, o que levou a que muitos tivessem de ser dublados. O único ator profissional (oriundo do teatro) do filme foi Jean Martin, que interpreta o Coronel Mathieu; Ironicamente, Martin perdeu vários trabalhos posteriores em seu país, por ter lamentado as ações de seu governo na Argélia. Martin serviu como paramilitar num regimento durante a Guerra da Indochina bem como na Resistência Francesa antinazista, incluindo esses elementos autobiográficos na composição do seu personagem.
A batalha de Argel foi feito sob influência do Neorrealismo italiano, do cinéma vérité francês e do realismo socialista soviético, com movimentos de câmara revelando detalhes da vida simples do povo.
O filme foi inspirado nas narrativas de um dos comandantes da FLN, Saadi Yacef, e em suas memórias com o título de Souvenirs de la Bataille d'Alger. O livro de Yacef foi usado enquanto ele esteve prisioneiro dos franceses, como propaganda para elevar o moral dos militantes da FLN que continuaram a luta. Após a independência, Yacef foi libertado e fez parte do novo governo. O governo argelino resolveu fazer um filme das memórias de Yacef e graças ao membro exilado da FLN Salash Baazi, eles contataram o diretor italiano Gillo Pontecorvo e o roteirista Franco Solinas, quando então lhes apresentaram o projeto.
Num primeiro roteiro de Solinas, chamado Parà, era contada a história sob a perspectiva de um paramilitar francês desencantado, que Pontecorvo esperava ser interpretado por Paul Newman. Baazi rejeitou a ideia e Yacef escreveu seu próprio roteiro, desta feita descartado pelos italianos que não queriam mostrar só o lado dos nativos. Eles insistiram em contar a história sob um ponto de vista neutro, embora simpatizassem com o movimento de independência. Com o roteiro final, os argelinos são os protagonistas, mas não foi escondida a crueldade de ambos os lados.
Apesar de se basear em acontecimentos reais, foram mudados os nomes de alguns personagens e outros foram compostos com fins específicos na trama. O "Coronel Mathieu" é uma composição de vários soldados franceses que serviram na Argélia, em particular Jacques Massu. Acusado de "maquiar" o personagem dando-lhe uma aparência elegante e nobre, Solinas negou esta intenção, afirmando que a civilização ocidental não é deselegante e sem cultura.
Para o filme A batalha de Argel, Pontecorvo e o fotógrado Marcello Gatti optaram por realizá-lo em preto & branco e experimentaram várias técnicas de documentário.
Para ajudar na captura de um maior realismo, Pontecorvo e Solinas gastaram dois anos na Argélia procurando locações, especialmente em áreas referidas como sendo onde ocorreram os eventos. Tendo Saadi Yacef como guia, eles receberam noções da cultura e dos costumes dos nativos.
O filme venceu o Grande Prêmio do Festival de Veneza
Indicado a três Oscars: melhor roteiro original (Gillo Pontecorvo e Franco Solinas), melhor diretor (Gillo Pontecorvo) e melhor filme estrangeiro.
Outros prêmios: Prêmio Cidade de Veneza (1966); Críticos Internacionais (1966); Cidade de Ímola (1966); prêmio italiano Silver Ribbon (diretor, fotógrafo e produtor); Prêmio Ajace de cinema (1967); O italiano Golden Asphodel (1966); Diosa de Plata do festival de Acapulco (1966); o Golden Grolla (1966); o Prêmio Riccione Prize (1966); votado como "Melhor filme de 1967" pelos críticos cubanos da revista Cine; e o Prêmio das Igrejas Unidas da América, de 1967.
O lançamento do filme coincidiu com o período de descolonização e "guerras de libertação nacional", bem como do crescimento do radicalismo de esquerda em várias nações ocidentais, que incitavam a luta armada. O filme ganhou a reputação de ter inspirado a violência política; em particular as táticas de guerrilha urbana e terrorismo, que podem ter sido copiadas por movimentos como os Panteras Negras e o IRA - Provisional Irish Republican Army. A batalha de Argel foi apontada como o filme favorito de Andreas Baader.
Em uma das cenas polêmicas é descrito o funcionamento das célula terroristas, sob o nome de "Teoria da Pirâmide", que seria formada por inúmeros triângulos interligados. Este formato impede que aqueles que estão na base e que executam as ações, conheçam seus superiores.
Antonio Caggiano, arcebispo de Buenos Aires de 1959 a 1975, inaugurou com o Presidente Arturo Frondizi do partido da União Cívica Radical (UCR), o primeiro curso de contrarrevolução no Escola Superior Militar Argentina (Frondizi era apontado como "tolerante ao Comunismo"). Em 1963, os cadetes da infame Escola Superior de Mecânica da Armada (ESMA) começaram a receber aulas de combate às insurgências. Em um desses cursos, foi exibido o filme A Batalha de Argel. Caggiano apresentou o filme e o comentou destacando uma orientação de fundo religiosa. Anibal Acosta, um dos cadetes da ESMA em entrevista 35 anos após os eventos, ao jornalista francês Marie-Monique Robin, disse:
"Eles exibiram aquele filme para nos ensinar um tipo de guerra muito diferente da guerra convencional, que seria enfrentada pelos oriundos da Escola Naval. Eles queriam nos preparar para missões policiais contra a população civil, que se tornara então o nosso inimigo”.
Não há, praticamente, crítico de cinema nem jornalista de editoria internacional que não tenha escrito, ou ao menos não conheça o filme do italiano Gillo Pontecorvo, A Batalha de Argel (1966/Premio Leão de Veneza), um dos clássicos mais admirados do cinema político.
Do ponto de vista estrito, cinematográfico, o filme de Pontecorvo é obra prima de agilidade, ritmo, clareza e beleza plástica. É resultado da admirável fotografia rústica, preto-e-branco, utilizada propositadamente para sublinhar a natureza dos cine jornais da época, da trilha musical perfeita de Enio Morricone e do roteiro emocionante que equilibra diálogos esclarecedores para o leigo com as cenas e sequências memoráveis, das ações da Frente Nacional de Libertação da Argelia (a FLN) nas ruas, nos anos 50/60, e do povo árabe na luta para se libertar da opressão e da expropriação das suas terras. Uma colonização francesa que durou 130 anos.
Tão contundente, volta e meia a situação mostrada pelo filme é evocada como consequência do mundo Sykes-Picot*, o período histórico da década dos anos 30 do século vinte, no qual as grandes potências ocidentais, França e Inglaterra, decidiram, numa cruel e insolente ação entre amigos, dividir o Oriente árabe e a África entre si, ao bel prazer dos interesses econômicos das suas corporações.
Aí, a origem de todo tipo de terrorismo, seja de estado e das mais variadas formas de fundamentalismo, reconhecida, dez anos atrás, até por um ministro britânico reacionário, das Relações Exteriores, Jack Straw. Candidamente ele declarou: “Muitos dos problemas que estamos precisando resolver, hoje, são consequência do nosso passado colonial”.
La Batagllia dei Argeli mostra o confronto entre os árabes e as forças militares francesas. Entre elas, oito mil paraquedistas, os pará, com experiência na Indochina e na resistência aos nazistas, na Normandia e na Itália, como se vê no relato. Desembarcaram em Argel em 1957.
“Entre eles, as brigadas dos temíveis ‘leopardos’ que lutariam para manter a ‘França africana” – ou como diziam os generais enviados para lá: ‘Para proteger as pessoas e a propriedade privada’ – ou seja, as terras roubadas dos árabes – e para isolar e destruir a Frente Nacional de Libertação.
Mas a independência do país só ocorreu em 62. Apenas quatro anos depois, ainda sob o calor das lutas sangrentas, Pontecorvo fazia seu filme baseado no livro de Saadi Yacef, Lembranças da Argélia.
Robert Fisk, um dos mais respeitados jornalistas europeus, correspondente de experiência notável, que vive no Líbano e é um dos melhores conhecedores e analistas da história do mundo árabe, conta que quando ouviu as primeiras notícias sobre o massacre aos jornalistas do Charlie Hebdo, imediatamente murmurou para ele próprio: ”Argélia...” Horas depois foram divulgadas as identidades dos assassinos: os irmãos Chérif e Said Kouachi eram de origem argelina.
E mais: a pensar na idade da dupla, na casa dos 30 anos, deveriam ser filhos de cidadãos que presenciaram ou participaram das ferozes lutas pela independência argelina relatadas no filme, quando o terrorismo de ambas as partes era usado como recurso de dissuasão. Os pais dos Chérife poderiam, talvez, ter imigrado para a França por volta dessa época. Pouco ou nada se conhece sobre a origem mais remota dos dois, exceto informações sobre a infância em um orfanato francês.
Parece, realmente, que uma ferida não fecha, 53 anos depois da independência do país do norte da África, entre a França e a Argélia, como aponta Fisk. Um fantasma ronda, relembrando o terror continuado das bombas carregadas em suas sacolas pelas mulheres árabes da Casbah de Argel e detonadas nos cafés franceses do bairro europeu - onde se dançava cumbias ao som das juke Box - e o terror de milícias e militares, até nas ruas de Paris não só contra argelinos, mas contra os árabes em geral.
Os alvos, às vezes, eram marroquinos, caso do célebre episódio em que o dirigente de esquerda Ben Barka foi sequestrado, anos depois, já em 65, defronte de um cinema, em pleno dia, no Boulevard Saint Germain. Depois, foi assassinado. O corpo nunca foi encontrado. O atentado é atribuído aos agentes secretos franceses com a colaboração do Mossad e da CIA.
O vigor de A Batalha de Argel é tal que, através dele, as lembranças emergem.
O filme se inicia em 1954, primeiros tempos da organização da FLN entre os moradores da Casbah. Mostra como ela ocorreu. O uso do álcool e das drogas era usado livremente e estimulado pelos colonizadores para controlar melhor a população dos 400 mil cidadãos árabes da cidade. Mesma estratégia usada pelos ingleses com as populações chinesas e seus vizinhos durante a Guerra do Ópio.
Sete atentados por dia era o saldo da violência na capital argelina. Bombas explodiam as residências de prisioneiros com suas famílias dormindo dentro delas. Cercos policiais montados com check points faziam a vida miserável no bairro transformado em gueto. Começava a chamada Operação Champanha. Em resposta, os da FLN retaliavam, fuzilavam e esfaqueavam policiais. Muitos dos apanhados eram guilhotinados.
Pouco a pouco os árabes promovem uma limpeza entre habitantes da Casbah. Nesta segunda parte do filme, vemos como se formando forte e organizada resistência e consciência política.
Alguns aspectos, sempre oportunos, são sublinhados no filme de Pontecorvo:
- O voto da ONU pela não-intervenção de forças de paz na Argélia. A guerra se prolongava e se tornava uma chacina. Discutiu-se a questão argelina e votou-se a favor dos franceses.
- A importância do papel da imprensa de Paris escondendo ou deturpando fatos que não eram de interesse do governo francês divulgar. “Muito depende do que vocês escreverem”, dizia o coronel Mathieu, o insolente comandante dos paraquedistas, nome fictício para o general Jacques Massu** (de triste memória), nas muitas entrevistas coletivas convocadas, se referindo à vitória. “Escrevam bem,” ele exortava. No dia seguinte as manchetes dos jornais franceses diziam: “Tudo calmo no bairro muçulmano.” Era mentira. Mathieu/Massu declarava: ”A palavra tortura não consta das nossas ordens...”
- As técnicas sistematizadas de torturas de prisioneiros depois exportadas para os Estados Unidos, América do Sul e para o Brasil. Afogamentos, choques elétricos, queimaduras com maçaricos, pau-de-arara. Torturas promovidas nas residências dos árabes sob as vistas das famílias.
- E a sequência final de A Batalha de Argel com cenas antológicas de rebelião popular. Desde 11 de dezembro de 1960 até o dia 29 do mesmo mês a população árabe não deixou as ruas embora muitos tenham sido metralhados e esmagados pelos tanques. Milhares de bandeiras do país, com o símbolo da meia lua e da estrela foram feitas de retalhos, trapos, com qualquer pedaço de pano encontrado. “Tudo virou bandeira!” anunciavam os cine jornais e as emissões de rádio. Agitadas na brisa marinha do céu da Casbah e, depois, de toda a cidade, elas são uma visão emocionante no filme.
Em 1962, foi, enfim, dada a resposta à pergunta que Mathieu/Massu costumava fazer aos jornalistas nas arrogantes entrevistas em que negava praticar a tortura: “A FLN quer nos ver fora da Argélia e nós queremos ficar. E vocês?” Os franceses tiveram que sair.
Robert Fisk pode ter mesmo razão: há ainda contas a ajustar entre a França e a Argélia? Quanto permanece de ressentimento pelo passado violento para ambas as partes? Entre os pieds noirs,*** obrigados a devolver as terras que tinham sido confiscadas aos árabes e retornar à Europa, e os habitantes do interior, das montanhas argelinas, e os da Casbah de Argel que se viram obrigados a imigrar?
*Os diplomatas Mark Sykes e François Georges-Picot arquitetaram um ‘novo’ Oriente Médio, depois da I Guerra Mundial, desenhando linhas arbitrárias de fronteiras e criando vários países árabes que não existiam antes. Ver aventuras de T. E. Lawrence, o Lawrence da Arábia.
**Massu declarou ao Le Monde em 2000: “ O mais duro de suportar foi o fato de meu nome ficar para sempre associado à tortura.” Ficou.
***Descendentes de colonos europeus, em particular de franceses, que regressaram aos seus países depois das guerras de independência do norte da África.
O ex-assessor norte-americano para assuntos de Segurança Nacional e pensador influente da política externa dos EUA, Zbigniew Brzezinski, afirmou em 2005 que, se quiséssemos realmente entender o que estava acontecendo no Iraque, deveríamos assistir ao filme A Batalha de Argel. O recado se fez ouvir nos corredores do Pentágono, onde a exibição do filme contou com uma audiência de aproximadamente quarenta oficiais, que foram estimulados a avaliar e a debater os assuntos centrais do filme, como as vantagens e os custos de se recorrer à tortura e a outras formas de intimidação para desvendar os planos de um inimigo que se camufla na multidão.
Os convidados receberam o convite com o seguinte comunicado: “Como ganhar uma batalha contra o terrorismo e perder a guerra das ideias. As crianças alvejam os soldados, mulheres plantam bombas em bares e, gradualmente, a população inteira protesta fervorosamente. Soa familiar? Os franceses têm um plano. Prosperam taticamente, mas fracassam estrategicamente. Venha assistir a exibição desse filme e saiba o porquê” (Kaufman, 2003).
Produzido em 1965, no contexto das guerras de libertação na África, a temática da insurgência urbana e a violência perpetrada pelos insurgentes e torturadores é abordada de tal forma que faz com que o filme seja sempre atual, pois poderíamos ainda utilizá-lo para compreender a presente intervenção francesa no Mali, as revoltas árabes e os conflitos na Palestina, no Afeganistão, no Sudão e outros tantos do mesmo tipo. Filmado em preto-e-branco, com atores argelinos e franceses desconhecidos, recriando cenas e figuras históricas em locais de batalhas reais com técnica utilizada pelos cineastas neo-realistas, o diretor italiano Gillo Pontecorvo nos induz a pensar que se trata de um documentário.
A Batalha de Argel retrata os conflitos em Argel (1954-1957) entre a FLN (Frente de Libertação Nacional) e o exército francês. A primeira parte do filme mostra a campanha de terror desencadeada pela FLN contra o domínio colonial francês em torno do personagem Ali La Pointe, mostrando sua gradual conversão à guerrilha urbana. Já a segunda metade focaliza a reação do exército francês, que consiste principalmente em uma campanha de tortura e assassinatos comandados pelo coronel Mathieu. As ações terroristas vão se intensificando e ampliando seus alvos à medida que a repressão se torna mais eficiente, passando dos assassinatos de policiais às bombas em restaurantes, bares e clubes frequentados por jovens franceses. Mas igualmente ilustrativas são as imagens da repressão colonial, do racismo francês e do desprezo pelos árabes isolados na Casbah (bairro popular da capital argelina).
O filme não idealiza terroristas, não demoniza os franceses, nem exalta a violência em nome de algum tipo de revolução ou justificativa de qualquer ordem; em vez disso, o diretor examina a fundo os motivos, justificativas e contradições de todos os beligerantes. Os combatentes não escolhem seus alvos, ambos os lados se atacam indiscriminadamente e fornecem argumentos racionais para provar que estão no lado justo. Não há heróis nem vítimas inocentes. As crianças são cúmplices dos atentados, as mulheres plantam bombas em bares, os franceses atiram nas multidões, soldados brutalizam seus prisioneiros e o exército arrasa edifícios, matando civis inocentes.
Ali La Pointe encarna a figura do oponente irascível, ladrão e cafetão. É recrutado pela FLN e torna-se um guerrilheiro profissional, um líder revolucionário. Seu olhar ameaçador revela o próprio sofrimento e cólera dos árabes oprimidos diariamente pelos pieds-noirs (que, em francês, significa, literalmente, “pés-negros” e é um termo usado para descrever a população francesa que vivia na Argélia e que se repatriou na França depois de 1962, ano em que a Argélia se tornou independente).
O personagem procura expulsar a ocupação a todo custo, disposto a matar ou mesmo morrer pela causa. É isso que faz com que o seu destino seja trágico, culminando com sua morte (suicídio?), diferentemente do militante marxista El-hadi Jaffar, que negocia a rendição preservando sua vida.
Já a figura do coronel Mathieu foi inspirada na vida do general Massu, considerado pelos soldados franceses a personificação da tradição militar francesa. Herói militar da Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial, que também esteve presente na derrota da França na Indochina, Massu, em 1971, publica o livro A Batalha de Argel, que ficou proibido durante muitos anos na França. Nele, justificava a tortura como “uma cruel necessidade”. Dizia Massu: “Penso que, na maioria dos casos, os militares franceses foram obrigados a usá-la para vencer o terrorismo”.
No filme, durante uma conferência de imprensa, o coronel Mathieu, desafiador, volta-se aos repórteres franceses com uma pergunta: “A França deve permanecer na Argélia? Se vocês responderem que sim, então devem obrigatoriamente aceitar todas as conseqüências”. Mathieu dizia-se intrigado com a incoerência dos jornalistas quando o elogiavam por seus êxitos, ao mesmo tempo em que manifestavam reservas sobre seus métodos. “Os êxitos obtidos [explica o coronel, em tom professoral] são os resultados desses métodos. Um pressupõe o outro e vice-versa”. A dura afirmação de Mathieu expõe de forma cruel a verdade que se esconde por trás de uma máxima frequentemente repetida há séculos por vários pensadores das mais diversas correntes teóricas: quem quer os fins quer os meios.
Na verdade, por trás do que se convencionou chamar “guerra de baixa intensidade”, esconde-se uma enorme frustração e tentações terríveis: a dificuldade frustrante de encontrar e deter um inimigo que pode ser qualquer um e em qualquer lugar, além da tentação de se recorrer à tortura para extrair informações detalhadas de prisioneiros ou suspeitos que precisam ser inutilizados eficientemente.
A tortura, ao lado do terrorismo, permanece como um dos temas mais atuais e controversos nos meios diplomáticos e militares e comporta numerosos aspectos das relações humanas que podem ser resumidos, basicamente, em torno de duas grandes questões: a tortura é eficiente? É moralmente justificável?
Durante a guerra argelina, a FLN mandava seus militantes, em caso de captura, aguentarem o martírio, pelo menos nas primeiras 24 horas, para depois poder contar tudo o que os interrogadores queriam saber. A razão era que, nesse tempo, a FLN seria capaz de alterar seus planos, minimizando o impacto das revelações. Em outros casos, no entanto, o exército francês foi capaz de reunir informações preciosas sobre a organização, conseguindo deter vários de seus líderes.
Os franceses poderiam ter reunido uma gama de informações sigilosas sem recorrer à tortura? Quantos desses torturados simplesmente mentiram para cessar a dor? Não há nenhum dado confiável que nos possa esclarecer sobre isso. A questão da eficiência da tortura é extremamente difícil de precisar, já que não há dados confiáveis disponíveis a respeito de quantos terroristas foram torturados e quais informações fornecidas foram úteis para prevenir mortes.
Embora alguns agentes do FBI sustentem que a tortura é contra-producente e métodos menos brutais de interrogação são muito mais eficientes, os argumentos utilizados pelos militares franceses na Argélia estão de volta, só que agora na pena de eminentes intelectuais como Alan Dershowitz (2003). Para esse professor de Direito em Harvard, o uso de “tortura não-letal” poderia ser sancionado judicialmente para forçar um suspeito terrorista a fornecer informação que preveniria um ataque de grandes proporções.
Sem dúvida nenhuma o filme toca em uma das questões mais caras àquela ação política, que recomenda o uso de todos e quaisquer meios – notadamente o uso sem limites da violência – que se julguem adequados para conseguir finalidades supremas. Tanto a especificação dos meios, como a justificativa das finalidades – seja do Estado, que se vê atacado, ou do guerrilheiro que se vê injustiçado – é feita com clara consciência da independência dos mesmos de toda e qualquer norma jurídica ou moral estabelecida. E o que é mais instigante: não se trata, deve-se ressaltar, de uma apologia da imoralidade, mas de reivindicar ações cujos valores fundamentais constituem o argumento central, seja para a manutenção da ordem e da segurança de seus cidadãos, no caso dos defensores da ordem, seja para a defesa da nação ocupada, na percepção dos guerrilheiros.
Entre o agir movido pela lógica do poder (cratos) e o obrar levado pela responsabilidade ética (ethos), incide-se a consideração do que é oportuno, útil e necessário para alcançar o valor supremo. Se o Estado pode atuar independentemente do direito, então por vezes há razões de sobra para justificar que, sob certas circunstâncias, pode até agir contra ele, fora dos limites determinados pelo estado de direito.
De outro lado, de acordo com Schmitt (1966), o guerrilheiro que deseja manter-se na esfera do político e não quer cair na vala comum do criminoso necessita de uma legitimação que não se elimina com a resolução de uma antítese simplista entre legalidade e legitimidade. Porque, neste caso, a legalidade demonstra sempre ter, por princípio, uma validade superior, por ser considerada mais “racional”. Sua legitimação deve vir da relativização do inimigo que combate.
O guerrilheiro que defende um pedaço de terra com a qual possui uma relação autóctone tem uma ação defensiva, apesar de sua pronunciada mobilidade tática. Quando o juiz eclesiástico perguntou a Joana D´Arc, diante do tribunal, se pretendia afirmar que Deus odiava os ingleses, ela respondeu: “Não sei se Deus ama ou odeia os ingleses. Só sei que devem ser expulsos da França”, resposta que poderia ser dada por todo e qualquer guerrilheiro comprometido com a defesa de seu solo nacional (Schmitt, 1966:110).
Qualquer que seja o argumento utilizado para legitimar o uso da violência, o debate permanece atual. Não se trata simplesmente de apartar a moral da política, mas de contrapor duas moralidades, duas formas distintas de se julgar a ação do político. Os homens deveriam atuar movidos por interesses de poder ou pela responsabilidade ética? Diante do dilema de se fazer essa escolha – que, convenhamos, torna-se cada vez mais presente nos dias de hoje –, A Batalha de Argel não nos dá nenhuma resposta conclusiva, mas nos mostra como a arte da política se assemelha, de certa forma, ao eterno trabalho a que foi condenado Sísifo, que, depois de seu esforço incansável em colocar a pedra no cume da montanha, tem seu sonho desfeito ao vê-la rolar novamente. Depois de muito percorrer os tortuosos caminhos da política e da justiça, voltamos sempre ao mesmo ponto de partida: cratos ou ethos?

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Vista Chinesa, Rio de Janeiro, Brasil


Vista Chinesa, Rio de Janeiro, Brasil
Rio de Janeiro - RJ
Fotografia - Cartão Postal


A Vista Chinesa é um mirante em estilo chinês localizado no bairro do Alto da Boa Vista, na cidade do Rio de Janeiro, no Brasil. É um importante ponto turístico da cidade. O monumento está localizado dentro da Floresta da Tijuca.
Desde 1856, o Jardim Botânico estava ligado ao Alto da Boa Vista por uma estrada carroçável, aberta por influência do Barão do Bom Retiro e cuja execução e manutenção foi contratada a Thomas Cochrane.
Registra a crônica da cidade que, nessa obra, foram empregados trabalhadores coolies trazidos de Macau, na China, para desenvolver a lavoura do arroz, mas que, não tendo demonstrado qualquer habilidade para a agricultura, foram aproveitados na construção da estrada.
Essa região apresenta uma assombrosa coincidência de presença chinesa, iniciada com a vinda de plantadores do chá na época de Dom João VI.
Depois do fracasso dessa lavoura, segundo Brasil Gerson, os chineses se teriam espalhado "pelas fraldas da Tijuca".
Em 1844, um mapa da área registrava uma edificação denominada "Casa dos Chinas". Provavelmente, um resquício dessa primitiva experiência.
Essa vocação provavelmente explica por que o prefeito Pereira Passos, em 1903, com projeto do arquiteto Luis Rei), edificou, em argamassa copiando o bambu, às margens dessa estrada, o pavilhão da Vista Chinesa.
Mais acima, na mesma Estrada da Vista Chinesa, um local preparado para servir como ponto de repouso nos frequentes passeios da família imperial ganhou o nome de Mesa do Imperador.
No Brasil, a cultura do chá teve início nos arredores da cidade do Rio de Janeiro.
Existem notícias de ter sido plantado em 1814, em vasta área da Ilha do Governador, na Fazenda Santa Cruz e no atual Jardim Botânico do Rio de Janeiro, tendo Dom João contratado, para isso, colonos chineses a fim de ensinarem o plantio e preparação do chá. Muitos deles, entretanto, abandonaram as plantações e passaram a ser vendedores ambulantes.
A Fazenda do Macaco de Amélia de Leuchtenberg, casa que ainda está no Jardim Botânico, teve cultivo de chá até 1890.
O nome "Vista Chinesa" tem origem nos agricultores dessa nacionalidade trazidos para o Rio de Janeiro em duas levas, na primeira metade do século XIX.
Inicialmente, foram cem os chineses que vieram da colônia portuguesa de Macau, importados em 1812 pelo Conde de Linhares, a mando de Dom João VI, com o objetivo de testar a receptividade do solo brasileiro para o cultivo do chá.
Os imigrantes, que, teoricamente, foram escolhidos por terem bastante experiência no assunto, estabeleceram-se, primeiramente, nas encostas da mata onde estão os fundos do Jardim Botânico. Ali, chegaram a plantar 6 000 pés de chá, erva que dava três safras por ano.
Após serem colhidas, as folhas eram colocadas em fornos de barro, onde eram postas a secar, sendo depois enroladas.
Era sonho do príncipe-regente repetir, no Brasil, o comércio exitoso entre Macau e a Europa, do qual, com a venda do chá, Portugal auferia considerável rendimento.
No princípio, houve certa euforia com o futuro da erva no Rio de Janeiro. Loccock nos conta que, logo após a chegada da família real, planejava-se suprir todo o mercado europeu com a produção carioca.
Também Ebel nos dá seu relato, datado de 1824, no qual afirma ter visto, nas encostas do Jardim Botânico, "vastas plantações de chá chinês, agora em floração".
Nesse sentido, é interessante o registro iconográfico executado por Rugendas em 1822, onde podem-se ver os chineses em pleno trabalho de plantio do chá, com bela vista da Lagoa Rodrigo de Freitas ao fundo.
Um pouco antes de 1817, Johann Baptiste von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius declararam ter o chá carioca aroma excelente, embora seu sabor não fosse dos melhores.
Esse desagradável paladar parece ter sido a razão que acabou obrigando o governo português a desistir de tentar produzir comercialmente o chá em terras brasileiras.
Outros autores, entretanto, afirmam que o insucesso deveu-se à falta de preparo, indolência e alto custo da mão de obra representada pelos chineses, que teriam sido mal-escolhidos em sua terra natal, não tendo vindo para cá um grupo de experientes agricultores, mas, como escreveu o historiador Oliveira Lima, "a ralé de Cantão".
Mais realista, entretanto, parece ser a explicação de Maria Graham nas folhas de seu Diário de Uma Viagem ao Brasil: "o imperador compreendeu ser mais vantajoso vender café (um produto sem concorrentes) e comprar chá do que obtê-lo com tais despesas (já que o chá era produzido a baixíssimo custo na China e Índia) e não continuou a plantação". Os chineses foram transferidos para a Fazenda Real de Santa Cruz onde fizeram outra tentativa, também falida.

Vista de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil

Vista de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil
Niterói - RJ
N. 168
Fotografia - Cartão Postal