Blog destinado a divulgar fotografias, pinturas, propagandas, cartões postais, cartazes, filmes, mapas, história, cultura, textos, opiniões, memórias, monumentos, estátuas, objetos, livros, carros, quadrinhos, humor, etc.
sexta-feira, 13 de setembro de 2019
A Batalha de Argel 1966 - La Battaglia di Algeri
A Batalha de Argel 1966 - La Battaglia di Algeri
Itália / Argélia - 121 minutos
Poster do filme
A Batalha de Argel (em italiano: La battaglia di Algeri) é um filme ítalo-argelino de 1966 dos gêneros "drama histórico" e "guerra", dirigido por Gillo Pontecorvo. O roteiro se baseia em fatos ocorridos no período de 1954-1962, quando o povo da Argélia lutou contra a ocupação colonialista francesa no país (Guerra da Argélia).
O filme enfoca os eventos ocorridos em Argel, a capital da Argélia, de novembro de 1954 até Dezembro de 1960. Durante a "Guerra da Independência Argelina", uma organização de nativos insurretos escondidos na populosa região da cidade de Argel conhecida por Casbah (cidadela), manteve um conflito contra as tropas de ocupação colonialista francesas (pied-noirs). Os dois lados trocaram atos de violência crescente. Em Argel, as tropas paramilitares lideradas pelo General Massu e o Coronel Bigeard confrontaram a FLN - Frente de Liberação Nacional. Os militares franceses se proclamaram vencedores da "batalha", neutralizando as lideranças dos revoltosos por intermédio de prisões e assassinatos.
O filme narra as táticas de ambos os lados, bem como os vários incidentes que se sucedem. É mostrado que as forças em conflito possuem em comum a realização de atrocidades cometidas contra civis. A FLN executa sumariamente nativos acusados de traição, bem como comete terrorismo contra os estrangeiros no país. As tropas colonialistas praticam tortura, intimidação e assassinatos.
O diretor Gillo Pontecorvo e o roteirista Franco Solinas escolheram não ter um protagonista no filme, havendo vários personagens e figurantes em conflito. O filme começa e termina sob o ponto de vista de Ali la Pointe (figura histórica real), interpretado por Brahim Hagiag. Ele é um criminoso radical que enquanto esteve na prisão foi recrutado pelo FLN, através do comandante El-hadi Jafar, uma versão fictícia de Saadi Yacef.
Outros personagens são um menino chamado Petit Omar, que serve como mensageiro da FLN; Larbi Ben M'hidi, um dos líderes da FLN, que é usado para mostrar o lado político-racional da revolução; Djamila Bouhired, Zohra Drif e Hassiba Benbouali, um trio de mulheres militantes da FLN que praticam um ataque terrorista de retaliação. Adicionalmente, o filme usa milhares de figurantes argelinos e muitas cenas de multidão; Pontecorvo utiliza o recurso de transformar em coral grego, vozes dos nativos da Casbah.
Pontecorvo escolheu coadjuvantes amadores entre os árabes argelinos, priorizando o aspecto dramático, o que levou a que muitos tivessem de ser dublados. O único ator profissional (oriundo do teatro) do filme foi Jean Martin, que interpreta o Coronel Mathieu; Ironicamente, Martin perdeu vários trabalhos posteriores em seu país, por ter lamentado as ações de seu governo na Argélia. Martin serviu como paramilitar num regimento durante a Guerra da Indochina bem como na Resistência Francesa antinazista, incluindo esses elementos autobiográficos na composição do seu personagem.
A batalha de Argel foi feito sob influência do Neorrealismo italiano, do cinéma vérité francês e do realismo socialista soviético, com movimentos de câmara revelando detalhes da vida simples do povo.
O filme foi inspirado nas narrativas de um dos comandantes da FLN, Saadi Yacef, e em suas memórias com o título de Souvenirs de la Bataille d'Alger. O livro de Yacef foi usado enquanto ele esteve prisioneiro dos franceses, como propaganda para elevar o moral dos militantes da FLN que continuaram a luta. Após a independência, Yacef foi libertado e fez parte do novo governo. O governo argelino resolveu fazer um filme das memórias de Yacef e graças ao membro exilado da FLN Salash Baazi, eles contataram o diretor italiano Gillo Pontecorvo e o roteirista Franco Solinas, quando então lhes apresentaram o projeto.
Num primeiro roteiro de Solinas, chamado Parà, era contada a história sob a perspectiva de um paramilitar francês desencantado, que Pontecorvo esperava ser interpretado por Paul Newman. Baazi rejeitou a ideia e Yacef escreveu seu próprio roteiro, desta feita descartado pelos italianos que não queriam mostrar só o lado dos nativos. Eles insistiram em contar a história sob um ponto de vista neutro, embora simpatizassem com o movimento de independência. Com o roteiro final, os argelinos são os protagonistas, mas não foi escondida a crueldade de ambos os lados.
Apesar de se basear em acontecimentos reais, foram mudados os nomes de alguns personagens e outros foram compostos com fins específicos na trama. O "Coronel Mathieu" é uma composição de vários soldados franceses que serviram na Argélia, em particular Jacques Massu. Acusado de "maquiar" o personagem dando-lhe uma aparência elegante e nobre, Solinas negou esta intenção, afirmando que a civilização ocidental não é deselegante e sem cultura.
Para o filme A batalha de Argel, Pontecorvo e o fotógrado Marcello Gatti optaram por realizá-lo em preto & branco e experimentaram várias técnicas de documentário.
Para ajudar na captura de um maior realismo, Pontecorvo e Solinas gastaram dois anos na Argélia procurando locações, especialmente em áreas referidas como sendo onde ocorreram os eventos. Tendo Saadi Yacef como guia, eles receberam noções da cultura e dos costumes dos nativos.
O filme venceu o Grande Prêmio do Festival de Veneza
Indicado a três Oscars: melhor roteiro original (Gillo Pontecorvo e Franco Solinas), melhor diretor (Gillo Pontecorvo) e melhor filme estrangeiro.
Outros prêmios: Prêmio Cidade de Veneza (1966); Críticos Internacionais (1966); Cidade de Ímola (1966); prêmio italiano Silver Ribbon (diretor, fotógrafo e produtor); Prêmio Ajace de cinema (1967); O italiano Golden Asphodel (1966); Diosa de Plata do festival de Acapulco (1966); o Golden Grolla (1966); o Prêmio Riccione Prize (1966); votado como "Melhor filme de 1967" pelos críticos cubanos da revista Cine; e o Prêmio das Igrejas Unidas da América, de 1967.
O lançamento do filme coincidiu com o período de descolonização e "guerras de libertação nacional", bem como do crescimento do radicalismo de esquerda em várias nações ocidentais, que incitavam a luta armada. O filme ganhou a reputação de ter inspirado a violência política; em particular as táticas de guerrilha urbana e terrorismo, que podem ter sido copiadas por movimentos como os Panteras Negras e o IRA - Provisional Irish Republican Army. A batalha de Argel foi apontada como o filme favorito de Andreas Baader.
Em uma das cenas polêmicas é descrito o funcionamento das célula terroristas, sob o nome de "Teoria da Pirâmide", que seria formada por inúmeros triângulos interligados. Este formato impede que aqueles que estão na base e que executam as ações, conheçam seus superiores.
Antonio Caggiano, arcebispo de Buenos Aires de 1959 a 1975, inaugurou com o Presidente Arturo Frondizi do partido da União Cívica Radical (UCR), o primeiro curso de contrarrevolução no Escola Superior Militar Argentina (Frondizi era apontado como "tolerante ao Comunismo"). Em 1963, os cadetes da infame Escola Superior de Mecânica da Armada (ESMA) começaram a receber aulas de combate às insurgências. Em um desses cursos, foi exibido o filme A Batalha de Argel. Caggiano apresentou o filme e o comentou destacando uma orientação de fundo religiosa. Anibal Acosta, um dos cadetes da ESMA em entrevista 35 anos após os eventos, ao jornalista francês Marie-Monique Robin, disse:
"Eles exibiram aquele filme para nos ensinar um tipo de guerra muito diferente da guerra convencional, que seria enfrentada pelos oriundos da Escola Naval. Eles queriam nos preparar para missões policiais contra a população civil, que se tornara então o nosso inimigo”.
Não há, praticamente, crítico de cinema nem jornalista de editoria internacional que não tenha escrito, ou ao menos não conheça o filme do italiano Gillo Pontecorvo, A Batalha de Argel (1966/Premio Leão de Veneza), um dos clássicos mais admirados do cinema político.
Do ponto de vista estrito, cinematográfico, o filme de Pontecorvo é obra prima de agilidade, ritmo, clareza e beleza plástica. É resultado da admirável fotografia rústica, preto-e-branco, utilizada propositadamente para sublinhar a natureza dos cine jornais da época, da trilha musical perfeita de Enio Morricone e do roteiro emocionante que equilibra diálogos esclarecedores para o leigo com as cenas e sequências memoráveis, das ações da Frente Nacional de Libertação da Argelia (a FLN) nas ruas, nos anos 50/60, e do povo árabe na luta para se libertar da opressão e da expropriação das suas terras. Uma colonização francesa que durou 130 anos.
Tão contundente, volta e meia a situação mostrada pelo filme é evocada como consequência do mundo Sykes-Picot*, o período histórico da década dos anos 30 do século vinte, no qual as grandes potências ocidentais, França e Inglaterra, decidiram, numa cruel e insolente ação entre amigos, dividir o Oriente árabe e a África entre si, ao bel prazer dos interesses econômicos das suas corporações.
Aí, a origem de todo tipo de terrorismo, seja de estado e das mais variadas formas de fundamentalismo, reconhecida, dez anos atrás, até por um ministro britânico reacionário, das Relações Exteriores, Jack Straw. Candidamente ele declarou: “Muitos dos problemas que estamos precisando resolver, hoje, são consequência do nosso passado colonial”.
La Batagllia dei Argeli mostra o confronto entre os árabes e as forças militares francesas. Entre elas, oito mil paraquedistas, os pará, com experiência na Indochina e na resistência aos nazistas, na Normandia e na Itália, como se vê no relato. Desembarcaram em Argel em 1957.
“Entre eles, as brigadas dos temíveis ‘leopardos’ que lutariam para manter a ‘França africana” – ou como diziam os generais enviados para lá: ‘Para proteger as pessoas e a propriedade privada’ – ou seja, as terras roubadas dos árabes – e para isolar e destruir a Frente Nacional de Libertação.
Mas a independência do país só ocorreu em 62. Apenas quatro anos depois, ainda sob o calor das lutas sangrentas, Pontecorvo fazia seu filme baseado no livro de Saadi Yacef, Lembranças da Argélia.
Robert Fisk, um dos mais respeitados jornalistas europeus, correspondente de experiência notável, que vive no Líbano e é um dos melhores conhecedores e analistas da história do mundo árabe, conta que quando ouviu as primeiras notícias sobre o massacre aos jornalistas do Charlie Hebdo, imediatamente murmurou para ele próprio: ”Argélia...” Horas depois foram divulgadas as identidades dos assassinos: os irmãos Chérif e Said Kouachi eram de origem argelina.
E mais: a pensar na idade da dupla, na casa dos 30 anos, deveriam ser filhos de cidadãos que presenciaram ou participaram das ferozes lutas pela independência argelina relatadas no filme, quando o terrorismo de ambas as partes era usado como recurso de dissuasão. Os pais dos Chérife poderiam, talvez, ter imigrado para a França por volta dessa época. Pouco ou nada se conhece sobre a origem mais remota dos dois, exceto informações sobre a infância em um orfanato francês.
Parece, realmente, que uma ferida não fecha, 53 anos depois da independência do país do norte da África, entre a França e a Argélia, como aponta Fisk. Um fantasma ronda, relembrando o terror continuado das bombas carregadas em suas sacolas pelas mulheres árabes da Casbah de Argel e detonadas nos cafés franceses do bairro europeu - onde se dançava cumbias ao som das juke Box - e o terror de milícias e militares, até nas ruas de Paris não só contra argelinos, mas contra os árabes em geral.
Os alvos, às vezes, eram marroquinos, caso do célebre episódio em que o dirigente de esquerda Ben Barka foi sequestrado, anos depois, já em 65, defronte de um cinema, em pleno dia, no Boulevard Saint Germain. Depois, foi assassinado. O corpo nunca foi encontrado. O atentado é atribuído aos agentes secretos franceses com a colaboração do Mossad e da CIA.
O vigor de A Batalha de Argel é tal que, através dele, as lembranças emergem.
O filme se inicia em 1954, primeiros tempos da organização da FLN entre os moradores da Casbah. Mostra como ela ocorreu. O uso do álcool e das drogas era usado livremente e estimulado pelos colonizadores para controlar melhor a população dos 400 mil cidadãos árabes da cidade. Mesma estratégia usada pelos ingleses com as populações chinesas e seus vizinhos durante a Guerra do Ópio.
Sete atentados por dia era o saldo da violência na capital argelina. Bombas explodiam as residências de prisioneiros com suas famílias dormindo dentro delas. Cercos policiais montados com check points faziam a vida miserável no bairro transformado em gueto. Começava a chamada Operação Champanha. Em resposta, os da FLN retaliavam, fuzilavam e esfaqueavam policiais. Muitos dos apanhados eram guilhotinados.
Pouco a pouco os árabes promovem uma limpeza entre habitantes da Casbah. Nesta segunda parte do filme, vemos como se formando forte e organizada resistência e consciência política.
Alguns aspectos, sempre oportunos, são sublinhados no filme de Pontecorvo:
- O voto da ONU pela não-intervenção de forças de paz na Argélia. A guerra se prolongava e se tornava uma chacina. Discutiu-se a questão argelina e votou-se a favor dos franceses.
- A importância do papel da imprensa de Paris escondendo ou deturpando fatos que não eram de interesse do governo francês divulgar. “Muito depende do que vocês escreverem”, dizia o coronel Mathieu, o insolente comandante dos paraquedistas, nome fictício para o general Jacques Massu** (de triste memória), nas muitas entrevistas coletivas convocadas, se referindo à vitória. “Escrevam bem,” ele exortava. No dia seguinte as manchetes dos jornais franceses diziam: “Tudo calmo no bairro muçulmano.” Era mentira. Mathieu/Massu declarava: ”A palavra tortura não consta das nossas ordens...”
- As técnicas sistematizadas de torturas de prisioneiros depois exportadas para os Estados Unidos, América do Sul e para o Brasil. Afogamentos, choques elétricos, queimaduras com maçaricos, pau-de-arara. Torturas promovidas nas residências dos árabes sob as vistas das famílias.
- E a sequência final de A Batalha de Argel com cenas antológicas de rebelião popular. Desde 11 de dezembro de 1960 até o dia 29 do mesmo mês a população árabe não deixou as ruas embora muitos tenham sido metralhados e esmagados pelos tanques. Milhares de bandeiras do país, com o símbolo da meia lua e da estrela foram feitas de retalhos, trapos, com qualquer pedaço de pano encontrado. “Tudo virou bandeira!” anunciavam os cine jornais e as emissões de rádio. Agitadas na brisa marinha do céu da Casbah e, depois, de toda a cidade, elas são uma visão emocionante no filme.
Em 1962, foi, enfim, dada a resposta à pergunta que Mathieu/Massu costumava fazer aos jornalistas nas arrogantes entrevistas em que negava praticar a tortura: “A FLN quer nos ver fora da Argélia e nós queremos ficar. E vocês?” Os franceses tiveram que sair.
Robert Fisk pode ter mesmo razão: há ainda contas a ajustar entre a França e a Argélia? Quanto permanece de ressentimento pelo passado violento para ambas as partes? Entre os pieds noirs,*** obrigados a devolver as terras que tinham sido confiscadas aos árabes e retornar à Europa, e os habitantes do interior, das montanhas argelinas, e os da Casbah de Argel que se viram obrigados a imigrar?
*Os diplomatas Mark Sykes e François Georges-Picot arquitetaram um ‘novo’ Oriente Médio, depois da I Guerra Mundial, desenhando linhas arbitrárias de fronteiras e criando vários países árabes que não existiam antes. Ver aventuras de T. E. Lawrence, o Lawrence da Arábia.
**Massu declarou ao Le Monde em 2000: “ O mais duro de suportar foi o fato de meu nome ficar para sempre associado à tortura.” Ficou.
***Descendentes de colonos europeus, em particular de franceses, que regressaram aos seus países depois das guerras de independência do norte da África.
O ex-assessor norte-americano para assuntos de Segurança Nacional e pensador influente da política externa dos EUA, Zbigniew Brzezinski, afirmou em 2005 que, se quiséssemos realmente entender o que estava acontecendo no Iraque, deveríamos assistir ao filme A Batalha de Argel. O recado se fez ouvir nos corredores do Pentágono, onde a exibição do filme contou com uma audiência de aproximadamente quarenta oficiais, que foram estimulados a avaliar e a debater os assuntos centrais do filme, como as vantagens e os custos de se recorrer à tortura e a outras formas de intimidação para desvendar os planos de um inimigo que se camufla na multidão.
Os convidados receberam o convite com o seguinte comunicado: “Como ganhar uma batalha contra o terrorismo e perder a guerra das ideias. As crianças alvejam os soldados, mulheres plantam bombas em bares e, gradualmente, a população inteira protesta fervorosamente. Soa familiar? Os franceses têm um plano. Prosperam taticamente, mas fracassam estrategicamente. Venha assistir a exibição desse filme e saiba o porquê” (Kaufman, 2003).
Produzido em 1965, no contexto das guerras de libertação na África, a temática da insurgência urbana e a violência perpetrada pelos insurgentes e torturadores é abordada de tal forma que faz com que o filme seja sempre atual, pois poderíamos ainda utilizá-lo para compreender a presente intervenção francesa no Mali, as revoltas árabes e os conflitos na Palestina, no Afeganistão, no Sudão e outros tantos do mesmo tipo. Filmado em preto-e-branco, com atores argelinos e franceses desconhecidos, recriando cenas e figuras históricas em locais de batalhas reais com técnica utilizada pelos cineastas neo-realistas, o diretor italiano Gillo Pontecorvo nos induz a pensar que se trata de um documentário.
A Batalha de Argel retrata os conflitos em Argel (1954-1957) entre a FLN (Frente de Libertação Nacional) e o exército francês. A primeira parte do filme mostra a campanha de terror desencadeada pela FLN contra o domínio colonial francês em torno do personagem Ali La Pointe, mostrando sua gradual conversão à guerrilha urbana. Já a segunda metade focaliza a reação do exército francês, que consiste principalmente em uma campanha de tortura e assassinatos comandados pelo coronel Mathieu. As ações terroristas vão se intensificando e ampliando seus alvos à medida que a repressão se torna mais eficiente, passando dos assassinatos de policiais às bombas em restaurantes, bares e clubes frequentados por jovens franceses. Mas igualmente ilustrativas são as imagens da repressão colonial, do racismo francês e do desprezo pelos árabes isolados na Casbah (bairro popular da capital argelina).
O filme não idealiza terroristas, não demoniza os franceses, nem exalta a violência em nome de algum tipo de revolução ou justificativa de qualquer ordem; em vez disso, o diretor examina a fundo os motivos, justificativas e contradições de todos os beligerantes. Os combatentes não escolhem seus alvos, ambos os lados se atacam indiscriminadamente e fornecem argumentos racionais para provar que estão no lado justo. Não há heróis nem vítimas inocentes. As crianças são cúmplices dos atentados, as mulheres plantam bombas em bares, os franceses atiram nas multidões, soldados brutalizam seus prisioneiros e o exército arrasa edifícios, matando civis inocentes.
Ali La Pointe encarna a figura do oponente irascível, ladrão e cafetão. É recrutado pela FLN e torna-se um guerrilheiro profissional, um líder revolucionário. Seu olhar ameaçador revela o próprio sofrimento e cólera dos árabes oprimidos diariamente pelos pieds-noirs (que, em francês, significa, literalmente, “pés-negros” e é um termo usado para descrever a população francesa que vivia na Argélia e que se repatriou na França depois de 1962, ano em que a Argélia se tornou independente).
O personagem procura expulsar a ocupação a todo custo, disposto a matar ou mesmo morrer pela causa. É isso que faz com que o seu destino seja trágico, culminando com sua morte (suicídio?), diferentemente do militante marxista El-hadi Jaffar, que negocia a rendição preservando sua vida.
Já a figura do coronel Mathieu foi inspirada na vida do general Massu, considerado pelos soldados franceses a personificação da tradição militar francesa. Herói militar da Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial, que também esteve presente na derrota da França na Indochina, Massu, em 1971, publica o livro A Batalha de Argel, que ficou proibido durante muitos anos na França. Nele, justificava a tortura como “uma cruel necessidade”. Dizia Massu: “Penso que, na maioria dos casos, os militares franceses foram obrigados a usá-la para vencer o terrorismo”.
No filme, durante uma conferência de imprensa, o coronel Mathieu, desafiador, volta-se aos repórteres franceses com uma pergunta: “A França deve permanecer na Argélia? Se vocês responderem que sim, então devem obrigatoriamente aceitar todas as conseqüências”. Mathieu dizia-se intrigado com a incoerência dos jornalistas quando o elogiavam por seus êxitos, ao mesmo tempo em que manifestavam reservas sobre seus métodos. “Os êxitos obtidos [explica o coronel, em tom professoral] são os resultados desses métodos. Um pressupõe o outro e vice-versa”. A dura afirmação de Mathieu expõe de forma cruel a verdade que se esconde por trás de uma máxima frequentemente repetida há séculos por vários pensadores das mais diversas correntes teóricas: quem quer os fins quer os meios.
Na verdade, por trás do que se convencionou chamar “guerra de baixa intensidade”, esconde-se uma enorme frustração e tentações terríveis: a dificuldade frustrante de encontrar e deter um inimigo que pode ser qualquer um e em qualquer lugar, além da tentação de se recorrer à tortura para extrair informações detalhadas de prisioneiros ou suspeitos que precisam ser inutilizados eficientemente.
A tortura, ao lado do terrorismo, permanece como um dos temas mais atuais e controversos nos meios diplomáticos e militares e comporta numerosos aspectos das relações humanas que podem ser resumidos, basicamente, em torno de duas grandes questões: a tortura é eficiente? É moralmente justificável?
Durante a guerra argelina, a FLN mandava seus militantes, em caso de captura, aguentarem o martírio, pelo menos nas primeiras 24 horas, para depois poder contar tudo o que os interrogadores queriam saber. A razão era que, nesse tempo, a FLN seria capaz de alterar seus planos, minimizando o impacto das revelações. Em outros casos, no entanto, o exército francês foi capaz de reunir informações preciosas sobre a organização, conseguindo deter vários de seus líderes.
Os franceses poderiam ter reunido uma gama de informações sigilosas sem recorrer à tortura? Quantos desses torturados simplesmente mentiram para cessar a dor? Não há nenhum dado confiável que nos possa esclarecer sobre isso. A questão da eficiência da tortura é extremamente difícil de precisar, já que não há dados confiáveis disponíveis a respeito de quantos terroristas foram torturados e quais informações fornecidas foram úteis para prevenir mortes.
Embora alguns agentes do FBI sustentem que a tortura é contra-producente e métodos menos brutais de interrogação são muito mais eficientes, os argumentos utilizados pelos militares franceses na Argélia estão de volta, só que agora na pena de eminentes intelectuais como Alan Dershowitz (2003). Para esse professor de Direito em Harvard, o uso de “tortura não-letal” poderia ser sancionado judicialmente para forçar um suspeito terrorista a fornecer informação que preveniria um ataque de grandes proporções.
Sem dúvida nenhuma o filme toca em uma das questões mais caras àquela ação política, que recomenda o uso de todos e quaisquer meios – notadamente o uso sem limites da violência – que se julguem adequados para conseguir finalidades supremas. Tanto a especificação dos meios, como a justificativa das finalidades – seja do Estado, que se vê atacado, ou do guerrilheiro que se vê injustiçado – é feita com clara consciência da independência dos mesmos de toda e qualquer norma jurídica ou moral estabelecida. E o que é mais instigante: não se trata, deve-se ressaltar, de uma apologia da imoralidade, mas de reivindicar ações cujos valores fundamentais constituem o argumento central, seja para a manutenção da ordem e da segurança de seus cidadãos, no caso dos defensores da ordem, seja para a defesa da nação ocupada, na percepção dos guerrilheiros.
Entre o agir movido pela lógica do poder (cratos) e o obrar levado pela responsabilidade ética (ethos), incide-se a consideração do que é oportuno, útil e necessário para alcançar o valor supremo. Se o Estado pode atuar independentemente do direito, então por vezes há razões de sobra para justificar que, sob certas circunstâncias, pode até agir contra ele, fora dos limites determinados pelo estado de direito.
De outro lado, de acordo com Schmitt (1966), o guerrilheiro que deseja manter-se na esfera do político e não quer cair na vala comum do criminoso necessita de uma legitimação que não se elimina com a resolução de uma antítese simplista entre legalidade e legitimidade. Porque, neste caso, a legalidade demonstra sempre ter, por princípio, uma validade superior, por ser considerada mais “racional”. Sua legitimação deve vir da relativização do inimigo que combate.
O guerrilheiro que defende um pedaço de terra com a qual possui uma relação autóctone tem uma ação defensiva, apesar de sua pronunciada mobilidade tática. Quando o juiz eclesiástico perguntou a Joana D´Arc, diante do tribunal, se pretendia afirmar que Deus odiava os ingleses, ela respondeu: “Não sei se Deus ama ou odeia os ingleses. Só sei que devem ser expulsos da França”, resposta que poderia ser dada por todo e qualquer guerrilheiro comprometido com a defesa de seu solo nacional (Schmitt, 1966:110).
Qualquer que seja o argumento utilizado para legitimar o uso da violência, o debate permanece atual. Não se trata simplesmente de apartar a moral da política, mas de contrapor duas moralidades, duas formas distintas de se julgar a ação do político. Os homens deveriam atuar movidos por interesses de poder ou pela responsabilidade ética? Diante do dilema de se fazer essa escolha – que, convenhamos, torna-se cada vez mais presente nos dias de hoje –, A Batalha de Argel não nos dá nenhuma resposta conclusiva, mas nos mostra como a arte da política se assemelha, de certa forma, ao eterno trabalho a que foi condenado Sísifo, que, depois de seu esforço incansável em colocar a pedra no cume da montanha, tem seu sonho desfeito ao vê-la rolar novamente. Depois de muito percorrer os tortuosos caminhos da política e da justiça, voltamos sempre ao mesmo ponto de partida: cratos ou ethos?
Assinar:
Postar comentários (Atom)








Nenhum comentário:
Postar um comentário