sábado, 10 de abril de 2021

Viagem à Lua 1902 - Le Voyage dans la Lune

 















Viagem à Lua 1902 - Le Voyage dans la Lune
França - 13 minutos
Poster do filme

Georges Méliès queria ter sido pintor, mas o pai não apoiou a ideia. Antes de se tornar o grande cineasta que foi, trabalhou na fábrica da família e construiu carreira nos palcos, como mágico ilusionista. Esteve presente no Salon Indien du Grand Café, em 28 de dezembro de 1895, quando os Irmãos Lumière exibiram seus primeiros curtas. Ofereceu dez mil francos aos Lumière pelas câmeras do cinematógrafo, oferta de pronto recusada pela dupla (que já havia recusado ofertas bem maiores do Museu de Cera de Paris – Musée Grévin – e até do Folies Bergère). Não podendo ter o cinematógrafo, Méliès foi a Londres e comprou um Teatógrafo (ou Animatógrafo) de Robert William Paul, eletricista e fabricante britânico de aparelhos ópticos, que também se tornou cineasta; máquina semelhante ao da famosa dupla francesa. E com este aparelho, o mágico, o inventor e o frustrado pintor em Méliès ganhou asas e criou alguns dos mais divertidos, aterrorizantes e fantásticos sonhos que o Primeiro Cinema conheceu.
As atividades de Méliès como diretor começaram em 1896, ano em que dirigiu nada menos que 81 curtas-metragens, dentre obras de ficção e pequenos documentários, panorâmicas simples e cenas do cotidiano. A partir desse momento, ele tentou aplicar suas técnicas de mágica, ilusionismo e tendências teatrais ao espetáculo cinematográfico, uma arte ainda sem identidade e em fervorosa construção. Ele aprendeu a fazer truncagens, stop motions e aplicar efeitos especiais, tornando-se um pioneiro do cinema em vários aspectos e legando para os cinéfilos de séculos depois a sua imaginativa forma de ver o mundo.
Viagem à Lua (1902) é o mais importante dos filmes de Méliès, embora não seja, necessariamente, o seu melhor filme. O curta é uma adaptação do livro Da Terra à Lua (1865), de Julio Verne e também de Os Primeiros Homens na Lua (1901), de H. G. Wells. A trama se inicia em Paris, no Clube de Astronomia, onde o professor Barbenfouillis propõe ao renomado grupo que invistam em uma viagem à Lua, algo que não agrada a maioria e gera, claro, uma confusão com direito a coisas sendo jogadas no pobre professor (interpretado pelo próprio Méliès). Apenas cinco astrônomos –- Nostradamus, Alcofrisbas, Omega, Micromegas e Parafaragaramus -– concordam em realizar a ousada viagem. Então a mágica e as estranhezas típicas do Primeiro Cinema e deste tipo de filme começam a acontecer.
Quando eu falo “estranhezas”, não interprete como uma acusação negativa. Estou usando a palavra no sentido mais natural possível, com o fato de ser estranho vermos o que acontece a partir do momento em que as preparações para a viagem se dá. A mistura de cenários reais, cenários pintados e objetos construídos no estúdio de Méliès –- com muitos protótipos para os atores esculpidos em terracota e elementos do cenário que misturavam vários tipos e tratamentos de papel, madeira e chapas leves de metal –- o curta é claramente resultado de um grande esforço para parecer supra-realista dentro do seu gênero –- com licenças científicas como o fato de os astrônomos não utilizarem nenhum traje espacial na Lua –- e ao mesmo tempo não se importa em exagerar nas interpretações ou na sequência de acontecimentos, caraterísticas comuns do cinema daquele momento.
Com ampla exploração das técnicas que tinha desenvolvido até o momento e observação atenta para realizações cinematográficas dos Estados Unidos a que tinha cesso, Méliès conseguiu um resultado deliciosamente satírico de temas científicos que, guardados os avanços tecnológicos e o estabelecimento de uma linguagem cinematográfica, são utilizados até hoje. Além disso, o longa tem uma daqueles cenas absolutamente inesquecíveis da Sétima Arte, a chegada da cápsula dos astrônomos à Lua. O satélite é mostrado com face antropomorfizada e dá língua para a tela quando é atingido, sem necessariamente demonstrar dor. A aproximação por cortes bruscos e a súbita chegada da cápsula são parte de um trabalho que diverte, encanta e segue misturando grande número de espaços e personagens curiosos, como os cogumelos lunares, os Selenitas (habitantes da Lua, assim denominados em homenagem à deusa grega da Lua, Selene) e o fundo do mar, onde a cápsula cai após a fuga dos astrônomos do palácio dos Selenitas — indicação de Méliès contra a colonização?
Em 1993 foi encontrado, na Espanha, uma cópia do filme colorizada a mão. Acredita-se que o trabalho tenha sido feito apenas em 1906. De 1999 a 2011 foi realizado um longo e penoso processo de restauração, que terminou com a exibição do filme restaurado no Festival de Cannes, em 2011, e com o seu lançamento em Blu-Ray, no ano seguinte. Mais um novo capítulo – e não necessariamente o último – é escrito na história de um dos primeiros filmes de ficção científica do cinema. Viagem à Lua é uma daquelas grandes obras que atravessam gerações, avanços e modelos de sociedade mas permanecem vivas e seguem causando grande admiração em quem as vê.



Propaganda "Caminhão Basculante FNM Para Serviço Pesado", Fábrica Nacional de Motores FNM, Brasil


 

Propaganda "Caminhão Basculante FNM Para Serviço Pesado", Fábrica Nacional de Motores FNM, Brasil
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Porta Pia, Circa 1920, Roma, Itália


 

Porta Pia, Circa 1920, Roma, Itália
Roma - Itália
Fotografia

Uma Chácara nos Arrabaldes de Belém, Pará, Brasil - George Huebner


 

Uma Chácara nos Arrabaldes de Belém, Pará, Brasil - George Huebner
Belém - PA
Fotografia - Cartão Postal

Anhangabaú, Circa 1927, São Paulo, Brasil

 


Anhangabaú, Circa 1927, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia - Cartão Postal

Dois dos três Palacetes Prates e o Viaduto do Chá.
O destaque fica por conta do horizonte da Cidade e da beleza dos Jardins do Anhangabaú.
No canto esquerdo parte do Prédio Sampaio Moreira.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Elevador Lacerda, Salvador, Bahia, Brasil


 

Elevador Lacerda, Salvador, Bahia, Brasil
Salvador - BA
N. 38
Fotografia - Cartão Postal

Palácio de Schönbrunn, Viena, Áustria


 

Palácio de Schönbrunn, Viena, Áustria
Viena - Áustria
Fotografia

Chevrolet Opala Coupe Standard 1980, Brasil

 


















Chevrolet Opala Coupe Standard 1980, Brasil
Fotografia

BMW M3, Alemanha

 














BMW M3, Alemanha
Fotografia

Trinta e cinco anos depois do lançamento do modelo original, o BMW M3 continua evoluindo e, nesta sexta geração, eleva ainda mais seus padrões de comportamento dinâmico e de desempenho. A boa notícia é que seu lançamento no Brasil já está marcado para maio e os preços estão definidos: R$ 757.950 na versão Competition e R$ 849.950 para a Competition Track.
Os valores valem para as unidades dos primeiros lotes. As demais unidades importadas poderão ser customizados e feitos também sob encomenda. Nós já andamos na versão Competition e contamos tudo a seguir.
Antes de mais nada é preciso entender que o novo modelo existe como M3 (quatro portas) e M4 (cupê, duas portas) e com dois níveis de potência (480 e 510 cv). O mais fraco tem câmbio manual e o mais potente é o Competition, que só pode estar equipado com o câmbio automático de oito velocidades. E, tal como o atual M5, existe com tração apenas traseira ou nas quatro rodas (xDrive).
Pode culpar a tração 4×4 inédita pelo uso do câmbio automático com conversor de torque, em vez do de dupla embreagem usado no antecessor.
Visualmente, o M3 Competition mostrado aqui e que chegará ao Brasil, ficou mais agressivo, com a nova enorme grade vertical (sem moldura) de efeito polarizador (ou você ama ou odeia), grandes entradas de ar e vincos criteriosamente espalhados pela carroceria, teto de fibra de carbono, soleiras das portas alargadas, aerofólio e difusor traseiro com ponteiras de escapamento de 10 cm de diâmetro cada, e rodas de alumínio forjado de 19” (em pneus 275/40) na frente e 20” (285/35) atrás.
Além da agressividade do design, outra coisa evidente é que o carro cresceu bastante, tanto em relação ao M3 anterior (12,2 cm mais comprido) como diante do Série 3 atual sobre o qual foi desenvolvido (8,5 cm mais comprido e 7,5 cm mais largo).
O que não é um bom sinal para um carro superesportivo porque quase sempre isso vem acompanhado do acréscimo de peso, como acontece aqui também: o M3 “não competition” (para poder ser diretamente comparável) pesa mais 170 kg do que o modelo anterior.
O coração do M3 Competition é o motor 3.0 de seis cilindros em linha, com dois turbos, aqui com 510 cv e 66,3 kgfm, o que significa que ele iguala a potência de seus principais rivais: Alfa Romeo Giulia Quadrifoglio e Mercedes-AMG C 63S, que conseguem aceleração de 0 a 100 km/h semelhante à do BMW (3,9 s), mas destacando-se o carro italiano pela sua velocidade máxima de 307 km/h (enquanto os dois alemães batem nos 290 km/h).
O chassis foi reforçado para aumento da rigidez torsional. Foi colocada uma barra unindo as torres de suspensão dianteira, o subchassis dianteiro é de alumínio, o traseiro ganhou uma ligação rígida à carroceria e vários reforços foram adicionados à estrutura.
Os freios a disco ventilado, nas quatro rodas, que podem ser cerâmicos, têm servofreio elétrico, o que permite uma melhor integração com os sistemas eletrônicos de assistência ao motorista, a manutenção do tato do pedal independentemente da temperatura do sistema e dois níveis de assistência sentida no pedal no momento da frenagem (Comfort e Sport).
Além da regulagem dos freios, outros sistemas também possibilitam afinar o M3 Competition de acordo com o gosto e as habilidades do motorista. O M3 tem ajuste da dureza dos amortecedores, da direção e do controle de tração (em dez diferentes níveis), este último fazendo parte do equipamento opcional M Drive Professional, que também conta com monitor para analisar todos os dados da dinâmica e dos tempos por volta, em ambiente de circuito de corrida.
Esses ajustes podem ser selecionados apertando o botão no console para uma parametrização individual ou a partir de programas predefinidos – Comfort, Efficient, Sport e Sport Plus.
Ainda no campo da personalização, o novo botão M Mode varia o funcionamento dos sistemas de assistência e também a apresentação da instrumentação e do (opcional) head-up display (informação projetada no para-brisa), de acordo com os modos Road, Sport e Track. Este último apenas está disponível com o sistema M Drive Professional.
O painel de instrumentos (digital, configurável e cheio de gráficos) é de 10,25”, a tela multimídia tem 12,2” e há elementos do mundo das corridas por todo lado (volante – de aro grosso – com botões vermelhos, bancos concha com estrutura de fibra de carbono, encostos de cabeça integrados e couro perfurado).
Dificilmente haveria lugar melhor para testar o novo M3 Competition do que na Alemanha.
Por um lado, muitos trechos de autoestrada não têm limite de velocidade e, por outro, o programa previa uma ida ao circuito que a BMW usa para sua Academia de Motoristas.
No ambiente urbano, nota-se que o M3 é uma fera pouco amansada, com respostas agressivas do motor, mesmo estando emparelhado com o câmbio automático com conversor de torque, que é sempre mais suave do que o de dupla embreagem.
Mas até que tem sentido, porque quem quiser um carro mais tranquilo não compra um BMW, muito menos um M e muito menos um Competition. Essa conclusão é reforçada com o tipo de conforto de rolamento bastante comprometido em asfaltos irregulares, mesmo no programa de dirigir que deixa o amortecimento mais suave.
Em zonas de estrada mais sinuosas é quando se percebe que o M3 é um carro menos ágil do que gerações anteriores o foram – culpa do peso e do tamanho bastante inflacionados. O lado bom é que a carroceria quase não se inclina em curva e a rigidez do M3 Competition é fora de série.
Já em uma pista fechada, a combinação das respostas do motor tão poderosas quanto lineares (ajudadas pelo câmbio rápido e com muito boa capacidade de entendimento do que o motor está “pedindo”) com o sofisticado chassis e os competentes freios elevam a qualidade dinâmica do novo M3 para territórios muito exclusivos.
Este é o cenário ideal para experimentar as diferentes (10) atitudes do controle de tração/estabilidade, variando de muito prudente ao muito tolerante, permitindo que o motorista provoque uma derrapagem controlada, por exemplo, sem fazer intervenções. Cabe ao motorista escolher o que mais lhe convém em função das suas aptidões/experiência ao volante.
Seja como for, a confiança fica em alta pela facilidade de inserção do carro em curva e pela rápida e precisa resposta da direção que, com a ajuda do diferencial autoblocante traseiro, proporcionam momentos de fortes mas seguras emoções ao volante.
Assim como na Europa, no Brasil o comprador poderá personalizar o M3 variando cores e materiais de acabamento por dentro e por fora, além da instalação de equipamentos.
Você pode até estranhar a grade dianteira. Mas, ao volante, este é o M3 mais impressionante de todos os tempos.

O Jogo que Deu a Pelé o Título de "Rei" em Crônica de Nelson Rodrigues, Brasil - Artigo


 

O Jogo que Deu a Pelé o Título de "Rei" em Crônica de Nelson Rodrigues, Brasil - Artigo
Artigo




No dia 26 de fevereiro de 1958, Santos e América-RJ se enfrentaram pela primeira rodada do Torneio Rio-São Paulo. O clube santista venceu o time carioca por 5 a 3. Dos cinco gols do Santos, quatro foram marcados por Pelé. "Sozinho, liquidou a partida, monopolizou o placar", declarou o jornalista Nelson Rodrigues (1912-1980). Presente no Maracanã, o autor de À sombra das chuteiras imortais (1998) gostou tanto da atuação do rapaz, então com 17 anos, que lhe dedicou uma crônica inteirinha: A realeza de Pelé.
Era a primeira vez, assinala o jornalista Ruy Castro na biografia O anjo pornográfico (1992), que Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, que faz 80 anos nesta sexta-feira (23/10), era chamado de "rei do futebol".
"Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável — a de se sentir rei, da cabeça aos pés", escreveu Nelson na crônica publicada na revista Manchete Esportiva, do dia 8 de março de 1958. "Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento".
Dos quatro gols que Pelé meteu no goleiro Pompeia, um deles chamou a atenção do cronista. Aquele em que o craque, antes de encaçapar a bola, dribla o primeiro, entorta o segundo e corta o terceiro zagueiro. "Até que chegou um momento em que não havia mais ninguém para driblar. Não existia uma defesa. Ou por outra: a defesa estava indefesa", graceja.
Na crônica, Nelson confessa ter tomado um susto ao descobrir a idade de Pelé: "Dezessete anos! É um menino, um garoto. Se quisesse entrar num filme da Brigitte Bardot, seria barrado", escreveu na coluna de janeiro de 1959. "Mas, reparem: é um gênio indubitável! Pelé podia virar-se para Michelangelo, Homero ou Dante e cumprimentá-los com íntima efusão: Como vai, colega?".
Para descrever o que viu naquela noite de quarta-feira, Nelson abusou dos adjetivos: "grande", "perfeito", "fabuloso", "imbatível", "incomparável'... Ao seu lado na arquibancada, um torcedor americano também não economizava palavras: "Vá jogar bem assim no diabo que o carregue!".
Três meses depois da publicação da profética crônica, a primeira a chamar Pelé de rei, o craque e a seleção brasileira de futebol foram coroados campeões do mundo na Copa do Mundo da Suécia.
Em 1975, quando o craque já vestia a camisa do Cosmos, Nelson declarou: "Perguntem a qualquer zebra de Jardim Zoológico: 'Qual é o maior jogador do mundo?'. Todas as zebras dirão, numa cálida unanimidade: 'Pelé'". E concluiu: "Do esquimó ao chinês, do russo ao alemão, do patagônio ao egípcio, todos acham que Pelé realmente é o grande craque do presente, do passado e do futuro".
O jornalista e escritor pernambucano Nelson Rodrigues não foi o único a tecer elogios ao talento de Pelé. Ao longo das décadas, outros autores, de diferentes estilos e gerações, escreveram contos, poemas e até romances, prestando homenagem ao "jogador mais completo que já existiu", como diria Ruy Castro. Do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade ("O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como Pelé"), autor de Quando é dia de futebol (2014), ao cronista gaúcho Luís Fernando Veríssimo ("Pelé era bom até amarrando a chuteira"), de Time dos sonhos - Paixão, poesia e futebol (2010).
Todo craque das letras tem seu lance favorito. O do escritor mineiro Mário Prata, autor de Paris, 98! (2005), sobre a Copa do Mundo da França, é "totalmente desconhecido". Pelé devia ter 12 anos e jogava no Baquinho, o time infantil de Bauru, clube do interior de São Paulo onde o garoto deu seus primeiros dribles. Em um jogo, relata Prata, Pelé recebeu a bola de costas para o gol adversário e, sem olhar para trás, deu de calcanhar nela. Conclusão? A bola foi no ângulo. No intervalo, o técnico deu uma bronca daquelas no moleque: 'Ó, meu, você não precisava ter feito aquilo. A chance de errar era grande. Tinha espaço para virar e chutar de frente'. Pelé respondeu: 'O senhor tem razão. Eu não estava vendo o gol deles. Mas estava vendo o nosso'", reproduz Mário Prata.
O lance predileto do escritor paulista Ignácio de Loyola Brandão, autor de É gol, incluído na antologia 22 contistas em campo (2006), foi o gol que Pelé marcou no Estádio do Juventus, na Rua Javari, em São Paulo, no dia 2 de agosto de 1959. O jogo terminou em goleada: 4 a 0 para o Santos. "Nunca vi um gol tão narrado, descrito, comentado, discutido, aplaudido, idolatrado, mitificado. Não vi aquele gol. Mas todos viram. O estádio tem capacidade para quatro mil torcedores. Porém, naquela tarde, devem ter estado ali cerca de 200 mil. Mais do que o Maracanã, em 1950", ironiza.
O escritor amazonense Milton Hatoum também cita um gol como sua jogada magistral do rei do futebol. "Pelé fez dezenas de gols incríveis. Um dos mais belos foi o que fez contra a Suécia", elege, voltando no tempo até a Copa de 1958. Ele próprio narra a jogada: um jogador faz um longo cruzamento para a área. Pelé domina a bola, dá um chapéu num zagueiro e, sem deixar a bola tocar no gramado, chuta no canto direito do goleiro. "Um gol histórico", define. "Infelizmente, o Brasil não celebra seus verdadeiros mitos e heróis".
Já o jornalista paulista Juca Kfouri, autor de diversos livros sobre futebol, como Meninos eu vi... (2003), entre outros, escolhe não um gol, como Prata, Loyola ou Hatoum, mas uma tentativa de gol. O chute do meio-campo contra a Tchecoslováquia, na Copa de 1970. "Embora tenha virado o gol que só ele não fez, depois de ter sido por anos o gol que Pelé não fez, o fato é que ninguém tinha tentado antes", explica.
O escritor mineiro Luiz Ruffato, que organizou Entre as quatro linhas (2013), antologia de contos sobre o futebol, também é escalado para apontar seu lance predileto do atleta do século. "Pode ser meio óbvio, mas o lance mais bonito foi o primeiro gol na final da Copa do Mundo de 1970, contra a Itália". Tostão bate o lateral para Rivelino que, num único toque, coloca a bola na cabeça de Pelé. Gol!
"Recordo os gritos de felicidade das pessoas do meu bairro, gente pobre que trabalhava nas fábricas de tecido, e que, naquele momento, sentiam-se reis como Pelé. Eu era menino, tinha nove anos, mas, até hoje, me emociono quando me lembro dessa partida...", confessa.
Para quatro escritores, o lance mais bonito de todos os tempos do melhor jogador de futebol da história não foi um gol. Mas, um drible. O clássico drible de corpo no goleiro do Uruguai, Ladislao Mazurkiewicz (1945-2013), na semifinal da Copa de 1970, no México. "Um drible poucas vezes visto", observa o escritor carioca Carlos Eduardo Novaes, autor da crônica O rei da superstição, da antologia Onze em campo e um banco de primeira (1998). "Visão de jogo e raciocínio rápido de quem sabe o que fazer em campo".
Antes de escolher seu lance favorito, o escritor catarinense Cristovão Tezza faz questão de revê-lo "pela milésima vez". "É um lance 'conceitual'", diz. "Tão bonito que a ausência de gol passou a ser irrelevante", afirma o autor de Uma questão moral, conto incluído na coletânea Entre as quatro linhas, de Luiz Ruffato.
Autor de Os cabeças de bagre também merecem o paraíso (2001), entre outros livros sobre futebol, o escritor e roteirista santista José Roberto Torero também vota no drible sem bola de Pelé em Mazurkiewicz. "Foi um drible totalmente novo, que nunca tinha sido visto antes. Naquele instante, Pelé deixou de ser um artista para se tornar um criador. Fez uma obra-prima, mas uma obra-prima mesmo, algo que nunca havia sido feito antes", justifica seu voto.
O escritor e jornalista mineiro Sérgio Rodrigues gosta tanto do lance que dedicou a ele não uma crônica ou um conto, mas um romance, O drible (2013). No livro, os nove segundos da jogada são descritos em seis páginas. "Além da espantosa capacidade de fabulação futebolística, da criação instantânea de um evento inédito que altera as próprias coordenadas de tempo e espaço do jogo, o que eu vejo nesse lance é uma permanência garantida justamente por sua inconclusão. Se tivesse resultado em gol, seria lindo, mas tranquilizador. Como a bola não entrou, vai queimar nossos olhos para sempre", garante.
Abaixo, a crônica em sua integra:
"A Realeza de Pelé"
Depois do jogo América x Santos, seria um crime não fazer de Pelé o meu personagem da semana. Grande figura, que o meu confrade [Albert] Laurence chama de “o Domingos da Guia do ataque”. Examino a ficha de Pelé e tomo um susto: — dezessete anos! Há certas idades que são aberrantes, inverossímeis. Uma delas é a de Pelé. Eu, com mais de quarenta, custo a crer que alguém possa ter dezessete anos, jamais. Pois bem: — verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: — ponham-no em qualquer rancho e a sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor.
O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: — a de se sentir rei, da cabeça aos pés. Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento. E o meu personagem tem uma tal sensação de superioridade que não faz cerimônias. Já lhe perguntaram: — “Quem é o maior meia do mundo?” Ele respondeu, com a ênfase das certezas eternas: — “Eu.” Insistiram: — ”Qual é o maior ponta do mundo?” E Pelé: — “Eu.” Em outro qualquer, esse desplante faria rir ou sorrir. Mas o fabuloso craque põe no que diz uma tal carga de convicção que ninguém reage, e todos passam a admitir que ele seja, realmente, o maior de todas as posições. Nas pontas, nas meias e no centro, há de ser o mesmo, isto é, o incomparável Pelé.
Vejam o que ele fez, outro dia, no já referido América x Santos. Enfiou, e quase sempre pelo esforço pessoal, quatro gols em Pompeia. Sozinho, liquidou a partida, liquidou o América, monopolizou o placar. Ao meu lado, um americano doente estrebuchava: — “Vá jogar bem assim no diabo que o carregue!” De certa feita, foi até desmoralizante. Ainda no primeiro tempo, ele recebe o couro no meio do campo. Outro qualquer teria despachado. Pelé, não. Olha para a frente, e o caminho até o gol está entupido de adversários. Mas o homem resolve fazer tudo sozinho. Dribla o primeiro e o segundo. Vem-lhe, ao encalço ferozmente, o terceiro, que Pelé corta sensacionalmente. Numa palavra: — sem passar a ninguém e sem ajuda de ninguém, ele promoveu a destruição minuciosa e sádica da defesa rubra. Até que chegou um momento em que não havia mais ninguém para driblar. Não existia uma defesa. Ou por outra: — a defesa estava indefesa. E, então, livre na área inimiga, Pelé achou que era demais driblar Pompeia e encaçapou de maneira genial e inapelável.
Ora, para fazer um gol assim não basta apenas o simples e puro futebol. É preciso algo mais, ou seja, essa plenitude de confiança, de certeza, de otimismo que faz de Pelé o craque imbatível. Quero crer que a sua maior virtude é, justamente, a imodéstia absoluta. Põe-se por cima de tudo e de todos. E acaba intimidando a própria bola, que vem aos seus pés com uma lambida docilidade de cadelinha. Hoje, até uma cambaxirra sabe que Pelé é imprescindível na formação de qualquer escrete. Na Suécia, ele não tremerá de ninguém. Há de olhar os húngaros, os ingleses, os russos de alto a baixo. Não se inferiorizará diante de ninguém. E é dessa atitude viril e, mesmo, insolente, que precisamos. Sim, amigos: — aposto minha cabeça como Pelé vai achar todos os nossos adversários uns pernas de pau.
Por que perdemos, na Suíça, para a Hungria? Examinem a fotografia de um e outro time entrando em campo. Enquanto os húngaros erguem o rosto, olham duro, empinam o peito, nós baixamos a cabeça e quase babamos de humildade. Esse flagrante, por si só, antecipa e elucida a derrota. Com Pelé no time, e outros como ele, ninguém irá para a Suécia com a alma dos vira-latas. Os outros é que tremerão diante de nós.
Manchete Esportiva, 8 de março de 1958.
Nota do blog: E assim foi feito...