quinta-feira, 27 de junho de 2019

Casa de Detenção de São Paulo, o "Carandiru", São Paulo, Brasil




Casa de Detenção de São Paulo, o "Carandiru", São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Artigo


Um dos maiores presídios da história do Brasil, o Carandiru, carrega consigo uma trajetória de altos e baixos, que vai de presídio modelo a palco de um dos maiores massacres da história do nosso Estado.

A Casa de Detenção de São Paulo, nome oficial do presídio, foi concebida de acordo com as normas do Código Penal Republicano de 1890 e de acordo com as mais atuais normas do Direito Positivo da época.  A ideia era que as humilhações públicas e as torturas fossem deixadas de lado para que a disciplina, conceito extremamente respeitado na época, fosse aplicada aos infratores para que, após pagarem suas penas, pudessem voltar a conviver em sociedade.
Vale o destaque que essa nomenclatura, Casa de Detenção, foi uma exigência do interventor federal Adhemar Pereira de Barros que, em 5 de dezembro de 1938, pelo decreto estadual 9.789, extinguiu a Cadeia Pública e o Presídio Político da Capital.
Para entender como São Paulo construiu um dos maiores presídios da história da América Latina é preciso conhecer um pouco do contexto do sistema prisional do começo do século XX.
Por mais estranho que possa parecer, as chamadas “Casas de Regeneração” eram extremamente funcionais e costumavam devolver os prisioneiros em boas condições para viver em sociedade. Para se ter uma ideia, até um chefe de polícia da cidade de Nova York, chamado A. Enright, veio conhecer os procedimentos e métodos aplicados pela justiça brasileira.
No ano de 1905, quando o presidente do estado de São Paulo era Jorge Tibiriçá Piratininga, foi autorizada a construção de uma nova Casa de Detenção para a metrópole. Anos depois, no dia 13 de maio de 1911, o então presidente de São Paulo, Albuquerque Lins, lançou a pedra fundamental do que era chamado “presídio-modelo”. A intenção era separar réus primários de presos reincidentes e, também, segregar os condenados de acordo com a natureza do delito. Dessa forma, foi dada a largada pelo projeto. Nenhuma fonte é precisa a ponto de dizer de quem é o projeto final.
A versão mais veiculada pela imprensa paulistana é que o projeto do presídio foi elaborado pelo engenheiro-arquiteto Giordano Petry, inspirado no Centre Pénitentiaire de Fresnes, na França, no modelo “espinha de peixe” (que ainda existe e funciona até hoje). Outra versão diz que Samuel Stockler das Neves foi o autor do projeto que, mais tarde, sofreria alterações do escritório do grande Ramos de Azevedo.
Fato é que a penitenciária foi erguida e inaugurada no dia 21 de abril de 1920 e, por muitos anos, foi um dos cartões postais da nossa metrópole. A obra que, no começo, estava orçada em 7.000 contos de réis, acabou saindo pelo dobro do preço: 14.000 contos, valor extravagante para a época. Contudo, com a obra encerrada, não aconteceram muitas críticas ao valor final.
Após sua inauguração e o começo das operações, grandes autoridades e intelectuais do mundo todo vieram conhecer e entender os processos pelos quais os detentos passavam.
Entre as visitas mais importantes, vale destacar Claude Lévi-Strauss e Stefan Zweig, que em 1936, disse em seu livro, “Encontros com homens livros e países”, chegou a dizer “que a limpeza e a higiene exemplares faziam com que o presídio se transformasse em uma fábrica de trabalho” e que “Eram os presos que faziam o pão, preparavam os medicamentos, prestavam os serviços na clínica e no hospital, plantavam legumes, lavavam a roupa, faziam pinturas e desenhos e tinham aulas.”
Estima-se que os presos daquela época possuíam uma rotina de exercícios, trabalhos, estudos e, até mesmo, bandas de música. Contudo, após 20 anos a situação ia piorar bastante.
A penitenciária acabou atingindo sua capacidade máxima com apenas vinte anos de vida. Entre sua inauguração, em 1920, e a chegada da década de 40, ano que atingiu sua capacidade máxima de 1.200 detentos, o Carandiru não suportava mais receber presos.
Em uma das tentativas de suportar a alta demanda, Jânio Quadros construiu a Casa de Detenção, em 1956, aumentando a capacidade para 3250 presidiários.
A partir de então, os governos começaram a “tapar o sol com a peneira” e, em 1973 foi inaugurada a Penitenciária Feminina da Capital e, em 1983, começou a operar o Centro de Observação Criminológica.
Todos esses edifícios juntos tornaram-se o Complexo Penitenciário do Carandiru. Com essa mudança, o Carandiru se torno um dos maiores fracassos da administração pública. Aconteceram rebeliões atrás de rebeliões até que, em 1992, ocorreu o mais grave acontecimento da história do sistema carcerário de São Paulo.
No dia 2 de outubro daquele ano, por volta da 13h 30, uma briga entre dois detentos aconteceu do lado de fora das galerias, próximo do pavilhão 9. A partir de então, a situação foge do controle. Dois presos acabam feridos e os funcionários não conseguem acalmar os ânimos dos detentos.
Por volta das 14h30, o alarme é acionado e a Polícia Militar é chamada para resolver à situação. Meia hora depois, chegam as autoridades penitenciárias do estado e um grande contingente da PM. Três juízes estão presentes e o governador do Estado, na época Luiz Antônio Fleury Filho, que estava em Sorocaba, é avisado pelo secretário Cláudio Alvarenga, sobre a rebelião.
Enquanto o governador e seu secretário conversam, o diretor do presídio, José Ismael Pedrosa, tenta uma negociação com os detentos para acalmar os ânimos e evitar danos maiores. A negociação não dá certo e diversos diretores são retirados pela PM do local.
A partir das 16h15, começa a invasão do Complexo do Carandiru. Segundo o governador Fleury, o secretário de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, autorizou a ação da PM que, mais tarde, se transformaria em uma carnificina.
Os primeiros disparos da PM podem ser ouvidos a partir das 16h25, cinco minutos depois, Ubiratan Guimarães, um dos líderes da PM, é retirado ferido do local. Boatos dão conta que, naquele momento, informaram os soldados da polícia que o coronel havia morrido.
A invasão prossegue a ritmo impressionante. A tropa da polícia passa pelo andar térreo do presídio sem deixar nenhum morto, diferente do que aconteceria nos outros pavimentos. O primeiro andar, que foi explorado pela Rota, sob o comando de Ronaldo Ribeiro dos Santos, acabou sendo “limpo” ao custo de 15 vidas.
O segundo andar também foi invadido pela Rota, mas dessa vez, sob o comando de Valter Alves Mendonça. O saldo final da operação policial foi de 78 mortos. O terceiro pavimento ficou a cargo do Comando de Operações Especiais (COE), que acabou matando mais 8 presos sob o comando de Arivaldo Sérgio Salgado. O saldo do quarto andar foi de 10 mortes, sob o comando de Wanderley Mascarenhas de Souza e sua equipe do Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE).
Exatamente às 16h45 os tiros cessam e um silêncio nefasto toma conta do local. As cinco e meia, para que ocorra uma revista geral, a PM ordena que os presos do Carandiru tirem suas roupas e corram nus para o pátio do Complexo.
Segundo relatos, alguns detentos foram selecionados para carregar corpos dos mortos através do Pavilhão 9, quase ao mesmo tempo, o governo do Estado fala em 8 mortos em toda a operação. À meia noite os detentos voltam às celas e diversos corpos ainda são retirados do presídio.
A Polícia Militar se retira do Complexo às 4 e meia da manhã e, por volta das quatro da tarde, o governo anuncia o saldo final da operação: 111 mortes. Curiosamente, esse número é revelado faltando meia hora para o primeiro turno das eleições municipais acabarem.
A título de curiosidade, estiveram envolvidos na operação, segundo o Processo Criminal: 321 policiais, 25 cavalos e 13 cães da PM.  A PM usou 363 armas e, durante a operação, foram apreendidos 13 revólveres, 165 armas brancas, 25 pedaços de ferro, 1 marreta de ferro e drogas de vários tipos.
O ex-governador Fleury, vários anos depois, negou que tivesse dado a ordem para que a PM invadisse o local. Algumas lendas acabaram cercando esse massacre. Uma delas dá conta que o número de mortos foi muito maior e que, alguns corpos, foram terrivelmente descartados em caminhões de lixo.
Outros boatos falam que o PCC, que até então era um time de futebol que disputava torneios internos na cadeia, começou a se organizar a partir desse massacre e começou suas ações em resposta ao acontecimento. Diversos artigos foram escritos sobre esse assunto sendo que um, especificamente, da Professora da Universidade Federal do ABC e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), Camila Dias, diz que:
“O PCC é, sem dúvida, o principal efeito do massacre. Não apenas deste evento isolado, mas da política de segurança daquela época, marcada pela violência institucional, pelo desrespeito aos direitos e pela arbitrariedade do Estado.”
Após esses terríveis acontecimentos, o Massacre do Carandiru, como ficou conhecido o episódio, acabou virando inspiração para diversas músicas e protestos contra as autoridades públicas. A mais famosa dessas músicas é a canção “Diário De Um Detento”, do grupo Racionais MC’s. Em 2000 foi criado o grupo 509-E no interior do presídio.
O grupo gravou dois álbuns dentro do Complexo e conseguiram um relativo sucesso obtendo uma vendagem alta de cópias para o mercado brasileiro de rap. Além disso, Drauzio Varella, famoso médico brasileiro, escreveu o romance Carandiru, contando sua impressão de dentro da Casa de Detenção, onde era médico voluntário.
A partir de 2002, iniciou-se o processo de desativação do Carandiru, com a transferência de detentos para outras unidades. No dia 8 de dezembro desse ano, os três pavilhões da Casa de Detenção foram implodidos às 11 horas, como previsto. No ano de 2014, o processo de julgamento do Massacre teve fim e 73 policiais militares foram condenados.
A detonação dos 250 quilos de explosivos, distribuídos por três mil pontos dos pavilhões 6, 8 e 9, foi feita pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e pelo ministro da Justiça, Paulo de Tarso, e a queda dos prédios demorou sete segundos.
O governo do estado construiu um grande parque no local, o Parque da Juventude, além de instituições educacionais e de cultura. Um de seus pavilhões foi reaproveitado para ser instalado no edifício a Escola Técnica Estadual do Parque da Juventude, popularmente chamada de Etec Parque da Juventude.

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