O Outdoor do Pistão da Metal Leve, São Paulo, Brasil - José Luiz Batista da Fonseca
São Paulo - SP
Artigo
Sempre que eu passava ali pelo Parque do Ibirapuera, próximo ao prédio do Detran, me ajeitava no ônibus para ver melhor aquela placa gigante que hoje chamaríamos de cartaz, ou melhor ainda, outdoor. Aldór, em bom sotaque americano, mascando “chiclet”.
Aquela placa era fascinante. Não era estática, daquelas só de desenhos, figuras e letras, que eu, ainda não alfabetizado, não compreendia os significados. Ela tinha movimento. Elementos que se moviam sincronizadamente, como os presépios que eu via no centro da cidade na época de natal.
Acho que era a única com essas características que prendiam a nossa atenção. Não me lembrava de outra parecida em parte alguma. Aquela placa gigante era especial.
Eu não sabia o que ela anunciava. Só sei que, na minha ótica infantil, gostava de ver aquela coisa que parecia uma colher entrando num balde gigante, naquele movimento de ida e vinda.
E ficava pensando como poderia ser aquilo. Possivelmente havia dois homens super gordos atrás da placa, numa prancha tipo gangorra, que, ora um ora outra, subiam e desciam, em movimento alternado, fazendo aquela super colher se movimentar na parte da frente da placa.
Apesar de uma explicação aceitável para os meus quatro/cinco anos, mesmo assim continuava inquieto com essa suposição, pois afinal, sempre que eu passava por ali, a colher estava em movimento. E como era possível “aqueles homens” nunca descansarem, nem pararem pra fazer suas refeições e nem mesmo pra tomar um cafezinho ou fazer xixi?
Com o tempo, fui entendendo que, na verdade, o movimento não era causado por nenhuma força humana e sim por um mecanismo elétrico, chamado motor, que acionava eixos que faziam a colher se movimentar.
E com o tempo também, depois que deixei de passar de ônibus por ali, pois meu pai já havia comprado um carro, passei a entender que aqueles elementos na placa, não eram uma super colher em um balde, como imaginava. Era sim um pistão, importante componente do motor dos automóveis. Isso significava que naquele carro do meu pai, recém comprado, havia alguns deles, não daquele tamanho, lógico. E aquela placa era alusiva ao mais importante produto de uma empresa chamada Metal Leve, um dos maiores fabricantes brasileiros de autopeças.
Meu avô me dizia que conhecera o fundador da Metal Leve, Seu José Mindlin, quando ele ainda tinha uma oficina mecânica na Vila Buarque. Segundo meu avô, ele, o Seu Mindlin, de tanto consertar motores de carros, que na época eram todos importados, acabou fabricando alguns componentes desses motores. E uma das peças mais importantes era o pistão, iniciando assim a industrialização dessa peça e plantando a semente de um grande negócio e de uma grande empresa.
A exemplo da placa, essa história contada por meu avô me era fascinante. O início de uma atividade industrial que nascera do brilhantismo, da abnegação, do engenho e criatividade de um empreendedor. Um típico exemplo da industrialização do nosso Brasil caboclo. E esse foi o caminho que trilharam muitos outros empreendedores de nosso país, principalmente da nossa São Paulo. Nomes que hoje estão no Panteão da Indústria, como Arno, Lorenzetti, Bernardini, Zanini, Chofi, Martinelli, Lunardelli, etc. Nomes que revelam suas origens. Nomes de profundo significado no nosso desenvolvimento econômico.
Todavia o crescimento da cidade fez com que os poucos terrenos baldios escondidos por essas placas descem espaços às novas construções e a novos negócios. E assim, aquela fascinante placa da minha infância sumiu. Saiu dali do Ibirapuera. Ela, que anunciava um importante produto, componente do motor maior do desenvolvimento industrial. O automóvel não anunciou que se mudaria de endereço. Eu, dessa forma, fiquei sem seu paradeiro.
Tempos depois, já grande, quando pude comprar um automóvel e andar por essas estradas, São Paulo afora, um dia, sem querer, tive a feliz oportunidade de dar de cara novamente com aquela placa que muito me fascinava na infância.
Lá estava ela, do mesmo jeito, com aquela colher e o balde gigante da minha memória infantil. Só que com outro nome e em local mais distante: na Rodovia dos Bandeirantes. Seguiu o exemplo de mudança de endereço das próprias indústrias, que foram expulsas pelo crescimento urbano e pela especulação imobiliária de nossa cidade para outras paragens mais adequadas e menos hostis.
E por um instante tive uma estranha sensação de alegria e tristeza ao mesmo tempo. Alegria de revê-la, funcionando do mesmo modo como a via nos meus tempos de menino, mas tristeza de reencontrá-la com outro nome. Um nome estrangeiro de difícil pronúncia: Mahle. Tão difícil de se pronunciar como a palavra outdoor.



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