A Palavra "Bonde" é Uma Invenção Brasileira, Brasil - Artigo
Brasil
Artigo
O brasileiro inventa neologismos para tudo. Bastou o popular
Volkswagen começar a ser fabricado aqui e logo deixou de ser Volks para virar
Fusca. Outra criação genuinamente nacional é o termo bonde. que é usado desde
os tempos em que esses veículos eram puxados por burros.
Tudo começou no século passado, quando uma companhia francesa
se constituiu para implantar na Corte, como era conhecida a cidade do Rio de
Janeiro durante o Império, um serviço de transportes coletivos com tração animal.
Com o objetivo de reunir recursos suficientes para tocar o empreendimento, a
tal empresa emitiu títulos negociáveis no mercado, também conhecidos como
bônus, no Brasil, e "bonds", nos países de língua inglesa. Ao
publicar anúncios nos jornais, teria empregado a expressão "Compagnie de
Bonds". Foi o suficiente para que o povo começasse a chamar os novos
veículos de bondes, um apelido que acabou pegando em todo o País.
Os paulistanos, entretanto, demoraram a ter esse serviço.
Enquanto em Nova lorque o povo já andava de bonde elétrico em 1842, em São
Paulo a primeira linha de bondes puxados a burros só foi inaugurada em 1872. Na
época São Paulo estava classificada entre as pequenas capitais brasileiras, com
uma população de apenas 26 mil habitantes, enquanto o Rio de Janeiro tinha 275
mil, Salvador 129 mil, Recife 110 mil, Belém 62 mil, Niterói 47 mil etc.
Nos primeiros anos da aparição dos bondes em São Paulo, os
carros circulavam com poucos passageiros. Isso ocorria por duas razões.
Primeiro, porque São Paulo era uma cidade ainda muito pequena e poucas mulheres
saíam de casa para trabalhar. Em segundo lugar, porque havia gente conservadora
que, acostumada a viajar nos morosos bondes puxados por burros, temia utilizar
os elétricos. Achavam que os novos veículos, desenvolvendo "altas
velocidades", poderiam provocar desastres e colocar a vida dos passageiros
em perigo. Tinham medo de que os bondes saltassem dos trilhos ou despencassem
numa ladeira, sem freios.
A forma que os dirigentes da Light encontraram para enfrentar a
escassez de usuários foi instituir um recibo de passagem, que era oferecido ao
passageiro e lhe permitia concorrer a prêmios mensais em dinheiro. Funcionava,
portanto, como uma verdadeira loteria.
O cidadão, ao pagar a passagem e receber o cupom, era alertado,
num pequeno texto no verso, de que era "conveniente guardar este recibo
até o fim do mês. Quem sabe não será um dos premiados? A cada mês são
distribuídos 17 prêmios. Veja o outro lado do cupão". Nesse outro lado -
esclarece Afonso Schmidt em "São Paulo dos Meus Amores" -constava a
lista dos prêmios, que variavam de 500 mil a 50 mil-réis. O incentivo aos
usuários medrosos deu certo, e os sorteios, realizados sempre no segundo dia
útil de cada mês, passaram a ser acompanhados com grande interesse pela
população.
Quando surgiram os bondes elétricos em São Paulo, a passagem
custava 200 réis. Foi feito um contrato por 40 anos para a concessionária, a
Light, manter esse preço. Só que ao longo dos anos, a inflação, ainda que
pequena, foi corroendo o valor da tarifa. Quando desapareceu o mil-réis, sendo
substituído pelo cruzeiro, em 1942, o preço continuou o mesmo, Cr$ 0,20, apesar
de já ter vencido o prazo da concessão e, portanto, caber um reajuste. Isso não
aconteceu e o bonde só não deu prejuízo muito elevado à Light porque os
veículos circulavam apinhados de passageiros pagantes e a empresa produzia a
própria energia que utilizava na tração dos carros.
O que dava mesmo muito lucro à Light eram as tarifas de
energia. Ela foi chamada de polvo canadense não pelo sistema de bondes
elétricos que aqui implantou, mas pelas tarifas que cobrava para fornecimento
de energia às indústrias. A Light foi um fator de progresso para São Paulo,
porque trouxe uma força motriz que permitiu a instalação de um pujante parque
industrial. Mas eram caras as tarifas. As ferrovias paulistas, por exemplo,
sofreram um grande retardamento em seu processo de eletrificação das linhas,
porque para mover suas locomotivas a eletricidade teriam prejuízo certo.
No caso da Sorocabana, esta estatal tinha planos de iniciar a
eletrificação das linhas já na década de 20. O preço que a Light queria cobrar
era absurdo. Então continuou a esquentar as caldeiras de suas locomotivas com o
carvão de pedra que importava de Cardiff, no País de Gales. Durante a Primeira
Guerra Mundial não teve outra salvação senão usar lenha, pois o início da
guerra submarina impedia o abastecimento do carvão.
Foi só em 1941 que a Sorocabana, então enfrentando uma grave
crise energética, devido à Segunda Guerra Mundial, deu início à eletrificação.
A Light finalmente concordou em cobrar uma tarifa menos pesada, mas o atraso na
eletrificação impediu que a ferrovia obtivesse maior rentabilidade e
implantasse vários planos de expansão de suas linhas. Diversas regiões do Estado
ficaram sem ferrovia e condenadas ao atraso econômico, como a zona hoje cortada
pela rodovia Castelo Branco e o Vale do Ribeira.
Nota do blog: Parte integrante do artigo "Um bonde chamado
Mutreta", de Odair Rodrigues Alves, publicado na Revista JÁ Nº 32 (Diário
Popular) de 15 de junho de 1997.
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