quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Motor CHT / Um dos Maiores Erros da Ford no Brasil - Artigo



 

Motor CHT / Um dos Maiores Erros da Ford no Brasil - Artigo
Artigo

Texto 1:
O CHT (Compound High Turbulence) é um motor a combustão interna de quatro cilindros produzido pela Ford no Brasil, durante a década de 1980. É um motor completamente diferente do motor Ventoux e não deve confundir com ele. Contrariamente ao Ventoux, o CHT era muito econômico e tinha um perfil muito suave e de baixo ruído, herdado do seu design Renault.
O motor CHT foi introduzido pela Ford em 1984 na versão Mark III do Ford Escort, a primeira série a ser lançada no Brasil. Mais tarde, foi usado no Ford Corcel, Ford Del Rey, Ford Verona, bem como o Volkswagen Gol.
Este motor baseou-se no Motor Sierra, lançado em 1962. O motor Cléon-Fonte, projetado pelo engenheiro René Vuaillat, é um projeto pequeno e totalmente novo de quatro cilindros, que apareceu no Renault Floride S e na Renault 8 em 1962. Ford do Brasil Herdou este motor ao comprar a operação brasileira Willys/Renault no final da década de 1960. Possui um total de oito válvulas aéreas, e possui um projeto de válvula rotativa. O deslocamento do Cléon-Fonte original usado em Ford Corcel foi de 1.289 cc (73x77 mm de diâmetro e derrame); Este foi mais tarde levado para 1.372 cc (75.32x77 mm) para o mecanismo "XP", mais tarde chamado "1300-B" em forma de carburante único. O Cléon-Fonte foi finalmente aumentado para 1.555 cc (77x83.5 mm) em 1979, que também é o deslocamento do CHT. A Ford do Brasil usou o motor Cléon-Fonte até 1983, quando eles fizeram um redesenho completo na cabeça e no processo renomeando o CHT. A pickup Ford Pampa derivada de Corcel também usou o motor Cléon-Fonte até ser substituído pelo CHT em 1984.
O objetivo desse esforço era criar uma turbulência interna dentro das câmaras de pistão de modo que uma porcentagem maior do combustível fosse queimada. A unidade resultante foi muito robusta e econômica, embora com um desempenho modesto em comparação com a concorrente Volkswagen EA-827. O CHT tem menor potência de pico, mas com um torque médio geralmente maior, com a curva de torque muito mais direta e mais próxima do máximo a qualquer velocidade do motor do que um motor AP semelhante. O torque foi a vantagem do motor CHT, sendo capaz de funcionar sem muita perda de energia em velocidades de motor muito baixas também.
Também estava disponível para funcionar com Etanol, que geralmente gera pelo menos 10% mais energia do que um modelo de gasolina correspondente, com um aumento de cerca de 25% para o consumo de combustível. Não teve problemas para começar a frio e alto consumo de combustível ao contrário de outros motores anti-etanol.
Três modelos estavam originalmente disponíveis:
1.6 gasolina (65 cv)
1.6 etanol (74 cv)
1.6 XR Etanol (83 cv) para Escort XR3
Mais tarde, o motor foi ajustado para melhores números de energia e eficiência de combustível:
1.6 gasolina (74 cv)
1.6 Etanol (86 cv)
Em 1987, com o lançamento do Mark IV do Ford Escort, este motor beneficiou de algumas revisões, resultando na versão CHT E-Max (economia maximizada). Todos os novos modelos apresentaram melhor torque. Isso, o motor CHT de segunda geração recebeu o prêmio de motor mais econômico do tempo no Brasil, capaz de funcionar com 17,1 km com um litro de gasolina.
Em 1992, uma versão menor foi lançada para o Escort e o Gol:
1.0 gasolina (50 cv)
Durante o período de Autolatina (1987-1996), a VW usou este motor, nomeando-o AE-1600 e AE-1000 quando instalado em Vokswagens.
Texto 2:
A Willys Overland do Brasil fabricava localmente, sob licença francesa, o Renault Dauphine, posteriormente o Renault Gordini e o Renault 1093 e também o Interlagos, o esportivo derivado do Renault Alpine. Todos estes modelos eram equipados com o motor Ventoux.
O Dauphine foi lançado na França em 1956 e chegou ao Brasil em 1959, com o motor Ventoux 670-1, com 845 cm³ de cilindrada e 26 cv (potência líquida), sendo praticamente idêntico ao original francês.
O motor Ventoux tinha algumas peculiaridades, como, por exemplo, virabrequim apoiados somente em três mancais, comando de válvulas acionado por engrenagens, sendo que a intermediária era feita de fibra fenólica (material não metálico) para evitar ruído de funcionamento.
As camisas dos cilindros eram removíveis (apoiadas em calços) e mantinham toda a superfície lateral em contacto com o líquido de arrefecimento do motor; portanto, eram do tipo úmidas. Tinha originalmente a cilindrada limitada a 845 cm³ (58 x 80 mm) devido à falta de estrutura do bloco/cabeçote que restringia o seu aumento.
O motor nasceu para propulsionar o Renault 4 CV, lançado em 1946, e sua cilindrada era 747 cm³ (54,5 x 80 mm), com potência de 19 cv.
Era comum aumentar a cilindrada com kits franceses de cilindros e pistões de 60 mm (904 cm³) e 63 mm (998 cm³). Estes últimos eram aplicados nos Interlagos Berlineta de competição e em muitos carros particulares.
Realmente o motor Ventoux, devido ao seu baixo desempenho, foi somente aplicado em veículos pequenos e leves como o Renault Gordini, de 32 cv — “40 hp de emoção” dizia a propaganda, mas era potência bruta. E não era somente o desempenho o “Calcanhar de Aquiles” do projeto. Consumia muito óleo principalmente pelo respiro do cárter. A engrenagem de fibra do comando de válvulas se desgastava rapidamente, A bomba de óleo e a bomba d’água eram pouco eficientes e pouco duráveis também.
Devido ao sistema pouco eficiente de arrefecimento do motor, era comum vê-lo fumaceando devido à fervura. Crítica a regulagem das válvulas, que faziam o motor parecer uma máquina de costura, como o motor boxer dos VW.
Com o Ventoux limitado para aplicação em veículos maiores, a Renault desenvolveu novo motor, mais robusto e com capacidade para maiores cilindradas. Em nada era semelhante ao antigo Ventoux exceto seu conceito de camisas úmidas removíveis e comando de válvulas lateral no bloco. A engrenagem intermediaria foi eliminada e o comando de válvulas passou a ser acionado por corrente e seu respectivo esticador. O virabrequim com cinco mancais, tinha o recobrimento das bronzinas com maior área de contacto e com maior apoio longitudinal.
Como o Ventoux, o bloco era em ferro fundido e o cabeçote em alumínio, porém totalmente diferentes, estruturalmente e em suas dimensões, incluindo os coletores de admissão e escapamento. Também os dutos de arrefecimento maiores e a bomba de óleo e a bomba d’água modificadas para melhor desempenho e durabilidade.
Enfim, sem nenhuma dúvida, o novo motor não era uma versão melhorada do Ventoux e sim de uma nova família. O novo motor chegou como Sierra, o seu nome de batismo. Embora com pequeno aumento de cilindrada (956 cm³, 65 x 70 mm) em relação ao Ventoux, o novo motor tinha a vantagem de poder tê-la aumentada.
Em 1966 a Renault estava em pleno desenvolvimento de um carro médio, o R 12, fazendo parte de um ramo maior, o projeto “M”, que incluía uma versão tupiniquim, com desenvolvimento em conjunto com a Willys-Overland do Brasil, que acabou gerando o Corcel. E o novo veículo brasileiro, lançado em 1968, era equipado com o motor Sierra de 1.289 cm³ (73 x 77 mm), taxa de compressão 7,8:1 e 68 cv declarados (potência bruta). Em 1971/1972, o motor Sierra teve a sua cilindrada aumentada para 1.372 cm³ (75,3 x 77 mm) taxa de compressão também aumentada para 8:1 e maior potência declarada de 75 cv (potência bruta) e 56 cv (potência líquida).
A história do motor CHT começou nos idos de 1981 com o programa Zeta, que nada mais era que o Escort europeu para o Brasil. A ideia inicial era manter todas as características originais do veículo, acompanhando a versão europeia, incluindo o moderno motor CVH ( Compound Valve Angle Hemispherical Combustion Chamber), de comando no cabeçote.
Houve forte interferência do grupo gerencial da Ford Brasil, que defendia com unhas e dentes a utilização do motor Renault em detrimento do moderno CVH. Diziam eles que seria muito mais econômico e daria oportunidade para a engenharia brasileira se desenvolver. Outro aspecto, o desenvolvimento do motor a álcool seria mais fácil no CHT do que no CVH.
A Ford Europa em princípio não aceitou esta condição, porém, com a habilidade reconhecida dos executivos brasileiros, o motor local foi aprovado. E assim foi, começou o desenvolvimento do motor CHT (Compound High Turbulence), em quatro versões, que incluíam inclusive aquelas visando exportação para os países nórdicos.
Todos sabiam que não seria somente desenvolver um motor local para o Escort. Várias outras modificações foram necessárias aumentando a complexidade do programa:
Modificação e reposicionamento dos coxins do motor devido à nova distribuição de massas e eixo de rolagem (torque roll axis)
Novo sistema de escapamento
Novo filtro de ar
Novas relações de transmissão para casamento com o novo motor
Novos roteiros de tubos de combustível, freios e chicotes elétricos
Pacote acústico revisado
Enfim, era praticamente um novo projeto que causou um estresse enorme na engenharia Ford do Brasil pelo curto espaço de tempo disponível para todos os trabalhos.
O motor CHT era praticamente um Sierra com cilindrada aumentada para 1.555 cm³, diâmetro dos cilindros de 77 mm e curso dos pistões de 83,5 mm, com novo cabeçote com câmaras de combustão modificadas para gerar turbulência na mistura ar-combustível, melhorando a queima e a eficiência térmica, novo comando de válvulas acionado por corrente e seu esticador.
A estrutura do bloco e cabeçote, que já eram críticos no motor Sierra 1.372 cm³, ficou ainda mais difícil no CHT com 1.555 cm³. E haja trabalho de engenharia para desenvolvimento de novas juntas de cabeçote e estruturar melhor o conjunto. O aperto das fixações do cabeçote sempre foi crítico no motor CHT.
Aqui entre nós, gastar uma fortuna em horas de engenharia para desenvolver um motor brasileiro com comando de válvulas lateral no bloco e “varetas” acionadoras, nunca entrou em minha cabeça. Enquanto o mundo estava desenvolvendo novos conceitos de comando de válvulas no cabeçote com variadores de fase, o Brasil perdia tecnologia com um motor de projeto mais antigo.
Que eu me lembre, poucas fábricas insistiram em novos desenvolvimentos de motores com comando de válvulas no bloco; a Ford com o motor Endura-E até 1999 e particularmente a Renault, até 1995 com o Twingo 1,2 motor Cléon (basicamente um Sierra melhorado). Falando de motores OHV, alguns motores americanos V-8 ainda mantém esta configuração por questões de custo e tradição.
Muitas horas de dinamômetro foram gastas testando a durabilidade dos motores CHT e foram bem resolvidas. O motor CHT era valente e principalmente econômico, esta última sendo sua característica marcante ao longo do tempo.
Há um lenda urbana de que o motor CHT foi totalmente projetado no Brasil. Na realidade teve a Ford Europa na jogada e também alguma consultoria com a Renault. Detalhes da otimização da câmara de combustão, por exemplo, veio da Renault. Vai ser difícil convencer quem trabalhou no projeto admitir esta ajuda, que de fato existiu.
Os trabalhos de desenvolvimento do CHT foram elogiáveis e a justa recompensa, foi a exportação dos Escort brasileiros para os países nórdicos. Acabou sendo instalado até no VW Gol , na época da Autolatina, com sucesso, graças a sua excelente economia de combustível. Vamos reconhecer que o desempenho era sofrível, tanto em aceleração quanto em velocidade máxima, porem “deu para o gasto”, como se diz.
Quem sofreu mesmo foi o Ford Del Rey, bem mais pesado, principalmente a sua versão de cambio automático. É bom nem lembrar… Realmente não era competitivo no mercado na época de Chevrolet Monza, VW Santana, etc.
Enfim, o CHT teve píncaros de gloria e paradoxalmente quase enterrou a Ford do Brasil. O CHT se tornou obsoleto e a Ford ficou sem motor para sustentar sua competição no mercado brasileiro. Se não fosse a Autolatina, a Ford não estaria mais no Brasil fabricando automóveis, quem sabe os estaria importando, mantendo somente a linha de caminhões e picapes que sempre foi a sua vocação, a saudosa série “F”.
Nota do blog: A diferença de desempenho do motor AP para o CHT (AE quando instalado em carros da Volkswagen durante o período da Autolatina) era gritante. Em nossa casa tivemos um Volkswagen Gol com motor AP-1600 e um Ford Del Rey com motor CHT. A diferença de desempenho era absurda, vendemos o Ford Del Rey rapidinho, era um carro com motor fraco, inadequado para seu peso. Para mim, sem a menor dúvida, a Ford fez a opção errada quando escolheu o CHT para equipar seus carros no Brasil.

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