BMW M3 Competition, Alemanha - Jeremy Clarkson
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Dá-me tristeza quando alguém diz que carros elétricos podem ser divertidos, porque, é claro, não podem. Eles acabam com o som do motor de combustão interna, sua vibração e a estranha característica do torque, e fica-se com algo sem sequer o conceito de diversão.
Certamente um elétrico pode ser muito rápido, mas e daí? Para ter emoção eu preferiria andar a 180 km/h num Sopwith Camel (avião biplano utilizado na Primeira Guerra Mundial) do que a 900 km/h num Boeing 777. Ou a 40 km/h num jet-ski em vez de a 60 km/h num navio de cruzeiro. E tem isso também: um micro-ondas assa uma batata em cinco minutos, ótimo, mas o resultado final não será nem perto de alguma coisa que tenha ficado duas horas no forno.
Há muita gente no meu círculo de trabalho que acha que carros elétricos podem ser apreciados pelos entusiastas tanto quanto os a gasolina. Estão errados. Pois quando somos forçados pela lei a andar em glorificados carros de entrega de leite, simplesmente compraremos o que nos dê o maior alcance ou que tenha o preço mais atraente. Carros se tornarão freezers com rodas. Ferramentas. E o espírito do automóvel, sua essência, morrerá.
Não está acreditando em mim? Ok, assista à perseguição de carros do filme Bullit com som desligado.
Tem mais. No último fim de semana um velho amigo que dirige uma empresa chamada Prodrive me ligou para falar de um carro que ele fez. Financiado pela família real do Bahrein e produzido em Banbury (Inglaterra), era uma coisa enorme e sem graça que chegou em quinto no rali Dacar deste ano.
No ano que vem provavelmente vencerá e, depois disso, haverá versões para o exército e, melhor que isso, serão modelos que se pode comprar; caso você tenha 750 mil libras (cerca de R$ 5,8 milhões) sobrando. E um deserto onde possa usá-lo. Eu não tenho um, mas tenho uma fazenda, de modo que, no último sábado, dei pulos de alegria no ar.
Com o mesmo motor V6 turbo do Ford GT, não é o carro mais rápido do mundo, mas estará à vontade a 190 km/h o dia inteiro pelo estéril e irregular interior da Arábia Saudita. Desse modo ele pode se dar bem nas piores partes de Oxfordshire e, isso, andando de lado com um motorista gordo ao volante sorrindo de orelha a orelha.
Sem dúvida que eu estava em contravenção de muitas normas de compactação de solo, mas era tão relaxante estar lá derrapando de propósito ao acelerar forte sobre o trigo de inverno numa orgia de pensamento livre, otimismo e divertimento. Dirigir apenas pelo prazer de dirigir. E trocando marchas para a recompensa auditiva.
Um “millenial” ou um “chato” diriam, se vissem esse enorme monstro barbarizado, que eu era dos que negavam as mudanças climáticas. E não adiantaria explicar que uma nova versão projetada para rodar com hidrogênio está para ser lançada, pois não escutariam. Eles não escutam. Porque é direito deles viver num mundo onde todo mundo concorda com todo mundo e nenhum protesto acontece.
Tudo isso me traz para o novo BMW M3 Competition. Deve haver um pensamento nas salas dos fundos das fabricantes em todo o mundo de que não adianta ganhar 1 km/h extra no desenvolvimento de sedãs esportivos super-rápidos, já que o fim está próximo. Seria como desenvolver uma locomotiva a vapor (Nigel Gresly Pacific) pouco antes da chegada de uma diesel (Napier Deltic).
De fato, já podemos ver o que foi decidido porque a BMW não venderá na Inglaterra o M3 normal, só a versão Competition. E sem câmbio manual também. Parece que o novo M3 é um pão sofisticado para a hora do chá, apenas algo para tapear enquanto o carrasco não chega.
Eles nem foram sensíveis com o preço. Alguém numa reunião apenas soltou: “setenta e cinco mil”? E todos aquiesceram e voltaram a olhar o TikTok.
Mas, um momento, o que é isso? O motor seis em linha biturbo é em grande parte o mesmo de sempre, mas quase todas as peças internas são maiores e mais robustas, e a potência e o torque subiram, mais 60 cv e 8,4 kgfm.
Há um novo direcionamento de estilo também, com uma frente tipo Pontiac e uma grade tão grande se poderia passar as férias nela. O carro todo também está maior, percebe-se logo, mas a essência de M3 ainda se evidencia. Tem-se impressão de que a carroceria foi espichada para cobrir as rodas, que por acaso são maiores na traseira do que na dianteira. Isso, você começa a concluir, não é um carro da hora do cafezinho que foi meio que impiedosamente atirado à traseira de uma caixa.
Na hora de entrar nele, o motorista é saudado pelos novos bancos — os melhores em que me sentei. São melhores até que os do Renault Fuego turbo. E um painel totalmente novo que traz todas as novidades. Por exemplo, pode-se estabelecer as regras do sistema de ar-condicionado. Olha, como isso é alemão!
Há também um dispositivo que mede e depois dá uma nota ao seu drift. É sério, executa-se um powerslide numa curva e ele lhe informa o resultado. Não tenho certeza se esse tipo de informação é, ou deveria ser, legal, mas é bom tê-la. E também bom saber que absolutamente qualquer pessoa que utilizar o carro terá a informação — momentos depois de dizer para seu passageiro, “Certo, olhe isso” — e definitivamente dará um passeio de ambulância aérea.
É o caso de desvio de objetivo. Pode-se acertar uma vez ou duas, ou talvez 200 vezes. Mas, eventualmente, pode-se entrar num inferno de sons de coisas quebrando e proferir palavrões.
Pode-se, sim, acertar 500 vezes no BMW M3 porque, puxa, esse carro tem um comportamento incrível. Eu não ligava muito para o acerto do modelo anterior — funcionava bem só no modo Comfort — mas se trabalhou muito na nova versão e ela é sublime. Como também é a aderência. E o que acontece quando ela é superada.
Talvez, só talvez, o câmbio seja mais lento do que a velha e mole alavanca do manual, mas é preciso atenção para notar diferença. Contudo, a questão dos 500 cavalos é sua capacidade de mascarar essas coisas. E eles mascaram. Maravilhosamente.
Este é um daqueles carros, como o Alfa Romeo Giulia Quadrifoglio, que apenas planeia de curva para curva no que parece uma onda de telepatia, prepara e dá um frio na barriga. É um balé.
E reconfortante, porque isso significa que os engenheiros da BMW não vão ficar sentados nos seus dias finais dando de ombros e lembrando o passado. Eles querem morrer com glória.
Podemos apenas esperar que outros fabricantes façam o mesmo; isso, antes que todos tenham que trabalhar para a divisão automobilística da gigante dos eletrodomésticos Zanussi, fazendo produtos para encher as vitrines da grande varejista Currys. Eles estão lembrando a todos nós que era isso o que queriam antes de mais nada: ser engenheiros de carros.
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