quinta-feira, 1 de abril de 2021

Os Projetos de Ramos de Azevedo Para as Casas Bancárias de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil - Artigo

 


Fig. 1. Rua General Osório vista a partir do Largo da Matriz (Praça XV de Novembro), Photo Sport, 1935. Em vermelho, os bancos projetados por Ramos de Azevedo. Em linha pontilhada, os bancos já demolidos.

Fig. 2. Rua General Osório e, ao fundo e à esquerda, o Largo da Matriz (Praça XV de Novembro), Photo Sport, 1939.

Fig 3. Prancha com o desenho da fachada do Banco do Comércio e Indústria, em Ribeirão Preto, de autoria do Escritório Técnico Ramos de Azevedo, 1921.

Fig 4. Prancha com a planta do pavimento superior do Banco do Comércio e Indústria, em Ribeirão Preto, de autoria do Escritório Técnico Ramos de Azevedo, 1921.

Fig 5. À esquerda, foto do Banco do Brasil, tirada em 1924 por Aristides Motta, à direita, foto atual.

Fig. 6. Prancha com o desenho da fachada do Banco do Brasil, em Ribeirão Preto, de autoria do Escritório Técnico Ramos de Azevedo, 1921.

Fig. 7. Prancha com a planta do Banco do Brasil, em Ribeirão Preto, de autoria do Escritório Técnico Ramos de Azevedo, 1921.




Os Projetos de Ramos de Azevedo Para as Casas Bancárias de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil - Artigo
Artigo


Ribeirão Preto, situada a nordeste do Estado de São Paulo, é lembrada por historiadores e memorialistas como aquela que um dia se fez notar como a Capital do Café. Teve origem como patrimônio religioso, a partir da doação de terras localizadas entre os rios Retiro e Preto, feitas a São Sebastião em 1856. A Companhia Mogyana de Estradas de Ferro, então interessada no transporte do café, estendeu a linha tronco até Ribeirão Preto, em 1883, daí derivando uma série de ramais que conectaram as fazendas da região à malha ferroviária da província.
A princípio, o desenvolvimento urbano se deu de forma subsidiária à produção cafeeira, que atingiu o seu auge entre 1890 e 1930. Até o último quartel do século XIX, os poucos estabelecimentos comerciais instalados no núcleo urbano forneciam artigos para a lavoura, tais como arames farpados, ferramentas e ferragens, além de insumos alimentícios, como sal e farinha de trigo, e bebidas, como cerveja, vinho e licor. Instalaram-se ainda as primeiras indústrias, sendo elas olarias, serrarias, selarias e serralherias. Os imigrantes tiveram importante papel na consolidação da vida urbana, pois muitos deles, tanto em Ribeirão Preto quanto em outras cidades paulistas, abriram lojas, hospedarias, tabernas, pensões e oficinas. Na medida em que prosperava a economia cafeeira, o comércio, até então rudimentar, passou a se especializar, surgindo, nos idos da década de 1920, casas bancárias, casas de exportação e magazines de luxo.
A modernidade em construção:
Até 1900, Ribeirão Preto não dispunha de infraestrutura e construções modernas à altura do que se desejava para uma cidade tão próspera economicamente. No imaginário popular, a despeito dos lucros gerados pelo plantio do café, ainda prevalecia a concepção do sertão como um lugar precário, fortemente ancorada à imagem forjada nos relatos dos viajantes oitocentistas. Em 1877, Martinho Prado Júnior assim descreveu a paisagem que avistou ao descer o vale do Retiro: “As casas são todas cobertas de telhas, possuem optimas pastagens, e ha um certo bem estar, que não se encontra no seio da população de outros logares (…)”.
No Almanach da Província de São Paulo, de 1887, as casas da então Vila de Ribeirão Preto foram descritas como “sem solidez, com ausência absoluta de gosto” e as ruas “completamente descuradas”.
Havia, contudo, um desejo de progresso, que pode ser verificado no artigo de 1907 publicado no Jornal da Manhã, de Ribeirão Preto, em que se indaga: “Não se poderia desmanchar essas velharias sujas para limpar a cidade, ao menos nas ruas centrais?”. Esse progresso começou a dar seus primeiros sinais com a instalação da rede de abastecimento de água, em 1897, da luz elétrica, em 1899, e do sistema de esgotamento sanitário, em 1900, que encontra paralelos no restante do Estado. A partir de 1901, tiveram início as obras de embelezamento urbano, a começar pelo projeto de ajardinamento do Largo da Matriz e calçamento das ruas adjacentes.
À infraestrutura somar-se-ia um corolário de medidas de controle sobre o espaço urbano no novo código de posturas, publicado em 1902, em substituição ao primeiro, de 1889. Além de consolidar o aparato burocrático do Estado, esses instrumentos normativos ofereciam à Câmara Municipal os subsídios para o forjamento da imagem de Ribeirão Preto como cidade moderna. A construção desse imaginário ia ao encontro dos propósitos republicanos de “grandes ideias mobilizadoras do entusiasmo coletivo, da liberdade, da igualdade, dos direitos universais do cidadão”, que encontraram nas paisagens urbanas verdadeiros espelhos de legitimação do novo regime. Para isso, foi essencial a atuação dos profissionais da construção civil.
Dentre esses profissionais, é notória a atuação de Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851-1928), graduado na Bélgica, em 1879, e lembrado por William Stevenson, em 1929, como aquele que “(…) demoliu e arrasou o casario desairoso e velho, e em seu lugar plantou a semente fecunda do gênio, capaz da obra prodigiosa e inédita, que São Paulo ostenta aos olhos do mundo”. Sua atuação na capital paulista, não apenas como arquiteto-engenheiro, mas também como empresário, fez de seu nome um dos símbolos do tão almejado progresso republicano. Suas imponentes obras em São Paulo e em Campinas foram amplamente estudadas, mas há muitas lacunas acerca de sua atuação no interior paulista, onde também foi responsável por projetos inseridos nesse processo de modernização ou, ao menos, no imaginário moderno que se formara desde o início da República.
A Seção de Materiais Iconográficos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) detém hoje um rico acervo dos projetos realizados pelo Escritório Técnico Ramos de Azevedo. Nele, há dois projetos destinados a Ribeirão Preto. O primeiro refere-se à nova estação da Companhia Mogyana, datado de 1917 e não construído, e o segundo à sede do Banco do Brasil, de 1921. Consta uma cópia desse último na Seção de Obras Particulares do Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto (APHRP), onde também se identificou o projeto do Banco do Comércio e da Indústria, de mesma data. Debruçamo-nos então sobre esses dois projetos para casas bancárias construídas na cidade, que, além da autoria de Ramos de Azevedo, exerceram importante papel durante o ciclo cafeeiro não só em Ribeirão Preto, mas em todo Estado de São Paulo. Segundo Carneiro, “os bancos nacionais (…) tinham como função amparar o intermediário que financiava, assegurando-lhe alguma solvência frente a instabilidades devido à variabilidade da oferta e instabilidades de mercado decorrentes de efeitos sazonais e climáticos (…)”.
A modernidade construída a partir da obra de Ramos de Azevedo:
Na década de 1920, quando foram projetadas e construídas as duas casas bancárias em Ribeirão Preto, o Escritório Técnico Ramos de Azevedo já havia se firmado como o maior em todo Estado de São Paulo, detentor de grande prestígio frente à população e às empresas. Na capital paulista, já havia projetado o Banco Ítalo-Belga (1911) e o Banco Português do Brasil (1919) e reformado a sede do Banco do Comércio e Indústria (1912).
À época, Ribeirão Preto assistia à construção de importantes obras arquitetônicas e urbanas realizadas durante a gestão municipal de Joaquim Macedo Bittencourt (1911-1920). No Almanach Illustrado de Ribeirão Preto, publicado em 1913, foram anunciadas quatro agências bancárias de particulares, sendo eles Dr. Jorge Lobato, G. N. Malferrari, Jeronymo Ipolito, e Almeida & Irmão, e cinco sucursais, sendo elas: Commercio Industria, Custeio Rural, Francez & Italiano, Credito Ipotecario Agricola e São Paulo. Apesar de não constar dentre os anúncios, o Banco do Brasil, o mais antigo do país, fundado em 1808, ainda não tinha sede própria na cidade. Já o Banco do Comércio e Indústria, fundado em 1889, teve a primeira filial aberta em 1910, em Ribeirão Preto, pois, além da projeção da cidade como capital do café, um de seus sócios fundadores era Antônio da Silva Prado, proprietário das fazendas São Martinho e Guatapará, localizadas na região.
Os projetos elaborados pelo Escritório Técnico Ramos de Azevedo foram aprovados pela Câmara Municipal em 1922. Ambos estavam localizados à Rua General Osório, que, desde 1878, estava circunscrita na zona comercial da cidade. Essa rua, a partir de 1884, tornou-se a ligação entre o Largo da Matriz e a estação ferroviária da Companhia Mogyana. Na parte baixa, próximo à estação, a princípio, instalaram-se hospedarias, substituídas a partir da década de 1910 por estabelecimentos comerciais. Na parte alta, próximo ao largo, instalou-se o comércio de luxo. No quarteirão compreendido entre as ruas Álvares Cabral e Amador Bueno, concentraram-se, na mesma face, a Banca Francese – Italiana, o Banco do Comércio e Indústria, o Banco do Brasil e o Banco América (Fig. 1).
As construções eram assobradadas, pois em todas elas funcionava a agência no térreo e a casa do gerente no pavimento superior. O uso misto de comércio e moradia foi se tornando uma prática comum ao longo de toda a rua, a partir da década de 1920, quando os antigos estabelecimentos comerciais foram demolidos e substituídos por outros adequados às novas exigências do código de posturas e ao novo perfil comercial urbano. Também assinala um aumento no gabarito nessa região, que, na década de 1930, assistiria à construção do primeiro arranha-céu do interior paulista, o Edifício Diederichsen, visto ao fundo na fotografia produzida pelo estúdio Photo Sport, em 1939, e reproduzida na Fig. 2.
As construções foram erguidas sobre o alinhamento frontal do terreno. O Banco do Comércio e Indústria (Fig. 3) apresentava uma implantação peculiar em relação aos demais, pois foi afastado em relação à divisa lateral esquerda. Apenas o hall da escada de acesso ao terraço do pavimento superior ocupava uma porção desse recuo. Na extremidade direita, havia um pequeno recuo em relação ao alinhamento frontal, conformando um segundo terraço para o qual se abria um dos dormitórios (Fig. 4).
Tal solução gerou uma fachada assimétrica que foi “corrigida” em projeto de reforma elaborado na década de 1940. Nessa reforma, cobriu-se o terraço de acesso ao pavimento superior. É curioso notar que essa assimetria parece uma exceção tanto nas casas bancárias quanto nas demais tipologias arquitetônicas existentes na Rua General Osório. No entanto, em outras filiais do Banco do Comércio e Indústria, localizadas nas cidades de Bauru e São Manoel, tal assimetria é a única exceção dentre as soluções compositivas e ornamentais adotadas no prédio de Ribeirão Preto. Apesar dessa diferença, a existência de projetos análogos produzidos para a mesma agência bancária, fortemente atuante no Estado, indica mais uma das características modernas do escritório: o sistema de produção serial. Com tal organização, de forte influência fordista, o escritório conseguiu produzir aproximadamente 4.000 projetos arquitetônicos em todo país, durante os 94 anos em que se manteve na ativa.
À época da construção dessas duas casas bancárias, Ramos já era sócio de uma série de empreendimentos, dentre os quais se destacam a Companhia Paraná Industrial, fundada em 1887, e a casa importadora Ernesto de Castro & Cia, de 1891. Além disso, era comum que ele requisitasse os serviços dos alunos e artesãos do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo para a execução de suas obras na capital. No entanto, também em Ribeirão Preto, há registros de peças fornecidas pelo Liceu, como os móveis do Palácio Rio Branco, inaugurado em 1917, além da herma de bronze em homenagem ao Barão do Rio Branco, de autoria de Fernandes Caldas, que era docente daquela instituição. No dia de inauguração desse monumento, em 1913, o próprio Ramos de Azevedo compareceu à solenidade.
Por se tratar de um projeto padrão, replicado em ao menos três cidades, é bem provável que fossem os artesãos do Liceu responsáveis pela produção seriada de peças de serralheria e ornamentos em geral, com pequenas variações entre si. Tal suposição baseia-se na pesquisa de Beatriz Bueno, que identificou, no acervo do Liceu de Artes e Ofícios, duas fotos parciais da fachada da sede do Banco do Comércio e Indústria, na capital paulista. Esse prédio foi demolido e não há outras fontes informativas para além do projeto arquitetônico aqui reproduzido. Por sua vez, a fachada do prédio do Banco do Brasil, inaugurado em 1924, foi conservada, removendo-se as antigas portas de ferro (Fig. 5).
O Banco do Brasil foi inteiramente alinhado sobre o limite frontal do terreno (Fig. 6). Ao contrário do Banco do Comércio e Indústria, no qual os terraços foram criados a partir de um jogo de volumes, aqui a sacada projeta-se sobre a calçada. Com exceção da serralheria artística, as modenaturas e ornamentos são mais modestos. O programa residencial, por sua vez, é mais complexo.
A escada para o pavimento superior também ficava situada em um hall com acesso direto à rua, porém, coberto em ambos os pisos. Para esse hall voltava-se a sala de visitas, que não se conectava com mais nenhum cômodo. Um corredor levava à sala de jantar, deixando-a para uso exclusivo da família. Dois dormitórios estão voltados para a sala de jantar e dois, de menores dimensões, para o corredor de acesso à zona de serviços. A zona de serviços era dotada de copa, para onde se abria o banheiro da casa, despensa e cozinha. A cozinha se abria para um terraço, voltado para o fundo do lote. Nele, havia uma segunda escada, descoberta, que levava diretamente à sala da guarda. Havia um segundo banheiro e uma toilette de uso exclusivo para um dos dormitórios. Todo o programa era distribuído ao redor de um átrio, com vista para a agência, no térreo, cuja projeção ainda se vê na cobertura atual. Não foram localizadas fotografias do interior do prédio, quando a agência ainda estava em funcionamento. Atualmente, o edifício encontra-se completamente alterado para o funcionamento de um estabelecimento comercial (Fig. 7).
Considerações finais:
Há uma série de obras atribuídas a Ramos de Azevedo tanto na capital quanto no interior paulista. Mais do que a competência técnica, tais obras refletem a influência que o engenheiro-arquiteto teve no imaginário moderno, forjado no interior paulista pelos almanaques e cartões-postais que estampavam as grandes obras públicas, no mais pujante estilo eclético. Segundo Carvalho, o arquiteto e sua visão de mundo corroboram com o espírito da época, em “(…) um contexto propício aos empreendimentos e empreendedores que buscavam progresso, inovação, comércio e industrialização”. Não suficientes os inúmeros projetos de fato realizados pelo escritório, tornaram-se comuns referências ao seu nome com base em características de verossimilhança ou no próprio desejo das pequenas cidades de estampar o seu nome como sinônimo de progresso. Texto de Ana Teresa Cirigliano Villela


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