quinta-feira, 5 de agosto de 2021

A Pesca da Baleia no Brasil Colônia - Artigo


 

A Pesca da Baleia no Brasil Colônia - Artigo
Artigo

A atividade da pesca da baleia na América portuguesa começou a desenvolver-se no início do século XVII, quando a técnica foi introduzida no Recôncavo Baiano, em substituição ao aproveitamento das baleias que ficavam encalhadas nas praias. Os moradores do litoral aproveitavam para retirar-lhes a camada de gordura da qual pelo cozimento se apura até chegar ao óleo. O azeite era empregado para diversos fins: na iluminação, na impermeabilização de navios e barcos, fabrico de velas, sabões e outros produtos. No Brasil, o óleo de baleia era vendido a alto preço, embora tivesse qualidade inferior ao de oliva.
A importância econômica da atividade baleeira, bem como a construção das chamadas "fábricas" que aceleravam esse comércio, só ocorreram no final do século XVII, sendo que a mais alta lucratividade só acontece no século XVIII. Depois de arpoadas, as baleias eram puxadas para a praia, em locais denominados "armação", pois ali se armavam os equipamentos necessários à retirada das partes a serem utilizadas. Da Bahia, as armações de pesca de baleia expandiram-se para o Sul e, em menos de século e meio, eram 12 no vasto litoral entre Cabo Frio e Santa Catarina. A chamada região das "pescarias do Sul" subdividia-se em áreas menores - hoje correspondendo ao litoral fluminense, paulista e catarinense - e estava centralizada no Rio de Janeiro.
No início do século XVIII, com o crescimento da produção de ouro das Minas Gerais exportada pela cidade do Rio de Janeiro, houve um grande aumento na movimentação de navios, principalmente na Baía de Guanabara, provocando uma redução na pesca de baleias praticada na área. Antes que esta redução ocasionasse sérios problemas ao Brasil, afetando principalmente a exportação, o comércio e a iluminação pública (quase toda feita com óleo de baleia), foram criadas diversas armações de baleias ao longo do litoral do Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo.
Os primeiros acordos firmados entre a Coroa portuguesa e os contratadores da pesca da baleia no Brasil colonial ocorreram no período da União Ibérica, ou seja, os contratos tinham características políticas similares às estabelecidas na América espanhola. Contudo, a intensificação das relações comerciais que envolviam a pesca das baleias ocorreu a partir da segunda metade do seiscentos, principalmente na capitania do Rio de Janeiro, fato este que está intimamente relacionado com a decadência da Índia portuguesa e a presença holandesa na parte norte do Brasil.
Ao longo dos séculos XVII a XIX, sucederam-se contratadores e contratos, ou, respectivamente, concessionários ou arrematantes do monopólio e instrumentos que regulamentavam direitos e obrigações das partes contratantes: administração da pesca, comércio do óleo, preços e mais coisas. Usualmente o ano dos contratos começava a contar em 24 de junho e terminava em igual dia do ano seguinte, quando se iniciava o outro ano contratual. Coincidia o início do ano do contrato com a migração das baleias e sua passagem pela costa do Brasil, já que a temporada da pesca ia de junho a agosto.
Os contratadores da pesca das baleias eram, antes de tudo, vassalos do rei, e como tal, buscavam sempre estar inseridos em espaços de atuação colonial, onde pudessem se firmar como membros da elite local, porque as colônias tinham na metrópole a sua referência moral. Com relação ao que a sociedade do período achava destes homens e da atividade que praticavam, é sabido que as múltiplas hierarquias existentes no Império português se estendiam dos indivíduos até os produtos, além das atividades desempenhadas. Assim, a prática mercantil que não era bem vista torna-se mais complexa quando vinculada a um produto considerado inferior para comercialização, como era a carne de baleia.
A maioria dos contratadores envolvidos com a pesca da baleia parece ser homens já estabilizados e atuantes em outras atividades comerciais. São quase todos provenientes de famílias de destaque, seja em Portugal, seja no Brasil. Isso permite deduzir que a pesca deste cetáceo seria um negócio que, embora lucrativo - já que da baleia aproveitava-se quase tudo -, necessitava de um investimento inicial alto que poucos teriam condições de arcar.
Pesquisas relevam que até finais do seiscentos era grande a presença da chamada "nobreza da terra" envolvida na atividade baleeira, e que este quadro só começa a mudar a partir da terceira década do setecentos, quando há um aumento do número de reinóis ou "homens de negócio cariocas". É inegável a presença maciça de representantes da elite colonial envolvidos na atividade baleeira. Contudo, analisando a documentação presente no Arquivo Histórico Ultramarino, no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro referentes à pesca da baleia no século XVII, percebemos uma grande presença de "estrangeiros", ou melhor, de pessoas estranhas às famílias da capitania, como contratadores nesta atividade. Os pioneiros da pesca das baleias aqui no Brasil eram de Biscaia, Portugal, ou outras partes do Império português. Entre os contratadores havia aqueles que também eram senhores de engenhos de açúcar e possuidores de uma bem articulada rede de contatos envolvendo o Brasil e Portugal. A maioria dos contratadores era ligada à elite colonial e, por isso, parte do grupo de descendentes de portugueses nascidos no Brasil.
O contrato da pesca da baleia era considerado um monopólio régio e o arrendamento desse tipo de monopólio trazia vários benefícios aos contratadores que atuavam segundo suas conveniências. Os contratos da pesca da baleia envolviam a iniciativa particular para a construção das armações e o estabelecimento regular da atividade. A Coroa limitava-se a outorgar o monopólio da pesca e do comércio dos produtos do cetáceo a negociantes interessados e a permitir-lhes o investimento de capitais na organização de uma feitoria; e em vez de auferir rendimentos anuais pela concessão, recebia ao fim de alguns anos - a título de pagamento - fábrica, alojamentos, armazéns, fornalhas, tanques, caldeiras, escravos, terras, embarcações e apetrechos da pesca e da manufatura do azeite, que representavam o capital investido pelo armador monopolista, já auferido por ele os lucros resultantes do negócio.
Os contratos vigoravam, em geral, por três anos. Contudo, analisando alguns documentos, percebemos que esse prazo sempre era estendido e poucos foram os contratadores que permaneceram neste negócio apenas por esse tempo. A um triênio de pesca corresponderiam, em média, 140 baleias capturadas, se as condições de pesca fossem favoráveis, mas essa já era uma realidade existente no século XVIII, já que para o XVII não temos informações tão precisas, muito embora, acreditemos que os dados não fossem muito diferentes, dadas as poucas modificações técnicas observadas na atividade.
Terminado o prazo da concessão régia, o patrimônio investido na pesca era incorporado à Fazenda Real, mediante contratos arrematados em Lisboa ou no Rio de Janeiro, conforme as conveniências da Coroa, e cujas cláusulas estipulavam a vigência temporária e o preço da arrematação do privilégio, as formas de pagamento à Fazenda Real, os direitos, deveres e obrigações mútuos das partes contratantes e as concessões da Coroa aos arrendatários. Variaram tais cláusulas de acordo com a época, com as áreas de pesca que abrangeram e com os interesses e as circunstâncias em que se estabeleceram. Frustrado o arrendamento, correria a administração da pesca da baleia por conta da Fazenda Real, o que implicava em despesas de custeio da fábrica, de manutenção da mão de obra, além de imprevisíveis e inevitáveis prejuízos decorrentes da ausência do contratador, que era quem arcava com as responsabilidades do monopólio. A atuação da metrópole sobre os arrematantes era contínua, em 1698, uma concessão régia estipulou que os contratantes navegariam por sua conta e risco.
Armazenado sem escoamento, tornava-se o azeite de cetáceo, com o tempo, espesso, rançoso, inaproveitável para iluminação e comércio. Essa situação prejudicava o contrato de arrendamento da pesca da baleia. As sobras de azeite de um contrato para o outro não poderiam ser descartadas, o que obrigava o contratador seguinte a adquirir o que havia sobrado do seu antecessor. Tal excedente de aquisição forçada implicava em sobrecarga de azeite para o novo contrato e restringia as operações da pesca, como sucedia no Rio de Janeiro em fins do século XVII. Ficavam limitadas as operações por cláusulas contratuais, que só permitiam aos contratadores dispor de quatro reservatórios e cinco lanchas, medida que visava impedir a superprodução do óleo de baleia. Lotados os tanques, suspendia-se a pescaria. Tais expedientes chegaram a limitar as ofertas de arrematação daquele monopólio no Brasil.
Efetuada a arrematação, o contratador depositava em mãos do Tesoureiro da Fazenda Real uma fiança equivalente à metade do preço do contrato e, aos quartéis, realizava os pagamentos anuais. Por sua conta correriam as despesas com arrecadação dos rendimentos do contrato - excetuando-se os ordenados dos oficiais nomeados pelo rei - mediante alvarás, cartas régias e provisões. Pagaria também, em dinheiro, os dízimos das baleias. Contudo, o negociante da pesca da baleia poderia alienar o contrato a terceiros, em todo ou em parte, conservadas as mesmas condições e estabelecidas outras mais, se necessário. Também teria a concessão exclusiva da pesca da baleia e poderia atuar - pescar ou mandar pescar - em toda a costa da capitania do Rio e Janeiro, onde melhor lhe parecesse, e estabelecer novas armações na região.
Em decorrência dos inúmeros problemas de corrupção enfrentados durante a década de 1670, no final do ano de 1693, a Coroa portuguesa assumiu o contrato da pesca da baleia. Contudo, a Fazenda Real estava tendo prejuízos com este negócio, assim, em finais do seiscentos, a arrematação do contrato da pesca das baleias voltou às mãos de particulares, ganhando visibilidade e voltando a ser lucrativa a partir das primeiras décadas do setecentos, quando o boom da mineração e o consequente aumento populacional levaram a uma grande expansão comercial, fazendo crescer a demanda colonial por toda sorte de produtos. A partir de então mudam as configurações dos empreendimentos, dos monopólios e dos arrendamentos à Real Fazenda, para os produtos, os tributos e as passagens, geralmente em mãos dos comerciantes portugueses estabelecidos na colônia ou em Portugal. Os contratos com sede em Lisboa tinham seus representantes no Rio de Janeiro e em Salvador, e ramificações em todas as praças de comércio do Brasil. A eles não escapariam o arrendamento, a exploração da pesca da baleia e o comércio do azeite de peixe no Brasil. Até por volta de 1730, ou seja, durante um século, na indústria baleeira da região meridional do Brasil, monopólios e contratos confinaram-se à área fluminense, ficando a região em sexto lugar nos rendimentos auferidos pela Fazenda Real do Rio de Janeiro.
Os estudos realizados até o momento sobre a pesca da baleia no Brasil colonial permitem algumas considerações importantes. Primeiramente está o fato de que, para além da economia açucareira, o Rio de Janeiro, desde as primeiras décadas do seiscentos, apresentava outras atividades importantes, inclusive mercantis. Os investimentos referentes à arrematação do contrato da pesca da baleia eram uma alternativa interessante, atraindo vários membros de famílias de destaque da capitania Rio de Janeiro. A pesca da baleia no interior da baía da Guanabara só arrefeceu com a descoberta do ouro e o aumento do fluxo de embarcações no porto do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XVIII. Essa movimentação acabou por afugentar as baleias, desviando a atividade para outras regiões da capitania. Portanto, embora a principal fonte de recursos do recôncavo da Guanabara fosse a agricultura (da cana de açúcar e mantimentos), a pesca da baleia e o beneficiamento dos produtos dela derivados foram desde cedo atividades importantes. Desde pelo menos a segunda metade do século XVII, sua importância mereceu a abertura de contratos e o controle metropolitano sobre a sua produção e comercialização dos produtos derivados da pesca, seguindo o padrão de contratos já estabelecido na Bahia desde o século anterior.
Outro ponto importante de análise está relacionado às funções que estes contratadores desempenhavam na vida pública da cidade e também no entorno do recôncavo da Guanabara. Acumulando cargos administrativos honoríficos, demonstravam que a atividade baleeira exigia recursos prévios e redes sociais e políticas bem estabelecidas para resguardá-los diante dos opositores que se apresentavam com interesses na arrematação dos contratos, ou para revezar com eles, na posse deste privilégio.
Assim, os laços matrimoniais firmados, os dotes, as heranças e doações precisam ser levados em consideração quando observamos os tipos de "acumulação e transmissão de riqueza" realizados por esses contratadores. Casamentos e alianças políticas marcaram o cotidiano destes negociantes, que não abriram mão da proximidade das esferas de poder, seja nas câmaras ou na provedoria da Santa Casa de Misericórdia, reproduzindo, assim, as características que definem a sociedade colonial neste período.
No que diz respeito à atividade baleeira, a exploração econômica da baleia foi uma importante prática na América portuguesa e também contribuiu para a ocupação e povoamento da costa meridional da capitania. A carne da baleia, usada como alimento, infelizmente era vista como um subproduto, sendo consumida somente por escravos e pela população livre pobre (apesar da língua desse cetáceo ser considerada uma importante iguaria e vendida à nobreza e ao clero europeu). As barbatanas eram utilizadas na confecção de indumentárias femininas e masculinas, como os espartilhos, saias, chapéus e em artefatos de batalha. Os ossos eram usados para a construção civil e, principalmente a partir do século XVIII, para produção de móveis.
A partir da segunda metade do setecentos, começa a se desenvolver uma incipiente indústria de óleo e outros derivados, desenvolvendo-se no litoral da Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina, mas que praticamente extinguiu-se no XIX. Superada a fase da coleta dos produtos dos cetáceos encalhados junto às praias, os baleeiros mantiveram-se junto à costa e, sem evoluir aquelas práticas (de perseguir, cercar e acuar as baleias), não se desprenderam do continente rumo ao mar alto, no encalço dos cetáceos, como fizeram aqueles que caçavam as baleias em outras regiões do mundo.
Nas proximidades dos povoados marítimos, as feitorias baleeiras do Brasil - com seu engenho, casa-grande, senzala e dezenas de outras construções - exploravam comercialmente a pesca da baleia e, em algumas regiões, se estabeleceu o comércio local do azeite de peixe para o fornecimento de habitações, fábricas de açúcar, aguardente e farinha, estaleiros, fortalezas e outras construções. Também houve o desenvolvimento de uma navegação de cabotagem encarregada da expedição de óleo e barbatanas para o centro redistribuidor do Rio de Janeiro e da importação de escravos e artigos indispensáveis à vida cotidiana e ao trabalho. Concentraram técnicas, aparelhagem e mão de obra assalariada e escrava para as arriscadas aventuras marítimas, destinadas ambas às fábricas de beneficiamento e serviços terrestres.
A ela também se associaram a Fazenda Real e os contratadores de um lado e, de outro, os administradores, feitores, mestres, oficiais e operários, pescadores, pequenos agricultores dos aglomerados de beira-mar, enfim, todos aqueles que, direta ou indiretamente, estavam envolvidos com esta atividade. Portanto, compreender como toda essa engrenagem se desenvolveu e consolidou no final do século XVII é fundamental para a análise do momento posterior, que é o século XVIII, onde essa atividade se expande por outras regiões do Brasil.

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