quarta-feira, 23 de março de 2022

Fundação da Cidade de Curitiba, Paraná, Brasil (Fundação da Cidade de Curitiba) - Theodoro de Bona

 


Fundação da Cidade de Curitiba, Paraná, Brasil (Fundação da Cidade de Curitiba) - Theodoro de Bona
Curitiba - PR
Colégio Estadual do Paraná, Curitiba, Brasil
OST - 1947

Segundo depoimento de Theodoro De Bona, a grande tela Fundação de Curitiba foi pintada no Rio de Janeiro, sob encomenda do Prefeito de Curitiba, Algacyr Mäder. O artista inspira-se em duas lendas: “Taki Kéva” e o “Primeiro Milagre de Nossa Senhora dos Pinhais”, publicadas em 1940, no livro Paiquerê, de autoria de Romário. Ao fundi-las, aproxima-se do relato do historiados Ruy Wachowicz. Conta a lenda que os moradores da Vilinha, localizada no Atuba de hoje, veneravam uma imagem de Nossa Senhora da Luz que todas as manhãs estava com o olhar voltado para o lado, onde queria que se erigisse sua igreja definitiva. Resolveram os moradores mudar a sede da povoação. Em sinal de amizade com os indígenas que habitavam a região, convidaram o cacique Arakxó (Gralha Branca) para indicar-lhes o local apropriado. Este, atendendo ao convite – após procurar demoradamente o lugar – assinalou-o com sua urugurú (lança), jamais vencida nos combates: fincou-a no solo dizendo “TAKI-KÉVA” (É aqui) e ainda, “CORE-ETUBA” (muito pinhão aqui) que deu origem ao nome da cidade de Curitiba.
A vara do chefe índio brotou, criou raízes, se fez árvore, floriu, frutificou. Suas ramadas deram abrigos e alimento às aves do céu que as encheram de ninhos e que saudaram com cânticos as madrugadas de nossa história.
A complexa composição idealizada por Theodoro De Bona presta-se a múltiplas leituras; todavia sobressai-se a característica de se tratar de uma obra minuciosamente elaborada, a partir de profundo estudo de grandes obras da História da Arte Universal.
Prevalece, no plano superior, uma horizontalidade dominante, apenas quebrada pelas árvores à nossa direita e esquerda, bem como por aquelas que se esboçam na linha do horizonte.
Na parte central da composição dá-se o encontro dos dois grupos: brancos à nossa esquerda, e índios à nossa direita. Se fizermos a leitura no sentido horizontal duas amplas curvas insinuam-se: seu entrelaçamento, justamente no centro da composição, forma um oito deitado, pouco acima do qual sobressai-se a imagem de Nossa Senhora da Luz, que está sendo mostrada por uma ancião – tratando-se de um subterfúgio empregado pelo artista para torná-la um dos focos principais da pintura. Segundo a simbologia universal, o oito é o número do equilíbrio cósmico; o que comprova que De Bona sonha um mundo mais justo, onde índios e brancos convivam harmoniosamente. Tal afirmativa é comprovada através da leitura em sentido vertical, cuja estrutura forma um livro semi-aberto que, em si, simboliza o universo.
O grupo de homens brancos em pé, mais solene e circunspecto, tem uma nítida influência das escolas flamenga, holandesa e espanhola do século XVII. Já os índios, mais espontâneos em suas atitudes, remetem-nos a Gauguin.
A figura do cacique Arakxó, com seu cocar branco, é a mais dinâmica do grupo. O artista representa-o no ato em que está levantando o braço para fincar a sua urugurú no solo, criando uma zona de tensão dinâmica, já que no esforço do movimento, apóia-se no arco, flexionando, paralelamente, a perna na diagonal. Para contemplar a cena, o índio ao seu lado movimenta a cabeça e o tórax, mantendo o antebraço flexionado para segurar a sua urugurú e arco. Também os demais índios do grupo central seguram suas urugurús e arcos, enquanto observam, atentos, o ato do cacique. Apenas uma índia, à direita do grupo, dá atenção ao filho. Os ritmos formados pelas diagonais e as leves curvas dos arcos emprestam ao todo uma sensação dinâmica.
Profundo conhecedor da Arte Italiana, é provável que segundo a tradição medieval perpetuada no Renascimento por artistas como Masaccio e Piero Della Francesca, também Theodoro De Bona tenha lançado mão da narração contínua (reminiscência do teatro medieval, também presente nas artes plásticas, segundo a qual cenas que se passam em termos distintos são representados em uma única composição). Partindo deste pressuposto, é possível afirmar que a árvore à direita do grupo central já seja a urugurú que criou raízes e floresceu. Sob ele três índios inserem-se em uma estrutura piramidal, representando, ao mesmo tempo, três fases da vida: a criança, o adolescente e o adulto.
O jovem índio que estende os braços para o alto, em sinal de adoração da natureza, tem uma nítida inspiração no Incêndio do Borgo, das Stanze de Rafael no Vaticano. Também não deixa de ter certa analogia com uma das últimas e mais características obras de Gauguin: “De onde viemos? Quem somos nós? Onde vamos?”. Se Gauguin inspira-se em um tema filosófico-religioso que se identifica com a cultura dos povos do Pacífico, não há dúvida de que De Bona faz a defesa da cultura indígena que soube criar, dentro das suas características peculiares, um mundo espiritual tão profundo quanto o do homem branco.
A infância é representada pelo indivíduo que segura um pássaro multicolorido. Se ele simboliza a idade da inocência, as fortes cores das penas vermelhas, amarelas e azuis afirmam não só os valores solares como a beleza da fauna do Brasil Meridional. Já na indiazinha adolescente que se aproxima está implícito o despertar para a vida.
Outros índios espalham-se pela cena. Todavia, chama a nossa atenção o índio sentado à direita em primeiro plano que representa, talvez, a imobilidade que o homem branco trouxe para as várias nações indígenas; se não, a sua total extinção.
O lado esquerdo da composição é mais complexo; ressentindo-se da influência do Seicento Italiano, dos Mestres Venezianos do Settecento e de Morelli, entre o verismo e o romantismo. A estrutura ondula-se em torno de uma semi-oval. Há uma multiplicidade de personagens, não faltando, ainda, animais (cavalo e cachorro). Sob uma árvore várias pessoas abrigam-se sob um rústico baldaquino construído para proteger o andor de Nossa Senhora da Luz durante o trajeto. Ao seu lado um escravo segura um cavalo, sendo que, à sua direita, está representado um trabalhador rural. Inserida em uma estrutura piramidal uma mãe amamenta seu filho; uma mulher à esquerda contempla a cena. Pouco acima uma senhora em pé é representada com um característico toucado, sendo que sua atenção se volta para o grupo central.
Na parte inferior, um menino – provavelmente um aguadeiro – que parece estar caminhando, acompanhado por seu cachorro, dinamiza a composição.
Um caminho sinuoso conduz nosso olhar da esquerda para a direita e da direita para a esquerda criando um ritmo melódico que envolve o espectador.
Não há dúvida que com a “Fundação de Curitiba”, Theodoro De Bona inaugura oficialmente a iconografia Histórica na Arte Paranaense.



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