terça-feira, 26 de julho de 2022

O Triste Fim do Quartel do Glicério / Quartel da Tabatinguera, São Paulo, Brasil

































O Triste Fim do Quartel do Glicério / Quartel da Tabatinguera, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia


Um patrimônio paulistano cujo valor histórico é quase incalculável corre o risco de a qualquer momento virar uma pilha de escombros. Trata-se do chamado Quartel da Tabatinguera, como é conhecido popularmente, ou 2º Batalhão de Guardas, denominação advinda do período em que pertenceu ao Exército.
Inicialmente servindo como sede da Chácara do Fonseca, uma grande propriedade rural onde hoje está a região conhecida como Baixada do Glicério, o imóvel foi posteriormente sede do Seminário das Educandas. Em seguida, em 1862, passou a abrigar o Hospício dos Alienados entidade de saúde que ocupou o local até 1903. Era tão conhecido em São Paulo que a rua que dá acesso ao sanatório era chamada de Rua do Hospício, posteriormente alterada para Frederico Alvarenga, em homenagem a um dos médicos que dirigiu o hospício. Foi também ali, em 1871, que faleceu o célebre poeta Paulo Eiró, aos 36 anos, vítima de meningite. Em 1905 a edificação foi destinada ao uso militar, abrigando uma unidade do Exército Brasileiro. Foi neste período que o edifício recebeu sua última ampliação estrutural e permaneceu, mesmo sem tombamento, em perfeito estado de uso e conservação, ao menos até 1992 quando o então 2º Batalhão de Guardas foi repassado definitivamente ao Governo Estadual, que por sua vez o repassou à Polícia Militar.
É a partir da transferência de posse do Exército para a Polícia Militar que um lento processo de decadência do complexo tem início. Desde 2010 acompanhamos a degradação do local bem de perto. Se no início eram apenas manchas de umidade, algumas rachaduras e alguns madeiramentos servindo de refeição para cupins, de 2018 para cá a deterioração acelerou-se de forma tão brusca que a situação atual do velho quartel é de penúria total.
Isso agravou-se principalmente com a remoção da guarda que ficava nas guaritas dos dois lados do batalhão. Se antes apenas aparentava estar abandonado, a presença ostensiva de policiais em guarda afugentava invasores e ladrões de materiais e objetos. A saída da guarda foi a deixa para que o local passasse a ser invadido dia e noite.
Não é raro ver carroças saírem carregadas de tijolos de lá de dentro. Aliás, o que motivou essa reportagem foi uma dessas retiradas feitas em plena luz do dia, em uma das regiões mais movimentadas do centro da cidade. Levam tudo o que é possível, não só tijolos, mas esquadrias, torneiras, portas, canos, fios, janelas e, pasmem, até os portões centenários já desapareceram.
Alguns moradores de rua vivem lá dentro sob um teto de madeira apodrecido que, já quase sem escoras (furtadas), corre o risco de desabar de vez.
Devido a isso foi impossível subir no andar de cima do quartel. Todas as madeiras das escadas foram furtadas e as poucas que sobraram viraram alimento de cupins. No térreo é possível caminhar apenas nos corredores centrais, uma vez que todas as salas e salões com seus pisos de madeira viraram imensos vazios, com seus porões escancarados.
Em todas as janelas do batalhão foram instaladas anos atrás lonas azuis, de modo a proteger o interior da edificação de chuva e vento. Entretanto quase a totalidade delas já foi arrancada ou se rasgou de apodrecida, deixando a parte interna desprotegida e ainda mais vulnerável à ação do tempo.
Em 2010 foi feita uma ação civil pública, pela Associação Preserva São Paulo, exigindo a manutenção do espaço. Mesmo o caso sendo levado até o STF, aparentemente nada foi feito para prevenir sua cada vez mais irreversível deterioração.
Isso é observado ao caminhar por dentro do complexo, onde podemos ver calhas entupidas vertendo água por fora em todos os cantos, paredes que desabam devido a umidade, esfarelando os tijolos. Até a chaminé do século 19, caída sobre o telhado, só não despencou no pátio central por ser escorada pelo que restou do madeiramento do telhado.
Mas se na construção principal o telhado ainda não desabou de vez, o mesmo não pode se dizer de uma estrutura menor cujo telhado e madeiramento caiu quase por completo de tão podre. Mesmo com a estrutura estalando e com risco de cair a qualquer momento, moradores de rua arriscam-se ficar ali pra se esconder do frio.
Enviamos 5 perguntas ao Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) e para a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo sobre o que será feito no local, previsão e obras emergenciais. Limitaram-se a responder com uma breve nota, que pouco esclarece, a qual reproduzo aqui:
"A Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo informa que o antigo Batalhão da Tabatinguera é tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico – Condephaat desde 1981. A Polícia Militar trabalha no desenvolvimento de projetos de restauração para que a edificação seja ocupada por unidades operacionais da instituição. No dia 27 de maio está prevista abertura de licitação para contratação de serviços de fechamento de acessos e de manutenção da proteção de fachada e das janelas."
A resposta vazia causa não só espanto como indignação. Fica evidente a ausência de qualquer plano concreto ou ao menos um projeto para transformar o local em algo útil para a população paulistana.
Andar sob a estrutura é ter certeza de que se nada for feito urgentemente tudo ali corre o risco de vir abaixo. Toda a estrutura tem trincos, rachaduras enormes e com muitas das estacas removidas, não é raro ouvir estalos na estrutura.
A região onde está o batalhão necessita urgentemente de investimentos pois é uma das áreas mais deterioradas do centro da cidade. Não muito distante dali, do outro lado do Rio Tamanduateí, existe outra edificação que pertence ao Governo do Estado de São Paulo que também apresenta-se em ruínas: A Casa das Retortas. 
Anunciada como futura sede do Museu de História de São Paulo, teve o início do seu processo de restauro em 2009, já tendo consumido cerca de 120 milhões de reais e, para variar, não concluído. Texto de D. Nascimento.

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