sábado, 17 de agosto de 2024

Morre Silvio Santos, Figura Mitológica do SBT e da Televisão Brasileira, aos 93 Anos - Artigo


































































































Morre Silvio Santos, Figura Mitológica do SBT e da Televisão Brasileira, aos 93 Anos - Artigo
Artigo

Texto 1:
Silvio Santos, dono e apresentador do SBT, morreu às 4h50 da madrugada deste sábado, aos 93 anos. Também empresário, ele estava internado na UTI do hospital Albert Einstein, em São Paulo. A causa da morte foi broncopneumonia, uma infecção dos alvéolos pulmonares, responsáveis pela troca de oxigênio.
Silvio será sepultado em seu cemitério particular, cujo endereço não foi divulgado ao público. Não haverá velório aberto ao público e fãs e amigos não poderão se despedir. "Ele pediu para que, assim que partisse, o levássemos direto para o cemitério e fizéssemos uma cerimônia judaica", afirmou a família do apresentador em nota.
Orgulhoso de sua intuição, Silvio Santos construiu uma das carreiras mais bem-sucedidas e ao mesmo tempo insólitas da história da televisão brasileira. Sem ligação com políticos nem vínculo com algum grupo empresarial, dizia ser o único dono de TV que gostava realmente de TV.
Fato raro na indústria do entretenimento, foi por quase cinco décadas apresentador e proprietário de sua emissora de televisão. Dono de uma fortuna estimada em cerca de R$ 6 bilhões, chegou a ser sócio majoritário de mais de 30 empresas, mas dizia não saber nem o endereço de algumas delas.
Mais do que um pseudônimo para Senor Abravanel —nome verdadeiro do apresentador, filho de imigrantes judeus de origem turca e grega—, Silvio Santos deu vida a um personagem com uma mitologia própria, lapidada com carinho ao longo de décadas.
Lendas e histórias reais se confundem de tal forma que chega a ser temeroso fazer afirmações categóricas de cunho biográfico. Veja, por exemplo, o caso de Jassa, cabeleireiro que o apresentador frequentou regularmente desde a década de 1970 para evitar os fios brancos.
Em muitas reportagens, Jassa é apontado como o "melhor amigo" de Silvio, tendo até influenciado em decisões artísticas e empresariais do cliente, como a contratação de Raul Gil, em 2010, entre outras façanhas lendárias que o tempo transformou em verdades.
Quando a primeira mulher de Silvio, Cidinha, morreu em 1977, a maioria dos fãs nem sabia que ele era casado e tinha duas filhas. Hábil no trato com os jornalistas, o apresentador conseguiu manter sua verdadeira idade como segredo até meados da década de 1980, sempre subtraindo cinco anos ou mais.
Ao entrevistá-lo para a Veja em 1985, o jornalista Mario Sergio Conti, colunista da Folha, teve o cuidado de anotar: "Silvio Santos, que afirma ter 49 anos". Tinha 54. Em 1987, pela primeira vez, surgem menções à data de nascimento que parece ser a verdadeira, 12 de dezembro de 1930.
A própria história de como Silvio deu os primeiros passos na vida é objeto das mais variadas versões, contadas pelo próprio. Foi camelô aos 14 anos, vendendo capinhas para título de eleitor e canetas, mas nunca ficou claro se fez isso por exigência familiar ou desejo precoce de independência.
Também parece folclórica a história que sempre contou a respeito do fiscal da prefeitura que, em vez de reprimir o camelô, encantou-se por sua voz e o levou —ou indicou— para um teste radiofônico, onde tudo começou.
Não menos repleta de versões é a história de como, já em São Paulo, em meados da década de 1950, adquiriu o Baú da Felicidade, um negócio que então andava mal das pernas e, com a sua dedicação, se tornaria um sucesso extraordinário.
Fato é que sua trajetória sublinha, sempre, os feitos de um sujeito com enorme faro para o comércio e gigantesco talento para a comunicação. Combinando ambos os predicados, foi vender os seus produtos na televisão. E nunca pretendeu ser algo diferente disso –um comerciante na TV.
Primeiro, comprou um horário na TV Paulista, emissora posteriormente adquirida pela Globo. Ocupou os domingos, dia desprezado pelas emissoras na década de 1960.
Quando Walter Clark e Jose Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, começaram a implantar o famoso "padrão Globo de qualidade", no início dos anos 1970, encontraram Silvio encastelado na grade dominical, com autoridade total, inclusive sobre a comercialização de publicidade. Tentaram tirá-lo, mas Roberto Marinho renovou o seu contrato.
O empresário só deixou a Globo quando obteve a primeira de uma série de concessões para dirigir a própria emissora. O canal 11, TVS, no Rio de Janeiro, foi dado pelo general Ernesto Geisel, em 1975. O filé mignon, a licença para explorar o canal 4, em São Paulo, e outros quatro canais, foi dada pelo general João Baptista Figueiredo, em 1981.
À base de muita articulação política e bajulação, jamais negadas por Silvio Santos, nascia o SBT. Um quadro infame, com nítido caráter publicitário, marcou época neste período. Chamava-se A Semana do Presidente.
A prova de que sempre foi um comerciante e não um homem de comunicação é o descaso com que tratou o jornalismo do SBT. Repetidas vezes, explicou: "Eu já dei ordens aos jornalistas da minha empresa para nunca criticar e só elogiar o governo". Em 2016, escalou um garoto de 18 anos, Dudu Camargo, para apresentar um telejornal.
Bajulou todos os presidentes, de Emílio Garrastazu Médici a Jair Bolsonaro, mantendo a sua televisão em modo de alheamento político. Mas nunca, como nos anos Bolsonaro, mostrou tamanho entusiasmo por um governante. Chegou a dizer que sonhava com oito anos de governo Bolsonaro seguidos por oito anos de um governo de Sergio Moro. Um genro seu, o deputado Fabio Faria, foi ministro das Comunicações de Bolsonaro.
De forma errática, sempre seguindo a sua intuição, dizia, levou o SBT ao posto de segunda maior emissora de TV do Brasil. Apostou inicialmente numa programação muito popularesca, o que levantou a audiência, mas afastou anunciantes. Reduziu a baixaria, mas sempre centrado no que havia de mais popular —programas de auditório, novelas mexicanas, "Chaves", filmes da Disney e desenhos animados.
Em alguns poucos momentos, investiu em programação da qualidade, sobretudo no jornalismo, mas debochava dos resultados alcançados em matéria de audiência.
Silvio mexeu tanto na grade da emissora que a sigla SBT ficou conhecida internamente como "Silvio Brincando de Televisão". O programa de Serginho Groisman no SBT, por exemplo, mudou de horário mais de 20 vezes, atrações foram canceladas no dia seguinte à estreia, funcionários foram demitidos e recontratados de acordo com o seu humor no dia.
Em 2007, Silvio pagou o preço pela administração caótica de anos. A Record, adquirida por Edir Macedo do próprio empresário em 1990, desalojou o SBT do segundo lugar.
Em um segmento —a política partidária—, a intuição de Silvio não funcionou. Tentou disputar quatro eleições. Num episódio vexaminoso, aceitou ser candidato à Presidência da República, em 1989, 15 dias antes da eleição, por um certo Partido Municipalista Brasileiro. A can didatura foi impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral.
O talento do empresário à frente dos negócios foi colocado em xeque em meados de 2010, quando se soube que o Banco PanAmericano havia quebrado com suspeita de gestão fraudulenta. Hábil negociador, saiu da história sem o banco, mas com o patrimônio intacto.
"Palladino? Que Palladino? Nunca fui ao banco. Nem sei onde é o prédio", disse na ocasião. Rafael Palladino, o principal executivo do banco, era primo de Íris, sua mulher.
Pai de seis filhas —as outras quatro de seu segundo casamento—, Silvio jamais teve um herdeiro na televisão. Houve alguns candidatos, como Gugu Liberato e Celso Portiolli, mas nenhum foi ungido pelo patrão.
Ameaçou se aposentar diversas vezes, desde a década de 1970, mas só foi abandonar o palco perto do fim de sua vida. Disse à revista Contigo, certa vez, que tinha uma doença fatal. Mas a notícia, que estampou a capa da publicação, era falsa.
Na década de 2020, passou pelo constrangimento de ser cancelado por parte dos fãs, que não toleravam mais o seu jeito desabrido de tratar mulheres e minorias sociais com piadas preconceituosas e de gosto duvidoso.
Devido à pandemia do coronavírus, permaneceu confinado em casa de março de 2020 a julho de 2021. Neste período, o SBT pareceu sofrer mais que os concorrentes com a queda de faturamento. Perto da comemoração dos 40 anos de sua emissora, um vacinado Silvio se sentiu motivado a voltar a gravar. Contraiu Covid-19.
Num sinal de como é complicada a sua substituição, ao deixar de apresentar o seu programa, em 2023, a atração foi rebatizada como Programa Silvio Santos com Patrícia Abravanel. E seguiu dando palpites na administração da rede, comandada por outra filha, Daniela Beyruti.
É difícil imaginar um SBT sem Silvio Santos —e isso muito por sua disposição ou, se preferir, culpa. Silvio foi a cara da empresa que construiu, cuja continuidade depende da capacidade de sua família de reinventá-la sem alterar o seu DNA. Texto de Mauricio Stycer.
Texto 2:
Como maestro do SBT, Silvio Santos, morto aos 93 anos, conseguiu um epíteto que pode parecer grandioso —fez a televisão da família brasileira. Algo difícil num Brasil de tantos Brasis. Mas sua figura, seu carisma e tino para os negócios orquestraram o visual e a linguagem de uma emissora que traduziu os brasileiros por seus afetos e sonhos, refletidos em caóticos programas de auditório, atrações e novelas infantis, sorteios, doações, jogos angustiantes e no humor —intencional ou involuntário.
A emissora atendeu a um público que, entre suas várias acepções, se confunde com aquele modelo do século passado —aquele que hoje chamam "família de bem", com suas indiscretas penetrações no poder—, mas também com aqueles que nada tem com isso: trabalhadores, gente simples e caseira que se satisfaz com os grandes sucessos de hoje e de outrora em seu tempo livre.
Talvez uma família mais latino-americana do que aquela da utopia carioca forjada pela Globo, e que Silvio Santos não tinha interesse em replicar ou representar. Uma família —mais ligada às terras paulistas, em geral— que não rejeita o "kitsch". Ou melhor, que vê o "kitsch" como um exagero natural.
Do Roda a Roda à Tele Sena, passando pelo Pião da Casa Própria, "Chaves" e "Carrossel", Ratinho e Casos de Família, Silvio ergueu uma Torre de Babel de realidades sociais, não raro dramatizadas ou importadas, mas reais para o brasileiro em diferentes medidas.
Não lhe interessava competir com Silvio de Abreu, Gilberto Braga ou Janete Clair e outros imbatíveis criadores do Brasil novelesco da Globo. Mas conseguiu, sempre filtrado pelos interesses comerciais, algo que costurava as gozações contra o Chavo del Ocho de Roberto Gómez Bolaños e as enrascadas em que Ivo Holanda —o rei das pegadinhas, o eterno malandro-mané— se metia para arrancar as gargalhadas do público. Algo que se estendia no ousado quadro "Pegadinhas Picantes", dedicadas às pipas dos vovôs, rasgando a madrugada com cenas hoje impensáveis.
Reprisado à exaustão por mais de 30 anos, o programa mexicano do senhor vestido de menino, morador de um barril, atravessou gerações e causou uma grita quando deixou de ser exibido, em 2020. Nos últimos anos, já não tinha o mesmo prestígio, sendo usado como tapa-buraco da programação, mas quando Silvio exigiu a compra do humorístico da Televisa, em 1981, estava atento a todo o sucesso do programa pela América Latina, e viu o estouro se repetir por aqui.
São várias as razões possíveis, mas o fato é que Bolaños trabalhou com arquétipos próximos aos nossos, em que o riso sempre se esgueira pela pobreza (Chaves), pela humilhação (Quico), pelos amores frustrados (Florinda e Girafales), pelos boletos que não cessam de bater à porta (Seu Barriga e Seu Madruga).
Do outro lado, Holanda assumia um quê de Mazzaroppi, como um espertalhão que sempre se dava mal para o gozo alheio. É quando o popular encontra eco no popularesco, por vezes ultrapassando o limite do bom senso.
Não à toa, programas de pegadinhas seguem fortes fora do ambiente televisivo, povoando perfis de TikTok latinos, sobretudo no Brasil e México, herdeiros desse formato da câmera escondida, que atua no limite da segurança.
Da mesma forma, com seu caráter centralizador de dono da TV e "showman" de uma plateia sempre feminina, no programa que leva seu nome há décadas, dividia os holofotes com personagens brasileiríssimos.
No Show de Calouros, um dos quadros de maior sucesso, jurados rigorosos como Zé Fernandes e Aracy de Almeida, a maior intérprete de Noel Rosa, contracenavam a sério com os caricaturais Pedro de Lara —irônico "bastião moral"— e Sérgio Mallandro, com suas abobrinhas de sucesso avassalador. Tudo embalado por uma vinheta carnavalesca de uma canção russa, aquela do "lálálálálálá....", dos anos 1920, que ganhou o mundo nos anos 1960.
Involuntariamente, essas criações do SBT, sempre a reverenciar o homem do microfone na gravata, poderiam todas habitar o quarteirão de "A Praça É Nossa" —hoje, um dos pouquíssimos resquícios do humor na TV aberta. Isto é, de um humor que não pretende nada senão manter viva essa linguagem particular, ainda que por vezes empoeirada.
Entre as cores saturadas, que põem o Qual É a Música? na mesma paleta dos produtos da Jequiti, esse visual próprio, mesmo inadequado, marcou gerações. E se nesse Carnaval tampouco chegava ao nível de invenção formal de um TV de Vanguarda, ou de um Vox Populi ou Ensaio —para citar criações das TVs Tupi e Cultura—, foi capaz de criar uma identidade.
Uma identidade tão forte que se espalha por outras camadas da cultura, vide as frequentes sátiras do Teatro Oficina, que, no fundo, iam além da rixa em relação a uma disputa por terra, passando pelo reconhecimento dessa força avassaldora da TV —mesmo por parte da emissora que se orgulhava em estar na vice-liderança.
Como Silvio fez com as filhas, a audiência do SBT, na recusa de se render ao politicamente correto ou à renovação das novas "famílias brasileiras", depende em boa medida do que se passa de pai para filho, de um hábito que se cultiva pelas manhãs, com as ligações incessantes ao Bozo e Vovó Mafalda, com Eliana, Mara Maravilha ou pelo paraíso consumista de Bom Dia & Companhia e seus PlayStations infinitos. Aos moldes da publicidade, na TV de Silvio, tudo era repetição —um hábito, como o de ir à missa.
A fé também foi vista lateralmente na tela do canal 4, mas sempre recusando os métodos da Record do bispo Edir Macedo, dos horários comprados da Gazeta e similares. "Judeu não deve alugar a televisão para os outros. Você não sabe que os judeus perderam tudo quando deixaram outras religiões entrarem em Israel?", disse Silvio em 2013.
Se a religiosidade era mais discreta, se manifestando em discursos pontuais de Silvio e de outros apresentadores, a "fezinha" segue onipresente, na constante publicidade dos sonhos do Baú da Felicidade, nos intermináveis sorteios das Tele Senas e nas barras de ouro —uma herança dos tempos de inflação desmesurada.
Entre fezinhas, bancos e baús, Silvio tentou de tudo. Conseguiu muito. Quando diziam que era artista, negava. "Não, eu sempre me vi como produto, um produto meu", disse a este jornal. Mas seu legado —como o de todo artista ou magnata quando perde sua batuta— periga há muito perder o equilíbrio. Texto de Henrique Artuni.
Texto 3:
Parecia uma loucura de Carnaval —e de fato era. No conforto de casa, o telespectador do SBT experimentou a desorientação temporal da folia de rua e teve a impressão de voltar duas décadas ao passado.
Em noite do desfile das campeãs neste ano, Silvio Santos, aos 93 anos, decidiu mudar a grade de seu canal para exibir a apresentação de 2001 da escola carioca Tradição, cujo enredo o homenageou. O SBT transmitiu o enredo "Hoje É Domingo, é Alegria, Vamos Sorrir e Cantar" conforme ele havia ido ao ar na Globo, com comentários de Cleber Machado e Glória Maria.
A ordem de Silvio para pôr no ar o desfile na íntegra fora dada dias antes, causando alvoroço nos bastidores da emissora. A própria Globo foi pega de surpresa pela transmissão de suas imagens."Ele estava vendo a homenagem no YouTube, pensou no desfile e disse: 'Vamos reprisar amanhã'. A gente aqui no SBT pensou 'ai, meu Deus, o que a gente vai fazer?'", contou Daniela Beyruti, a filha "número três" de Silvio e vice-presidente do SBT. "E foi isso. Fizemos e colocamos no ar. Este é o Silvio Santos."
E este é o SBT. O episódio foi a última das decisões inusitadas e não raro hilárias tomadas em quase cinco décadas como apresentador e proprietário do SBT, mas o telespectador costumeiro do SBT já estava acostumado. De alguma forma, via nessas medidas alopradas um sinal de autenticidade frente a concorrência.
A grade de programação parecia um brinquedo nas mãos de uma criança, tanto que a sigla SBT ficou conhecida internamente como "Silvio Brincando de Televisão". Não raro, atrações eram canceladas no dia seguinte à estreia, e funcionários eram demitidos e recontratados de acordo com o humor de Silvio no dia.
O Programa Livre, de Serginho Groisman, por exemplo, mudou de horário mais de 20 vezes. Jô Soares Onze e Meia, o clássico talk show do humorista, costumava ir ao ar bem depois do que indicava seu título. O programa Triturando, de fofocas, foi cancelado quatro vezes —e sua última encarnação durou apenas um dia.
São inúmeras as histórias folclóricas. Em 1988, o SBT anunciou que exibiria o filme "Rambo". No dia, para atrapalhar o concorrente, a Globo esticou a novela "Vale Tudo", grande sucesso na época. Silvio não titubeou e pôs no ar um slide com os seguintes dizeres, paralisado por 50 minutos: "Não se preocupe, quando terminar a novela da Globo, você vai ver 'Rambo'".
Com estratégias assim, Silvio ganhou a simpatia do público, deu uma cara única a seu canal e levou o SBT ao posto de segunda maior emissora de TV do Brasil. Em 2015, em rápida entrevista à Rede TV!, declarou: "Eu não assisto nem Gugu, nem Ratinho. Gosto de ver Netflix".
No mesmo ano, fez "propaganda gratuita" do serviço de streaming durante seu programa no SBT. Fã da série "The Bible", ele recomendou: "Se você não tem Netflix na sua casa, passe a ter". "A mensalidade é R$ 18,90, creio eu", prosseguiu, antes de concluir, pedindo aos donos do Netflix que lhe dessem um desconto. Acabou ganhando uma assinatura vitalícia.
Outros episódios, contudo, demonstravam atos mais passíveis de crítica de sua personalidade, como o descaso com que tratou o jornalismo do SBT. Repetidas vezes, explicou: "Eu já dei ordens aos jornalistas da minha empresa para nunca criticar e só elogiar o governo". Em 2016, escalou um garoto de 18 anos, Dudu Camargo, para apresentar um telejornal.
A bajulação a governantes foi comum ao longo de sua trajetória como empresário. Em 2020, após reclamações do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro sobre matéria do SBT Brasil, Silvio cancelou a exibição do telejornal no dia seguinte, que foi substituído por uma reprise do Triturando.
Em maio deste ano, o SBT tirou do ar reportagem sobre supostas multas aplicadas a caminhões com doações para vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, após reclamação do governo Lula.
Além disso, mais recentemente, Silvio passou a ser criticado por parte dos fãs que considerava preconceituoso e de gosto duvidoso o tratamento que dava a mulheres, crianças e minorias.
Em 2009, o Ministério Público Federal em São Paulo recomendou que o Ministério das Comunicações instaurasse um procedimento administrativo para apurar a exposição de Maisa da Silva, então com 7 anos, no Programa Silvio Santos. Dias antes, Maisa havia sido trancada em uma mala e chorado ao ver um menino mascarado.
Também recebeu muitas críticas em julho de 2017, quando comentou em seu programa um vídeo no qual Fernanda Lima aparecia. "Com essas pernas finas e essa cara de gripe, ela não teria nem amor nem sexo", afirmou, em trocadilho com o programa apresentado por ela na Globo, "Amor & Sexo".
Pouco depois, Fernanda, em entrevista ao "Pânico na Band", rebateu o dono do SBT. "Acho que Silvio é o maior comunicador vivo brasileiro, mas, nesse quesito, eu perguntaria 'Silvio, por que não te calas?'.
Outras vezes, contudo, era capaz de ousadias impensáveis para um homem em seu papel. Em 2001, Silvio protagonizou outro momento marcante ao dar um selinho em Gilberto Gil durante o programa Teleton, que arrecadava doações para crianças com deficiência. "Em anos bissextos, eu saio do armário", brincou 12 anos depois, ao relembrar o episódio.
Ao levar uma mulher trans ao palco, o que fazia com alguma frequência, perguntou o que ela havia feito com o "bilau". E completou: "Eu sempre tive vontade de sair com um homem. Verdade. Qual é o problema? Cada um tem sua fantasia sexual. Vou me entregar a ele", disse, para o delírio de sua plateia, quase toda feminina.
As referências sexuais ficaram cada vez mais frequentes em sua última década na TV. Em um quadro de adivinhação na noite de domingo, perguntou a Helen Ganzarolli, apresentadora com quem brincava ter um caso, "o que entra e sai, só para de comer quando vomita". A resposta dita no ar foi uma versão mais amena do que todos imaginamos.
Para o bem e para o mal, nunca houve um dono de TV como Silvio Santos. Texto de Marco Rodrigo Almeida.
Texto 4:
Em 6 de novembro de 2018, dez dias depois de Jair Bolsonaro vencer as eleições, Silvio Santos, morto aos 93 anos, mandou o SBT exibir mensagens de cunho patriótico do tempo da ditadura militar, entre as quais o "ame-o ou deixe-o", popularizada durante o governo de Emílio Garrastazu Médici. Diante dos protestos, mandou retirá-las do ar no mesmo dia.
Quatro dias após esse incidente, Bolsonaro surgiu ao vivo, por telefone, numa transmissão comandada por Silvio, no SBT. Era a edição do Teleton, a ação anual em que a emissora arrecada recursos para a Associação de Assistência à Criança Deficiente.
Feliz com o resultado das urnas, Silvio chamou Bolsonaro de "um carioca muito simpático, risonho, brincalhão" e pediu palmas ao presidente. Na sequência, elogiou a escolha do então juiz Sergio Moro como ministro da Justiça e prognosticou que Bolsonaro governaria por dois mandatos e seria sucedido por Moro por tempo igual.
"Eu acho que você pode ficar oito anos, depois passando para Moro e ele fica mais oito. O Brasil vai ter 16 anos de homens com vontade de fazer o país caminhar. Não vou viver até lá, é claro, mas, se depender da minha vontade e das pessoas que querem um Brasil para frente, oito anos com Bolsonaro e oito anos com Moro vão ser 16 anos de um bom caminho. Peço a Deus que isso se realize", concluiu o apresentador, morto aos 93 anos, cerca de quatro anos antes de se afastar das telas.
É verdade que o dono do SBT bajulou todos os ocupantes do Palácio do Planalto desde a ditadura Médici, de 1969 a 1974, e nunca escondeu que seu objetivo era esse mesmo. Por 16 anos, de 1981 a 1997, exibiu aos domingos o quadro "A Semana do Presidente", divulgando a agenda de diversos mandatários, de João Figueiredo a Fernando Henrique Cardoso.
Numa célebre declaração, em 1985, durante o governo de José Sarney, explicou : "Eu sou concessionário, um office boy de luxo do governo. Faço aqui o que posso para ajudar o país e respeito o presidente, qualquer que seja o regime".
Mas as relações de Silvio com o governo Bolsonaro expuseram um envolvimento e entusiasmo diferentes. Em abril de 2020, por exemplo, a revista Veja noticiou que o dono do SBT indicou o nome de um médico para substituir Luiz Henrique Mandetta, no Ministério da Saúde. Em nota, o SBT negou.
"A minha concessão de televisão pertence ao governo federal e eu jamais me colocaria contra qualquer decisão do meu patrão, que é o dono da minha concessão", disse Silvio na ocasião. Nunca acreditei que um empregado ficasse contra o dono. Ou aceita a opinião do chefe, ou arranja outro emprego."
De forma indireta, a observação sinalizou também uma defesa da decisão de Bolsonaro de substituir Mandetta por pensar diferente do chefe.
Em maio do mesmo ano, Silvio mandou cancelar a exibição de uma edição do "SBT Brasil". Nos seus 15 anos de existência, o telejornal nunca havia deixado de ir ao ar. O dono da emissora teria ouvido reclamações de que a edição da véspera desagradou ao governo. O tema principal do telejornal, como o de todas as emissoras naquele dia, foi a divulgação do infame vídeo de uma reunião ministerial ocorrida em 22 de abril.
Pouco tempo depois, em junho, Bolsonaro recriou o Ministério das Telecomunicações e nomeou o então deputado federal Fabio Faria para o comando da pasta. Faria é casado com Patricia Abravanel desde 2017. Eles têm três filhos, um deles batizado como Senor, em homenagem a Silvio.
Ao anunciar a escolha de Faria, Bolsonaro disse: "Ele não é profissional do setor, mas tem conhecimento até pela vida que ele tem junto à família de Silvio Santos." Ao noticiar a indicação, o jornalismo do SBT omitiu a relação de Faria com a família Abravanel.
Silvio recebeu Bolsonaro em sua casa em mais de uma ocasião e esteve com o presidente, em Brasília, em diferentes solenidades. "Eu simpatizo com você. Por quê? Não sei!", disse Silvio, ao ser homenageado com um selo comemorativo, lançado por ocasião dos seus 90 anos. "Só espero que você não mude nada. Continue assim como está. Não precisa fazer discurso nem nada. O povo gosta de você como você é."
Dados oficiais sobre os gastos do governo com publicidade indicam que a simpatia de Silvio por Bolsonaro foi recíproca. Como a Folha mostrou em março de 2024, o Grupo Globo, líder de audiência há décadas no Brasil, chegou a receber menos verba do que a Record e o SBT nos primeiros anos de Bolsonaro na Presidência.
Com o fim do governo Bolsonaro e início do governo Lula, o SBT voltou ao seu alinhamento tradicional. Em julho de 2023, sete meses após a posse, o presidente Lula recebeu Daniela Beyruti e Patricia Abravanel em seu gabinete. Durante o encontro, Silvio Santos telefonou para Lula. Tratou-se, segundo o SBT, de uma "visita institucional". No dia seguinte, o "SBT Brasil" exibiu uma entrevista exclusiva com Lula. Em março de 2024, o presidente voltou a falar com exclusividade à emissora de Silvio Santos. Texto de Mauricio Stycer.
Texto 5:
Com a morte de Silvio Santos, relembre algumas das frases mais marcantes ditas pelo apresentador e dono do SBT.
"O sorriso é a melhor arma para inspirar confiança. O homem que sorri é um homem confiante, de quem toda gente gosta." ("Realidade", texto de Luiz Lobo, setembro de 1969)
"Dizem que meu programa é comercial e que eu faço, na televisão, rádio com imagem. É verdade. Mas é isso que o público quer, e ninguém conhece o público como eu. Pesquiso, gasto dinheiro procurando saber o que ele quer, o que não quer. Não sou eu quem está por fora. São os que falam sem saber." ("Realidade", em setembro de 1969)
"O que a crítica não percebe é que a televisão é um reflexo da realidade brasileira. Eu fabrico televisores e vendo, só em São Paulo, 500 por mês, a 30 cruzeiros novos, sem entrada. Eu sei quem é que compra: o antigo público do rádio. Hoje em dia, quem não tem televisão não tem coisa alguma." ("Realidade", em setembro de 1969)
"No meu programa há uma parte com perguntas e respostas. Se em dez perguntas o telespectador não consegue responder pelo menos seis, ele vira o botão, vai ver outra coisa, diz que o programa está ruim. Mas se ele reponde as dez, fica bem com a mulher, com os filhos, com ele mesmo, e fica satisfeito comigo e com o programa. Dá audiência, entende?" ("Realidade", em setembro de 1969)
"Outros artistas famosos não fazem segredo de suas vidas, mas acho que, se posso manter o interesse do público em torno da minha pessoa, devo manter. Por isso não digo a minha idade, nem se sou casado, nem se uso peruca, se comprei ou deixei de comprar a mansão do Horácio Lafer. São os meus mistérios e isso dá resultado. Você, por exemplo, está perguntando tudo isso". (Veja, a Eda Maria Romio, em 7 de abril de 1971)
"90 ou 95% das decisões que eu tomo, graças a minha intuição, costumam dar certo. Eu digo isso sem menosprezar meus assessores. Eles são excelentes na execução, mas eu gostaria de ter mais gente criativa" (Veja, em 28 de maio de 1975)
"Preciso pedir Frank Sinatra para eles me darem Wanderley Cardoso. Se pedir Wanderley, eles me mandam o porteiro de um bar de esquina dizendo que ele canta direitinho. Enquanto digo: quero Hollywood, sai um programa pelo menos bem feito, e não como de há dez anos atrás" (Folha, a Maria José Arrojo, em 22 de abril de 1977)
"Eu já dei ordens aos jornalistas da minha empresa para nunca criticar, só elogiar o governo. Se for para criticar, é melhor não falar nada. É melhor ficar omisso." (Estadão, em 11 de março de 1985)
"O departamento comercial do SBT me convenceu a deixar um pouco de lado a minha programação popularesca para buscar um público um pouco mais sofisticado. Ou seja, a qualidade da programação pode não conquistar o telespectador, mas é uma exigência das agências de propaganda." (Veja, a Mario Sergio Conti, em 4 de setembro de 1985)
"A Globo também tem programas populares, como o Fantástico, que às vezes parece um programa médico, de tantas reportagens sobre doença que apresenta. Mas é diferente você fazer uma reportagem sobre doença deixando apenas o doente falar, ou mostrar gráficos e entrevistas com médicos. O público gosta das duas coisas, mas as agências de propaganda preferem o tratamento mais sofisticado." (Veja, a Mario Sergio Conti, em 4 de agosto de 1985)
"A Globo é um supermercado, o SBT é uma quitanda. Fatura dez vezes mais do que eu. Se a Globo fechasse hoje, pegasse fogo, e eu fosse o primeiro colocado e pegasse o mercado dela, nem em dez anos teria o prestígio, a qualidade, os profissionais que a Globo tem. Ela se transformou, por mérito, sorte, não importa o que, falta de concorrência, num parque de comunicação que é um dos mais importantes do mundo. É isso o que eu digo: você vai lá na Globo, vai no supermercado fazer as suas compras, não esqueça de passar na minha quitanda." (Estadão, a Marcos Wilson e Luiz Fernando Emediato, em 18 de outubro de 1987)
"Jô Soares veio trazer aquele chantili que, dizem as classes pensantes, faltava ao nosso pudim" (Folha, a Roldão Arruda, em 21 de fevereiro de 1988)
"Sou a favor da autocensura. Aquilo que não posso ver com a minha mulher e as minhas filhas, as filhas dos outros também não podem ver." (Folha, a Roldão Arruda, em 21 de fevereiro de 1988)
"Eu sou concessionário, um office boy de luxo do governo. Faço aquilo que posso para ajudar o país e respeito o presidente, qualquer que seja o regime." (Folha, a Roldão Arruda, em 21 de fevereiro de 1988)
"Só faço jejum no dia do Yom Kipur para mostrar ao meu líder lá em cima que estou com ele, e acho o Pai-Nosso a mais bela oração que alguém já disse." (Jornal do Brasil, a Cida Taiar, em 22 de fevereiro de 1988)
"Não vou falar mal de nenhum candidato. Não pedirei votos para mim. Simplesmente vou dizer que sou candidato e pretendo governar o Brasil com sensatez, honestidade e justiça." (Veja, em 8 de novembro de 1989)
"Se o lenhador Abraham Lincoln foi presidente dos Estados Unidos e o ator Ronald Reagan também —e por dois mandatos—, um camelô que virou artista e empresário pode ser presidente do Brasil. Se existem empresários, pessoas de formação universitária e homens de projeção nacional alimentando este tipo de preconceitos contra mim, eles não deveriam estar nas importantes posições que ocupam." (Veja, em 8 de novembro de 1989)
"Geralmente eu me preocupo quando a crítica acha bom um produto meu. Quando os críticos dizem que o produto é bom, realmente, vai dar dois pontos de audiência. O filme 'A Escolha de Sofia' ganhou o Oscar. Coloquei na programação e deu oito pontos de audiência. A crítica elogiou 'Brasileiras e Brasileiros'. Falou que ia ser sensacional. Deu cinco pontos. Então, a critica raramente funciona na televisão." (Folha, a Sonia Apolinário, em 9 de junho de 1991)
"Vou continuar sendo brega. Esse estigma até me envaidece, não empobrece. Sendo brega, lançando aquilo que o público gosta, eu consigo dar emprego para mais de 3.000 funcionários em São Paulo e 60 afiliadas em todo o Brasil. Então, é preferível ser brega, ter uma programação popular e ter dinheiro para poder, no final do mês, pagar o salário dos funcionários." (Folha, a Sonia Apolinário, em 9 de junho de 1991)
"O brasileiro é um povo humilde. A televisão é a sua única diversão. Esse povo não quer ligar a televisão para ter aula ou ter cultura. Isso quem tem que dar para ele são as autoridades competentes, por meio da escola. Nós, empresários, podemos ir a Miami, podemos ir à França ver ópera. Mas o pobre, que não tem dinheiro nem para ir ao circo, porque tem que comprar cachorro-quente para os filhos, quer é diversão grátis. Temos que dar ao povo o que o povo quer. Se for samba, será samba. Se for mulher com pouca roupa, será mulher com pouca roupa." (Veja, a Ricardo Valladares, em 17 de maio de 2000)
"Uma vez tinha um homossexual no júri, e o coronel Erasmo Dias —acho que foi ele— ligou para mim e falou que eu estava dando mau exemplo. Tirei o jurado do ar. O público não aceita bem o homossexualismo." (Veja, a Ricardo Valladares, em 17 de maio de 2000)
"Eu sou judeu. Aprendi hebraico, sei rezar a oração dos mortos, respeito as datas religiosas. Leio a Bíblia e sigo os preceitos. Faço jejum completo. Quando é época, não tomo nem água —na hora do Rophynol, chego a juntar cuspe na boca para poder engolir. Sou fã também do Edir Macedo, embora não seja adepto da religião dele. Ele tira as pessoas das drogas, da bebida, faz com que as classes menos favorecidas tenham confiança no futuro." (Veja, a Ricardo Valladares, em 17 de maio de 2000)
"A única coisa com que me preocupo é com a televisão. Eu sou investidor. Se (o negócio) der certo, deu. Se não der certo, não deu. A TV é o meu negócio. Mesmo que não desse certo, é o meu hobby. Agora, os outros são negócios. Eu não sou obrigado a entender de perfumaria, de banco. Eu não! Isso aí eu boto dinheiro, pago bem os profissionais e eles têm que me dar resultados. E, às vezes, falham. Desta vez, falhou." (Folha, a Monica Bergamo, em 12 de novembro de 2010) Texto de Mauricio Stycer.
Texto 6:
Silvio Santos cresceu e apareceu por voz própria, mas sempre manteve o olho aberto para formatos que faziam sucesso fora do SBT. Na pré-história da internet e da TV paga, muitos de seus lançamentos foram inspirados em ideias que ele conheceu no exterior.
O apresentador driblava a compra oficial de títulos não só pelo custo, mas também pela liberdade de mexer no projeto à vontade, já que os formatos licenciados exigem que a emissora siga uma rígida cartilha de regras, quando Silvio tinha como máxima "minha TV, minhas regras".
Foi por esse histórico que o empresário não titubeou ao copiar a ideia do Big Brother quando produziu a Casa dos Artistas, em 2001, após uma longa negociação com a Endemol —empresa estrangeira dona do formato, que apresentou toda a engenharia do projeto em seus mínimos detalhes a executivos do SBT.
Silvio, no entanto, mandou rasgar o contrato no ato da assinatura, em Amsterdã, sede da Endemol, e mandou reproduzir todo aquele cenário em um terreno vizinho ao de sua casa, no bairro paulistano do Morumbi. Programa lançado sem aviso prévio, a Casa dos Artistas confinou um elenco de famosos com poucas afinidades, como Alexandre Frota, Supla, Mari Alexandre e Núbia Oliver.
O pacote de conflitos, como convém às melhores novelas, foi a receita que ultrapassou a audiência da Globo desde a noite de sua estreia. O programa atingiu 47 pontos de audiência, o recorde do SBT, em sua edição final, que consagrou Bárbara Paz como vencedora.
Mesmo quando adaptou projetos vindos do rádio e de outros países, Silvio soube imprimir sua marca e fazer de sua versão uma referência. São os casos do "Namoro na TV," que não nasceu nem acabou com ele, sendo reciclado por outros canais —e por ele mesmo—, e do "Qual É a Música?", matriz do "Ding Dong", seção do extinto Domingão do Faustão, para citar apenas um exemplo.
Vêm do "Qual É a Música" frases marcantes como "uma nota, maestro" para os competidores que se arriscavam a adivinhar a canção só com um toque, além da figura excêntrica que jorrava glitter do rosto quando surgia dublando as canções das respostas certas.
Outro referencial deixado por Silvio é o foguete que animava as manhãs do "Domingo no Parque" . Alguém do auditório topava entrar na cabine, colocava um fone de ouvido para não escutar o som externo, devendo responder apenas "sim" ou "não" quando a luz da cabine se acendesse.
"Você quer trocar um carro zero por um pijama?", perguntava hipoteticamente o animador. A plateia gesticulava, gritava desesperada que "não", mas era bem capaz que o participante respondesse "sim" e saísse de lá com um brinde pífio.
Na "Porta da Esperança", Silvio presenteava pessoas sorteadas em busca de casa, mobília, cachorro, cadeira de rodas ou outras necessidades. Só era preciso que a produção encontrasse empresas dispostas a patrocinar o presente em troca de exposição no programa.
Um de seus maiores clássicos, o "Show de Calouros" equivale a um registro de autenticidade para os programas genéricos que o sucederam. O público aparecia para cantar, dançar ou fazer performances, com generoso espaço para travestis, figuras sempre bem-vindas no palco de Silvio.
A ideia de um júri composto por figuras prontas para serem odiadas ou ridicularizadas já vinha de outros auditórios, mas Silvio potencializava o folclore em torno de juízes como Pedro de Lara, Décio Piccinini e Aracy de Almeida.
Veio o "Show do Milhão", outro alvo de disputas na Justiça, semelhante ao mundial Who Wants to Be a Millionaire, ou Quem Quer Ser um Milionário, que depois foi importado para o extinto Caldeirão do Huck. Nas mãos de Silvio, no entanto, ele parecia outro programa.
Foi durante o "Topa Tudo por Dinheiro", que ficou no ar por dez anos, de 1991 a 2001, que Silvio inaugurou um de seus rituais mais famosos. "Quem quer dinheiro?", ele perguntava, enquanto atirava na direção do auditório cédulas de R$ 50 ou R$ 100 em formato de aviãozinho. Com calouros e pegadinhas de câmeras escondidas, ou assim anunciadas, o programa aceitava praticamente qualquer coisa.
Nome que serviu de guarda-chuva para todos os programas sob o seu comando, o Programa Silvio Santos remonta à TV Paulista, canal 5 de São Paulo, ainda na era das Organizações Victor Costa, desde 2 de junho de 1963.
Dessas seis décadas no ar, mais de quatro foram trilhadas pela locução da famosa voz de Luiz Lombardi Netto, conhecido apenas como Lombardi, que morreu em 2009. Ele foi o timbre padrão de seus programas desde a TV Paulista, inclusive a narração da bajulatória "A Semana do Presidente".
A seção acabou, mas Silvio manteve a premissa de ser sempre a favor do presidente do momento —se não fosse para paparicar o dono da caneta, sua orientação era para ao menos evitar confronto com o poder. Texto de Cristina Padiglione.
Texto 7:
Silvio Santos teve tempo de trabalhar o processo de sucessão de suas empresas e de sua herança, avaliada em mais de US$ 1 bilhão, inclusive com a ajuda de consultorias especializadas no assunto. A discussão, que se deu em várias etapas, envolveu sua mulher, Íris Abravanel, e as filhas Cintia, Silvia, Daniela, Patricia, Rebeca e Renata.
Os outros braços do Grupo Silvio Santos, como a Jequiti, o Hotel Jequitimar, no Guarujá, a Liderança Capitalização, responsável pela TeleSena, o Baú da Felicidade e a Sisam, empreendimentos imobiliários, não tiveram seus destinos divulgados na partilha antes da morte de Silvio.
Em comum acordo, o SBT teve sua propriedade transferida em 2017 para as filhas Daniela —a número três, como ele gostava de chamar— e Renata —a número seis, nomeada em 2020 para assumir a presidência do Grupo Silvio Santos.
Silvio comunicou que estava transferindo o SBT em uma gravação do Troféu Imprensa, em abril de 2017. Dois meses antes, o então presidente Michel Temer, do MDB, havia publicado quatro decretos no Diário Oficial da União que autorizavam a "transferência indireta" e "modificação do quadro diretivo" das concessões dos sinais de transmissão do canal em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Brasília.
Apesar de a documentação ter assegurado o patrimônio a elas, Silvio teve usufruto da televisão até sua morte, algo que ele honrou, interferindo na programação sempre que lhe parecia necessário.
Formada em administração de empresas pela Liberty University, na Virgínia, nos Estados Unidos, Renata se preparou para gerir o grupo do pai.
Enquanto isso, Daniela, antes de ser alçada à vice-presidência do SBT em 2023, exerceu o cargo de diretora artística do canal, tendo criado alguns dos programas que ganharam vaga fixa na programação. Ela, no entanto, tinha se afastado em razão da maternidade e, depois, de divergências profissionais com o pai, que sempre deu a última palavra, muitas vezes contrariando os projetos da filha.
Entre 2011 e 2012, pouco depois de se livrar do Banco PanAmericano, Silvio teria distribuído um valor em torno de R$ 100 milhões para cada uma de suas seis filhas.
Silvio deu duas casas a Cintia e Silvia, as duas filhas de seu primeiro casamento —com Maria Aparecida Vieira, morta com um câncer em 1977. Os imóveis ficam na rua Leiria, próximas ao parque Ibirapuera, região nobre de São Paulo, como patrimônio acumulado durante sua união com a ex-mulher.
As outras filhas foram contempladas com casas em Alphaville e em Orlando, onde ele mesmo passava férias com Iris todo início de ano. Texto de Cristina Padiglione.
Texto 8:
Dono de um dos rostos e vozes mais conhecidos da televisão brasileira, Silvio Santos, construiu um império empresarial que o levou de camelô nas ruas do centro do Rio de Janeiro, sua cidade natal, a um dos homens mais ricos do país com seu canal, o SBT.
Nascido em 1930 numa família de imigrantes, o "homem do baú" foi batizado como Senor Abravanel. Anos mais tarde, Silvio, seu apelido desde a infância, se transformou em nome artístico.
Silvio começou a carreira como camelô, aos 14 anos, e antes de completar a maioridade já havia vencido um concurso na Rádio Guanabara para preencher uma vaga de locutor na emissora.
O maior ponto de virada de sua carreira, no entanto, aconteceu na década de 1950. Foi quando ele se mudou para São Paulo e conheceu Manuel de Nóbrega, que o convidou para vender pequenas arcas com presentes, que seriam pagas em 12 prestações e entregues no final do ano. Era o embrião do Baú da Felicidade.
Nóbrega vendeu sua parte da sociedade ao amigo pouco tempo depois. Foi com o dinheiro do Baú que Silvio comprou um horário na TV Paulista. Em 1966, a emissora passou às mãos da Globo, mas o apresentador permaneceu na nova rede.
No final da década de 1960, Silvio tinha uma das maiores audiências da televisão brasileira. Para termos de comparação, segundo o Ibope, o programa Cidade contra Cidade, apresentado por ele, ficou apenas um ponto atrás da transmissão da chegada do homem à Lua, na mesma semana.
Em 1975, Silvio ganhou a concorrência para a concessão do canal 11 do Rio de Janeiro. Instalou a TVS, que se transformou no SBT nos anos 1980, com a compra de mais canais.
Silvio se inscreveu como candidato à presidência pelo PMB, o extinto Partido Municipalista Brasileiro, nas eleições de 1989, mas sua candidatura foi impugnada pelo TSE, o Tribunal Superior Eleitoral. A sua primeira mulher, Maria Aparecida, morreu em 1977. Em 1981, ele se casou com Íris. Ao todo, teve seis filhas. Texto de Vitor Moreno.
Texto 9:
As empresas de Silvio Santos se firmaram em boa parte graças à propaganda feita pelo apresentador em seus programas no SBT, a vitrine principal de seu grupo, que conta com cerca de 30 companhias.
Essa estratégia foi liderada pelo Banco PanAmericano, carro-chefe do faturamento, até que, em outubro de 2010, a instituição enfrentou uma intervenção do Banco Central após a descoberta de um esquema de fraudes contábeis.
Investigado pela PF, o escândalo revelou a atuação de Silvio, que, desde 2008, buscava um sócio para o PanAmericano. As evidências partiram de trocas de email entre ex-executivos do banco e foram reveladas à época pela Folha.
As mensagens mostraram a ligação entre o PanAmericano e Luiz Gushiken, ex-ministro de Lula. Gushiken teria sido um facilitador de negócios entre o banco e fundos de pensão. Também foi suspeito de ter intermediado a venda de 49% do PanAmericano para a Caixa Econômica Federal, no final de 2009, um ano antes de o rombo se tornar público.
Embora negasse qualquer interesse pelo banco ou atuação direta como empresário, Silvio chegou a conhecer a então presidente da Caixa Econômica Federal meses antes de fecharem parceria. Em 2009, a Caixa desembolsou R$ 739 milhões e, na negociação, ficou definido que só teria dois representantes no conselho de administração. Na prática, não participava do negócio, algo fora dos padrões.
No segundo semestre de 2010, o BC deflagrou uma série de questionamentos sobre a saúde financeira do banco. Inicialmente, o rombo apontado foi de R$ 2,5 bilhões. Silvio ficou enfurecido com o "erro" no balanço da instituição.
O FGC, Fundo Garantidor de Crédito, então negociou com o apresentador um empréstimo que seria o socorro ao grupo. Naquele momento, Silvio empenhou todas as suas empresas em garantia para que o rombo fosse coberto.
No entanto, uma nova auditoria feita na mesma época mostrou que o prejuízo era maior, de R$ 4,3 bilhões. Quando soube, Silvio estava em sua casa nos Estados Unidos.
Representantes do FGC alugaram um jatinho e viajaram até o apresentador para negociar uma saída. Segundo relatos da época, Silvio, indignado, disse a eles que deixassem o banco quebrar, porque seu patrimônio estava todo blindado no exterior. Sem acordo, foi negociada a venda do controle para o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual.
A operação passou pelo Palácio do Planalto. Silvio chegou a visitar o presidente Lula, então em seu segundo mandato, para garantir que o negócio seria mesmo fechado.
A informação foi confirmada pelo então presidente do grupo, Luiz Sandoval. A venda ocorreu em 2011, por R$ 270 milhões.
Publicamente, Silvio disse que esteve com Lula para cobrar R$ 13 milhões que o presidente tinha prometido para os sorteios do Teleton, um programa do SBT que arrecada recursos para uma instituição assistencialista.
Pouco após a quebra do PanAmericano, ele cogitou vender tudo o que possuía e se mudar para os Estados Unidos. À época, o Grupo Silvio Santos tinha acabado de ser avaliado em R$ 2,5 bilhões pelo FGC.
O apresentador recebeu então uma oferta de R$ 1 bilhão pela Jequiti, braço de cosméticos do grupo, feita pela Coty. Percebendo a mina de ouro que tinha nas mãos, Silvio desistiu da venda e também de procurar um sócio para a companhia.
Silvio então destinou recursos para resolver os problemas de curto prazo da Jequiti. Foram mais de R$ 350 milhões em investimentos nos dois anos seguintes, o que representa mais do que o SBT teria recebido, boa parte para quitar financiamentos e aumentar a produção e a distribuição da rede.
Com a lábia de vendedor e como garoto-propaganda da própria marca, Silvio conseguiu recrutar, pela televisão, um número de consultoras que ultrapassaram 210 mil. Elas ainda hoje são motor das vendas, feitas porta a porta.
Dessa forma, a Jequiti, que em 2007 representava 0,5% das vendas do grupo, passou a responder por mais de 20%. Hoje, ela é a segunda empresa que mais fatura no grupo. Com receitas da ordem de R$ 450 milhões, só perde para o SBT, que registrou faturamento de R$ 1 bilhão em 2019, o último balanço divulgado.
Com exceção do SBT, Silvio Santos, no entanto, sempre demonstrou um certo desmerecimento por suas empresas. Em 2014, quando a Jequiti havia ultrapassou a Liderança Capitalização, ocupando o segundo lugar em faturamento no grupo, Silvio enviou uma carta escrita à mão a este repórter agradecendo "pela felicidade que teve lendo sobre a Jequiti".
Quase uma década depois, no último mês de junho, o Grupo Silvio Santos negocia a venda integral das ações da Jequiti para a Cimed. O negócio deve sair por R$ 450 milhões, cifra próxima da arrecadação da marca nos últimos anos, mas está travado porque as herdeiras do apresentador querem um valor mais alto.
Segundo amigos, brincadeiras desse tipo eram frequentes, como forma de despistar os concorrentes sobre suas empresas. Silvio acreditava que dava azar.
Na campanha eleitoral de 2018, o apresentador apoiou a candidatura bem-sucedida de Jair Bolsonaro. O alinhamento fez com que o SBT, além da Record, recebessem mais verbas destinadas pela Presidência da República em anúncios.
Somente na segunda fase da campanha da reforma da Previdência, o secretário de Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, destinou R$ 6,5 milhões para Record e R$ 5,4 milhões para o SBT, de um total de R$ 36 milhões para todos os meios de comunicação. Juntas, as duas emissoras têm 30% de audiência, contra os 36% da líder, a Globo, que recebeu menos recursos da Secom. Texto de Julio Wiziack.
Texto 10:
Ao longo de sua carreira, Silvio Santos levou ao ar programas que se tornaram queridinhos do público por divertir a família brasileira.
Conhecido pela irreverência, o apresentador, que estava afastado das telas do SBT desde 2022, conseguiu arrancar gargalhadas tanto do auditório quanto dos convidados de seu programa, que hoje é comandado por sua filha Patrícia Abravanel.
Boa parte do sucesso das atrações se devia à criatividade, como as famosas câmeras escondidas. Veja abaixo os programas e quadros mais famosos de Silvio Santos.
Show do Milhão:
Exibido originalmente de 1999 a 2003, o programa foi um dos maiores sucessos da emissora nos anos 2000, conquistando a liderança de audiência com frequência durante o período.
O game show voltou em temporadas rápidas em 2009 e 2021, esta última em parceria com o banco digital PicPay e sob o comando de Celso Portiolli, ambas também com bons números de audiência.
A proposta da atração era simples: ganhava R$ 1 milhão quem respondia todas as perguntas corretamente. Mas o único jogador que faturou o prêmio máximo foi Sidney Ferreira, ex-bancário de Mato Grosso do Sul, em 2003.
Show de Calouros:
Exibida entre os anos 1970 a 1990, a atração se tornou um clássico da TV brasileira. Nela, artistas, como cantores, humoristas e imitadores, se apresentavam em busca de um prêmio.
Os artistas performavam para uma banca de jurados formada por nomes como Sérgio Mallandro, Nelson Rubens e Sônia Abrão. A atração voltou este ano, sob o comando de Patricia Abravanel, aos domingos.
Topa Tudo Por Dinheiro:
"Quem quer dinheiro?". Um dos bordões mais famosos de Silvio Santos era repetido à exaustão nesse programa, que foi ao ar de 1991 a 2001. O apresentador jogava aviõezinhos de dinheiro para a plateia, que corria para tentar pegar as notas.
Havia ainda as câmeras escondidas, quadro que tornou famosos nomes como Carlinhos Aguiar e Ivo Holanda, que precisavam fugir da ira das pessoas que caiam nas pegadinhas.
O programa fez tanto sucesso que ameaçava a liderança de audiência da Globo, que exibia o Fantástico no mesmo horário.
Casa dos Artistas:
Um dos programas mais famosos de Silvio Santos, a atração foi uma das precursoras dos realities shows no Brasil. O formato era parecido com o de A Fazenda, na qual celebridades ficam confinadas em uma casa por um prêmio.
O reality estreou em 2001, com participantes como Supla, Alexandre Frota e Bárbara Paz, que levou o prêmio para casa.
O programa se tornou um enorme sucesso, alcançando índices de audiência altíssimos para os padrões do SBT e superando a Globo. Mas A Casa dos Artistas acabou em 2004, após enfrentar processos que o acusavam de plagiar o Big Brother.
Qual é a música:
O programa, que desafiava os participantes a mostrarem os seus conhecimentos musicais por meio de provas, foi exibido em diferentes períodos.
Programa Silvio Santos:
Mais longeva atração da televisão brasileira, o Programa Silvio Santos estreou em 1963, na extinta TV Paulista, e passou por diversos horários e emissoras.
A atração foi responsável por fazer do apresentador um dos rostos mais conhecidos da TV brasileira. Com o afastamento de Silvio das câmeras desde 2022, o programa é comandado por sua filha, Patrícia. Texto da Folha de São Paulo.
Texto 11:
O apetite por piadas e trocadilhos sexuais pode até ter aumentado com o Silvio Santos da terceira idade na televisão, mas, bem antes disso, o apresentador, já fazia o público rir cantando que a pipa do vovô não subia mais.
"A Pipa do Vovô" foi sucesso na década de 1980 na voz do apresentador, com o refrão "a pipa do vovô não sobe mais, apesar de fazer muita força, o vovô foi passado pra trás". É uma marchinha carnavalesca, como tantas outras que viraram marca da carreira musical de Silvio —e que hoje seriam consideradas politicamente incorretas.
Em um vídeo disponível no YouTube, o apresentador sobe ao palco em um evento de 1976, em plena ditadura militar, e com sorriso maroto canta: "É Severina, é Gabriela, eu tô de olho é na butique dela. Hoje, vou me acabar, não adianta dar chilique. Depois eu vou fazer bilu-bilu na sua butique".
"Severina e Gabriela", escrita por Albert Gomes e Tião da Vila Prudente, faz parte do LP "Carnaval, Amor & Fantasia", de 1976. Além dessa, há outras 16 coletâneas carnavalescas, lançadas entre as décadas de 1960 e 1980, com músicas interpretadas pelo apre sentador, segundo o Instituto Memória Musical Brasileira.
Em um álbum de 1968 voltado a estrangeiros, "Biggest Brazilian Hits Carnival for Tourists", ou os maiores sucessos do Carnaval brasileiro para turistas, Silvio canta "Marcha da Solteirona", de Julio Carlos, Domingos Paulo e Nascim Filho —"já faz muito tempo que ela namora, mas não casou até agora".
Além das coletâneas, Silvio lançou 13 compactos, entre as décadas de 1960 e 1990. LPs foram dois, "Silvio Santos e Suas Colegas de Trabalho", de 1974, e "Show de Alegria", de 1975.
A estreia foi em "Carnaval Copa 66", de 1965, com "Índio quer Dançar", de Manoel Ferreira e Gentil Júnior. Em uma época em que se fantasiar de indígena não suscitava polêmica sobre desrespeito aos povos originários, Silvio entoava: "Ei, moçada, índio chegou, quer dançar/ o cacique entra na roda, e o pajé no pá pá pá/ vai começar o festim, estou de flecha na mão/ mulher que não olha pra mim vai entrar no caldeirão".
Silvio foi também bom moço nas melodias. Romântico, cantou "Eternos Namorados", de Oswaldo Cruz e Rogê, com os versos "namorados passeando, braços dados, vão se amando". Filho devoto, entoou "Mãezinha Querida", de Getúlio Macedo e Lourival Faissal —"minha mãezinha querida, mãezinha do coração".
E, bom genro, interpretou "Eu Gosto da Minha Sogra", com o refrão "eu gosto da minha sogra, deixa falar quem quiser/ é minha segunda mãe, é mãe de minha mulher", escrito por Manoel Ferreira e Ruth Amaral, os mesmos autores de "A Pipa do Vovô".
O casal de autores Ferreira e Amaral compôs mais de 200 marchinhas, cerca de 40 delas sucessos na voz de Silvio Santos. É da dupla, em parceria com Gentil Junior, "Transplante de Corintiano", em que o apresentador canta "doutor, eu não me engano, meu coração é corintiano".
A música, lançada em 1968, virou uma espécie de hino da torcida do Corinthians, difícil de resistir até para os maiores adversários. De olho na popularidade alvinegra, Silvio gravou também "Samba do Corinthians", de Manoel Ferreira e Gentil Junior —"depois de amanhã é domingo, tomara que seja um domingo de sol/ à tarde vou ver o Corinthians ensinar essa gente a jogar futebol".
Brincalhão, bom moço, corintiano e controverso. Foi essa faceta que veio à tona a partir do seu maior sucesso musical, "Silvio Santos Vem Aí", que posteriormente se tornaria o centro de um processo judicial pela falta de pagamento de direitos autorais —Silvio foi condenado em 2010 a indenizar o compositor da música.
Em 1965, na Rádio Nacional, em São Paulo, Silvio encomendou a Archimedes Messina uma música para a abertura de seu programa. Queria "algo simples, para pegar", ele contou. O compositor foi certeiro: "Agora é hora de alegria, vamos sorrir e cantar. Do mundo não se leva nada, vamos sorrir e cantar. Silvio Santos vem aí, lá, lá, lá, lá, lá, lá".
Após se tornar marca de Silvio como animador no rádio, virou marchinha de Carnaval e depois acompanhou o apresentar por toda a sua carreira televisiva, tornando-se uma das mais famosas canções da história da televisão brasileira e trilha sonora incontornável dos domingos. Texto de Laura Mattos.
Texto 12:
As críticas a Silvio Santos na ocasião de sua morte têm um ranço elitista e a manjada necessidade de alguns expoentes das redes sociais em posar de bastiões da moral e da democracia. Quem acompanha política sabe que o apresentador manteve relações cordiais com governantes autoritários, mas também com todos os presidentes da Nova República. Ressaltar esse aspecto de sua biografia, sem acrescentar nada ao debate, como se isso fosse maior do que o seu papel na história da comunicação do país, revela apenas vaidade e profundo desdém pela memória afetiva do público.
Posts e textos que circulam nas redes, cheios de indignação com as homenagens feitas a Silvio Santos, negam o valor e a importância da relação do apresentador e de sua audiência, reforçam estereótipos negativos sobre o espectador pobre e desumanizam as experiências vividas que moldaram a identidade de milhões de brasileiros. Isso tudo é, queiram ou não, maior do que a relação com a ditadura e os problemas crônicos de desconexão com os códigos sociais do mundo atual, que mostraram um Silvio Santos machista, racista, homofóbico. Todo mundo sabe disso, nem todo mundo se incomoda, basta ver a audiência de seus programas ao longo de décadas.
Quem frequenta redes sociais tem a falsa impressão de que o seu pequeno universo pode servir de termômetro para aferir o humor da população sobre determinado assunto. A depender da minha bolha, os posicionamentos políticos de Silvio Santos serão muito mais lembrados do que seu legado como comunicador.
Mas desde que saí do ex-Twitter, que o diabo o tenha, prefiro me basear pelo "datapovo". Nas conversas com o zelador, que é praticamente um vereador da minha rua, nos papos com taxistas e motoristas de apps, mas principalmente nas estatísticas da dona Graça, costureira aqui das redondezas. Segundo eles, Silvio Santos era um gênio, maior apresentador da TV, baita comunicador. Texto de Mariliz Pereira Jorge.
Nota do blog 1: Foi o maior brasileiro de todos os tempos. Eterno "Patrão".
Nota do blog 2: Data e autoria das imagens não obtidas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário