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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025
Censura no Brasil - Artigo
Censura no Brasil - Artigo
Artigo
A Constituição brasileira de 1988 consagrou a liberdade de pensamento e expressão, em especial em seus artigos 5 e 220. A redação do texto protege de forma ampla a produção artística, as manifestações culturais, a difusão de informação e o acesso a esta – observando-se os dispositivos de proteção à privacidade e dignidade, e os direitos de autoria e imagem. Entretanto, a Constituição de 1988 foi a sétima da nossa história, e a única a explicitar a proteção à liberdade de expressão e de pensamento com tamanha amplitude. Ao longo de mais de 150 anos, a postura do poder constituído frente às ideias dissonantes que emergiam da sociedade variou de uma repressão ferrenha à relativa liberalização, por vezes centrando fogo nas questões políticas, outras posicionando-se em defesa de uma suposta moral da família brasileira.
No Brasil pós-independência, a censura foi em tese abolida com a lei de imprensa de 1823, o que não impediu que o imperador fizesse uso de outras prerrogativas para perseguir aqueles que o atacavam nos jornais. Durante o Império, a censura de diversões públicas ficou a cargo do Conservatório Nacional, fruto da iniciativa de artistas e intelectuais que se auto delegaram também a missão de melhorar a qualidade das peças para o público, ao mesmo tempo em que também as adequava às limitações deste.
Em julho de 1897, alguns anos depois da proclamação da República, o decreto 2557 subordina os espetáculos e diversões públicas à censura da polícia. A partir daí, e especialmente a partir do Estado Novo [1937] o cerceamento à liberdade de expressão (em seu sentido amplo, expressões artísticas incluídas, assim como de opinião e informação) ganharia cores políticas, sem que a dimensão moral fosse posta de lado. Não apenas a legislação tornar-se-ia mais elaborada e consistente, como o aparato administrativo e policial seria incrementado, de forma a possibilitar a aplicação eficaz das leis em vigor.
A criação do DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda, em 1939, concretizou a centralização e o controle do governo federal sobre toda forma de comunicação realizada no país, objetivando explicitamente combater a difusão de ideias consideradas “perniciosas”: em um momento em que o comunismo começava a despontar como opção viável e a repressão ao movimento sindical se fazia cada vez mais presente, tornou-se necessário impedir o quanto possível a divulgação de tais ideais. O DIP também atuava como um propagador de cultura e informação "oficiais",” incentivando a cultura nacional em sua forma mais domesticada e fornecendo aos órgãos de imprensa as notícias que convinham ao governo.
Se entre 1937 e 1945 o Brasil viveu um regime de exceção comandado com mão de ferro por Getúlio Vargas, durante o qual as manifestações culturais e a produção artística submetiam-se a lógica de um Estado autoritário e nacionalista, entre 1946 e 1964 o país passou por um período de relativa liberdade. Questões ligadas a “moral e bons costumes”, presentes desde que as diversões públicas começaram a sofrer intervenção do Estado, ganharam maior relevância em relação a questões políticas. A difusão e o acesso a informação de uma forma geral tiveram as velhas amarras cortadas, experimentando a imprensa um maior período de liberdade.
O SCDP (Serviço de censura as diversões públicas) foi criado pelo decreto-lei 8462 de 26 de dezembro de 1945, subordinado ao Departamento Federal de Segurança Pública, deixando a esfera imediata da presidência da República — durante o governo de Getúlio o DIP estava diretamente ligado ao presidente —, passando a integrar o conjunto de instituições policiais do estado. Este decreto pautaria durante décadas a atuação da censura de diversões públicas no Brasil, orientando os agentes responsáveis por sua aplicação e fornecendo embasamento jurídico para o veto, total ou parcial.
No período democrático entre 1946 e 1964, a censura centrou-se em questões morais e atuava em grande medida em função da pressão de setores conservadores da sociedade, preocupados especialmente com o cinema (decreto 20493), que experimentava uma popularização sem precedentes e começava a ousar em cenas e enredos. No regulamento do SCDP estava prevista a proibição de representação, exibição ou transmissão de programa que “contenha qualquer ofensa ao decoro público, cenas de ferocidade ou sugerir a prática de crimes; a divulgação ou indução aos maus costumes; ser ofensiva à coletividade ou às religiões; prejudicar a cordialidade com outros povos; provocar o incitamento contra o regime vigente, à ordem pública, às autoridades e seus agentes; ferir, por qualquer forma, a dignidade e o interesse nacional; ou induzir ao desprestigio das forças armadas.” Mesmo assim, nesse interregno democrático houve uma interferência infinitamente menor nos setores de produção cultural e difusão de informações do que existira no período anterior e voltaria a existir posteriormente.
Depois do golpe de 1964, a censura retornaria com força multiplicada, e se voltaria para questões políticas, mantendo a subjetividade das suas avaliações — que considerava subversivas e perigosas para a unidade nacional quaisquer manifestações que envolvessem algum tipo de crítica ao regime vigente, ao cotidiano nacional, às “tradições brasileiras” — e vinculando-se estreitamente com a doutrina de segurança nacional. A Lei de Imprensa, de 1967, e a Lei de Segurança Nacional então vigente foram fundamentais para nortear o trabalho da censura e estabelecer as diretrizes da sua atuação.
A Lei de Segurança Nacional de 1967 definia uma série de crimes, perpassando um sem número de esferas (política, institucional, econômica, cultural), e enquadrando ações que representassem uma ameaça à ideia de nação propagada pelos que detinham o poder, e que questionassem como este era exercido. No caso da imprensa, vários foram os “abusos” definidos pela lei: divulgação de notícias falsas capazes de por em perigo o nome, a autoridade e crédito ou prestígio do Brasil; incitação à guerra ou à subversão da ordem político-social, desobediência coletiva às leis, animosidade entre as forças armadas, luta entre as classes sociais, paralisação dos serviços públicos, ao ódio ou discriminação racial; propaganda subversiva. Para julgamento de tais delitos passou a ser competente o foro militar. A vigilância se dava através do próprio SNI e do CONTEL, Conselho Nacional de Telecomunicações.
No caso da produção cultural e acadêmica, as restrições impostas pela censura iam da linguagem obscena ou comportamento impróprio de personagens fictícias, a definições “esquerdizantes” de conceitos das ciências sociais, sem falar em peças, filmes e músicas cujo conteúdo condenava o status quo. Também a “qualidade” do produto era avaliada, consoante aliás com o regulamento do SCDP.
O período da ditadura militar [1964-1985] no que tange a censura apresentava duas facetas distintas, embora interligadas: uma “moralizante”, que recaía especialmente sobre os setores de produção cultural e entretenimento, e a “anti-subversiva”, que recaía sobre qualquer veículo de difusão de informação ou produção cultural. Embora seja possível reconhecer a predominância de um ou outro aspecto da censura, a definição dos limites entre uma e outra é muito difusa e muitas vezes ambos os lados se apresentam de forma intrincada, um a sustentar o outro. Em um contexto repressor, propício a todo tipo de paranoia alimentada por concepções de “guerra psicológica” e “inimigo interno”, percebe-se que a perseguição a comportamentos considerados imorais às vezes derivava de preocupações políticas, e vice-versa. Exemplo disso é o movimento hippie, rotineiramente associado a posições esquerdistas.
Além disso, ela não se apresentou de forma homogênea durante todo o período, tendo variado em método e intensidade. Durante um amplo período, a censura caracterizou-se por uma série de ordens detalhadas escritas, o que concedeu uma infeliz notoriedade aos “bilhetinhos” utilizados para comunicar as suas decisões. A atuação dos órgãos censores variava de veículo para veículo, e de estado para estado, o que demonstra a heterogeneidade do serviço e indica que as motivações para se exercer pressão sobre determinados órgãos de imprensa eram mais complexas do que regras objetivas que valiam para todos. Esta subjetividade permeava também a censura a artistas de uma forma geral: é sabido que os censores, ao receberem músicas de determinados artistas, já se predispunham a censurar seu trabalho, com base em obras pregressas ou mesmo seu comportamento público.
A censura prévia, na prática, teve início já com o AI-5, que conferia ao Presidente da República o poder de impô-la caso julgasse necessário para a defesa da “revolução.” Em 1970 uma portaria formalizaria esta prática em caráter mais duradouro e enfatizava a censura sobre publicações consideradas “subversivas” ou “obscenas.” Nesse período, censores foram colocados nas redações dos jornais, com uma lista de tópicos que não deveriam ser abordados, e até mesmo palavras que não poderiam ser faladas. As preocupações centrais incluíam a imagem das forças armadas, críticas à política econômica, denúncias de tortura a presos políticos, epidemias, crise econômica.
A partir do governo Geisel a atuação da censura começou a arrefecer, mas não cessou, estendendo-se até mesmo além do governo Figueiredo. Em um movimento pautado por idas e vindas, a presença oficial do censor diminuiria e a censura prévia seria extinta, mas mantinha-se a capacidade de o governo exercer pressão e na prática vetar a presença de certos assuntos nas páginas de jornais, nos teatros, cinemas, livros e nas telas de TV de todo o país. Mesmo nos anos 1980 a pressão se fazia sentir em muitos momentos. O autor de novelas Sílvio de Abreu dá um exemplo:
“Havia censura no início dos anos 80. Guerra dos sexos (1983) era [uma novela] muito polêmica, e eu tinha que ir a Brasília com frequência para explicar e discutir coisas. O problema não era político, mas social. A trama passava a ideia de que a mulher podia transar e não precisava casar. Como a novela estava fazendo grande sucesso, eles não podiam interferir muito”. [Andrade e Simões, Tesouras enferrujadas].
O movimento pelas Diretas-já em 1984, e a própria votação da emenda Dante de Oliveira, no mesmo ano, também foram alvo de censura. Uma reportagem do JB depois da votação descreve os acontecimentos:
“Imaginação, humor, alguma ironia ou simplesmente o silêncio foram as armas que as emissoras de televisão brasileiras usaram para burlar ou denunciar a censura que lhes foi imposta, quarta-feira passada, pelo decreto de medidas de emergência do Governo. Enquanto se discutia e votava a emenda Dante de Oliveira – e à nação era vedado o direito de ser informada através de rádios e televisões – repórteres, apresentadores, locutores esportivos, câmeras, cada qual se valia de um recurso para que ao menos alguma coisa passasse pelo bloqueio da censura [...] O General Newton Cruz, Comandante Militar do Planalto e executor das medidas de emergência, exasperou-se com o material político divulgado pelo Jornal Nacional de segunda-feira, a que assistiu em seu gabinete no Ministério. Ele estranhou que a Globo tivesse sido deixada no ar e pediu ao Dentel [Departamento Nacional de Telecomunicações] que seus transmissores fossem lacrados. Houve uma negociação interna no Governo e a punição não aconteceu.” [Andrade e Simões, Tesouras enferrujadas]
Apenas com a Constituição de 1988 a censura seria oficialmente extinta. Afirmando que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, a Carta mantém apenas uma classificação por faixa etária.
O material produzido pelos órgãos encarregados de implantar a censura tanto das manifestações artísticas e culturais quanto da difusão da informação (imprensa escrita, televisionada, falada) hoje se encontra espalhado pelos arquivos públicos do Brasil. No Arquivo Nacional, os maiores acervos relacionados à censura encontram-se nos fundos Serviço de Censura de Diversões Públicas, Sistema Nacional de Informações, Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça e Divisão de Censura de Diversões Públicas. Texto do Governo Federal.
terça-feira, 21 de março de 2023
A Música "Tiro ao Álvaro" e a Censura - Artigo
A Música "Tiro ao Álvaro" e a Censura - Artigo
Artigo
A prática de censura prévia aos produtos culturais no Brasil pode ser percebida desde a Era Vargas, momento quando muitos órgãos e legislações que regulamentavam o ato foram instituídos. É durante períodos autoritários que surgem as ações censórias por parte do Estado que, sob justificativas diversas – entre elas a proteção da “moral e dos bons costumes” – usam o controle estatal sobre a sociedade para a perseguição de opositores políticos. A prática também pode ser utilizada como instrumento de homogeneização de uma cultura nacional idealizada. Em relação a este último caso, trazemos como exemplo a letra da música “Tiro ao Álvaro”, de Adoniran Barbosa e Oswaldo Moles.
Neste samba, os artistas utilizam da linguagem coloquial de maneira intencional e jocosa, empregando sua licença poética. A letra foi vetada, pois, de acordo com o parecer nº13849/74, “a falta de gosto impede a liberação”. Além disso, os censores destacam as palavras escritas baseadas na oralidade da língua, que deveriam ser corrigidas para que a música pudesse ser liberada.
Imagens do post:
Imagem 1: Letra musical "Tiro ao Álvaro", 19 de dezembro de 1973. Arquivo Nacional. Fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas.
Imagem 2: Parecer nº13849/74, da Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP). Brasília, 22 de março de 1974. Arquivo Nacional. Fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas.
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