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sábado, 16 de novembro de 2024

Como os Ingleses Levaram as Esculturas do Partenon na Grécia - Artigo

 



Como os Ingleses Levaram as Esculturas do Partenon na Grécia- Artigo
Artigo

O Partenon, aquele magnífico templo em homenagem à deusa Atena que coroa a acrópole da capital grega, continua a surpreender o mundo 2 mil anos após sua construção.
E também segue gerando debates sobre os verdadeiros donos de seus vestígios arqueológicos.
Em outubro deste ano (2022), o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, disse durante uma reunião com seu colega grego, Kyriakos Mitsotakis, que não cabia ao governo britânico decidir devolver os frisos do Partenon em exposição no Museu Britânico, em Londres — mas, sim, à instituição.
Os frisos do Partenon foram levados da Grécia no início do século 19 por Thomas Bruce, mais conhecido como o conde de Elgin — por isso, também são chamados de mármores de Elgin.
No total, são 15 painéis e 17 esculturas de mármore que fizeram parte da decoração original do Partenon, construído há cerca de 2,5 mil anos e que muitos gregos apontam como o principal patrimônio cultural do país.
A resposta de Johnson foi ao pedido do premiê grego de se buscarem opções para devolver os mármores.
O governo britânico indicou em várias ocasiões que não devolverá as peças à Grécia.
Em março deste ano, o próprio Johnson havia descartado qualquer possibilidade de devolução ou troca.
"Entendo os fortes sentimentos do povo grego em relação ao tema, mas o governo do Reino Unido mantém há muito tempo uma posição firme sobre as esculturas — que foram legalmente adquiridas por Lorde Elgin sob as leis vigentes na época e têm sido propriedade legal dos curadores do Museu Britânico desde sua aquisição", disse o primeiro-ministro britânico ao jornal grego Ta Nea.
O museu, por sua vez, afirmou em diferentes ocasiões que os mármores foram adquiridos legalmente e que "as esculturas do Partenon são uma parte vital da interconexão global que existe dentro do museu, porque tem elementos das culturas grega, egípcia, persa e romana".
Mas como os famosos frisos chegaram ao Museu Britânico e quais foram as outras tentativas de levá-los de volta a Atenas?
Estima-se que o Partenon tenha sido concluído em 430 a.C. e sempre despertou admiração entre o povo local e estrangeiros.
No entanto, com o passar dos anos, deixou de ser um templo para a adoração de Atena e se tornou uma área de ruínas.
A impressionante estrutura sofreu grandes avarias ao longo do tempo, sobretudo durante os séculos 16 e 17, quando a Grécia era governada pelo Império Otomano.
O monumento foi atingido pela guerra Otomano-Veneziana, no final do século 17, quando recebeu um tiro de canhão que causou uma grande explosão e destruiu seu teto.
Depois, ao longo do século 18, grande parte das peças restantes foram gradualmente destruídas ou saqueadas.
E é exatamente no início do século 19 que entra em cena o conde de Elgin. Naquela época, ele era o embaixador britânico no Império Otomano, que controlava o território grego.
Segundo a versão apresentada por vários diretores do Museu Britânico, Lorde Elgin conhecia não só o imenso valor artístico dos frisos, como também a sua história, e queria levá-los ao Reino Unido no intuito de protegê-los da destruição.
Desta maneira, ele negociou com as autoridades otomanas a permissão para levar os frisos e capitéis para Londres.
O processo de transferência foi feito a duras penas — várias obras sofreram danos significativos ​durante o trajeto até o Reino Unido. Demorou quase quatro anos para chegarem a Londres.
Na verdade, a iniciativa foi criticada por alguns no Reino Unido desde o início: o famoso poeta Lord Byron se opôs à ideia de retirar os famosos mármores da Grécia e chamou Elgin de "vândalo".
Em 1805, também foram encontradas contradições no discurso de Elgin, como apontam vários historiadores. O conde havia dito aos otomanos que um dos motivos para a retirada dos frisos da Grécia era para serem apreciados por pessoas de todo o mundo.
Mas a primeira coisa que Elgin fez foi levar as famosas esculturas para casa.
O enorme custo da transferência e um divórcio levaram o conde à falência — e ele se viu obrigado a vender os frisos ao Museu Britânico por US$ 438 mil em 1816.
E é lá onde estão em exibição desde 1839.
Vale esclarecer, no entanto, que não são as únicas peças do Partenon que estão expostas fora de Atenas.
Continuando, após o fim da ocupação otomana da Grécia em 1832, teve início uma campanha de busca pelas relíquias que haviam sido tiradas do país.
Por volta de 1925, várias organizações gregas indicaram que as peças que o conde Elgin havia levado deveriam ser devolvidas à Grécia, seu lugar de origem e pertencimento.
Elas observaram que a entidade que havia concedido permissão a Lorde Elgin para levar os famosos frisos era um agente invasor e, portanto, não tinha autoridade para conceder tal permissão.
Mas, em 1983, houve uma reivindicação oficial. Melina Mercuri, a primeira mulher a ser nomeada ministra da Cultura da Grécia, fez um pedido formal ao governo britânico para que os frisos fossem devolvidos a Atenas.
E ela fez isso em frente aos mármores de Elgin, no coração do próprio Museu Britânico.
"O que o Taj Mahal significa para a Índia? O que as pinturas da Capela Sistina significam para a Itália? Os mármores do Partenon são nosso orgulho. São nossa identidade. São o vínculo atual com a excelência grega. São nossa herança cultural. Nossa alma", ela argumentou na ocasião.
Mas, novamente, tanto a direção do Museu Britânico quanto o governo defenderam que a instituição era a proprietária legítima dessas obras.
Outro argumento que vem sendo repetido em Londres há décadas é que a Grécia não tinha um local adequado para guardar os famosos mármores. Mas a alegação perdeu força com a inauguração do moderno museu da Acrópole, em 2009.
Embora o pedido de Mercuri não tenha surtido o efeito desejado, deu origem a uma série de campanhas de organizações como a Associação Internacional para a Reunificação das Partes do Partenon e, em várias oportunidades, o governo grego tentou recuperar as obras.
O esforço atual promovido por Mitsotakis contempla uma espécie de intercâmbio entre obras que nunca saíram da Grécia para serem expostas no Museu Britânico em troca da devolução dos frisos.
Até a renomada advogada de direitos humanos Amal Clooney fez recomendações sobre como o país poderia exigir a devolução dos frisos, apelando para o direito internacional.
Mas a Grécia afirmou que não entrará com nenhum processo judicial e que se limitará aos esforços diplomáticos para chegar a uma decisão sobre o futuro dos cobiçados frisos. Texto da BBC Brasil.
Nota do blog: Imagem de 2005 / Crédito para Andrew Dunn.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

O Julgamento de Frinéia, Atenas, Grécia (Phryné Devant l'Aréopage) - Jean-Léon Gérôme


O Julgamento de Frinéia, Atenas, Grécia (Phryné Devant l'Aréopage) - Jean-Léon Gérôme
Atenas - Grécia
Hamburguer Kunsthalle Hamburgo
OST - 80x128 - 1861


Mnesarete (em grego Μνησαρέτη, 'memória da virtude') foi uma hetera mais conhecida pelo apelido de Friné (em grego antigo: Φρύνη, transl.: Phrýne: 'sapo') devido à sua tez amarelada. No Brasil também é conhecida como Frinéia.
Ela nasceu em Téspias, na Beócia, mas acredita-se que tenha vivido em Atenas, por volta de 400 a.C.. Além de prestígio, adquiriu tanta riqueza por sua extraordinária beleza que se ofereceu para reconstruir os muros de Tebas (Grécia), que haviam sido destruído por Alexandre, o Grande (336 a.c.), sob a condição de que as palavras "Destruído por Alexandre, restaurado por Friné, a hetera", fossem escritas nos muros. Entretanto as autoridades gregas rejeitaram a oferta.
Bela e famosa. Por ocasião de um Festival de Posidão em Elêusis, ela colocou de lado suas roupas, soltou os cabelos, e entrou nua no mar, à vista do povo, inspirando o pintor Apeles, em sua grande obra "Afrodite Anadyomène" (às vezes também retratada como "Vênus Anadyomène "), para o qual Friné posou como modelo.
Devido à sua beleza, ela também inspirou mais tarde a pintura do artista Jean-Léon Gérôme, "Friné devant l'Areopage" (Friné antes do Areópago, 1861), bem como outras obras de arte ao longo da história. Ela foi também (segundo alguns), o modelo para a estátua da Afrodite de Cnido por Praxíteles.
O poeta brasileiro Olavo Bilac descreve o julgamento da bela Friné no poema "O Julgamento de Frinéia" (1888). Charles Baudelaire, em seus poemas "Lesbos" e "La beauté", e Rainer Maria Rilke, em seu poema "Die Flamingos", também foram inspirados pela beleza e fama de Friné.
Na música, Friné foi objeto de uma ópera de Camille Saint-Saëns: Phryne (1893).
No cinema Friné é referida em Altri tempi", série de Alessandro Blasetti (1951) na qual o oitavo e último episódio é intitulado "Il processo di Frine".
Podem- se encontrar outras referências a Friné como o asteroide "1291 Phryne" descoberto em 15 de setembro de 1933 por Eugène Joseph Delporte.
Acusada de profanar os Mistérios de Elêusis foi defendida pelo orador Hipérides, um de seus amantes. O discurso de acusação, de acordo com Diodoro Periegetes, citado por Ateneu, foi escrito por Anaxímenes de Lâmpsaco. Quando Hipérides percebeu que o veredito seria desfavorável, rasgou o manto da bela Friné, exibindo seu corpo e conseguindo assim que os juízes a absolvessem. Outra versão diz que ela mesma tirou suas roupas. Mas a mudança no julgamento dos juízes não foi simplesmente porque eles ficaram fascinados pela beleza de seu corpo nu, mas sim porque, naquela Grécia Antiga, o belo era identificado com o bom, como um aspecto da divindade ou um sinal de favor divino.
Foi Solon, o grande legislador grego, quem primeiro teve a idéia de instalar casas de meretrício na Grécia. Ele foi altamente louvado por conseguir, simultaneamente, esgotar o desejo sexual dos homens e, ainda por cima, encher os cofres do tesouro. Tudela afirma que, imaginativos, os gregos chegaram a fazer da prostituição um costume civilizado e cínico. O fato é que ela era uma profissão oficialmente reconhecida e, até certo ponto, respeitada.
As casas de prostitutas, chamadas Dicterion, eram repartições públicas mantidas pelo governo, dirigidas por severos magistrados, denominados dePornoboscion. Nada havia de desonroso na função de diretor destes estabelecimentos, nem nas atribuições dos outros funcionários públicos que ajudavam a manter, conservar e gerir os negócios destas casas. Eles apenas estavam proibidos de participar das festas ou de usufruir das mulheres do Dicteriononde serviam, sob pena de pesados castigos. Salvo esta restrição necessária, qualquer ateniense que quisesse poderia gozar dos prazeres sexuais com as “dicteríades”, bastava pagar um pequeno imposto ao Estado. Só mais tarde é que o governo privatizou o meretrício, o que é uma insofismável demonstração de que privatizar empresas é mais uma descoberta grega.
No mundo helênico havia três categorias de mulheres de aluguel. No estágio mais baixo estavam as “pornai” ou “dicteríades” que eram as rameiras comuns, as mais baratas, que viviam nas casas de prostituição do Estado, Etimologicamente, a palavra significa “vendidas” ou “à vender”, não pelo fato de comercializarem seu próprio corpo, mas porque a grande maioria delas eram escravas que foram vendidas no mercado público para servirem no Dicterion.
Em Atenas embora fosse possível encontrar este tipo de prostitutas em certos bairros afastados a nas ruas mal-afamadas do Pireu, cheias de marinheiros e de estrangeiros, o bas fond mais conhecido era o bairro dos oleiros, também chamado Cerâmico. Ele ficava situado fora do perímetro da cidade, nas proximidades do cemitério.
O Dicterion era identificado pela presença de falos vermelhos pintados junto às portas, ou de pênis gigantescos, esculpidos em madeira e suspensos nos portais da entrada. Uma versão antiga a seguramente bem mais explícita do que as lâmpadas coloridas que, em algumas regiões, indicam a insofismável presença do bordel.
Na “zona”, estas “pornai” se ofereciam vestidas em trajes transparentes de gaze, com os seios nus, geralmente desfilando, com os cabelos tingidos de açafrão, característica que as distinguia das outras mulheres.
Tannahil chama atenção de que, entre estas prostitutas, havia uma novidade técnica na arte de angariar clientes. Elas usavam uma sandália na qual, impresso no reverso da sola, estava um convite bastante claro. Estas sandálias eram sobretudo para serem calçadas quando as mulheres se afastavam de seus bairros e tinham de ser mais discretas, guardando um certo recato. Nas ruas de terra batida, à medida que elas passavam, ficava escrito no solo a expressão “segue-me”. Era um convite para o transeunte que vinha atrás.
Num degrau social acima das “pornai” estavam as “aulétrides” ou “auletrizes” que eram as tocadoras de flauta (da expressão: aulo = flauta). Estas mulheres eram artistas, com freqüência exímias, e eram alugadas por seus mestres ou senhores (algumas eram escravas) para que se apresentassem nas festas, a fim de tocar, dançar, divertir, cantar, servir bebidas e “dormir” com os convidados.
Evidentemente não eram “pornai”, nem usavam cabelos tingidos de açafrão, mas cobravam por seus serviços sexuais, tanto ou mais que o preço exigido pelas músicas e cânticos que executavam.
Para estes dois tipos de mulheres, os gregos cultos mantinham uma atitude de indiferente condescendência. Hunt afirma que eles “não sentiam nenhuma piedade moral para com elas; mas, como pessoas de gosto e de educação, reconheciam que a prostituição de encomenda constituía algo de trivial de inestético e, com freqüência, de vulgar”.
Havia, porém, uma categoria onde as mulheres de aluguel eram muito respeitadas. Era o grupo das “heteras”. O vocábulo foi pela primeira vez usado por Safo, no século VI a.C., para designar suas “amigas íntimas” da linha de Lesbos. Etimologicamente, a palavra significa “companheiras” e se muitos séculos mais tarde a expressão passou a designar qualquer prostituta, esta não era a concepção que existia entre os séculos VI e IV a.C. “Hetera”, naquela época, era um título dignificante e, segundo Murstein, uma das poucas ocupações independentes que uma mulher, na Grécia, poderia aspirar.
Para se compreender a importância e a dignidade das “heteras” é necessário se ter uma idéia da estrutura do casamento entre os gregos e, de modo especial, entre os atenienses. Não se possuía a mesma concepção que se tem hoje do matrimônio e das mulheres.
Embora o casamento na Grécia fosse monogâmico, os homens mais abastados poderiam ter, além da esposa legal, o número de concubinas que seus recursos permitissem. É preciso esclarecer que as concubinas não estavam incluídas entre as prostitutas que acaba-mos de falar. Elas eram escravas e viviam nas casas dos seus senhores, servindo nos afazeres domésticos e também na cama, quando solicitadas.
A distinção entre a esposa e a concubina não era ainda tão carregada das conotações que lhes foram emprestadas através dos tempos. Basta dizer que se a esposa fosse estéril, ela era a primeira a solicitar da concubina que desse um filho para o seu marido. Afinal, ter filhos era a função primordial do matrimônio grego. Este tipo de relacionamento entre esposa e concubina não era humilhante, mas sim um fato natural e comum. Ocorreu, por exemplo, com Helena que, não sendo engravidada por Menelau, obteve o filho graças a uma concubina.
Na sociedade grega a posição da esposa não era das melhores. Elas eram compradas por um alto preço, pago ao pai da noiva. Xenofonte, no seu livro O Econômico, nos deixou um retrato pormenorizado da vida da mulher e da economia do lar, na Grécia Antiga. A esposa vivia no interior da casa, num setor reservado denominado gineceu, só podendo ir até a rua acompanhada de criados. Quando o marido recebia hóspedes, não lhe era dado o direito de fazer as refeições com eles. Sua função era criar os filhos e exercer o controle da casa, das propriedades, dos escravos, das ovelhas, do gado e do vinho. Ela dava uma sólida contribuição governando o lar. Na verdade, o casamento grego era sobretudo um contrato econômico, sem qualquer interação emocional entre marido e mulher. O homem trabalhava fora de casa, aumentava seus bens materiais para entregá-los aos cuidados da esposa que os supervisionava e geria. O matrimônio na Grécia não era a instituição social com as características que hoje concebemos.
A mulher casada não recebia nenhum tipo de educação formal que lhe aprimorasse o espírito, de modo que o homem grego, reconhecidamente amante das artes e da filosofia, achava muito pouco interessante a companhia da esposa. Não fora a pressão da sociedade e do Estado, seguramente a maioria permaneceria solteira. Tanto isto é verdade que em Esparta o celibato era considerado crime, e o celibatário não tinha o direito de votar nem de ser votado. Segundo Plutarco, os solteiros eram obrigados a marchar nus durante certos dias, mesmo no inverno, entoando cantigas como uma forma de penitência por seus hábitos incivis. Os recalcitrantes podiam ser até atacados nas ruas por mulheres revoltadas.
O fato é que, seja por convicção social e patriótica, seja pelo medo da discriminação e dos castigos, o homem grego casava, embora a possibilidade de que viesse a amar a esposa fosse muito pequena. Tanto isto é verdade que o poeta Páladas deixou escrito que os dias mais felizes de um homem são: “o dia em que ele leva a noiva para o leito nupcial e o dia em que ele a deposita no túmulo”. Não é de admirar, portanto, a afirmação de Hunt de que os gregos, mesmo aqueles que eram atenciosos e delicados, tendessem a olhar para as respectivas esposas como se elas fossem apenas um fardo necessário.
Com este quadro matrimonial compreende-se com facilidade que os gregos apelassem para o prazer da companhia das mulheres de aluguel. Algumas vezes era em busca do prazer físico; outras, da satisfação intelectual. As “heteras” cumpriam as duas funções. Segundo Tannahil, “o que os atenienses mais apreciavam nelas era o fato de serem exímias em todas as coisas que aqueles mesmos homens impediam que suas esposas aprendessem”. Geralmente eram mulheres de boa família, algumas possuidoras da cidadania ateniense, mas que, ao contrário dás outras moças de sua classe social, foram treinadas para serem sexualmente excitantes, ressaltando seus encantos físicos com roupas apropriadas, maquilagem facial adequada, perfumes suaves, cabelos e unhas cuidadosamente tratados. Ao contrário das “dictérides” e até da maioria das “aulétrides”, elas podiam se dar ao luxo de escolher os amantes ou os admiradores que desejassem.
Não eram porém apenas mulheres bonitas e educadas na fineza das artes sociais, eram sobretudo instruídas, algumas de cultura filosófica e literária marcantes. Suas casas eram tidas como verdadeiros santuários de discussões filosóficas e literárias. No Menxeno de Platão, Sócrates relata que aprendeu a arte da Retórica com Aspásia, famosa “hetera”, que foi mais tarde amante exclusiva de Péricles e que, segundo se dizia, escrevera a célebre oração fúnebre por ele proferida.
Não se julgue porém que as “heteras” eram mulheres desinteressadas dos bens materiais. Muito ao contrário. Tannahil lembra que elas tinham perfeitamente a consciência de que seus encantos físicos eram passageiros a que a melhor maneira de conservar seu status era usá-los para conseguir posição e dinheiro. E não tinham medidas para conseguir isto. Numerosos escritores relatam histórias de amantes que gastaram com “heteras” toda sua fortuna e reputação e, depois de reduzidos à miséria, foram impiedosamente postos de lado. Tannahil inclusive registra a mensagem que uma dessas mulheres, chamada Filomena, escrevera a um amante: “Por que se preocupa em fazer longas cartas? Eu quero 50 peças de ouro e não cartas. Se você me ama, pague; se dá mais valor ao dinheiro, não me procure mais. Adeus!”. Para se ter uma idéia do preço que as heteras cobravam por seus favores sexuais, basta dizer que enquanto uma “pornai” se oferecia por 5 a 10 dracmas, nunca mais de 15 (algo em torno de meio cent a 1 ou 2 dólares), as “heteras” não se entregavam por menos 500 a 1000 dólares. Em compensação, enquanto as “dicteríades” pagavam pequenos impostos, as “heteras” os pagavam rigorosamente e de conformidade com o preço que recebiam.
É verdade que, em alguns casos, o preço não era arbitrado em dinheiro, mas em posição e favores, o que valoriza o fato de que “a grande diferença entre sexo por dinheiro e sexo grátis é que sexo por dinheiro geralmente custa um pouco menos”.
Ricas e belas, cultas e poderosas, respeitadas e ouvidas, era inevitável que na sociedade helênica as “heteras” tivessem uma posição destacada. Influenciavam não só a vida sexual dos gregos, mas a própria vida cultural de Atenas, onde algumas chegaram a exercer enorme influência política. Sem dúvida, gozavam de uma posição superior à das esposas. O poeta Fileteros notou bem este fato quando deixou escrito para posteridade estas palavras: “Não é de admirar que haja um altar em toda parte erguida a Hetera; mas em nenhum lugar, em toda a Grécia, há um só altar erguido à Esposa”
Uma destas “heteras”, que viveu um século depois de Sócrates, ficou famosa por sua beleza em toda a Grécia. Chamava-se Frinéia de Téspias. Suas formas eram tão perfeitas que os melhores pintores e escultores atenienses quiseram tê-la por modelo. Esta sorte coube apenas ao célebre escultor Praxíteles que fez dela o modelo predileto para suas esculturas. Relgis refere que as estátuas de Vênus conhecidas com o nome de Calipígias não eram mais do que cópias, no todo ou em parte, de Frinéia.
Bela e rica, Frinéia “reinava” em Atenas. Sua casa sempre estava cheia de admiradores e de ricos negociantes que lhe ofertavam verdadeiras fortunas. Conta-se até que Tebas, que tivera suas muralhas destruídas, estava tentando recolher dinheiro para reedificá-las.
Frinéia se ofereceu para pagar, sozinha, toda a reconstrução, desde que ficasse inscrita na muralha a seguinte frase: “Destruída por Alexandre; reconstruída por Frinéia, a hetera”. Hunt diz que os tebanos recusaram o atrevido oferecimento. Conhecendo seus dotes físicos, Frinéia os ressaltava pela discrição das roupas que usava, mas, “durante as festas dos `mistérios’ de Eleusis, ela se desnudava, sob os pórticos do templo, aparecendo como deusa, semelhante às estátuas a que servia de modelo” (Relgis).
Também nas festas de Netuno e de Vênus, Frinéia descia as largas escadarias do templo, gradativamente despojando-se dos vestuárïos, num fenomenal strip-tease até chegar à beira da praia, onde então desatava os cabelos e, completamente despida, entregava ao mar o encanto de sua nudez. Nadava entre as espumas das ondas, na frente
de uma multidão extasiada, que via nisto a reconstrução da cena do nascimento de Afrodite. Depois saía rapidamente do mar e fugia. O silêncio que acompanhava toda a cerimônia era então quebrado e uma gritaria ensurdecedora ecoava na multidão.
Não faltava porém, às “heteras”, o ódio e a vingança dos amantes desprezados. E por acusações, às vezes, as mais absurdas, elas eram levadas ao julgamento do Areópago, tribunal de Atenas que se reunia na Colina de Ares, e cujos juízes, os areopagitas, eram venerados pelos atenienses. Com certa freqüência, as mulheres eram injustamente condenadas, porque a acusação formulada por um cidadão ateniense quase sempre era acatada pelo venerando Conselho. Bacchide, uma “hetera” muito conhecida na época, nos dá uma prova das acusações absurdas a que estavam sujeitas as mulheres de aluguel. Escrevendo a sua amiga Mírina, ela faz a seguinte advertência: “Está provado que se exigires alguma coisa de Eutíade, em troca do que lhe deres, serás acusada de ter incendiado a frota ou violado as leis fundamentais do Estado”. A história da Grécia nunca deixou claro quem foi este tal de Eutíade, mas o fato é que foi ele que, repudiado por Frinéia, a acusou diante o Areópago: o crime era de ter cometido grave profanação ao parodiar os “mistérios” de Eleusis e por haver corrompido os mais ilustres cidadãos da República. Era uma acusação muito grave e todos os juízes pareciam que estavam tendidos e condená-la à pena de morte.
Seu defensor o orador Hipérides, um dos mais ardorosos amantes de Frinéia, não estava conseguindo a simpatia dos jurados. Embora advogando com ardor a causa da “hetera”, ele sentia que não estava sendo convincente. Tinha de mudar de estratégia e, parando o discurso, fez um momento de inexplicável silêncio. Quando todos os olhares se voltaram para ele, em um gesto olímpico, brusco e dramático, rasgou as vestes da acusada, desnudando-a totalmente diante da assembléia perplexa. Ali, indefeso e lindo, estava o corpo moreno e perfeito de Frinéia. E, num arroubo de eloqüência, Hipérides exclamou: “Olhai que perfeição de formas tem esta mulher; se tendes ânimo sentenciai que elas sejam destruídas pela morte. Tende piedade para com a beleza”.
Os juízes pararam deslumbrados, afinal, como todos os gregos, eles eram também estetas. Um silêncio pesado se fez presente e depois de alguns instantes, ouviu-se o som das vozes: absolvida! absolvida!. É que em sinal de deferência por tamanho encanto, dádiva dos deuses, os juízes não tiveram coragem de condená-la. Absolviam a encarnação da beleza. Afinal, não podia ser possível que o coração de uma mulher maravilhosa como aquela fosse menos perfeito do que o seu busto. A “hetera” saiu orgulhosamente do tribunal, mas a partir deste incidente ficou proibido no Areópago que os defensores, no futuro, recorressem a tais expedientes para não atrapalhar o senso da justiça dos juízes.
A história conta que quando Frinéia morreu seus amantes e admiradores ergueram, em Efeso, uma enorme estátua de ouro no templo de Diana, imortalizando para todos os séculos a beleza da mais perfeita das “heteras”.