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quinta-feira, 9 de julho de 2020
quarta-feira, 8 de julho de 2020
Praça 11 de Junho, Rio de Janeiro, Brasil - Augusto Malta
Praça 11 de Junho, Rio de Janeiro, Brasil - Augusto Malta
Rio de Janeiro - RJ
Fotografia
Reduto do samba, reunião de etnias, logradouro dos menos
afortunados, esplêndida praça. Essas e outras denominações, revelam o caráter
heterogêneo de uma região que, na virada do século XIX ao XX, se firmava como a
“pequena África”. Esse quadrilátero, composto pelas ruas Santana, Marquês de
Pombal, Visconde de Itaúna e Senador Eusébio, constituiu-se como parte de um
processo de importantes transformações, sobretudo do fortalecimento das
tradições negras e das resistências frente aos aparatos institucionais de
controle social.
Batizada Praça 11 de Junho, em razão da vitória brasileira na
batalha naval do Riachuelo em 1865, durante a Guerra do Paraguai, a praça
atraía grande fluxo de negros alforriados no período pós-abolição. Ali, a
formação dos cortiços e vilas operárias, respondia à crescente rede de relações
comerciais estabelecidas entre diferentes grupos sociais. Ciganos, portugueses,
italianos e judeus, intensificavam tal dinâmica, tornando a região eixo de
múltiplas trocas culturais. Entre a leva de imigrantes, estava Joseph Villiger,
judeu e um dos fundadores da Companhia de Cervejaria Brahma.
O antigo e pantanoso Largo do Rocio Pequeno, já havia passado
por alguns melhoramentos no seu entorno. De acordo com a política urbanista
vigente, a instalação de um chafariz de estilo neoclássico em 1842, projeto do
arquiteto Grandjean de Montigny, e, mais tarde, medidas de saneamento, bem como
a instalação de trilhos de bonde e da Companhia Estadual de Gás estabelecida
pelo então industrial Barão de Mauá, coadunavam com os ímpetos de modernização
que culminaram na reforma da praça. A aura cosmopolita pressupunha o convívio
social de forma harmônica, mas também produzia conflitos de interesse quanto à
disposição e natureza do espaço recém-reformado.
A intensa circulação de pessoas e mercadorias, devido à sua
posição geográfica estratégica, motivou disputas sociais quanto à fruição do
espaço, especialmente em um contexto histórico, cujo binômio
modernidade-civilidade, impunha políticas de ordenamento social. O grande
contingente da população negra na região acelerou o processo de formação de
guetos e a reafirmação de sua “vocação” operária. Porém, eram nas manifestações
artísticas e culturais de raízes africanas que se davam os verdadeiros
agenciamentos coletivos de estruturação da sua organização política e social.
As associações e agremiações de bairro desenvolviam papel
fundamental na articulação dos movimentos artísticos e culturais. Os espaços
das “tias baianas”, são referenciais para o acolhimento do samba, não apenas
como gênero musical, mas como instrumento de mobilização e resistência social.
Foi na casa da baiana Hilária Batista de Almeida, a Tia Ciata, que uma geração
de sambistas desenvolvia as bases rítmicas africanas. Lundu, chorinho, maxixe e
batucadas, deram origem aos sambas-canção e sambas-enredo, que animavam os
ranchos e os cordões, fazendo do carnaval a festa popular mais celebrada de
todos os tempos. Heitor dos Prazeres, Ismael Silva, Pixinguinha e tantos
outros, exaltavam pelas ruas da Cidade Nova as alegrias e os lamentos do samba,
a despeito das constantes repressões das autoridades policiais.
De 1935 a 1942 a Praça XI foi palco da expansão do carnaval com
o surgimento dos primeiros desfiles de escolas de samba. Somente com as
reformas de alargamento da Avenida do Mangue, futura Presidente Vargas, e as
sequentes demolições, como a extinção da própria Praça XI, que os desfiles
foram suspensos provisoriamente na região. A reedição do “bota abaixo”
promovido pelo prefeito Pereira Passos, agora encabeçado pelo prefeito Henrique
Dodsworth durante o Estado Novo, reafirmavam as políticas de apartamento social
e os deslocamentos das camadas mais pobres para as periferias da cidade.
Hoje, a Praça XI nada se assemelha ao logradouro eternizado
pelas lentes do fotógrafo Augusto Malta. Das reminiscências das raízes
africanas, restam o Terreirão do Samba e a Praça da Apoteose. A menos de 1Km
dali o monumento Zumbi dos Palmares, inaugurado em 1986, relembra-nos da
emergência da preservação das artes e cultos de matrizes africanas, contados em
verso e prosa pelos ícones e admiradores do samba. Texto da Biblioteca
Nacional.
Propaganda do "Açougue Mineiro", 12/04/1896, Jornal "A Pétala", Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
Propaganda do "Açougue Mineiro", 12/04/1896, Jornal "A Pétala", Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
Ribeirão Preto - SP
Propaganda
Copacabana, 1895, Rio de Janeiro, Brasil - Augusto Malta
Copacabana, 1895, Rio de Janeiro, Brasil - Augusto Malta
Rio de Janeiro - RJ
Fotografia
Bairro da zona sul da cidade do Rio de Janeiro,
internacionalmente conhecido, com praia, opções gastronômicas, circuito
cultural, boemia e palco de grandes eventos, Copacabana é um dos principais
cartões – postais do Brasil. Inicialmente, a extensão da praia e seu entorno
chamava-se Sacopenapã, de origem tupi e significava, "o barulho e o bater
de asas dos socós", o barulho dos pássaros. A região era bem diferente,
com poucos habitantes e construções e de difícil acesso.
O nome Copacabana e sua ligação com o bairro inicia-se no
século XVII, com a chegada de comerciantes de prata, bolivianos e peruanos, que
eram conhecidos como “peruleiros”. Os imigrantes motivados por sua fé trouxeram
uma réplica da imagem de Nossa Senhora de Copacabana. A imagem foi depositada
no interior de uma capela, erguida sobre um rochedo e posteriormente deu o novo
nome ao bairro.
Em 1914, a igreja foi demolida, para a construção do atual
Forte de Copacabana.
Sobre a origem do nome Copacabana há algumas versões: uma da
língua quíchua, falada pelos Incas e que significa “lugar luminoso”, “praia
azul”, “mirante azul”. Já a outra possibilidade vem da língua aimará, da
Bolívia e significa “vista do lago”. Até o final do século XIX, Copacabana não
era um local de fácil acesso, viviam ali alguns pescadores, existiam chácaras,
sítios, a Igreja de Nossa Senhora de Copacabana e o Forte Reduto do Leme. Em
1892, um marco para a região, foi a inauguração do túnel no Morro de Vila Rica,
Túnel Real Grandeza, conhecido como Túnel Velho, atual, Túnel Alaor Prata. A
construção permitiu o acesso entre Copacabana e Botafogo e a integração com o
restante da cidade. Outro destaque para a integração e movimentação no bairro
foi a criação e ampliação das linhas do bonde.
Já no início do século XX, em 1905, na gestão do prefeito
Pereira Passos, foi iniciada a obra da Avenida Atlântica, entregue no ano
seguinte pelo prefeito Sousa Aguiar. Data deste período a construção do famoso
calçadão de Copacabana, construído com pedras vindas de Portugal. Na década de
70 obras foram feitas para duplicar a Avenida Atlântica e facilitar o fluxo, já
intenso.
Um dos grandes símbolos do bairro, o Hotel Copacabana Palace
foi o primeiro grande edifício construído, inaugurado em 1923. O plano inicial
era que o hotel de luxo hospedasse os visitantes que viriam a capital federal
para participar da Exposição do Centenário da Independência do Brasil que
ocorreu em 1922, porém, dificuldades com a obra, com materiais, não permitiram
a inauguração do hotel a tempo. Nas dependências do Copacabana Palace
também funcionou um cassino até 1946, quando o jogo foi proibido no país. A
edificação com localização privilegiada permite uma bela vista da praia.
Amor e Morte na São Paulo de 1923 - Artigo
Amor e Morte na São Paulo de 1923 - Artigo
Artigo
Entro no Cemitério da Consolação, atravesso o pórtico de entrada e percorro, em linha reta, um corredor de árvores enfileiradas. Fundado em 1858, o cemitério narra, à sua maneira, uma parte expressiva da história de São Paulo. Lá estão, gravados nos jazigos, nomes tradicionais como os Almeida Prado, os Álvares Penteado, os Pereira de Queirós. Lá estão também os traços do cruzamento de famílias brasileiras da elite com imigrantes enriquecidos – os Silva Prado e os Crespi, por exemplo. Lá estão, ainda, os mausoléus espetaculares de sírios e libaneses, os túmulos grandiosos de italianos e seus descendentes.
Tenho, porém, um destino certo. Deixo a aleia, viro à direita, passo por uma fantástica miniatura que se ergue para o alto, reproduzindo, em mármore de Carrara, a Catedral de Milão. Ultrapasso um cruzeiro onde as velas acesas lutam contra o vento e chego a uma sepultura, com localização discreta, próxima à parede dos fundos do cemitério. É um belo jazigo de granito cinza, escultura de uma mulher nua, de seios fartos, pernas longas e torneadas, cabeça baixa apoiada em um dos braços, tendo diante de si uma esfera. Há na lápide uma inscrição: Moacyr Piza 1891–192…Caiu o último número do ano de falecimento, sem que alguma mão caridosa tivesse se preocupado com a reposição. Mas quem conhece a história de Moacyr sabe que ali se inscreveu o ano de 1923.
A escultura é obra de um artista de renome em sua época, Francisco Leopoldo e Silva, que lhe deu o título de Interrogação. Esse título parece expressar a incompreensão ante a morte trágica e prematura de uma figura de destaque da sociedade paulistana. Moacyr de Toledo Piza era membro de uma família tradicional, cujos ancestrais chegaram ao Brasil ainda nos tempos da Colônia. Cursou a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e recebeu o grau de bacharel em 1915. A princípio, foi delegado de polícia em cidades do interior paulista, mas acabou fixando residência em São Paulo, onde instalou sua banca de advocacia. Ele não se limitou, porém, à rotina profissional. Logo se destacou na escrita, não tanto por seus versos, mas por uma prosa irônica e desabrida. Havia entre seus companheiros de atividade literária dois personagens muito originais. Ambos se situavam à margem da estética modernista que provocou escândalo na famosa Semana, realizada no Theatro Municipal em fevereiro de 1922. Um deles era Hilário Tácito – pseudônimo do engenheiro José Maria de Toledo Malta –, autor de um romance de costumes, Madame Pommery. Empregando os recursos da ficção-verdade, o livro traz à cena Madame Pommery, supostamente uma francesa, que instalara um bordel de luxo em São Paulo, com o nome sedutor de Au Paradis Retrouvé. Na verdade, Pommery se chamava Ida Pommerikowski, judia polonesa que veio tentar a sorte nestas plagas. O texto focaliza o bordel, frequentado por “coronéis” e políticos, retratando um momento da passagem da cidade provinciana à urbe cosmopolita, cuja elite vinha trocando as cervejadas pelo borbulhar do champanhe.
O outro amigo de Moacyr era Juó Bananére, “baolista [corruptela de paulista] de Pindamonhangaba”, um italiano que mantinha uma barbearia num local pobre do Centro da cidade, a ladeira do Piques, junto ao Largo da Memória. Bananére nasceu da imaginação do engenheiro Alexandre Ribeiro Marcondes Machado e ganhou vida própria, a ponto de se tornar mais conhecido que seu criador. Por meio de uma linguagem macarrônica, misto de português e italiano, Ribeiro Marcondes Machado deu vazão a seu personagem, crítico dos grandes políticos, analista irônico dos fatos internacionais e das relações entre italianos e brasileiros na cidade de São Paulo. Já na década de 10, ele publicava na revista satírica O Pirralho, dirigida por Oswald de Andrade, uma coluna intitulada“As cartas d’Abax’o Piques”. Como lembra Carlos Eduardo S. Capela, em Juó Bananére: Irrisor, Irrisório, Juó foi parceiro de Moacyr Piza num livrinho de poemas satíricos, intitulado Galabáro: Libro di Saniamento Suciali / Calabar. A primeira parte, em dicção macarrônica, foi escrita por Bananére; a segunda, em português, por Moacyr Piza, atrás do pseudônimo Antonio Paes. O traidor apontado no título era o cônego Valois de Castro, que supostamente teria aderido à Alemanha no período da Primeira Guerra Mundial, então em curso. Um anúncio da publicação de Galabáro proclamava: “Calabar di Juó Bananére i Antonio Paes – Estupendimo livrio di scugliambaçó co padri chi abracciô u allem! – avenda in tuttas part-! – 1$000 cada uno.”
Na grande leva da imigração em massa dos últimos anos do século XIX, desembarcou em Santos, no ano de 1899, um casal de imigrantes italianos pobres, como era a regra geral. O casal trazia em sua companhia uma filha de 2 anos, que ensaiava então suas primeiras frases. Seu nome, Romilda Machiaverni. A família foi morar no Brás, bairro separado do Centro por irritantes porteiras, que se abriam e fechavam, manualmente, em função da passagem dos trens pelos trilhos da ferrovia Santos–Jundiaí. No mundo de além-porteiras, que incluía a Mooca, o Belém e o Belenzinho, concentrava-se um grande número de imigrantes, de várias nacionalidades, com predominância de italianos e espanhóis. Se os homens eram operários ou pequenos comerciantes, as mulheres se dedicavam a múltiplas tarefas domésticas. Ou, então, empregavam-se nas fábricas de tecidos da região, costuravam para fora, tornavam-se empregadas nas casas dos bairros mais favorecidos.
Romilda cresceu e começou a trabalhar em seu meio, como costureira. Em pouco tempo, arranjou um emprego como camareira num hotel do Centro da cidade e afastou-se do Brás. Sua pobreza tornava remota a possibilidade de ascender pela via do casamento. Mas ela tinha um trunfo valioso: uma beleza incomum, um rosto iluminado por lindos olhos castanhos.
Não demorou a despertar a atenção de homens jovens e não tão jovens, integrantes da elite paulistana. Foi assim, em pouco tempo, que Romilda Machiaverni se transformou em Nenê Romano – uma nova personagem, não apenas no nome, mas também no vestuário e nos adereços que passou a usar. Deixou para trás o nome de batismo, de ressonância desagradável, e trocou, ao mesmo tempo, as roupas modestas de arrumadeira por vestidos requintados, chapéus, meias de renda, lenços, colares, luvas – enfim, todo um arsenal adequado à sua nova identidade.
Por volta de 1920, São Paulo contava com quase 600 mil habitantes. Não podia se comparar ao Rio de Janeiro, mas tinha já uma vida noturna, com seus cinemas, restaurantes, teatros e casas de prostituição, que iam das mais miseráveis às chamadas “pensões alegres”. No livro História da Prostituição em São Paulo, Guido Fonseca descreve o mundo desses estabelecimentos, frequentados pela jeunesse dorée atrás de prostitutas bonitas, numa atmosfera em que não faltava champanhe francês (ou fabricado como francês, nas fabriquetas do Brás), cocaína e até mesmo ópio. No imaginário da época, a sexualidade pecaminosa estava associada à França. Daí o nome da maioria das pensões alegres: Pension Royale, Palais Elegant, Maxim’s, Maison Dorée. Nenê certamente frequentou algumas dessas casas. Mas, à medida que sua clientela cada vez mais se concentrava em personagens que demandavam sigilo, ela passou a recebê-los em casas por ela alugadas. Quem seriam seus clientes ilustres? Falava-se, entre outros, no senador Rodrigues Alves, no deputado Rodolfo Miranda e, principalmente, em Washington Luís, àquela altura a figura política mais importante de São Paulo, como presidente (governador) do estado.
Nas primeiras décadas do século XX, o Carnaval paulistano se diferenciava conforme os bairros. Havia o Carnaval “italiano” do Brás, que combinava inspirações peninsulares com a apropriação de estilos locais; o da Barra Funda, caracterizado pelos cordões, raros em outros pontos da cidade, com predominância de negros e mulatos. O Carnaval da elite tinha, como ponto mais alto, o corso da avenida Paulista. O local se destacava pelos arbustos enfileirados simetricamente ao longo das calçadas; pelo Belvedere do Trianon, de cuja sacada era possível contemplar o Centro da cidade e a linha de montanhas no horizonte; e, sobretudo, pelos palacetes suntuosos, evidenciando o status de moradores da elite tradicional e a riqueza de um punhado de imigrantes. Eles eram, principalmente, sírios, libaneses e italianos que tinham se tornado grandes industriais ou comerciantes e ascenderam na escala social.
Assim era a avenida prestigiosa onde se fazia o corso, tido como um festejo estritamente familiar, uma confraternização entre aqueles que participavam de um universo cultural comum e possuíam um bem escasso – os automóveis de luxo. Além de representar um símbolo de riqueza, esses automóveis, abertos, eram responsáveis por boa parte da graça do corso. Nos assentos, ou sobre a capota arriada dos carros, surgiam na avenida os pierrôs, as colombinas, os apaches, os caubóis, ou, simplesmente, rapazes em traje de pijama. A moçada lançava de um carro a outro confetes, serpentinas e, mais do que isso, olhares promissores e beijos a distância.
Um filme de cerca de cinquenta minutos, exibido num cinema do Centro, registrou as imagens do corso no Carnaval de 1915. Infelizmente, o filme desapareceu e dele temos apenas a ficha técnica. Mas ela é eloquente por conter uma sinopse onde se relaciona o nome das famílias que participaram do desfile. Entre elas, as famílias de Rodrigues Alves, de Washington Luís, dos Toledo Piza, dos Sousa Queirós, de Martinho Prado etc.
O corso era “estritamente familiar”, mas nem tanto. As “meninas alegres” sempre davam um jeito de participar dos festejos, levadas pelas mãos de seus admiradores. Tanto assim que no Carnaval de 1918 vamos encontrar, entre os foliões, Nenê Romano. Em meio às brincadeiras, ocorreu algo trivial, que ganharia importância anos depois, numa visão retrospectiva.
Segundo uma versão, atraído pela beleza de Nenê um rapaz teria lhe passado um bilhetinho convidativo, numa das paradas do desfile de carros. Segundo outra, o rapaz beijara a mão da cortesã, o que significava algo além de um simples galanteio. Bilhete ou beijo na mão, qualquer que tenha sido o gesto, ele indicava a existência de relações mais íntimas entre o rapaz e Nenê. Deduz-se isso também pela fúria que aquele momento fugaz despertou em uma moça apaixonada pelo jovem, de nome Maria Eugenia Junqueira. Ela era filha de dona Iria Alves Ferreira, viúva, que fora casada com um rico membro da família Junqueira. Dona de muitas terras, era proprietária da Fazenda Pau Alto, nas cercanias de Cravinhos, cidade próxima a Ribeirão Preto. Sagrada pelos contemporâneos como “Rainha do Café”, dona Iria era mulher muito influente. Tinha poder econômico e mantinha relações com os políticos paulistas. Tinha também várias faces: de um lado, era uma empreendedora vitoriosa, dedicada a atos de benemerência; de outro, esteve envolvida em acusações de delitos cometidos com a justificativa de lavar a honra familiar. O episódio mais espetacular do lado B de dona Iria foi o chamado “Crime de Cravinhos”, que teve grande repercussão na sociedade paulista, a ponto de dar origem a um filme, lançado em 1920.
A vítima era o francês Alphonse Defforge, com quem uma filha de Iria tinha se casado na França. Como o rapaz, que se dizia “perdidamente apaixonado”, deu mostras de não passar de um caça-dotes, a jovem se separou dele e voltou para o Brasil. Defforge cometeu o erro fatal de seguir seus passos. Em maio de 1920, apareceu morto nas proximidades da Fazenda Pau Alto, em condições aterradoras: rosto descarnado, orelhas e língua cortadas, mutilações no crânio, perfurações nas costas e no ventre. No processo que se seguiu, capangas da fazenda de dona Iria foram acusados do crime, assim como ela própria, na qualidade de mandante. Graças a suas relações sociais e a seus excelentes advogados, ela conseguiu se livrar da acusação.
Na noite de 20 de setembro daquele ano de 1918, quando voltava para casa em companhia de sua criada Adelina Justo, Nenê foi atacada por três homens. Eles a imobilizaram e, a seguir, talharam seu rosto com uma navalha. O modus operandi da violência coincidiu em alguns aspectos com o Crime de Cravinhos, coincidência que ficou reforçada quando os agressores foram identificados como capangas da Fazenda Pau Alto. Detidos e processados, dois deles foram condenados. Quem recebeu a pena mais alta – seis anos de prisão celular – foi o “preto” Ignácio Alves de Carvalho, conforme enfatizou à época o noticiário da imprensa. Maria Eugenia morreu em 1919, vítima da gripe espanhola que se espalhou em São Paulo.
A intenção dos criminosos era marcar o rosto de Nenê, de tal forma que ela, envergonhada, tivesse de sumir da noite paulistana. Mas não foi bem assim. A navalhada deixou uma cicatriz em seu rosto, mas não a ponto de desfigurá-lo. E ela se recuperou, voltando a brilhar como cortesã requestada. Mais ainda, Nenê não deixou por menos a violência de que fora vítima. Entrou com uma ação indenizatória para obter a reparação dos danos sofridos. Por razões previsíveis – quem era ela diante de Maria Eugenia? –, a ação emperrou no fórum. Nessa altura, ela procurou o advogado Moacyr Piza, a quem, provavelmente, já conhecia da noite paulistana.
Não passou muito tempo para que advogado e cliente se transformassem em amantes apaixonados, protagonistas de um caso que se prolongou por cerca de dois anos. A relação, porém, se desgastou pelo lado de Nenê, enquanto Moacyr era tomado mais e mais por uma paixão possessiva, a ponto de descuidar de seu escritório e distanciar-se da roda de amigos. Nenê acabou pondo fim ao romance. Preferiu, aparentemente, a vida de cortesã à exclusividade rotineira de um amante obsessivo, que, não bastasse o resto, já não conseguia dar conta de suas muitas despesas.
Tudo terminaria assim, não fosse a insistência de Moacyr. Suas visitas antes frequentes à casa de Nenê tinham sido barradas. Em meio à crise, ele publicou um livrinho com o título de Roupa Suja, impresso “sem licença do Santo Ofício, no mês de julho do ano da graça de 1923, na mui leal, católica e governamental cidade de São Paulo”. Nessa obra panfletária, que diz muito de sua coragem, de sua agressividade e de sua verve espantosa, o alvo principal é o presidente Washington Luís. Ele é arrasado como historiador, como governante inclinado ao desperdício do dinheiro público, pela “mania” de construir estradas de rodagem, o que, aliás, lhe valeu o apelido de “presidente estradeiro”. Moacyr tomou como verdade – e tinha boas razões para isso – as façanhas amorosas do chefe do Executivo paulista. No texto, ele se refere repetidas vezes à presença de uma “senhora elegante, bela, quase divina e, mais que tudo, alegre” ao lado do presidente, nas comemorações de 7 de setembro e de 15 de novembro de 1922. Há quem afirme que a tal senhora era Nenê Romano. Naquele ano, em que as relações entre Nenê e Moacyr tinham estremecido, teria ele resolvido, num misto de ciúmes e de ressentimento, fazer alusão a ela, em seu implacável livrinho? Seria para Nenê o recado de que, em vez de se apresentar em público, “a mulher elegante, bela, quase divina e, mais que tudo, alegre deveria ter procurado Washington Luís em mais discreto sítio, para iniciarem, desde logo, o século XVII da França no século XX de São Paulo?”.
Moacyr tentou agradar Nenê com presentes, que ela devolveu, como um faqueiro e um buquê de flores, oferecidos no dia de seu aniversário. Ao mesmo tempo que tentava reconquistá-la por todos os meios, demonstrava seu desespero em versos premonitórios, nos quais a certa altura lamentava: Que hediondo crime, que mortal pecado/ Cometi, que me tens por inimigo?// Por que o bem de olvidá-la não consigo? Eu que, do seu amor ando olvidado // Por quê? Bem sinto: é que nos céus, sereno / Só podes compreender o amor divino,/ Nunca, nunca provaste o amor terreno // O amor de uma mulher que é o meu Destino / E cuja boca é a taça de veneno/ Que faz de um homem justo – um assassino!
A história teve desfecho na noite de 25 de outubro de 1923. Nenê chamara um carro de praça para buscá-la em casa quando Moacyr, que rondava a residência, surgiu de repente. Insistiu em juntar-se a ela para ter uma conversa séria. Os dois se sentaram no banco de trás do automóvel e, sem destino certo, foram percorrendo as ruas da cidade. Atravessaram a avenida São João, subiram a avenida Angélica e alcançaram a esquina da rua Sergipe, nas proximidades da Praça Buenos Aires. Nessa altura, três estampidos secos estalaram na noite. Moacyr havia sacado um revólver e disparado três tiros contra a ex-amante. Logo em seguida, disparou um tiro contra o próprio peito. Nenê morreu na hora, não sem antes soltar um gemido e uma palavra: “Ai, Moacyr.” Como este ainda vivia, o motorista conduziu, atarantado, o carro pelas ruas da cidade até chegar à Central de Polícia, situada no Pátio do Colégio, junto à Praça da Sé. Mas pouco antes da chegada Moacyr não resistiu ao ferimento e também acabou exalando o último suspiro, como se dizia nas crônicas da época.
Na esfera dos crimes passionais, o assassinato seguido de suicídio envolvendo pessoas bem conhecidas, ainda que por motivos bem diferentes, produziu um impacto que até então a cidade não conhecera. De sua parte, expressando e, ao mesmo tempo, modelando a opinião pública, a imprensa traçou a personalidade dos dois protagonistas da trágica história. De um lado, figurava a femme fatale, a jovem sedutora, ruína de muitos rapazes, que preferiam pôr fim à vida a perder o objeto de seu amor; de outro, o jovem de excelente família, dotado de muitas qualidades intelectuais, vítima de um encanto destruidor. Ninguém se lembrou de dizer que havia uma vítima real, transformada em vilã da história.
Se o cemitério em que se encontram os restos mortais de Moacyr Piza é conhecido, onde teria sido enterrada Romilda Machiaverni, que em vida se transformara em Nenê Romano? Quase sempre, escritores ou jornalistas que narraram essa história, ou parte dela, apontam o Cemitério do Araçá, localizado a apenas poucos quilômetros do Cemitério da Consolação. O sociólogo José de Souza Martins é uma voz solitária, ao afirmar que Romilda foi enterrada no Cemitério da Quarta Parada, também conhecido como Cemitério do Brás. Sem tratar de esclarecer a divergência dos dados, prefiro aceitar a última hipótese porque ela sugere que a menina vinda do bairro italiano, que se transformara em Nenê Romano, regressou ao bairro em que crescera, de onde nunca mais sairia. Texto de Boris Fausto.
Isadora Duncan - Artigo
Isadora Duncan - Artigo
Artigo
Em 27 de maio de 1877, nascia em São Francisco, EUA, a
bailarina norte-americana Ângela Isadora Duncan. Isadora desde pequena
despertava o interesse pela dança. Iniciou no balé clássico aos 4 anos de idade
e desde muito jovem questionava a disciplina rígida do balé. Aos 11, já
lecionava para crianças da vizinhança, sempre acompanhada das sessões de piano
de sua mãe. Nesse momento, já desenvolvia um estilo próprio. Mais tarde, rumou
para Chicago, a cidade dos espetáculos teatrais. Lá, Isadora ingressava para a
companhia de Teatro de Augustin Daly em 1896, levando-a na sequência a Nova
Iorque, onde sua percepção de dança conflitava com as apresentações ao público.
Foi em Nova Iorque que começou a ter aulas com Marie Bonfanti, mas não demorou
muito para se incomodar com a rotina extenuante, cujos parâmetros convencionais
reservavam às mulheres posição coadjuvante. Defensora da liberdade e dos
direitos das mulheres, percebia que seus posicionamentos políticos e estéticos
não eram bem vindos. Em 1899, decidiu se mudar com a família para Londres.
Conquistou um público cativo com ajuda do pianista e maestro Charles de Halle
na “New Gallery”. Durante as apresentações, Isadora combinava dança, música e
interpretação, desenvolvendo uma arte multidisciplinar. De Londres segue para
Paris, onde conhece a artista Loie Fuller durante uma apresentação na Exposição
Universal de 1900. O contato com a também dançarina norte-americana reafirmava
sua crença em expressões corporais para além do balé tradicional. Em companhia
de Loie Fuller, excursionou pela Europa. Na Alemanha, patrocinada pelo
empresário Alexander Grosz, passou a criar espetáculos solo. Sua técnica
inovadora depreendia profunda conexão com o corpo e seu movimento natural. Não
se adequava a regras preestabelecidas. Sua dança era inspirada nos ícones da
Grécia Antiga e no trabalho escultórico, que demandava o constante moldar do
corpo. Despida de adornos: laços, meias, espartilhos, sapatilhas, propunha uma
dança fluida, livre. Cabelos soltos, pés descalços. Corpo coberto somente por
uma túnica de gaze. Sem maiores aparatos, seus movimentos atingiam o gestual
necessário, cujo corpo sinuoso expressava afetos, sentidos e espaços cada vez
mais amplos. Parte de sua arte performática guarda influência de François
Delsarte (1811-1871), cantor, filósofo e teórico do movimento, que colocou em
prática fundamentos corporais, cuja estética se expressava em dimensões
espiritual e metafísica. Duncan foi quem disseminou sua pedagogia para as
escolas de dança na Europa. Inicialmente na Alemanha, depois Paris, URSS e EUA.
A criação de escolas se tornou um dos grandes projetos de Duncan, chegando
inclusive a adotar algumas de suas alunas. As pupilas e, mais tarde,
propagadoras de sua arte recebiam a alcunha de “Isadorables”. Com o início da
grande guerra, Duncan retornou aos EUA. Em 1915, apresentou o espetáculo “A
Marselhesa” no Metropolitan Opera House em Nova Iorque. A performance incluía
movimentos inspirados em uma estética militar, convocando a plateia a integrar
a luta pela liberdade. O espetáculo evidenciava mais uma faceta de Duncan. Ela
acreditava na dança como uma elevação espiritual de comunhão entre corpo e
mente, logo de sublimação da materialidade do corpo. Assim, todos alcançariam a
liberdade e gozariam de princípios básicos, como a igualdade de direitos. Sua
utopia política é exibida na coreografia “March Slav”, de Tchaikovsky. A
associação de clássicos com performances de caráter transgressor era incomum
para época e causava grande alvoroço entre a crítica especializada. Na peça,
Duncan representava um camponês em posição subjugada. A canção “Deus salve o
czar” era usada para marcar a queda do camponês que a seguir se rebelava. Tais
temáticas alinhavam-se ao ideal comunista por ela defendido, fato comprovado
pelo convite do governo soviético para administrar uma nova escola. Em 1921,
encena na URSS a peça “Revolucionários”. A trajetória de Isadora Duncan é
marcada por amores e tragédias, momentos dramáticos, como a perda dos 2 filhos
biológicos em um acidente de carro, seguido de afogamento. De paixões e um
casamento ao final da vida, que, ao que se sabe, fora arranjado para facilitar
a entrada do marido, o russo Serge Essenin no retorno aos EUA após deixar a
URSS. É possível, pois não acreditava na instituição do casamento. Entre
algumas curiosidades, destacam-se um recital inspirado nas três graças de
Botticelli no qual se apresenta grávida, sua passagem em 1916 no Teatro
Municipal do Rio de Janeiro e as investidas não correspondidas de Auguste Rodin
e Gabriele d’Annunzio. Morreu em 14 de setembro de 1927 em um acidente
insólito. Durante um passeio de carro, a echarpe que usava no pescoço se
enrolou no pneu do carro, enforcando-a. Isadora Duncan deixa um legado
celebrado até os nossos dias. Precursora da dança moderna, transformou o ato de
dançar, experimentando a fusão entre o corpo e o espírito. Diziam que Isadora
se movimentava como as águas, tamanha a delicadeza, porém sempre intensa. Com
tamanha potência, Isadora Duncan, ensina e inspira, despida de preconceitos, o
sentido mais caro à arte: liberdade! Na imagem matéria da edição de setembro de
1916 da Revista da Semana em homenagem à “A Divina Isadora”. Texto da
Biblioteca Nacional.
Imagens Internas do Convento do Carmo, São Paulo, Brasil
Imagens Internas do Convento do Carmo, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia
Poucas imagens internas do Convento do Carmo foram publicadas. Estas 2 foram tiradas do alto da torre sineira da Igreja da Ordem Primeira do Carmo. A panorâmica superior é direcionada ao bairro da Moóca e mostra o jardim do convento. Lembremo-nos que outrora esteve instalada uma senzala nos fundos. Em 2º plano, o extenso Parque Dom Pedro II que se estendia desde os arredores do Palácio das Indústrias até as proximidades da Rua da Mooca. No alto à esquerda, as instalações do Gasômetro na Rua da Figueira; mais aquém, na Frederico Alvarenga, antiga Rua do Hospício, o prédio do Gymnásio do Estado que posteriormente — no período de 1962-1981 — abrigou o Instituto Mauá de Tecnologia até este ser transferido para São Caetano do Sul. Na mesma rua, mais à direita, o Quartel do 6º Batalhão. A pequena seta indica os 3 pontos mencionados.
Na foto inferior, tomada no mesmo local, vemos além do telhado do Convento do Carmo, o Parque Dom Pedro II; o Gymnásio do Estado e à esquerda, a Rangel Pestana antes do alargamento. Sabemos que o conjunto composto pela igreja, convento e a torre citada no início, vieram ao chão em 1928 e muitos anos depois, o espaço seria ocupado pelo enorme edifício da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Foi poupada a agora solitária Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo e sua torre. As obras para a construção da Secretaria da Fazenda abalaram as estruturas da igreja que sofreu ligeira inclinação e rachaduras. Sua parede lateral direita foi derrubada e refeita. Por motivo óbvio, a provável data das imagens é no máximo 1928.
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