Praça 11 de Junho, Rio de Janeiro, Brasil - Augusto Malta
Rio de Janeiro - RJ
Fotografia
Reduto do samba, reunião de etnias, logradouro dos menos
afortunados, esplêndida praça. Essas e outras denominações, revelam o caráter
heterogêneo de uma região que, na virada do século XIX ao XX, se firmava como a
“pequena África”. Esse quadrilátero, composto pelas ruas Santana, Marquês de
Pombal, Visconde de Itaúna e Senador Eusébio, constituiu-se como parte de um
processo de importantes transformações, sobretudo do fortalecimento das
tradições negras e das resistências frente aos aparatos institucionais de
controle social.
Batizada Praça 11 de Junho, em razão da vitória brasileira na
batalha naval do Riachuelo em 1865, durante a Guerra do Paraguai, a praça
atraía grande fluxo de negros alforriados no período pós-abolição. Ali, a
formação dos cortiços e vilas operárias, respondia à crescente rede de relações
comerciais estabelecidas entre diferentes grupos sociais. Ciganos, portugueses,
italianos e judeus, intensificavam tal dinâmica, tornando a região eixo de
múltiplas trocas culturais. Entre a leva de imigrantes, estava Joseph Villiger,
judeu e um dos fundadores da Companhia de Cervejaria Brahma.
O antigo e pantanoso Largo do Rocio Pequeno, já havia passado
por alguns melhoramentos no seu entorno. De acordo com a política urbanista
vigente, a instalação de um chafariz de estilo neoclássico em 1842, projeto do
arquiteto Grandjean de Montigny, e, mais tarde, medidas de saneamento, bem como
a instalação de trilhos de bonde e da Companhia Estadual de Gás estabelecida
pelo então industrial Barão de Mauá, coadunavam com os ímpetos de modernização
que culminaram na reforma da praça. A aura cosmopolita pressupunha o convívio
social de forma harmônica, mas também produzia conflitos de interesse quanto à
disposição e natureza do espaço recém-reformado.
A intensa circulação de pessoas e mercadorias, devido à sua
posição geográfica estratégica, motivou disputas sociais quanto à fruição do
espaço, especialmente em um contexto histórico, cujo binômio
modernidade-civilidade, impunha políticas de ordenamento social. O grande
contingente da população negra na região acelerou o processo de formação de
guetos e a reafirmação de sua “vocação” operária. Porém, eram nas manifestações
artísticas e culturais de raízes africanas que se davam os verdadeiros
agenciamentos coletivos de estruturação da sua organização política e social.
As associações e agremiações de bairro desenvolviam papel
fundamental na articulação dos movimentos artísticos e culturais. Os espaços
das “tias baianas”, são referenciais para o acolhimento do samba, não apenas
como gênero musical, mas como instrumento de mobilização e resistência social.
Foi na casa da baiana Hilária Batista de Almeida, a Tia Ciata, que uma geração
de sambistas desenvolvia as bases rítmicas africanas. Lundu, chorinho, maxixe e
batucadas, deram origem aos sambas-canção e sambas-enredo, que animavam os
ranchos e os cordões, fazendo do carnaval a festa popular mais celebrada de
todos os tempos. Heitor dos Prazeres, Ismael Silva, Pixinguinha e tantos
outros, exaltavam pelas ruas da Cidade Nova as alegrias e os lamentos do samba,
a despeito das constantes repressões das autoridades policiais.
De 1935 a 1942 a Praça XI foi palco da expansão do carnaval com
o surgimento dos primeiros desfiles de escolas de samba. Somente com as
reformas de alargamento da Avenida do Mangue, futura Presidente Vargas, e as
sequentes demolições, como a extinção da própria Praça XI, que os desfiles
foram suspensos provisoriamente na região. A reedição do “bota abaixo”
promovido pelo prefeito Pereira Passos, agora encabeçado pelo prefeito Henrique
Dodsworth durante o Estado Novo, reafirmavam as políticas de apartamento social
e os deslocamentos das camadas mais pobres para as periferias da cidade.
Hoje, a Praça XI nada se assemelha ao logradouro eternizado
pelas lentes do fotógrafo Augusto Malta. Das reminiscências das raízes
africanas, restam o Terreirão do Samba e a Praça da Apoteose. A menos de 1Km
dali o monumento Zumbi dos Palmares, inaugurado em 1986, relembra-nos da
emergência da preservação das artes e cultos de matrizes africanas, contados em
verso e prosa pelos ícones e admiradores do samba. Texto da Biblioteca
Nacional.

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