sexta-feira, 31 de julho de 2020

Pelourinho, Alcântara, Maranhão, Brasil




Pelourinho, Alcântara, Maranhão, Brasil
Alcântara - MA
Fotografia - Cartão Postal



O pelourinho de Alcântara, feito em pedra de lioz artisticamente trabalhada terá vindo de Portugal (pois que em Alcântara não havia essa pedra marmórea) e para felicidade nossa escapou à sanha destruidora dos "símbolos" da escravidão negra que se seguiu após a Abolição e, nomeadamente, após a Proclamação da República, a fim de eliminar o "entulho" da monarquia. Hoje constituem raridade nas cidades brasileiras, mandados retirar – quem sabe? - por autoridades tocadas por súbito sentimento de remorso ou de revolta.
Mais de 350 anos se passaram desde o surgimento da aldeia indígena Tapuitapera à histórica Alcântara. Os costumes da cidade, que se fez afamada pela promessa de visita do Imperador Dom Pedro II, emergiram da mistura de raças. Por um lado, a aristocracia branca instalada em imponentes casarões datados do século XVIII, do outro os serviçais negros, cuja influência é notória na cultura do município (há para mais de 250 comunidades quilombolas), ademais da contribuição pioneira do índio com o surgimento da aldeia, ainda no século XVII. Alcântara é reconhecida nacionalmente como Patrimônio Histórico Nacional, desde a década de 1940. A riqueza arquitetônica e os costumes de sua gente são os atrativos turísticos mais divulgados daquele pedaço continental de solo maranhense. A aproximação com São Luís - apenas uma hora de barco - estimula à prática de um turismo expressivo, mas de curta duração, ou seja, o visitante chega pela manhã, passeia somente pelo centro histórico e se vai à tarde.
Em 1648 surgiu a vila brasileira de Santo Antônio de Alcântara, hoje simplesmente Alcântara. Na praça principal implantou-se o pelourinho, símbolo da autoridade do rei e das prerrogativas do povo. Foi chantado em frente ao Senado da Câmara e da primitiva igreja de São Matias (V. em Fotos neste site).
Em virtude de sua importância exponencial no dia-a-dia das sociedades daquela época, eis que servia como símbolo da autonomia municipal e da justiça, o pelourinho - também referenciado popularescamente como picota - erguia-se soberbamente na praça principal da vila ou cidade – a simbolizar esta condição -, de ordinário à frente dos paços. “Levantar pelourinho” valia dizer receber foral de vila. Legalmente, para que tal ocorresse, fazia-se mister o real consentimento.
O pelourinho consistia, pelo geral, em coluna de pedra ou de madeira, no mais das vezes artisticamente esculpida e ornamentada com os símbolos reais, da colônia e/ou da vila (ou cidade), fincada a prumo, às vezes sobre baixo pedestal estagiado em degraus.
Mas para além da utilização de todos conhecida em que nele se infligia castigo aos que infringiam as leis, o pelourinho tinha outras serventias sociais, como a fixação de éditos reais, decisões das autoridades comunais a pleitos dos cidadãos ou informações de interesse da comunidade, verdadeiro elemento de ligação entre o poder constituído e o povo, por isso que se localizavam sempre em frente ao edifício da câmara ou na praça principal.
Alguns desses monumentos eram de tal forma imponentes, rebuscados de adornos e ornatos brasonados, que ofuscavam os demais prédios da comunidade, ou tamanha era a assiduidade de sua utilização, que acabavam por dar nome ao local: Largo ou Praça do Pelourinho, ou, como em Salvador, na Bahia, tão somente Pelourinho (conquanto ele próprio já lá de há muito não mais esteja), a nomear quadra tão importante do Centro Histórico, que é quase o “ex-líbris” da capital baiana. A imponência e sofisticação do conjunto estavam, quase sempre, ligadas à importância e florescência da sede da comuna. Só para pôr exemplo, o notável arquiteto régio bolonhês Antonio José Landi, que viveu no Grão-Pará entre 1753 e 1792, foi o projetista de alguns desses melancólicos monumentos, como o da vila de Borba, no Amazonas, e o de Belém do Pará (1757), este último magistralmente trabalhado por artesãos indígenas, com soberbos entalhes em peça nobre de pau d’arco e na forma de coluna dórica.
Quando instalou-se a República houve ordem da Junta do Governo Provisório para destruir os vestígios materiais da monarquia. Assim também se fez em Alcântara e o belo marco foi enterrado por ali mesmo. Sandice pura, eis que a história não se deve tentar apagar; ao revés, devemos sim conservá-la e admirá-la, pois representam marcos de uma época, com seus costumes e até poderão servir como modo de dissuasão a que se não repitam. Setenta anos mais tarde, quando se cogitou reergue-lo, foi uma ex-escrava nonagenária, Nhá Calu, quem indicou onde se achava “sepultada” a relíquia. A memória não a traiu. O local onde eram exibidos e castigados os criminosos e os escravos desobedientes é um dos mais importantes atrativos de Alcântara. Lá está ele de novo, o pelourinho, símbolo da continuidade histórica na histórica cidade que se recusa a morrer.   
Decorado com as armas do império português no cabeçote que encima mastaréu caprichosamente lavrado é hoje o mais bem conservado do País. Tivemos a oportunidade de vê-lo de perto (e obviamente fotografá-lo) nas duas vezes em que visitamos essa maravilhosa cidade que já foi aldeia indígena e capital da aristocracia maranhense. Oxalá os alcantarenses estejam todos imbuídos do desejo, diríamos melhor, da necessidade de preservação e conservação desse aparentemente singelo, mas monumental resquício da história colonial brasileira.

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