sábado, 25 de julho de 2020

Origem da Expressão “Acabou em Pizza”, Brasil - Artigo



Origem da Expressão “Acabou em Pizza”, Brasil - Artigo
Artigo


A chegada da pizza ao Brasil enriqueceu a cozinha nacional e a língua portuguesa. Inspirou, por exemplo, uma divertida expressão popular. O país inteiro diz “acabou em pizza” quando precisa definir um litígio, pendência, escândalo público ou privado, encerrado com acordo ou barganha. Equivale a “acabou em festa” ou “em confraternização”. É originária da cidade de São Paulo.
Seu autor foi o famoso jornalista e cronista esportivo Milton Peruzzi, apelidado de Polenta (1928-2001), do jornal “A Gazeta Esportiva”, “Rádio Gazeta” e “TV Gazeta”, veículos de imprensa paulistanos. Era profissional conceituadíssimo, além de fiel torcedor da equipe de futebol da Sociedade Esportiva Palmeiras. As cores do time, exibidas no escudo e na bandeira, são o branco e o verde.
No final da década de 1960, os cartolas alviverdes travavam uma das suas intermináveis discussões, encerrados em uma sala do clube. Ninguém lembra qual o motivo, porém se relacionaria com uma disputa eleitoral entre os dirigentes Delfino Facchina, Ferruccio Sandoli, Nicola Raccioppi, Arnaldo Tirone, Pascoal Walter Byron Giuliano, Nelson Duque, Brício Pompeu de Toledo e Francisco Hipólito, entre outros.
O jornalista e cronista esportivo Milton Neves, colega de trabalho e amigo de Peruzzi, acredita que o debate durou catorze horas. Ao cair da noite, com os cigarros terminando os clamores do estômago exigindo, o grupo a saiu para comer na vizinhança. Os cartolas andaram a pé, gritando palavrões na rua e entoando a canção do folclore italiano “Quel Mazzolin di Fiori”, do século XIX.
Dirigiram-se provavelmente à Pizzaria do Mário, na subida da Rua Turiassú. O restaurante não existe mais. Primeiro virou cinema; depois, igreja evangélica. Entretanto, alguns acreditam que o grupo foi à Cantina e Pizzaria Genovese, da Avenida Pompeia. Esse detalhe, por sinal, hoje também divide os palmeirenses.
Segundo Milton Neves, a paz foi selada depois de duas rodadas de chope da Brahma, quinze garrafas de vinho Valpolicella Bolla e dezoito pizzas grandes. Não se sabe igualmente se eles chegaram a um acordo consensual ou cansaram de brigar e gritar. Enfim, a paz foi selada. Milton Peruzzi estava lá e deu o furo (notícia em primeira mão) por telefone.
No dia seguinte, o título de sua lidíssima coluna “O Periscópio”, em “A Gazeta Esportiva”, era este: “Crise do Palmeiras acabou em pizza”. Milton Peruzzi criava uma metonímia – figura de linguagem que designa uma coisa através de palavra com a qual possui relação de causa.
A pizza se prestou ao uso até pela versatilidade. Basta trocar a sua cobertura para se adaptar ao gosto de quem não a aprecia do outro jeito. Daí ser impossível encontrar alguém que não goste de uma redonda – como a chamavam os imigrantes italianos, por uma razão carinhosa, pelo seu formato arredondado e achatado.
Duas curiosidades sobre o autor de “acabou em pizza”. A primeira: Peruzzi era sobrenome artístico. O correto seria “Peruzzo”, como constava em sua carteira de identidade. Quando se lançou na carreira de jornalista radiofônico, fazia sucesso em São Paulo a banda do maestro, arranjador, flautista, trombonista e compositor santista Edmundo Peruzzi (1918-1975). Era músico de grande prestígio. Hoje, tornou-se nome de rua na Vila Nair, Zona Leste paulistana.
Compôs trilhas sonoras para filmes, lançou discos por diferentes gravadoras e, com a “Peruzzi e sua Orquestra”, fundada em 1945, animou bailes de São Paulo e arredores. Tocava choros, valsas, marchas, sambas, boleros e frevos. Um dos seus sucessos foi “Luzinha”, choro de 1958, composição de Airton Amorim e Mirabeau.
Sempre que o até então desconhecido Milton “Peruzzo” se apresentava a alguém, o interlocutor perguntava se, na verdade, ele não seria Peruzzi. Cansado de negar o parentesco e por achar o sobrenome do músico “mais eufônico”, adotou-o profissionalmente.
Segunda curiosidade: o apelido Polenta veio da casa dos pais. A mãe, Dona Pierina, notabilizou-se no bairro do Pari, onde morava, por ser cozinheira de mão cheia. Era admirada pelas massas frescas de sua autoria, especialmente pelo fusilli. Também preparava recchiatella, massa que os ítalo-paulistanos chamam de richitella e na Itália também se denomina orecchiette (orelhinhas). Cozinhava o molho de tomates longamente, tornando-o encorpado e muito saboroso.
Outra receita de repercussão, da lavra de Dona Pierina, era uma polenta mole ou pastosa, cuja receita veio da região do Vêneto, onde ela nasceu. O filho generoso levava os amigos à casa na Rua Carnot, para saborear a delícia. Foi em razão da fama do prato de sua mãe que Milton Peruzzi virou Polenta. À mesa, sempre havia uma garrafa do vinho Chianti Classico Ruffino, o favorito do jornalista e cronista esportivo.
Não faltavam ainda o pão italiano da Padaria Basilicata, no Bexiga, onde Milton Peruzzi ia cedinho, para pegar a primeira fornada, e, naturalmente, muita alegria. O filho de Dona Pierina tomava partido. Os italianos e seus descendentes de primeira, segunda e terceira geração, em São Paulo, dividem-se radicalmente em torno do pão. Uma metade prefere o da Basilicata; a outra escolhe o da São Domingos. Ambas as padarias, por sinal excelentes, localizam- se no bairro do Bexiga.
Milton Peruzzi era homem simpático e comunicativo, que colecionava amigos a rodo e legiões de fãs. Vestia-se impecavelmente, a ponto de trabalhar de terno e gravata nas coberturas esportivas. A família guarda uma fotografia dele, elegante como sempre, com roupa social, no estádio do Palmeiras, ao lado do um dos maiores ídolos da história do clube, que aliás admirava: o lendário atacante Jair Rosa Pinto (1921-2005).
Apesar das canelas finas, o jogador tinha um chute muito potente e sabia armar como poucos. O craque aparece na fotografia a caráter, ou seja, como devia, de chuteiras, meias, calção e camiseta. Coincidentemente, o pai do atual presidente do Brasil, o dentista prático Percy Geraldo Bolsonaro, neto de italianos, era torcedor fervoroso do Palmeiras. Daí colocar no filho o nome de Jair Bolsonaro. Quem diria, o presidente do Brasil, paulista do Glicério, tem um pé no futebol!
É impressionante a paixão que o Palmeiras sempre atiçou no coração dos imigrantes da Itália e dos seus descendentes. Os “Bolzonaro” (assim se grafava o sobrenome) são originários da região do Vêneto, no nordeste daquele país. O bisavô do presidente do Brasil, Vittorio “Bolzonaro”, desembarcado em 1888 no estado de São Paulo, ainda criança, junto com a família, que veio para trabalhar nas lavouras de café, nasceu em Anguillara Veneta, hoje uma comuna com menos de 5000 habitantes, na província de Pádua.
Entre os anos de 1970 a 1980, Milton Peruzzi ainda brilhou no comando do “Futebol é com 11”, da “TV Gazeta”, de São Paulo, programa no estilo mesa-redonda e transmitido nas noites de domingo, após a realização das partidas dos campeonatos profissionais; e em “Disparada no Esporte”, da “Rádio Gazeta”, da mesma cidade. Também se revelou precursor das manifestações na Avenida Paulista, hoje intermitentes e voltadas às causas mais diversas.
Na Copa do Mundo de 1970, disputada no México e conquistada pelo Brasil, a “TV Gazeta” não dispunha de estrutura técnica e humana para filmar as comemorações em São Paulo. Milton Peruzzi mandou baixar um cabo do oitavo andar do prédio da emissora até o chão, obviamente na Avenida Paulista, e filmar as pessoas que passavam empunhando bandeiras, buzinando e gritando, felizes pela vitória da Seleção Canarinho. Depois, pediu através da “Rádio Gazeta” e da “TV Gazeta”, fiel ao seu estilo de narrador vibrante, que as pessoas aparecessem para comemorar. Impossível não atendê-lo. A multidão afluiu em massa à frente do prédio.
Foi uma ideia de tanto sucesso que, em todos os grandes jogos e finais de campeonato, ocorridos a seguir, consagrou-se a tradição de celebrar conquistas esportivas em frente ao número 900 da Avenida Paulista. Apesar de todos esses protagonismos notáveis, porém, Milton Peruzzi passou à história pela metonímia “acabou em pizza”. Nada mais justo.
Nota do blog: Foto de Milton Peruzzi, de terno e gravata, no campo do Palmeiras, com o lendário atacante Jair Rosa Pinto. 

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