Sessão do Conselho de Estado, Rio de Janeiro, Brasil (Sessão do Conselho de Estado) - Georgina de Albuquerque
Rio de Janeiro - RJ
Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, Brasil
OST - 210x265 - 1922
Texto 1:
Sessão do Conselho de Estado é uma obra de arte do gênero pintura histórica feita por Georgina de Albuquerque em 1922. Retrata a sessão de 2 de setembro de 1822 do Conselho de Estado do Brasil, que precedeu a declaração da independência do Brasil. A obra faz parte da coleção em exposição do Museu Histórico Nacional do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro.
O quadro é relevante por dois motivos. É uma pintura academicista realizada por uma mulher no Brasil, quando à época esse tipo de pintura era predominantemente feito por homens. Igualmente apresenta perspectiva de gênero sobre a Independência do Brasil, na medida em que destaca a participação da então princesa Maria Leopoldina no processo político da ruptura colonial de 1822.
A obra rendeu a Albuquerque o prêmio da Exposição de Arte Contemporânea e Arte Retrospectiva do Centenário da Independência, um concurso realizado no centenário da independência brasileira. O objetivo do concurso foi selecionar as pinturas que melhor representassem acontecimentos históricos ligados à independência do Brasil. O prêmio foi a compra do quadro pelo governo federal, para ser integrado ao acervo da Escola Nacional de Belas Artes. O quadro foi doado pela escola ao Museu Histórico Nacional.
A pintura de Georgina de Albuquerque foi produzida com tinta a óleo. Suas medidas são: 210 centímetros de altura e 265 centímetros de largura. As cores predominantes são laranja, rosa e amarelo. Foi ressaltado que, no quadro, há "vida" e "movimento". Ao fundo, há uma luz direta, proveniente de uma janela, possivelmente abrindo para um parque; essa luz contribui para que a tonalidade da pintura seja "quente" e "agradável". As pinceladas são fortes e pouco definidas.
O objeto central no quadro é uma mesa de tampo retangular. Trata-se de um objeto trabalhado, com três hastes esculpidas e pés arredondados. Há, além da mesa, cadeiras e um console, sobre o qual há um candelabro e um relógio que indica 11 horas.
O foco da tela é Maria Leopoldina, em reunião com o Conselho dos Procuradores Gerais das Províncias do Brasil, no Paço Imperial, no Rio de Janeiro. Ela está de perfil, sentada numa cadeira cujo tecido tem motivos florais, no canto esquerdo da tela. Apoia o braço esquerdo sobre a mesa, segurando folhas de papel, e o outro está sobre o da cadeira. As folhas que a princesa segura são ordens para que Dom Pedro retornasse a Portugal. Na cena, a princesa é retratada como "articuladora política":
"O modo com que faz [o retrato de Maria Leopoldina] também deve ser destacado: ela não está ao centro, com uma espada, e tendo abaixo os homens (ou o povo, se se quiser), tal qual aparecia nas pinturas alegóricas ou naquelas em que o herói era um homem. Essa heroína é serena (contrariando a noção da mulher como um ser sem controle sobre suas paixões); não se coloca acima dos homens (mas eles lhe rendem homenagem, ainda que estejam mais altos); não faz a guerra, mas a articula; não dá "o grito", mas o engendra, sua força é intelectual".
Estão presentes na reunião José Bonifácio de Andrada e Silva, com quem Maria Leopoldina interage, e Martim Francisco Ribeiro de Andrada, sentado. Com as mãos na mesa, ao lado do Patriarca da Independência, está Joaquim Gonçalves Ledo. Atrás de Martim Francisco, está José Clemente Pereira. Atrás de José Bonifácio, estão Caetano Pinto de Miranda Montenegro, Manoel Antônio Farinha, Lucas José Obes e Luiz Pereira da Nóbrega. Os conselheiros estão de uniforme, com calças claras e casacas verdes. A reunião dá-se na ausência de Dom Pedro, em viagem a São Paulo.
A intenção de Albuquerque foi representar o momento em que a princesa, sob o conselho de José Bonifácio, prepara uma carta a Dom Pedro, incentivando-o a encerrar a situação colonial brasileira. É nesta famosa carta que Maria Leopoldina escreve: "O pomo está maduro, colhe-o já, senão apodrece". Dom Pedro recebe a carta em 7 de setembro de 1822, data que marca o "Grito da Independência".
O quadro porta a seguinte legenda, numa referência direta à análise da independência realizada por Rocha Pombo:
"Convocou-se o conselho de Estado para o dia 1 de setembro (ou 2), às 10 horas da manhã. Já estavam todos os ministros presentes no Paço. Fez José Bonifácio a exposição verbal do estado em que se achavam os negócios públicos, e concluiu dizendo que não era mais possível permanecer naquela dubiedade e indecisão, e para salvar o Brasil cumpria que se proclamasse imediatamente a sua separação de Portugal. Propôs, então, que se escrevesse a D. Pedro que sem perda de tempo pusesse termo, ali mesmo, em São Paulo, a uma situação tão dolorosa para os brasileiros".
Georgina de Albuquerque pintou Sessão do Conselho de Estado num período de disputa social pelo sufrágio feminino. Em 1922, Bertha Lutz e outras sufragistas organizaram o Primeiro Congresso Feminista do Brasil e fundaram a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Esse contexto tem reflexo na confecção e interpretação da obra, como também na carreira da autora.
A pintura de Albuquerque, por mais que talvez não tivesse sido a intenção da artista, apoiou "a luta feminista pelo reconhecimento do direito da mulher ao voto e à cidadania plena [no início do século XX], ao retratar Leopoldina em plena ação política, decidindo os rumos do país [um século antes]".
Por outro aspecto, os círculos acadêmicos e o mercado da pintura histórica eram praticamente exclusividade de artistas homens e, nessa circunstância, a trajetória de Albuquerque é marcada por "perseverança" e ruptura com a crença dominante de que "a submissão e o recato" eram as principais características das mulheres. Por isso, foi considerada uma forma de desafiar a predominância masculina no gênero academicista.
A pintura e exposição do quadro ocorreram quando Albuquerque já possuía reconhecimento de sua carreira artística. Seus trabalhos haviam sido destacados em salões nos anos anteriores de 1907, 1912, 1914 e 1919. Em 1920, participou de um júri acadêmico em competição artística, aliás foi a primeira mulher a participar num júri desse tipo no Brasil. Assim, em 1921, quando iniciou a produção de Sessão do Conselho de Estado, a pintora já tinha uma situação profissional estável e havia alcançado sucesso comercial.
Georgina de Albuquerque já havia feito, em pinturas da primeira quinzena do século XX, quadros sobre mulheres. Contudo, a presença de homens é um marco distintivo de Sessão do Conselho de Estado na produção da pintora. A representação da cena de 1822 foi realizada a partir de pesquisas na Escola Nacional de Belas Artes e no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Em 1922, quando Albuquerque expôs pela primeira vez o quadro, ocorreu a Semana de Arte Moderna. Trata-se de um período de mudanças nos cânones artísticos, o que influenciou a pintora. Assim, a transição também está presente na tela, na medida em que combina o modernismo, movimento artístico em ascensão à época, e o academicismo, este já em declínio. Dentre as vanguardas modernistas, a pintora impressionista estadunidense Mary Cassatt foi uma influência para o quadro.
Sessão do Conselho de Estado marca um contraponto à obra academicista "Independência ou Morte", de Pedro Américo, a mais conhecida representação pictórica do fim da situação colonial brasileira. Nesta, a proclamação da Independência é retratada a partir da heroicização de Dom Pedro, espada em riste, numa cena triunfal. Albuquerque contrapõe-se à representação de Américo por: adotar uma personagem central feminina; inverter a posição esperada entre as pessoas retratadas, em que os figurantes estão acima da protagonista; adotar um estilo impressionista; e atuar como mulher no campo da pintura histórica, normalmente de presença exclusiva dos homens.
A socióloga Ana Paula Simioni analisou que:
"Leopoldina é representada como antípoda a seu marido: elegante, serena, com uma tranquilidade nobre, sua força não provém de características físicas tangíveis, mas de uma supremacia intelectual, corroborada na postura de um chefe de Estado. Pode-se imaginar que a artista quis introduzir a ideia que a princesa não "deu o Grito", mas o engendrou, deixando a seu marido o cuidado da simples execução da ação".
A representação da Independência na obra de Albuquerque não assume caráter bélico, "uma decisão provocada pelo ímpeto da indignação", mas como "resultado de um planejamento sereno, de uma articulação política realizada por diplomatas cuja força advém do intelecto estrategista, e não do vigor físico guerreiro". Isso contribui para uma linha historiográfica, que não apresenta o fim da situação colonial como uma ruptura, mas como um processo nacional paulatino, ao qual o Conselho de Estado garantiu coesão e estabilidade.
A pintura de Albuquerque contrapõe-se à obra "Retrato de Dona Leopoldina de Habsburgo e seus filhos", de Domenico Failutti, também produzida para as celebrações do centenário da Independência do Brasil. As obras estabelecem uma "batalha visual", pelo modo como diferem na representação do papel de Maria Leopoldina.
Por um lado, em sua obra, Albuquerque pareceu ter ecoado a luta feminista ao posicionar a princesa no papel de sujeito histórico, contrariando a ideologia dominante de que às mulheres cabia unicamente a função doméstica. De certo modo, a pintura "masculiniza" a personagem retratada. Por outro lado, Failutti fez uma representação de Maria Leopoldina como uma estereotipada mãe virtuosa. Isso foi aliás uma opção declarada do então diretor do Museu Paulista Afonso d'Escragnolle Taunay, ao encomendar a pintura a Failutti. Nessa comparação, Sessão do Conselho de Estado define uma "nova mulher", contribuindo para modificar visões convencionais das relações de gênero.
A representação da princesa como protagonista da Independência, aliás, contrariou a convenção academicista de retratar mulheres como parábolas da nação, violentadas pela colonização. Icônico nesse sentido é o trabalho de Victor Meirelles, que representa o Brasil como uma indígena nua e morta, em Moema. Maria Leopoldina, na perspectiva de Albuquerque, não é vítima ou personagem passiva, mas agente do processo de ruptura com a situação colonial.
Sessão do Conselho de Estado foi apresentada publicamente na Exposição de Arte Contemporânea e Arte Retrospectiva do Centenário da Independência, iniciada em 12 de novembro de 1922. A pintura foi selecionada em 1923, juntamente com obras de Augusto Bracet, Helios Seelinger e Pedro Bruno, para ser comprada para o acervo público, o principal prêmio desse evento de belas artes cuja função era adquirir obras que remetessem à formação nacional do Brasil. A seleção foi realizada por Flexa Ribeiro, Archimedes Memória e Rodolfo Chambelland, com a principal tarefa de buscar novas representações iconográficas à interpretação histórica da independência. A obra de Albuquerque foi descrita, posteriormente, como "a mais importante" dessas novas representações.
A obra, em especial por conta de suas dimensões, levou Albuquerque a consolidar-se como uma expoente no movimento academicista do Brasil, em especial da Escola Nacional de Belas Artes, da qual se tornou diretora em 1952. Ademais, ela é considerada um exemplo por ter se firmado como pintora profissional num ramo até então fundamentalmente dominado por homens.
Na revista Ilustração Brasileira, o crítico de arte Ercole Cremona celebrou a pintura de Albuquerque como "um belo trabalho inspirado nos conceitos de Rocha Pombo", em que a pintora "emprestou toda a sua grande alma, todo o seu sentimento e a maravilhosa técnica ao quadro, onde há figuras movimentadas e bem desenhadas, atitudes resolvidas e gamas resolvidas com grande saber".
Na Revista da Semana, foi dito que a obra fora realizada "em tela de grandes dimensões, inclinada ao gosto moderno, alegre aos olhos pela policromia, grata aos ânimos pelo assunto".
Em nota em O Jornal, foi registrado que: "A figura da princesa apresenta-se magnífica, na pureza de suas linhas e na nobreza da sua atitude". Em contraste, a José Bonifácio, em pé, aparentemente expondo a crise entre Coroa e Colônia a Maria Leopoldina, falta mais destaque. Foi assinalado que, na tela, há um erro historiográfico, considerado "grave": o uniforme deveria ter sido azul, na cor desse tipo de vestimenta no Primeiro Reinado, e na tela está em verde, cor do Império.
Texto 2:
O quadro Sessão do Conselho de Estado foi pintado em função do edital da Comissão Executiva do Centenário – Secção de Belas Artes que tornava pública a intenção do governo brasileiro em adquirir quatro quadros de temática histórica associada à independência. Georgina de Albuquerque buscou nos episódios alusivos à emancipação política do Brasil, um acontecimento que elevava a princesa regente, D. Leopoldina, à condição de apoiadora da libertação do Brasil, como na Sessão do Conselho de Estado, narrada por Rocha Pombo, reproduzida no catálogo da Exposição de Arte Contemporânea e de Arte Retrospectiva do Centenário:
"Convocou-se o Conselho de Estado para o dia 1º de setembro (ou 2), às 10 horas da manhã. Já estavam todos os ministros presentes no Paço. Fez José Bonifácio a exposição verbal do estado em que se achavam os negócios públicos e concluiu dizendo que não era mais possível permanecer naquela dubiedade e indecisão, e que para salvar o Brasil cumpria que se proclamasse imediatamente a sua separação de Portugal. Propôs então que se escrevesse a D. Pedro que sem perda de tempo pusesse termo ali mesmo em São Paulo a uma situação tão dolorosa para os brasileiros. Todos os ministros aplaudiram o alvitre, e com eles emulou no entusiasmo a Princesa Real".
A artista teria se dirigido várias vezes ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro para realizar pesquisas que fundamentassem a cena retratada.
Georgina de Albuquerque (1885-1962) iniciou seus estudos na Escola Nacional de Belas Artes em 1904, sob orientação de Henrique Bernardelli. Após o casamento com o também pintor Lucílio de Albuquerque, vencedor do prêmio de viagem de 1906, com ele seguiu para Paris, onde continuou seus estudos na École de Beau-Arts, com Paul Gervais e Dechenau, e na Académie Julian, com Henry Royer. Teve participação frequente nas Exposições Gerais de Belas Artes, tendo sido premiada com menção honrosa em 1909; pequena medalha de prata em 1912; grande medalha de prata em 1914; pequena medalha de ouro em 1919. Participou também de exposições nos Estados Unidos da América em 1925 – São Francisco e Nova York – e foi premiada no Salão de Belas Artes de Buenos Aires, em 1937. Concorreu à livre docência na cadeira de pintura, em 1927, na Escola Nacional de Belas Artes, onde, em 1948 tornou-se catedrática por concurso e exerceu o cargo de diretora entre 1952 e 1954, tendo exercido esse cargo interinamente desde 1939. Obras de Georgina de Albuquerque podem ser apreciadas no Museu Nacional de Belas Artes (RJ), na Pinacoteca do Estado de São Paulo (SP), e no Museu Histórico Nacional (RJ), detentor da tela Sessão do Conselho de Estado, objeto deste estudo.
No quadro a princesa regente, sentada numa cadeira de alto espaldar, tendo às mãos os despachos da Corte que ordenavam, entre outras medidas, o retorno de D. Pedro a Portugal e restabeleciam o exclusivo colonial, ouve os argumentos de José Bonifácio e dos demais membros do Conselho de Estado, todos em pé, exceto Martim Francisco, para que intercedesse junto ao príncipe com o intuito de romper os laços de submissão à Metrópole. A sala inundada pela luz matinal, que adentra pela janela emoldurada por um cortinado aberto, mostra poucas peças de mobiliário, como um console sobre o qual um candelabro tem, à direita, um relógio que marca 11 horas e algumas poucas cadeiras desocupadas entre os conselheiros.
A mesa que serve de apoio aos braços de Leopoldina tem um tampo retangular sustentado por um conjunto de madeira esculpida, composto por quatro hastes presas a duas peças de formato semicircular unidas por travas horizontais e, ainda, tendo à frente uma única haste esculpida no mesmo padrão que completa a sustentação da peça.
Além de José Bonifácio de Andrada e Silva, em pé e diante da princesa, e Martim Francisco de Andrada e Silva, sentado no lado contíguo da mesa a qual a princesa encontra-se, os demais conselheiros, conforme descrito por Gilda Marina de Almeida Lopes (1972) no artigo A história que os pintores contaram …, são Gonçalves Ledo, com as mãos na mesa ao lado de José Bonifácio; José Clemente Pereira, atrás de Martim Francisco; Caetano Pinto de Miranda Montenegro, Manoel Antônio Farinha, Lucas José Obes (Conselheiro Obes) e Luiz Pereira da Nóbrega, atrás de José Bonifácio.
Retratada em perfil, Leopoldina segura as ordenações da Corte com a mão direita e o braço apoiado sobre a mesa enquanto seu braço esquerdo repousa sobre o da cadeira onde também se encontra um xale escuro displicentemente colocado; seu corpo ereto e ligeiramente inclinado para a frente sugere que o assunto tratado mereceu o interesse da princesa regente e dos argumentos expostos por José Bonifácio.
O espaldar da cadeira, alto e estofado, é revestido por um tecido com motivos florais, diferentemente das outras cadeiras, cujos encostos são baixos e de cor neutra. Os conselheiros usam uma espécie de uniforme, composto de calça clara e casaca verde escura. Estampas florais, sobre fundo alaranjado, compõem o tecido do vestido usado pela princesa.
Capturada em variadas situações, a figura feminina é uma constante na obra de Georgina de Albuquerque, como nas telas Dama, de 1906, Cabeça de italiana, de 1907, pertencentes ao acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo; Flor de Manacá (s.d.); Dia de verão, de 1920, do acervo do Museu Nacional de Belas Artes, por exemplo.
Nesse sentido, a representação de D. Leopoldina em Sessão do Conselho de Estado, não traria maiores problemas à artista que teria, à disposição, o acervo da Escola Nacional de Belas Artes e também a coleção iconográfica do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, para auxiliar na construção da imagem da princesa. A propósito, nas páginas de "Voyage pitoresque e historique au Brésil", Debret apresenta um perfil de Leopoldina, semelhante ao do quadro. Da mesma forma, as figuras masculinas, que raramente aparecem nas pinturas de Georgina de Albuquerque, poderiam ser obtidas nas mesmas instituições, e na publicação de Debret, como a de José Bonifácio e a de José Clemente Pereira.
Georgina de Albuquerque se valeu do modo impressionista de registrar imagens: a tela recebe as impressões de como os reflexos dos raios de luz incidentes sobre pessoas e objetos são percebidos pela artista. Daí a aparência de diluição, de uma realidade menos definida, embora reconhecível, observada na tela; algo impensável aos padrões de pintura histórica do início do século XIX e que, mesmo em outros gêneros de pintura, sofrera resistência em ser aceito.
Sessão do Conselho de Estado traz uma cena política corriqueira – a reunião de conselheiros para discutir questões relevantes ao bom funcionamento do estado monárquico, enquanto protetor do interesse de seus súditos – capturada como se estivesse acontecendo às vistas da artista, que preenche a tela com as impressões luminosas derivadas dos reflexos da luz nos corpos em que incide. Trata-se de uma cena de gênero protagonizada por personagens da história do Brasil, que contribuíram para a causa da independência. O quadro transita entre “discretas ousadias e convenções”: a artista se aventurou a pintar uma tela de assunto histórico; mesclou faturas; deslocou o ato da independência, heroicamente retratado por Pedro Américo, para o interior de um gabinete; deu protagonismo político à mulher, representada pela princesa Leopoldina.
O ano de 1922 foi marcado pela luta feminina em obter o direito de voto, como Diva Nolf Nazário que tentou se inscrever como eleitora naquele ano e relatou suas dificuldades no livro "Voto feminino e feminismo". Nesse mesmo ano, Bertha Lutz “organizou o 1º Congresso Feminista e fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino”. Nesse contexto, Sessão do Conselho de Estado vem apoiar a luta feminista pelo reconhecimento do direito da mulher ao voto e à cidadania plena, ao retratar Leopoldina em plena ação política, decidindo os rumos do país, frente às ordenações das cortes portuguesas, embora não se possa concluir que esta tenha sido a intenção da pintora.
Sessão do Conselho de Estado foi exposto na Exposição de Arte Contemporânea e Arte Retrospectiva do Centenário da Independência, inaugurada em 12 de novembro de 1922. Atualmente, encontra-se exposto no Museu Histórico Nacional, recebido como doação da Escola Nacional de Belas Artes, conforme decidido na reunião da congregação da citada escola, ocorrida em 3 de janeiro de 1923, de acordo com ata lavrada nessa data.
Comentários elogiosos às obras de Georgina de Albuquerque eram frequentes nas críticas às exposições. Especificamente, na Exposição de Arte do Centenário, o crítico da revista Illustração Brasileira afirmara:
"Georgina de Albuquerque apresenta a Sessão do Conselho de Estado que decidiu a Independência, um bello trabalho inspirado nos conceitos de Rocha Pombo: (…). Georgina de Albuquerque emprestou toda a sua grande alma, todo o seu sentimento e a maravilhosa technica ao quadro, onde há figuras movimentadas e bem desenhadas, attitudes resolvidas e gammas resolvidas com grande saber".
Além de Sessão do Conselho de Estado, Georgina de Albuquerque participou da Exposição do Centenário com Manacá e Efeito de sol que também foram elogiados no citado artigo da revista Illustração Brasileira, assinado por Ercole Cremona. A Revista da Semana, por sua vez, acrescentava que o tema tratado por Georgina de Albuquerque fora executado “em tela de grandes dimensões, inclinada ao gosto moderno, alegre aos olhos pela polychromia, grata aos animos pelo assumpto”. Informava ainda que a artista realizara pesquisas no Arquivo Nacional e no Museu Histórico fundado em 1883. Na crônica de O Jornal para o Salão de 1922, o articulista reclamava que faltava “mais caracter para a figura de José Bonifácio” (O JORNAL, 23 nov. 1922, p. 3) e que “o fundo do quadro não se apresenta plenamente resolvido, mas o conjunto se equilibra de maneira muito apreciável”.
Flexa Ribeiro, professor catedrático da Escola Nacional de Belas Artes, ao comentar a Exposição de Arte Contemporânea do Centenário, reconhecia as peculiaridades da autora de Sessão do Conselho de Estado, porém cobrava melhor definição dos planos e da falta de formas na parte inferior da figura da princesa. Com relação às outras obras da artista enviadas ao Salão, Manacá tem aprovação total do crítico, enquanto Efeitos de sol traz incorreções no desenho de um personagem e, em Colhendo flores, há exageros na luminosidade.
Nas páginas da revista O Malho, de 6 de janeiro de 1923, Ercole Cremona, volta a elogiar o trabalho de Georgina de Albuquerque no quadro de tema histórico, enfatizando o talento privilegiado com que a artista imprimira movimento à cena, destacando o desenho e a mistura de cores. Além disso, Cremona estende os elogios às demais obras de Georgina de Albuquerque expostas no Salão do Centenário, as já citadas Manacá, Colhendo flores, Efeitos de sol, que evidenciam os dons da pintora no manuseio da cor e da luz.
Ao pintar uma tela de grandes dimensões, tendo por tema uma passagem da história adjacente à Independência do Brasil, Georgina de Albuquerque firmou-se como uma das principais artistas de sua geração, no âmbito da Escola Nacional de Belas Artes. A trajetória de Georgina de Albuquerque pode ser considerada um exemplo de tenacidade à medida que, embora não se desvinculasse do papel de esposa e mãe, se estabelecera como profissional num campo, até então, de predomínio masculino, haja vista o pequeno número de matrículas femininas na Academia Imperial de Belas Artes ou, após a república, na Escola Nacional de Belas Artes.