domingo, 7 de novembro de 2021

O Precursor, Rio de Janeiro, Brasil (O Precursor) - Pedro Bruno

 


O Precursor, Rio de Janeiro, Brasil (O Precursor) - Pedro Bruno
Rio de Janeiro - RJ
Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, Brasil
OST - 265x372 - 1921


Pintado em 1921, na Itália, por Pedro Bruno, “Tiradentes, O Precursor” se enquadrara na condição de quadro de assunto histórico previsto no edital da seção de belas artes, do programa comemorativo do centenário, graças ao aditamento que estendia o tema da obra a fatos acontecidos antes da independência, como é o caso da execução do inconfidente.
Nascido na ilha de Paquetá (RJ), o pintor e escultor Pedro Bruno (1888-1949) foi aluno de João Batista da Costa, na Escola Nacional de Belas Artes. Suas obras mereceram diversos prêmios nas Exposições Gerais de Belas Artes: medalha de bronze, em 1912; pequena medalha de prata, em 1913; grande medalha de prata, em 1916; prêmio de viagem, em 1919, que usufruiu se aperfeiçoando na Academia Britânica de Belas Artes em Roma, onde também lecionou desenho com modelo vivo; e, ainda, medalhas de ouro, em 1925, e de honra, em 1943. Há obras de Pedro Bruno na Pinacoteca do Estado de São Paulo, no Museu Nacional de Belas Artes e, na reserva técnica, do Museu Histórico Nacional encontra-se a tela Tiradentes, o precursor, de 1921, exposto no Salão do Centenário e adquirido para compor o acervo da ENBA, objeto deste estudo.
O quadro de Pedro Bruno, exposto no Salão do Centenário, retrata Tiradentes sendo preparado para a execução da sentença a que foi condenado por ter sido considerado líder da conjuração mineira, movimento cujos objetivos eram libertar o Brasil do domínio português e estabelecer uma república, conforme a Sentença da Alçada de 18 de Abril de 1792 sobre a Inconfidência Mineira.
Os personagens estão dispostos numa linha diagonal que traz ao fundo, na porção direita da tela, às costas do condenado, os representantes do Estado, responsáveis pelo cumprimento da pena; ao centro o réu, já vestindo a alva, com o rosto voltado para o alto, as palmas das mãos e os braços abertos a suplicar perdão aos céus, tem ao lado direito o carrasco e, à frente, um religioso franciscano ajoelhado que aponta para o crucifixo que segura na mão esquerda. A narrativa do frade Antonio do Couto, reproduzido na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, coincide com alguns aspectos do quadro de Bruno:
"Amanheceu o dia 21 de Abril, que lhe abriria a eternidade. Entrou o algôz para lhe vestir a alva e pedindo-lhe de costume o perdão da morte, e que a justiça é, que lhe moveria os braços e não a vontade; placidamente voltou-se a elle e lhe disse: 'Ó meu amigo, deixe-me beijar-lhe as mãos e os pés;' o que feito com demonstração de humildade com a mesma despio a camisa e vestio a alva dizendo: 'Que o seu Redemptor morrêra por elle tambe nú.' Então virão aquelles, que talvez tratavão de bagatela este facto, qual foi o peso em que o tomárão os que devem vigiar sobre os sagrados direitos dos reis; fazer temer e respeitar sua suprema autoridade e conservar o socego publico".
Na mesma memória, é apresentado um Tiradentes religioso, arrependido e pedindo perdão aos demais conjurados por tê-los levado à sedição. A reprodução da tela utilizada para esta descrição não apresenta boa definição de cores, embora a figura de Tiradentes esteja reconhecível e iluminada, o mesmo podendo ser dito a respeito do carrasco e do capelão.
A Inconfidência Mineira inspirou, ainda, a tela de Leopoldino Faria, "A resposta de Tiradentes ao Desembargador Rocha no ato da comutação da pena de morte dos Inconfidentes", do final do século XIX, por encomenda da Câmara Municipal de Ouro Preto, atualmente exposta no Museu Histórico Nacional; "O martírio de Tiradentes", de Aurélio de Figueiredo e Melo, de 1893, exposta no mesmo museu; "Tiradentes esquartejado", de Pedro Américo, de 1893, pertencente ao acervo do Museu Mariano Procópio, de Juiz de Fora (MG). Nas três obras, Tiradentes foi retratado com barba longa, envolto em panos, semblante conformado. Assim também o fez Pedro Bruno, enfatizando porém o misticismo religioso abraçado por Tiradentes, e também comentado nas crônicas sobre os acontecimentos de Vila Rica, publicadas pela Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
À procura de personagens antagônicos à monarquia, a Primeira República elegera Tiradentes como um de seus símbolos, tendo em conta a necessidade de obliterar os feitos da monarquia ainda tão presentes na vida da nação, como a independência, a abolição dos escravos, a guerra do Paraguai, a questão Christie, entre outros, afirmativos da inserção do Brasil no mundo moderno e de uma identidade nacional. Desse modo, Pedro Bruno endossava o discurso republicano, ao eleger o sacrifício de Tiradentes como tema para a obra exposta no Salão do Centenário e adquirida pelo governo federal para o acervo da Escola Nacional de Belas Artes, fazendo da condenação do inconfidente um ato de sacrifício pela pátria e da rebeldia do movimento um discurso de emancipação e de rejeição do poder lusitano nas terras brasileiras.
Da forma como se apresenta, o Tiradentes, o precursor se assemelha a obras do movimento italiano macchiaioli que se originou na Itália, entre 1850 e 1855, com um grupo de artistas de Florença, em contraposição à pintura realista, como a ensinada nas academias. A expressão do real se daria por meio de manchas (macchie) claras e escuras, ao invés do rigor da forma acadêmica. Angyone Costa classifica Pedro Bruno como impressionista e o próprio artista identificava pintores dos séculos XVI e XVII como precursores dessa fatura.
Segundo o Catálogo Geral do MHN, publicado em 1924, a obra de Pedro Bruno encontrava-se na Sala dos Capacetes, com itens do acervo alusivos à colônia, ao Brasil reino, à independência e regência. O relatório do Gabinete de Restauração, de 1968, relata a realocação de Tiradentes, o precursor na sala República .
O quadro de assunto histórico de Pedro Bruno não despertou grandes paixões: o articulista de O Jornal reclama que a falta à trama perspectiva cuidado e precisão, observando que o carrasco e o religioso ocupam maior espaço que o protagonista; Ercole Cremona registra que o artista apresentou O Precursor e mais uma série de quadros, dos quais o seu preferido é Anunciação; já Escragnolle Dória, na Revista da Semana, elogia tanto o artista como a obra:
"O Sr. Pedro Bruno, cujo berço e cujo pincel tanto tem honrado e servido a ilha de Paquetá, prêmio de viagem de 1919, preferiu o século XVIII. Numa tela de grandes proporções, apresenta-nos Tiradentes na prisão, passos ao cadafalso, para o qual lhe vestem a alva do supliciado. Há na tela vários personagens, expressões várias, dôr e patriotismo".
Para Fléxa Ribeiro, "o artista cometeu deslizes quais sejam, o seccionamento dos grupos, a desatenção à proporcionalidade e às distâncias, alertando que não se pode abrir de certos princípios, mesmo ao se afastar dos dogmas clássicos da composição".
A respeito da proporcionalidade entre as figuras de Tiradentes, do carrasco e do capelão, o quadro permite inferências sobre o poder do Estado e da Igreja sobre o cidadão: o Estado, representado pelo executor da pena, ressalta o poder coercitivo e punitivo pois "o suplício tem então uma função jurídico-política. É um cerimonial para reconstituir a soberania lesada por um instante. Ele a restaura manifestando-a em todo seu brilho. A execução pública, por rápida e cotidiana que seja, se insere em toda série de grandes rituais do poder eclipsado e restaurado (coroação, entrada do rei numa cidade conquistada, submissão dos súditos revoltados): por cima do crime que desprezou o soberano, ela exibe aos olhos de todos uma força invencível. Sua finalidade é menos de estabelecer um equilíbrio que de fazer funcionar, até um extremo, a dissimetria entre o súdito que ousou violar a lei e o soberano todo- poderoso que faz valer sua força. (…) O suplício não restabelecia a justiça; reativava o poder".
O artista do século XX se valera de discurso similar para expressar, talvez, dificuldades que ele mesmo tenha enfrentado diante do Estado: entre 1905 e 1910, Pedro estudou canto na Itália. Ao ganhar o prêmio de viagem, teve de comprovar que não estivera na exterior com o intuito de estudar pintura, conforme requerimento do pintor à Escola Nacional de Belas Artes e resposta do consulado italiano sobre suas atividades naquele país. O Estado, independente do regime político, exerce poder de coerção sobre súditos ou cidadãos, porque, afinal, sua função é evitar o estado de guerra de todos contra todos, preservar direitos e exigir o cumprimento de deveres.
O capelão também se apresenta desproporcional a Tiradentes. Porém, o representante da igreja convida o condenado a se ajoelhar e se conformar com a sentença imposta pelo Estado, ou seja, simboliza uma outra instância de controle, oferecendo consolo espiritual ao indivíduo com a finalidade de preservar o status quo, a estratificação e a diferenciação sociais.
Nesse contexto, a figura alongada de Tiradentes, com seu olhar voltado aos céus, põe em relevo a pressão exercida pelo Estado, pela Igreja e demais grupos organizados, sobre aqueles cujas ideias podem desestabilizar o estado de relativa acomodação social, no qual os interesses distintos das associações convivem e disputam a hegemonia entre si, não promovendo, entretanto, quaisquer mudanças radicais que venham abalar, definitivamente, a estrutura sedimentada ou, no máximo, aceitando pequenos abalos a serem assimilados e absorvidos para a manutenção desse status.
Nota do blog: Não consegui nenhuma imagem desta pintura com qualidade razoável para ilustrar o post. A presente imagem é ruim, serve apenas para dar uma ideia da pintura. Obter imagens de pinturas históricas brasileiras, especialmente de museus públicos, é muito complicado. Na maioria das vezes, são imagens antigas, escuras, mal focadas e pequenas. Este,como a maioria dos serviços prestados pelo estado brasileiro, também é deficiente. Caso consiga uma boa imagem, atualizarei o post.

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