São Paulo - SP
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A cidade de São Paulo já teve um prédio, mais especificamente um palacete, considerado o mais belo de nossa história. Trata-se do Palacete Santa Helena.
O edifício recebeu esse nome em homenagem a esposa do empresário que o edificou. O primeiro nome “Santa” foi em respeito a toda religiosidade que cerca a Praça da Sé. O Palacete Santa Helena era de Manuel Joaquim de Albuquerque Lins, ex-presidente do Estado de São Paulo.
Como era comum na época, para realizar empreendimentos imobiliários era preciso ter muito dinheiro, como por exemplo: o proprietário dos palacetes Prates e do Edifício Dom Luiz era Luís de Toledo Lara; o Palacete Chavante pertencia ao senador Peixoto Gomingio; dos prédios Martínico e Guatapará a família Prado e o Edifício Martinelli era do empresário e comendador Giuseppe Martinelli.
A construção do Palacete foi encomendada à família Asson na década de 20. No início, a obra foi dirigida por Manuel Asson, que faleceu no primeiro ano da obra. Coube então aos seus filhos Adolfo Asson e Luís Asson finalizar a construção. Adolfo também faleceu quando as obras do Palacete Santa Helena ainda estavam em andamento, sendo concluídas por Luís Asson.
O arquiteto responsável pela idealização do projeto foi Giacomo Corberi, sendo que também foi ele o profissional que realizou as primeiras alterações durante as obras.
Ele redesenhou a fachada com aumento do 4º andar e inseriu o cine-teatro. Posteriormente, o Santa Helena teve alterações realizadas pelo arquiteto Giuseppe (José) Sachetti, referentes essencialmente ao desenho da fachada e aos três pavimentos adicionais.
Na época de sua construção, o Palacete Santa Helena era considerado um arranha-céu com seus sete pavimentos. Tratava-se de um prédio destinado ao comércio e serviços, constituído basicamente por lojas no térreo, duas sobrelojas e pavimentos superiores contendo 276 salas de escritórios.
O primeiro projeto previa um hotel, depois substituído por escritórios e um cine-teatro. As lojas situadas no subsolo tinham suas próprias instalações sanitárias, arejadas por meio de poços de ventilação. Os elevadores foram de fabricação Graham, divulgados na época como fruto da mais avançada tecnologia.
O cine-teatro, que levava o mesmo nome do Palacete, ocupava os três primeiros andares do bloco central, oferecendo aos seus espectadores uma área com camarote no mezanino e uma galeria no piso superior.
No projeto original, estava previsto um salão de festas no subsolo (sob a plateia) que acabou se transformando posteriormente em outra sala de cinema, o Cinemundi.
A estrutura do teatro, considerada uma sala de espetáculo de grande porte. Segundo levantamento feito pela Companhia do Metropolitano, por ocasião da avaliação do prédio na década de 70, foi revelado que sua construção final tinha 36 frisas e 42 camarotes e o noticiário da época dá conta de que a lotação do teatro correspondia à ocupação de 1500 lugares.
A inclusão do cine-teatro no projeto representava um novo patamar para o empreendimento, que ganhava prestígio e se tornava uma nova aposta na movimentação cultural, coincidindo com a Semana de Arte Moderna de 1922.
Com toda essa gama de opções dentro de um único edifício, o Santa Helena caracterizou-se como o primeiro edifício multifuncional da cidade de São Paulo.
Destacava-se pelo luxo da decoração e pela modernidade das instalações, que exigiram cursos técnicos significativos para a época: elevadores, sistema de iluminação e telefonia, áreas internas, o teatro com máquinas para renovação do ar com capacidade para 160 metros cúbicos por minuto, revelando-se pioneiro em diversos aspectos.
A decoração interna e a pintura do teto do teatro ficaram a cargo do artista italiano Adolfo Fonzaris. É a pintura de um imenso painel na abóboda do edifício que ficou conhecida como “a História e a Fama do carro de Apolo”. A pintura era representada por cavalos fogosos. No alto, musas e outras figuras simbólicas, grupo de cupidos e a Glória, que empunhava uma coroa de louros.
A fachada do Palacete, junto com as de mais alguns edifícios, ajudou a Praça da Sé a ficar com ares de uma cidade europeia, antes mesmo das torres da Catedral.
O Palacete foi concluído em 1925, pouco tempo antes da morte de seu proprietário. O seu cine-teatro iniciou suas atividades no ano seguinte e tinha como principal pauta de filmes as produções hollywoodianas.
Contudo, o destino agiria contra esse belo edifício. A finalização das obras coincidiu com a decadência do centro da cidade de São Paulo. De um ano para o outro, a região da Sé se viu tomada por uma população que não correspondia às pretensões elitistas e reformadoras do Centro de São Paulo.
Outro importante fator urbano contribuiu para essa “transformação indesejada”. Em um logradouro ali perto, o antigo Largo do Tesouro, ficavam os pontos finais dos bondes que vinham do Brás, Penha e de outros subúrbios de baixa renda que estavam em constante expansão.
Tomada nos anos 1920 pelos automóveis dos privilegiados, a Praça da Sé acabou sendo aproveitada como terminal de ônibus.
Na gestão do prefeito Prestes Maia (1938-1945), surgiu, ao seu lado, a gigantesca Praça Clóvis Bevilacqua, em local antes destinado ao Paço Municipal, transformada no principal terminal de transporte coletivo da cidade, atendendo toda a região Leste.
Com isso, as pessoas das regiões mais distantes do centro começaram a ter um acesso mais “fácil” à região. As pessoas mais ricas passaram a migrar cada vez mais para o lado oeste do centro, como: a região da Praça do Patriarca, a rua Líbero Badaró, Anhangabaú, Barão de Itapetininga, um Centro Novo de maior prestígio que passou a reunir o comércio de luxo e os serviços mais qualificados a partir do segundo pós-guerra.
Ao Centro Velho restou a decadência e seus prédios de salinhas apertadas, sem garagens e por receber a pedestrianização das vias, que acabaram se desvalorizando rapidamente.
O Palacete Santa Helena, então, viu surgir uma nova vocação: a de pólo de artistas e movimentos operários.
Contendo uma grande quantidade de pequenas salas, que eram alugadas a preços módicos, o edifício começou a atrair profissionais de menor poder aquisitivo e organizações sindicais e de esquerda, que dependiam do esforço voluntário e das pequenas contribuições dos seus filiados.
Entre os ocupantes do edifício vale destacar que o Palacete abrigou o Sindicato dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo de 1934 até 1954, também o Sindicato dos Empregados no Comércio e várias outras organizações de esquerda, muitas delas vinculadas ao Partido Comunista, como o Centro Juvenilista, ligado à Aliança Nacional Libertadora (ANL) e a Juventude Popular, Estudantil e Proletária da qual fizeram parte o escritor Jorge Amado e o ex-governador da Guanabara, Carlos Lacerda.
Em 1935, quando a ANL preparava o Congresso Juvenil Comunista, o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), invadiu o edifício Santa Helena e prendeu várias pessoas, entre elas a jovem militante judia de origem romena, Genny Gleizer, de apenas 16 anos. Esta passagem ficou conhecida naquela época como “A Batalha da Sé”.
Com um grande número de operários e comunistas circulando por seus andares, as atuações no prédio não se limitaram à militância política e sindical.
Alguns se dedicaram às artes, com destaque para um grupo de pintores (vários deles originalmente ligados à construção civil) que formou o Grupo Santa Helena: Aldo Bonadei (1906-1974), Alfredo Rullo Rizzotti (1909-1972), Alfredo Volpi (1896-1988), Clóvis Graciano (1907-1988), Fulvio Pennacchi (1905-1992), Humberto Rosa (1908-1948), Manoel Martins (1911-1979), Mário Zanini (1907-1971) e Rebolo Gonsales (1902-1980).
O grupo começou a se formar a partir de 1934, quando os artistas foram chegando ao Palacete Santa Helena, n° 43 (posteriormente n° 247).
Contudo, tudo isso durou muito pouco. Após alguns anos, a maioria dos artistas deixou o prédio, assim como os sindicatos, que ganharam sedes maiores.
Dividido entre os herdeiros de Manuel Joaquim de Albuquerque Lins e Helena de Sousa Queiróz, o Santa Helena havia perdido suas atividades como empreendimento rentista. No auge da crise dos aluguéis e da Lei do Inquilinato de 1942, foi vendido ao IAPI (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários) em 1944.
Suas salas de cinema passaram a exibir produções baratas atraindo pessoas de baixo poder aquisitivo. Os conjuntos de escritórios eram alugados para os ocupantes mais diversos. Um deles ofereceu um curso de madureza, o Educabrás, que ocupou parte do edifício nos anos 60, até a sua demolição. Muitas salas não encontraram sequer inquilinos e o prédio foi se esvaziando.
Esse processo foi se agravando até o ano de 1971, quando foi comprado pela Companhia do Metropolitano e demolido, junto com os demais edifícios da mesma quadra, com o propósito de ampliar a Praça da Sé, anexando-lhe a Praça Clóvis Bevilacqua, e possibilitar a construção das linhas Norte-Sul e Leste-Oeste do Metrô.
O Palacete Santa Helena começa a ser demolido na tarde do dia 23 de outubro de 1971 e, depois de 117 dias de marretadas, some do cenário da cidade de São Paulo.
Nota do blog: Data e autoria não obtidas.