Avenida Central, 15/12/1905, Rio de Janeiro, Brasil - Augusto Malta
Rio de Janeiro - RJ
D
Fotografia - Cartão Postal
A abertura da Avenida Central no Rio de Janeiro, atual Avenida Rio Branco foi uma obra grandiosa do início do século 20, preparando a capital do Brasil para a modernidade do novo século.
Foi um marco entre o Império e a República em termos de urbanismo e visões arquitetônicas na então capital do Brasil.
Com a República concretizada e estabilizada, as finanças saneadas, faltava sanear a capital federal, dando à República ares de modernidade voltada para o novo século. A Avenida Central foi pensada não somente em termos estéticos ou de novas vestes para a República, mas funcionalmente como um complemento das obras do porto do Rio e saneamento da cidade.
No início do século, durante o governo do Presidente da República Rodrigues Alves e Prefeito Pereira Passos, foi feito e executado um plano para modernizar a capital, sanear, facilitar os acessos, e construir um porto para a capital para dar vazão às exportações e receber importações, dinamizando a economia brasileira para um século que estava nascendo, sob os ares da República, o Século 20.
A Avenida Central era parte integrante do sistema viário e de acesso ao novo Porto do Rio, assim como o prolongamento do Canal do Mangue. Esta nova avenida, deveria ser ampla, moderna para época, arejada ao contrário das vielas estreitas dos tempos coloniais, e assim apresentar-se como uma grande porta e via de acesso e saída.
O Engenheiro Paulo de Frontin foi nomeado chefe das obras, subordinado diretamente ao Ministério da Viação, que cuidaria das obras da abertura da Avenida Central e da construção do novo Porto do Rio.
A empresa Antônio Jannuzi Irmão & Cia foram incumbidas das grandes demolições, rasgando o centro da cidade para criar um caminho em linha reta entre a Praia da Ajuda (em frente à atual Cinelândia) e a Prainha (área da atual Praça Mauá).
O traçado da nova avenida rasgou onze ruas do centro, sendo que duas antigas ruas praticamente desapareceram engolidas pelo traçado da nova e ampla avenida, sendo as ruas da Ajuda e do Ourives que tiveram grande partes arrasadas.
Para a construção da Avenida foi criada uma Lei em 1903 pelo Senado, que permitia ao estado desapropriar os imóveis do trajeto mediante um pagamento de (não tenho precisão quanto à este valor) 15 vezes o valor de locação do imóvel sem recurso judiciário.
A primeiras demolições começaram em 1904, e decorridos seis meses, no dia da Independência do Brasil, 7 de Setembro, o Presidente Rodrigues Alves, e os Engenheiros Lauro Miller, Paulo de Frontin e Pereira Passos, este último então Prefeito do Rio de Janeiro, percorreram de fraque e cartola em meio à poeira as obras da nova avenida, que já contava com andaimes para construção dos novos edifícios aos longo da mesma.
Uma nova geração arquitetônica começava a surgir no centro da cidade, a arquitetura da Belle Époque, baseado no Ecletismo ou estilo que mesclava vários estilos de época.
A largura da Avenida era considerada um exagero para época, tinha 33 metros de largura e 1990 metros de comprimento com calçadas com mosaicos em pedras portuguesas, feitas por calceteiros vindos de Portugal, cedidos pela Prefeitura de Lisboa. Ao longo do trajeto foram plantadas inúmeras árvores, entre elas em torno de 50 paus-brasil e 360 jambeiros, plantadas por senhoras da sociedade e ciceroneados por Paulo de Frontin e Lauro Miller.
A inauguração ocorreu em 1905, quando então o Presidente e sua comitiva percorreram toda a extensão da avenida em uma linha de bondes puxada a burros.
A iluminação elétrica da Avenida veio em 1911.
O primeiro edifício terminado era de propriedade do construtor Jannuzzi, no mesmo ano de inauguração, em 1905, que posteriormente foi vendido para a Companhia Souza Cruz com muito lucro. Inúmeras casas comerciais de alto padrão e grandes empresas passaram a se estabelecer no local, como lojas famosas na época, como a Magazine Colombo, A Capital e A Torre Eiffel que já tinha uma loja na Rua do Ouvidor.
Empresas de renome se instalaram no local como a Equitativa de Seguros, Guinle & Cia, Companhia de Comércio e Navegação, Caixa de Amortização, Lloyd Brasileiro e outras. O Jornal do Comércio e Jornal do Brasil também se estabeleceram no local, sendo que o edifício do Jornal do Brasil era o mais alto do seu tempo, projetado pelo arquiteto Ludovico Berna.
O Clube de Engenharia teve sua sede também na Avenida, e continua no mesmo local em um prédio de construção mais recente e mais alto, da segunda geração de edifícios da Avenida.
Enquanto edifícios particulares eram erguidos, ao mesmo tempo era construído nas proximidade do Convento da Ajuda (edifício dos tempos coloniais que ocupava grande parte da atual Praça da Cinelândia) a Escola de Belas Artes, atual Museu Nacional de Belas Artes, projetado pelo Arquiteto Adolfo Morales de los Rios, e o Teatro Municipal(segundo dizem cópia da Ópera de Paris) inaugurado em 1909, projetado pelo arquiteto Francisco de Oliveira Passos, filho do então Prefeito Pereira Passos.
A Biblioteca Nacional foi outro edifício grandioso e monumental, projeto do General Arquiteto Sousa Aguiar, o mesmo autor do Palácio Monroe, que passou a ser ocupado pelo Senado em 1925.
Outros edifícios fora do setor privado que chamaram atenção estão o prédio do antigo Supremo Tribunal Federal na Cinelândia, o do Clube Militar e do Clube Naval.
O belo e imponente Hotel Avenida inaugurado em 1911, foi um dos primeiros hotéis da cidade com elevadores e luz elétrica, marcou época por ter uma grande galeria e ponto central da cidade, a Galeria Cruzeiro, onde havia também pontos de bondes. Este foi demolido no final dos anos de 1950 para dar lugar ao atual Edifício Central.
Outro hotel famoso foi o Palace Hotel, de 1920, construído por iniciativa de um dos patriarcas da família Guinle, tendo sido posteriormente demolido para a construção do Marquês do Herval, em estilo modernista. E do outo lado do cruzamento da Av. Rio Branco com Almirante Barroso, ficava o edifício do Jockey Club e outro do Dérby Clube em local também próximo. Ambos já foram demolidos e deram lugar a outros arranha céus.
A Avenida era frequentada pela gente "chic" da época, havendo muitas confeitarias, com muita procura pelos chás das 5, que era tomado à 4 da tarde.
O primeiro edifício de apartamentos do Rio de Janeiro, foi construído na esquina da Avenida Central com a Rua Santa Luzia, e se chamava Lafon. Eram poucos apartamentos e bastante luxuosos em estilo francês.
Casas importadoras de automóveis também se instalaram na Avenida, assim como alguns cinemas à partir de 1908, aumentando bastante o movimento do local. Entre os cinemas famosos já desaparecidos estão o Kosmos, o Odeon e Parisiense que ficavam na esquina com a Rua Chile, onde hoje existe no local o Teatro Nacional de Comédia.
Após a inauguração da Avenida Central, está se tornou o ponto mais elegante e procurado da cidade, tanto pelas pessoas das classes mais altas como também pelos comerciantes de artigos de luxo e moda. As lojas eram maiores e bem mais espaçosas do que as lojas da Rua do Ouvidor e assim, a Av. Central tomou a dianteira.
Não bastasse o fato de a Av. Central ser mais larga e moderna, para a abertura da mesma, foi necessário demolir inúmeras casas e cortas inúmeras ruas ao meio. E rua do Ouvidor foi uma das que teve um pequeno trecho derrubado para dar passagem à nova avenida. Uma famosa revista de época, intitulada Kósmos, anunciava um novo tempo e a suposta inevitável saída de cena Rua do Ouvidor, que até pouco antes era o principal palco do movimento do Rio de Janeiro. Uma frase em uma das edições da revista preconizava se referindo à Rua do Ouvidor: "Sobre teu destino pesa a melancolia das dinastias que se extinguem. A Avenida Central já te ofusca". Mas não foi assim, a nova Avenida tomou a dianteira, mas a Rua do Ouvidor continuou como um endereço nobre para comércio no século 20 e também endereço de grandes edifícios comerciais.
O comércio na Avenida Central era também amplo e variado assim como o da Rua do Ouvidor, e lá se vendia todo tipo de artigo, tanto voltados para a elegância dos trajes pessoais tanto masculinos como femininos, assim como voltados também para a decoração e bom gosto das finas e aristocráticas residências de seus fregueses e compradores.
Podiam ser encontradas peças de estatuária tanto para jardins de uma mansão como também para decorar o interior da casa com uma fina peça de cerâmica, fosse uma estátua romana ou grega. Peças de mobiliário refinado, ao gosto da época, ao estilo Luís XV ou XVI, porcelanas e louças importadas de várias procedências, decoradas com os mais variados motivos, do sagrado ao profano estava à disposição das baronesas e madames. Faziam parte do estoque e mostruário das lojas todos os tipos de importados, desde requintadas pratarias inglesas à jogos de chá, ou imagens sacras para os elegantes expressarem sua fé, certamente fé nos santos como também fé no dinheiro.
Paris continuava a palavra da moda, afetação esta que já vinha da Rua do Ouvidor. Era possível encontrar nas lojas da nova avenida com ares de Paris, tanto um último modelo de chapéu de Paris, uma sombrinha, um vestido branco, talhado ao corpo a moda francesa, para o deleite das pessoas da sociedade elegante da época. Era possível encontrar de tudo, desde que tivesse relação com a moda de alto padrão.
O estilo das construções que norteou de forma unânime a primeira geração de edifícios da Avenida Central em seu início, eram de estilo eclético, se baseando ou até mesmo mesclando diferentes estilos e elementos arquitetônicos de diferentes épocas passadas. Era o que havia de mais moderno para a época, olhando para o futuro mas com um pé no passado, ou reverenciando as tradições e referências culturais.
Interessante que a ampla Avenida recém-aberta, era um misto de presente e passado, não somente em termos arquitetônicos, mas também em termos de costumes em seus primeiros anos de existência, como comprova a foto mostrada mais acima. A elegância da avenida nem sempre nestes primeiros anos era voltada somente para o novo século que estava nascendo. Nesta foto podem ser vistos tanto o automóvel ainda em poucas unidades, que se voltava para o século 20, como também era possível se ver "coches" e "tílburis", que quando propriedade para uso individual, eram veículos aristocráticos de tração animal vindos do século 19. Mas eram vistos também veículos de carga, como carroças e até carrinhos de carga empurrados ou puxados por entregadores.
A Avenida Central era também uma passarela para o desfile de senhoras maduras e mais conservadoras, que trajavam geralmente vestidos escuros, e chegavam em seus "tílburis", uma espécie de charrete, neste caso particular com cobertura de lona e bancos estofados, guiada por um cocheiro a seu serviço. Geralmente vinham de mansões nas Laranjeiras ou da elegante Rua São Clemente em Botafogo. Uma vez lá chegando, seus cocheiros bem trajados ficavam esperando nas portas das lojas, enquanto as aristocráticas senhoras eram atendidas pelos caixeiros (balconistas como eram chamados naquela época). E atenciosos os caixeiros não mediam esforços para agradar seus clientes, mostrando e desfilando as mais finas mercadorias importadas.
Estas mesmas senhoras mais maduras, que lançavam críticas ferinas aos novos tempos e novos costumes, não resistiam aos artigos expostos. Podiam até não maquiar ou pintar seus rostos como suas filhas, ou andar nos barulhentos automóveis da época junto com seus irmãos, uma ousadia para aqueles tempos, mas não resistiam aos atrativos do progresso e à mercadorias expostas.
Lojas grandes e imponentes eram chamadas de "magazines", e dentre elas destacava-se a magazine Colombo, que pertencia ao mesmo dono de uma loja renomado, chamada de Torre Eiffel, situada na Rua do Ouvidor. Novamente a língua francesa e Paris até nos nomes das lojas e estabelecimentos. Durante o auge da influência parisiense, existiu uma requintada e famosa loja chamada "Notre Dame de Paris". Tão famosa era esta loja, que não era incomum que, as melhores lojas de cidades do interior do Brasil se chamassem também "Notre Dame de Paris".
Além dos magazines, a Avenida Central era também sede de poderosas empresas, destacando-se entre elas a o Lloyd Brasileiro, Guinle & Cia, a Companhia Docas de Santos, e uma empresa de seguros chamada A Equitativa. Os prédios eram imponentes, e a arquitetura dos edifícios imitava Paris, com predominância do ecletismo (mistura de estilos) assim como de simetria e elementos neoclássicos. Não somente a arquitetura, mas todo o mobiliário urbano também imitava Paris.
Sedes de grandes jornais se instalaram no local, como a do Jornal do Brasil e Jornal do Comércio, assim como as sedes do Jockey Club e do Derby Club, que ostentavam suas fachadas rebuscadas no estilo "bolo de noiva", assim como os demais edifícios construídos na época da abertura. "Bolo de Noiva" é um termo caricato usado pelos críticos da arquitetura eclética. Confeitarias, cafés e restaurantes “chics” também se estendiam ao longo da Avenida, completando o ambiente de requinte que tudo lembrava Paris.
O Hotel Avenida, se tornou um dos maiores destaques da avenida, por sua bela arquitetura, assim como por possuir uma galeria que se tornou ponto de referência, a Galeria Cruzeiro. Este hotel foi demolido no final dos anos de 1950 e hoje existe no seu lugar o Edifício Central, no número 156.
Os edifícios governamentais ou empreendidos pelo estado e município, por sua vez também se destacavam por sua beleza e suntuosidade. Entre estes edifícios destacam-se o Teatro Municipal, a Escola Nacional de Belas Artes (atual Museu Nacional de Belas Artes), o edifício da Biblioteca Nacional e o Prédio do antigo Supremo Tribunal Federal. A Avenida Central se tornaria o cartão de visitas da República, o anunciar de uma nova era, de um país próspero e voltado para a modernidade, servindo de modelo para ruas amplas e largas, moderna e saneada. Era então a espinha dorsal e o centro das atenções, tanto com relação às altas finanças, como também da cultura, era por onde os elegantes transitavam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário