Ferrari 488 Pista, Itália - Jeremy Clarkson
Artigo
Eu já
tive uma Ferrari. Estava fazendo um programa de TV sobre a Itália e achei que,
para trazer algum espetáculo e barulho ao desfile interminável de comidas e
ternos, seria uma boa coisa andar em algo chamado de F355.
Já tinha dirigido uma Ferrari antes, é
claro. Na verdade, duas: Mondial e 348 GTB. E eu as elogiei, escrevendo com uma
mistura de admiração e adulação.
Mas a verdade é que não gostei muito
delas. Porque a Mondial foi a pior e mais feia Ferrari já feita e a 348 tinha
pneus que pareciam de madeira.
Quando dirigia os carros devagar, eles
eram abafados e difíceis de guiar, e, quando andava em alta velocidade, eles
eram abafados, difíceis de guiar e assustadores.
Por ter na época pouca experiência em
automóveis rápidos e exóticos, pensei que estava deixando passar alguma coisa.
Era como alguém com licença de piloto
particular ter a chance de pilotar um caça SR-71 Blackbird. Mesmo que ache a
experiência horrível, ele nunca vai dizer isso quando sair da cabine.
Bem, em função disso eu não estava
esperando muito da F355. Ela se parecia bastante com a 348 e na época eu não
entendia de verdade por que ter cinco válvulas em cada um dos oito cilindros
faria diferença.
Para ser honesto, eu nem sabia o que eram
válvulas. Ou cilindros.
Mas, meu Deus! Essa Ferrari abriu meus
olhos para um mundo que eu nem sequer sabia que existia.
Um mundo borrado. Um mundo de força g e
sensações curiosas nas partes íntimas do meu corpo. “Uau!”, gritei para a
câmera.
“Este carro tem cinco válvulas por
cilindro!” E daí pausei, baixei o tom um pouquinho e gritei: “E você pode
perceber”.
Depois voltei ao Reino Unido meio triste.
Porque eu precisava ter uma F355. Era como eu imaginava que os carros seriam
quando eu era jovem. Cheios de fogo e enxofre. Conectados diretamente aos
órgãos sexuais do motorista.
O problema é que ela custava 90.000 libras
(R$ 430.000), o que estava fora do meu orçamento. Por isso decidi que, para
começar, compraria uma 328 usada. Eu fiz toda a pesquisa e me dirigi à loja da
Ferrari. E eu não coube no carro.
O vendedor disse que podia tirar os
trilhos e parafusar o banco no assoalho, mas minha esposa, 90 cm mais baixa do
que eu, achou que era uma má ideia. Então olhamos um para o outro e então para
a F355 e estava resolvido.
Desde aquele tempo, muitas coisas
aconteceram. Eu superei a fase de supercarros com motor central e a Ferrari se
tornou tão cheia de si que prefere que os clientes cheguem ao showroom perto da
rotatória em um superiate, por um canal escavado por um exército de eunucos.
E é por isso que comprei um Lamborghini Gallardo e depois um
Ford GT. E é também por isso que, se eu quisesse ter hoje um supercarro com
motor central, compraria um McLaren.
E é igualmente por isso que, quando escrevo um artigo sobre
Ferrari, agora eu quero dizer que ela é horrível, só para encher o saco da
empresa.
E tudo isso me leva à edição limitada 488
Pista, que é um nome estúpido. Pela implicação do termo “pista”. Parece que
esse carro é para alguém que possui sua própria pista de corrida, possivelmente
no Catar.
Como é projetada para as pistas, ela é
equipada com cintos de segurança de quatro pontos que impedem que você se
incline para a frente para ver o que está vindo em cruzamentos, e não tem GPS,
seu ar-condicionado é meio fraco e vem com pouquíssimo isolamento acústico.
Tudo isso para reduzir o peso.
E a Ferrari continua a fazer com que os
controles sejam quase impossíveis de usar, ao pôr a maioria no volante. O que
significa que eles nunca estão onde você os deixou.
E então tem o preço, mais de 250.000
libras (R$ 1,2 milhão). E some a isso outras 250.000 libras para colocar alguns
opcionais, como bancos, janelas e carpetes. E mais 250.000 para transportá-la
todo verão do Oriente Médio para Londres.
Então, ela é absurdamente cara, mal
equipada, feita por uma empresa que te detesta e vem com cintos de segurança
que fazem com que em qualquer cruzamento você reze um rosário e torça para o
melhor.
Até agora tudo bem, pois a Ferrari ficará
muito P da vida, e isso me deixa contente. No entanto, apesar de todos os
problemas, a Pista é um dos carros mais empolgantes, emocionantes, lindos e
prazerosos já feitos.
Ela faz com que todos os outros carros pareçam
ter sido feitos de musgo e casca de árvore. Ela é soberba.
Houve um tempo em que qualquer carro,
mesmo uma Ferrari, tinha dificuldade de lidar com 720 cv. A traseira dançava
para todos os lados e você nunca podia pisar fundo no acelerador, em qualquer
marcha, por mais de 1 ou 2 segundos.
Mas a Pista não é assim. Para o motor passar a sensação de
aspirado, em vez de turbo, o torque é limitado nas seis primeiras marchas. Por
isso, você não tem aquela loucura de rodas patinando.
O que significa que você não tem o terror. Este é um carro que
você pode pilotar rápido. Que você vai querer pilotar rápido.
E então há a dirigibilidade, que é impecável. Você se descobre
fazendo curvas em velocidades ridiculamente altas e não escuta nem um pio de
protesto dos pneus. Ou do seu passageiro, porque tudo passa a sensação de total
controle.
Você poderia imaginar que, para se chegar
a isso, a suspensão é mais dura do que o coração de um comunista. Mas não!
Coloque no ajuste de “estrada esburacada” e ela navega sobre as irregularidades.
É a mesma história com o som do motor. Ele
não é particularmente empolgante, mas, mesmo com pouco material fonoabsorvente
sob o carpete, não é ruim. E o carro até tem um porta-malas surpreendentemente
grande.
Depois de alguns dias, eu comecei a
questionar a promessa que tinha feito de nunca mais comprar outro carro de
motor central. E certamente de não comprar uma Ferrari. Porque a Pista não é
apenas ótima. Ou sensacional. É muito além disso.
E tudo isso é uma notícia muito ruim para
o meu colega James May. Ele comprou a antecessora da Pista, a 458 Speciale,
como um investimento.
E, agora, de uma pancada só, o novo modelo
a tornou sem valor. Acho que o coitado vai ter de mandá-la para o ferro-velho.
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