terça-feira, 26 de maio de 2020

Ferrari 488 Pista, Itália - Jeremy Clarkson



Ferrari 488 Pista, Itália - Jeremy Clarkson
Artigo


Eu já tive uma Ferrari. Estava fazendo um programa de TV sobre a Itália e achei que, para trazer algum espetáculo e barulho ao desfile interminável de comidas e ternos, seria uma boa coisa andar em algo chamado de F355.
Já tinha dirigido uma Ferrari antes, é claro. Na verdade, duas: Mondial e 348 GTB. E eu as elogiei, escrevendo com uma mistura de admiração e adulação.
Mas a verdade é que não gostei muito delas. Porque a Mondial foi a pior e mais feia Ferrari já feita e a 348 tinha pneus que pareciam de madeira.
Quando dirigia os carros devagar, eles eram abafados e difíceis de guiar, e, quando andava em alta velocidade, eles eram abafados, difíceis de guiar e assustadores.
Por ter na época pouca experiência em automóveis rápidos e exóticos, pensei que estava deixando passar alguma coisa.
Era como alguém com licença de piloto particular ter a chance de pilotar um caça SR-71 Blackbird. Mesmo que ache a experiência horrível, ele nunca vai dizer isso quando sair da cabine.
Bem, em função disso eu não estava esperando muito da F355. Ela se parecia bastante com a 348 e na época eu não entendia de verdade por que ter cinco válvulas em cada um dos oito cilindros faria diferença.
Para ser honesto, eu nem sabia o que eram válvulas. Ou cilindros.
Mas, meu Deus! Essa Ferrari abriu meus olhos para um mundo que eu nem sequer sabia que existia.
Um mundo borrado. Um mundo de força g e sensações curiosas nas partes íntimas do meu corpo. “Uau!”, gritei para a câmera.
“Este carro tem cinco válvulas por cilindro!” E daí pausei, baixei o tom um pouquinho e gritei: “E você pode perceber”.
Depois voltei ao Reino Unido meio triste. Porque eu precisava ter uma F355. Era como eu imaginava que os carros seriam quando eu era jovem. Cheios de fogo e enxofre. Conectados diretamente aos órgãos sexuais do motorista.
O problema é que ela custava 90.000 libras (R$ 430.000), o que estava fora do meu orçamento. Por isso decidi que, para começar, compraria uma 328 usada. Eu fiz toda a pesquisa e me dirigi à loja da Ferrari. E eu não coube no carro.
O vendedor disse que podia tirar os trilhos e parafusar o banco no assoalho, mas minha esposa, 90 cm mais baixa do que eu, achou que era uma má ideia. Então olhamos um para o outro e então para a F355 e estava resolvido.
Desde aquele tempo, muitas coisas aconteceram. Eu superei a fase de supercarros com motor central e a Ferrari se tornou tão cheia de si que prefere que os clientes cheguem ao showroom perto da rotatória em um superiate, por um canal escavado por um exército de eunucos.
E é por isso que comprei um Lamborghini Gallardo e depois um Ford GT. E é também por isso que, se eu quisesse ter hoje um supercarro com motor central, compraria um McLaren.
E é igualmente por isso que, quando escrevo um artigo sobre Ferrari, agora eu quero dizer que ela é horrível, só para encher o saco da empresa.
E tudo isso me leva à edição limitada 488 Pista, que é um nome estúpido. Pela implicação do termo “pista”. Parece que esse carro é para alguém que possui sua própria pista de corrida, possivelmente no Catar.
Como é projetada para as pistas, ela é equipada com cintos de segurança de quatro pontos que impedem que você se incline para a frente para ver o que está vindo em cruzamentos, e não tem GPS, seu ar-condicionado é meio fraco e vem com pouquíssimo isolamento acústico. Tudo isso para reduzir o peso.
E a Ferrari continua a fazer com que os controles sejam quase impossíveis de usar, ao pôr a maioria no volante. O que significa que eles nunca estão onde você os deixou.
E então tem o preço, mais de 250.000 libras (R$ 1,2 milhão). E some a isso outras 250.000 libras para colocar alguns opcionais, como bancos, janelas e carpetes. E mais 250.000 para transportá-la todo verão do Oriente Médio para Londres.
Então, ela é absurdamente cara, mal equipada, feita por uma empresa que te detesta e vem com cintos de segurança que fazem com que em qualquer cruzamento você reze um rosário e torça para o melhor.
Até agora tudo bem, pois a Ferrari ficará muito P da vida, e isso me deixa contente. No entanto, apesar de todos os problemas, a Pista é um dos carros mais empolgantes, emocionantes, lindos e prazerosos já feitos.
Ela faz com que todos os outros carros pareçam ter sido feitos de musgo e casca de árvore. Ela é soberba.
Houve um tempo em que qualquer carro, mesmo uma Ferrari, tinha dificuldade de lidar com 720 cv. A traseira dançava para todos os lados e você nunca podia pisar fundo no acelerador, em qualquer marcha, por mais de 1 ou 2 segundos.
Mas a Pista não é assim. Para o motor passar a sensação de aspirado, em vez de turbo, o torque é limitado nas seis primeiras marchas. Por isso, você não tem aquela loucura de rodas patinando.
O que significa que você não tem o terror. Este é um carro que você pode pilotar rápido. Que você vai querer pilotar rápido.
E então há a dirigibilidade, que é impecável. Você se descobre fazendo curvas em velocidades ridiculamente altas e não escuta nem um pio de protesto dos pneus. Ou do seu passageiro, porque tudo passa a sensação de total controle.
Você poderia imaginar que, para se chegar a isso, a suspensão é mais dura do que o coração de um comunista. Mas não! Coloque no ajuste de “estrada esburacada” e ela navega sobre as irregularidades.
É a mesma história com o som do motor. Ele não é particularmente empolgante, mas, mesmo com pouco material fonoabsorvente sob o carpete, não é ruim. E o carro até tem um porta-malas surpreendentemente grande.
Depois de alguns dias, eu comecei a questionar a promessa que tinha feito de nunca mais comprar outro carro de motor central. E certamente de não comprar uma Ferrari. Porque a Pista não é apenas ótima. Ou sensacional. É muito além disso.
E tudo isso é uma notícia muito ruim para o meu colega James May. Ele comprou a antecessora da Pista, a 458 Speciale, como um investimento.
E, agora, de uma pancada só, o novo modelo a tornou sem valor. Acho que o coitado vai ter de mandá-la para o ferro-velho.

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