Primeiro Prédio do MASP / Edifício Guilherme Guinle / "Prédio dos Diários Associados" / Rua Sete de Abril N. 230, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia
No dia 2 de outubro de 1947, a recém-formada coleção de arte europeia e brasileira é reunida no edifício do jornal Diários Associados, localizado na Rua Sete de Abril, e apresentada ao público junto com os planos de desenvolvimento do novo Museu de Arte de São Paulo.
O prédio pertencente ao mecenas e empresário Assis Chateaubriand abrigava não somente o projeto do MASP, concebido ao lado de Pietro Maria Bardi (1900-1999), mas também o Museu de Arte Moderna, dirigido por Ciccilo Matarazzo (1898-1977). Assim, inicia a coexistência entre duas instituições e duas figuras de disputa na formação da cena cultural paulistana.
Texto 2:
O Homem:
Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, nascido em 4 de outubro de 1892, em Umbuzeiro, na Paraíba. Formado em Direito, jornalista, empresário, criou o maior império de comunicação na América Latina, composto por dezenas de jornais, 28 emissoras de rádio, duas das principais revistas para adultos, 12 revistas infantis, agência de notícias, várias emissoras de TV, sendo o pioneiro na América do Sul e tornando Brasil o quarto país do mundo a possuir uma emissora de televisão, a PRF3 TV Tupi.
O Prédio:
Edifício Guilherme Guinle, mais conhecido como o “prédio dos Diários Associados”, na Rua Sete de Abril, 230. Projeto do grande arquiteto francês Jacques Pilon, autor de mais de 60 prédios na área central, entre apartamentos residenciais e comerciais, com destaque para o prédio da Biblioteca Mário de Andrade e o do jornal O Estado de S. Paulo.
O edifício Guilherme Guinle abrigava a sede dos Diários Associados, funcionando ali a administração, redação dos jornais impressos em São Paulo, sucursal da revista O Cruzeiro, a maior revista de circulação nacional, impressa no Rio de Janeiro, e o parque gráfico. Era no imenso subsolo que se imprimia o Diário da Noite e O Diário de São Paulo. Só por essas atividades o prédio já merece nossa atenção, mas tem muito mais coisas interessantes, é o que pretendemos contar.
Importância para a cultura brasileira:
As pessoas mais jovens que passam por ele nem imaginam tudo o que aconteceu ali de importante para a cultura brasileira. Obras de arte de gênios da pintura, de várias épocas, que estiveram expostas ao público por mais de 20 anos, artistas nacionais e estrangeiros, de diversas áreas, que deram aulas em cursos ali realizados ou expuseram suas obras.
Hoje o prédio é ocupado por várias empresas de telemarketing. Quando o prédio pertenceu à tecelagem Guaratinguetá o porão, onde ficava o parque gráfico, foi transformado em buffet para a festa de casamento da filha do proprietário, com capacidade para mais de 500 pessoas, passando depois a ser alugado. O grande hall de entrada, que chegou a abrigar a agência de um banco, no tempo de Chateaubriand era simplesmente um enorme hall, sem nenhum uso. Mostrava o poder da empresa, prática bastante comum na época.
As atividades culturais:
Lendo a obra de Fernando Morais, Chatô o Rei do Brasil ficamos sabendo que Chateaubriand tinha o sonho de montar no Brasil uma das maiores galerias de arte do mundo e para isso já pedira ao arquiteto Jacques Pilon que deixasse um andar inteiro para instalar uma galeria de arte. Fica assim evidente que já havia o objetivo do prédio abrigar e expor obras de arte. Ou seja, o MASP não esteve lá por acaso. Interessante é que o MASP foi inaugurado antes dos diversos setores dos Diários Associados estarem instalados. O prédio não estava totalmente concluído.
A vontade de ter uma galeria de arte era forte. O espaço estava destinado para isso, já havia alguns quadros, mas faltava quem pudesse organizar essa galeria.
Em 1946, acontecia no saguão do prédio do Ministério da Cultura, no Rio De Janeiro, a exposição para venda de 54 telas de pinturas italianas do século XIII ao século XVIII trazidas pelo marchand Pietro Maria Bardi, que estava acompanhado da esposa, Aquilina (conhecida como Lina) Bo Bardi. Chateaubriand, ao conhecer o casal os convida para participar com ele do projeto da galeria. Pietro para ser o curador e Lina, arquiteta, para instalar a galeria no espaço já reservado para isso. Traz o casal para São Paulo, mostra as instalações do prédio ainda em fase de finalização.
Já na viagem para São Paulo, Pietro Maria Bardi fica sabendo que Chatô na verdade tinha muito poucas obras de arte, insuficientes para uma galeria. Chateaubriand, quando esteve na Europa, verificou que no continente, devastado pela guerra, grandes obras de arte estavam sendo vendidas por preços relativamente baixos.
Precisava, porém, de alguém que reconhecesse as obras verdadeiras das falsas. Ao conhecer Pietro Maria Bardi teve a certeza que ele seria o homem indicado para essa tarefa. Marchand com larga experiência, saberia encontrar importantes obras de arte, autênticas. Chateaubriand se compromete a conseguir o dinheiro. Bardi aceita o convite de Chateaubriand e se compromete a ficar um ano por aqui para organizar tudo. Acabou ficando toda a sua vida. Vão então para a Europa e compram importantes obras de arte. Em 2 de outubro de 1947 o Museu de Arte de São Paulo é então inaugurado.
Masp, ainda antes dos Diários Associados:
O prédio ainda não estava finalizado, a sede dos Diários Associados não estava instalada mas o museu estava lá. Fernando Morais descreve a inauguração. O MASP transmitia imagem de desorganização e improviso. O ministro da Educação, Clemente Mariani, que representava o presidente Dutra, teve que subir para o mezanino numa dessas escadas utilizada pelos pedreiros.
O acervo, porém, era maravilhoso, surpreendente. Em poucos meses do encontro de Chateaubriand com os Bardi, depois de 5 milhões de dólares na época, (o equivalente a 35 milhões em 1994, quando o livro foi escrito), já era sem dúvida a mais importante coleção de arte antiga e moderna no Brasil, como Chateaubriand desejava.
A arquiteta Lina Bo Bardi realizou várias adaptações no andar, criando espaços. Sala onde os quadros ficariam expostos, duas salas para exposições temporárias, sala de exposições didáticas sobre História da Arte, um auditório com cem lugares. A ideia era ser não apenas um museu, mas um centro difusor de arte.
Já na inauguração, além das obras da coleção permanente, foram realizadas duas exposições temporárias. Uma série bíblica, com obras de Cândido Portinari, e outra com obras de Ernesto de Fiori. No dia seguinte da inauguração foi grande o número de visitantes, demonstrando o interesse do público pelas obras de arte.
Nos anos seguintes foram realizados cursos de História da Arte, mostras de artistas nacionais e estrangeiros de todas as correntes, manifestações de teatro, cinema, música, transformando o local em um ponto de encontro de artistas, estudantes, intelectuais em geral. O MASP inaugurou o conceito de espaço museológico multidisciplinar, um centro cultural. Foi um dos primeiros do mundo, antecedendo em décadas o Centro George Pompidou na França (inaugurado em 31 de janeiro de 1977).
Em julho de 1950 o MASP teve uma segunda inauguração, muito mais grandiosa do que a primeira. Contou com a presença do Presidente da República, Eurico Gaspar Dutra e do poderoso banqueiro norte-americano Nelson Rockfeller. Passou então a ocupar quatro andares. No 3º andar a exposição de quadros da coleção permanente, no 4º e no 15º, cursos e palestras. Espaços para exposições, bibliotecas e livraria ficavam no 2º andar.
Nesse ano é instalado o Instituto de Arte Contemporânea, com diversos cursos com o objetivo de suprir lacunas nos ensinos técnicos e artísticos. O primeiro curso foi o de Gravura, com os consagrados artistas Poty Lazzaroto e Regina Katz. Depois, os cursos de Desenho com o designer italiano Roberto Sambonet, Pintura com Gastone Novelle e Waldemar da Costa, Escultura com o polonês August Zamoysk.
Lina Bo Bardi cria a Escola de Desenho Industrial, pioneira no Brasil. Os professores eram artistas consagrados, como Warchavchik e Lasar Segall, entre outros. Também eram oferecidos cursos de fotografia. Nesse mesmo ano o Museu lança a revista Habitat de estética moderna com viés funcionalista.
Masp não foi o único museu da Rua 7 de Abril:
Tudo isso já seria uma história grandiosa para um prédio, mas o MASP não foi o único museu instalado ali. Em 1949, a exposição Do Figurativismo ao Abstracionismo inaugura o Museu de Arte Moderna, criado pelo grande mecenas Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccilo Matarazzo. O MAM ocupou um andar inteiro do prédio até 1958, quando é transferido para o Parque Ibirapuera. Havia também o barzinho do Museu, ponto de encontro de artistas e intelectuais.
Em 11 de abril de 1953, mais um pioneirismo nacional na história do prédio. José Renato lança uma companhia de Teatro de Arena no MAM. Algo inédito no Brasil, os atores são colocados no centro da sala de espetáculos, não há cenários e os temas são mais realistas. Posteriormente o Teatro de Arena foi para sede própria, na rua Teodoro Baima.
A Cinemateca Brasileira foi criada em 1940, por jovens estudantes do curso de Filosofia da USP, como Clube de Cinema de São Paulo. Com a ditadura Vargas o Clube foi fechado. Várias tentativas de criação de outros clubes foram feitas posteriormente. Em 1949 é criada a Filmoteca do Museu de Arte Moderna após acordo realizado com o recém-criado museu. Permanece ligada a ele até 1956, quando passa a ser denominada Cinemateca Brasileira. Em 1957 um grande incêndio destrói todo o acervo. A Cinemateca vai então para o Parque Ibirapuera e depois para sua sede definitiva, o antigo matadouro municipal na Vila Mariana, doado em 1988 pelo prefeito Jânio Quadros , inaugurada depois de nove anos, após várias reformas.
Em outubro de 1951, em outro pioneirismo nacional, Rodolfo Lima Marthesen cria no edifício a Escola de Propaganda do Museu de Arte de São Paulo. Em 1961, no primeiro Congresso Latino-Americano de Ensino Publicitário, realizado em Buenos Aires, os currículos foram adotados como padrão para o ensino publicitário em toda a América Latina. Em 1970 é transformada em ensino superior passando a ser Escola Superior de Propaganda e Marketing funcionando em prédio próprio na Vila Mariana.
No dia 4 de julho de 1950 aconteceu uma transmissão de TV do auditório do MASP no 2º andar para o saguão do prédio lotado de telespectadores. Uma apresentação de gala.
A chegada da TV ao Brasil:
Era um teste para a implantação da TV no Brasil, que ocorreu em 18 de setembro. Foi a apresentação do frei José Mojica, cantor de fama internacional com uma história interessante. No auge da carreira artística, ele larga tudo, entra para um convento e se torna frade. Seus superiores autorizavam suas apresentações em turnês, pois angariavam fundos para as ações sociais da irmandade. O interessante é que não cantava músicas religiosas, mas seus sucessos românticos.
Nesse mesmo prédio, em 20/09/1960, no 15º andar, o último do prédio, num espaço de 30 metros quadrados, Chateaubriand, que recebera em 1958 a concessão para mais uma emissora, inaugura sem muita divulgação a TV Cultura, Canal 2. Uma indiazinha era seu símbolo, já que um indiozinho era o símbolo da TV Tupi, que teve, por causa dela, a frequência de canal mudada de 3 para 4.
Em 1963, os Diários Associados fazem uma parceria com o Governo do Estado e com o Serte (Serviços de Educação de Rádio e TV), dando origem a 10 horas de programação educativa na emissora. No dia 28 de abril de 1965 um incêndio provocado por um curto-circuito destrói todo o estúdio. Para dar continuidade à programação a TV Cultura vai utilizar, temporariamente, um pequeno estúdio da TV Tupi, depois vai para a região da Água Branca. Em 15/6/1969 passa a ser a TV Educativa da Fundação Padre Anchieta.
O homem, seu fim:
No dia 4 de abril de 1968, Assis Chateaubriand faleceu no Hospital Santa Catarina em São Paulo, após oito anos paralisado, após uma trombose. O sepultamento no cemitério do Araçá foi marcado para o sábado dia 6, e o corpo embalsamado, para que houvesse tempo para que as altas personalidades, de diversos segmentos, pudessem participar do velório, e também para que o povo pudesse dar seu adeus.
Seu velório só poderia acontecer no saguão do prédio que mandara construir para sede dos Diários Associados e para uma galeria de arte que se transformou num centro cultural, ou melhor, em vários centros culturais. E a arte esteve presente no velório. Um velório único, que só poderia acontecer naquele prédio.
Quem nos relata é Fernando Morais, autor de sua biografia. Junto ao caixão, ladeado por guardas de honra, estavam três tela com mais de 2 metros de altura que Pietro Maria Bardi mandou descer do MASP. Mandou pregar no centro da parede, bem junto à cabeça do morto a tela de Renoir A Banhista com o Cão Grifo. A banhista, expondo generosamente seios descobertos, cobre levemente o sexo com a mão esquerda. À esquerda, um pouco abaixo da Banhista, Bardi manda pendurar o quadro de Ticiano Retrato do Cardeal Cristóforo Madruzzo (de 1556). Do outro lado, na mesma linha, a tela com pintura de corpo inteiro de D. Juan Antônio Llorente, Secretário da Inquisição Espanhola, de autoria de Goya.
Indignados, diretores dos Associados chamam a atenção de Bardi por expor num velório com personalidades ilustres dois cardeais ladeando uma mulher nua. Bardi responde: “mas dottore, essa é a minha última homenagem a Assis Chateaubriand, vero? Nesta parede estão as três coisas que ele mais amou na vida, o poder, a arte e a mulher pelada”.
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