quarta-feira, 4 de agosto de 2021

"Que Vengan los Macacos" / A Imbecilidade Racista Histórica do Jornal Argentino "Olé" nas Olimpíadas de 1996 - Artigo


 

"Que Vengan los Macacos" / A Imbecilidade Racista Histórica do Jornal Argentino "Olé" nas Olimpíadas de 1996 - Artigo
Artigo


Em uma semifinal olímpica, há exatos 25 anos, o jornal argentino "Olé", especializado em esportes, estampou em sua manchete uma provocação à seleção brasileira de futebol: "Que venham os macacos".
O texto da capa com a óbvia alusão preconceituosa comemorava a vitória da Argentina sobre Portugal e aludia a Brasil e Nigéria que disputariam a segunda vaga na decisão da Olimpíada de Atlanta, realizada em 1996.
Então em seu terceiro mês de circulação, o "Olé" gerou um tenso conflito diplomático. O embaixador do Brasil na Argentina, Marcos Azambuja, enviou uma carta formal de protesto ao assessor de comunicação do presidente Carlos Menem, Raúl Delgado. Na carta, Azambuja reclamava das "insinuações raciais e depreciativas do jornal". O vice-ministro de Relações Exteriores da Argentina, André Cisneiros, dizia que o governo "estava consternado".
A repercussão assustou os editores do "Olé", que publicaram uma retratação no dia seguinte (uma quinta, 1º de agosto). O secretário de redação do jornal, Mariano Hamilton, disse que a manchete se referia aos brasileiros, e que "os argentinos costumavam chamá-los de macacos, uma coisa institucionalizada".
No editorial cujo título era "Sem intenção de faltar o respeito", o jornalista negava a existência de qualquer conteúdo racista no termo "macacos": "Não houve intenção de ofender. Aqui não há nenhum racista".
"A gozação e os jargões do futebol podem mudar como são entendidas as palavras segundo o contexto. Por isso, o Olé pede desculpas ao povo brasileiro", encerrava o editorial.
Responsável por aquela capa, Hamilton seguiu no cargo e construiu uma respeitada carreira na imprensa argentina, sendo comentarista de grandes emissoras de TVs e autor de bem-sucedidos livros publicados pela editora Planeta, a maior do país.
O grave deslize, no entanto, o faz pedir desculpas até hoje. "Vi no dia seguinte e pensei: que cagada imensa. É a maior cagada da minha carreira. Se eu pensasse outra coisa, seria um estúpido", conta.
"Eu me arrependo, por isso fiz o editorial no dia seguinte pedindo desculpas. Deixei meu cargo à disposição da direção geral. Fiz o que tinha que ser feito. Sigo pagando por essa cagada, e está bem. Depois, claro, fiz umas capas extraordinárias. Mas hoje, tanto tempo depois, sigo pedindo desculpas."
Chefe de redação do "Olé", o jornalista Leonardo Farinella também reconheceu a infelicidade daquela capa: "Foi um erro, um excesso de juventude. Buscávamos refletir o sentimento do torcedor, e ainda estávamos acertando o tom", disse em entrevista à agência de notícias AFP em 2005.
O "Olé" completou 25 anos no último dia 23 de maio e segue integrando o grupo empresarial "Clarín", o maior da Argentina no setor de comunicações.
"A postura de ir contra o Brasil tem a ver estritamente com ser pró-Argentina. Há uma rivalidade esportiva que respaldamos. O Olé quer que o Brasil perca. Apesar de o Brasil ter jogadores muito bons, muitos deles admirados por nós, considerados simpáticos, queremos que joguem mal", seguiu o jornalista na mesma entrevista de 2005.
"Creio que no Brasil o tema do racismo é muito mais sensível do que na Argentina, onde há xenofobia contra paraguaios, bolivianos, peruanos, uma situação que não apoiamos. Mas nós não nos consideramos racistas com os brasileiros", finalizava.
Além de publicar a retratação no dia seguinte, o "Olé" aproveitou o deslize para reforçar sua linha editorial, que "brincava com os limites entre o coloquial, o ordinário, a gozação e a ofensa", mas reconhecia que "ultrapassara uma fronteira sensível".
"Entendíamos que 'macaco' era uma palavra muito utilizada pela imprensa argentina", justificava Farinella. "Pensamos que não ia nos trazer dificuldades. O que não levamos em conta é que a imprensa brasileira tinha um outro conceito do nosso jornal e não esperavam que usássemos essa palavra. Assumimos o erro e nunca mais usamos este termo. Isso é o que acontece quando alguém vai com tudo: corre riscos e às vezes manda uma bola fora."
Aquela capa guardava uma outra referência de complicada compreensão fora da Argentina. Em 1982, o general Leopoldo Galtieri declarou a Guerra das Malvinas à Inglaterra com a infame frase "Que venga el principito, le presentaremos batalla" ("Que venha o pequeno príncipe, pois daremos batalha"), algo também implícito no "Que venham os macacos" (Afinal, havia uma batalha a seguir na final olímpica).
Embora a palavra para designar "macaco" em espanhol seja "mono", o termo "macaco" ou "macaquito" é de uso comum na Argentina, inclusive o presidente argentino, Alberto Fernández, disse recentemente ao premiê da Espanha, em Buenos Aires, "que os mexicanos vieram dos indígenas, os brasileiros, da selva, e nós, argentinos, chegamos em barcos que vinham da Europa". Posteriormente se desculpou e afirmou que estava citando um trecho de uma obra do poeta mexicano Octavio Paz, vencedor de um Prêmio Nobel de Literatura, mas na verdade mencionou parte da música "Llegamos de Los Barcos", lançada em 1982 pelo músico argentino Litto Nebbia, de quem já se declarou fã.
A letra da música diz, em espanhol: "Los brasileros salen de la selva / Los mejicanos vienen de los indios / Pero nosotros, los argentinos / Llegamos de los barcos".
Possivelmente, o presidente se confundiu com a frase “os mexicanos descendem dos astecas, os peruanos dos incas e os argentinos, dos navios”, esta sim de autoria do autor mexicano.
A metáfora racista, xenofóbica (e obviamente violenta e atrasada) aplicada por parte da população argentina estabelecia que "eles eram homo sapiens e os brasileiros, macacos, inferiores na escala evolutiva".
O apelido de "macaquitos" dado pelos argentinos aos brasileiros surgiu na Guerra do Paraguai, na segunda metade do século XIX, porque alguns batalhões de soldados brasileiros eram quase todos compostos por negros (quando o país ainda mantinha a escravidão).
Mas foi no futebol que o apelido pejorativo ganhou força. Nos primeiros confrontos entre as seleções de Argentina e Brasil, torcedores argentinos imitavam macacos nas arquibancadas, o que chegou a causar a retirada do gramado de jogadores brasileiros.
Infelizmente tal situação continua até os dias de hoje em relação a seleção e times brasileiros, não dando sinais de que irá parar.
Notas do blog: 
Nota 1 = O presente artigo merece um complemento histórico no que tange ao que aconteceu após a referida publicação cometer essa imbecilidade. O Brasil não se classificou para a final, perdeu da Nigéria que acabou sendo o adversário argentino na disputa. O resultado da final foi vitória da Nigéria por 3x2 contra a Argentina. Os "europeus" argentinos acabaram derrotados pelos nigerianos...
Nota 2 = Brasil e Argentina são dois países que sempre conviveram com as piores mazelas do chamado "terceiro mundo": pobreza, corrupção, criminalidade, ditaduras, distribuição desigual de renda, impunidade, dívida externa, inflação, etc. Nisso estão de mãos dadas (inclusive, não é absurdo dizer, as últimas administrações argentinas conseguiram ser ainda piores que as brasileiras, levando o país ao caos econômico, fazendo sua população empobrecer ainda mais).
Nota 3 = Brasileiros e argentinos, embora submetidos diariamente a problemas e maldades semelhantes, são dois povos que jamais viverão em harmonia. O "oceano" do futebol os separa. Parece incrível, mas este é o principal fator que os separa. Nenhuma discussão ou assunto prospera, sempre esbarra nesse obstáculo "intransponível". Sempre Pelé x Maradona (Pelé, é claro...rs) ou quem tem o melhor futebol (o Brasil, é claro...rs).
Nota 4 = Embora preconceituosas (mas não racistas), existem frases que resumem  e tiram sarro do argentino (eu diria mais do portenho do que o argentino em geral) e sua "autoproclamada" superioridade: "O melhor negócio do mundo é comprar um argentino pelo seu preço real e vendê-lo pelo preço que ele pensa que vale", "Buenos Aires é a Paris da América do Sul", "Argentinos são os europeus que deram errado", entre outras. 
Nota 5 = Eu sempre gostei de visitar a Argentina. Sempre fui bem tratado, evitando discutir, apenas comentando o assunto futebol. Mas confesso que sempre tratei o assunto com pessoas mais velhas, que me pareciam mais esclarecidas, capazes de um diálogo civilizado. Penso que na geral do estádio do Boca Juniors o papo não deve fluir assim (embora na geral dos estádios brasileiros certamente seja a mesma coisa).
Nota 6 = Finalizando, essa é minha, não consigo entender como um brasileiro pode dizer que torce para a seleção da Argentina (times eu "relevo"). Dentro desse contexto de "rivalidade eterna", eu diria que chega a ser um "crime de alta traição"...rs.


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