São Paulo - SP
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As diversas ondas migratórias que chegaram a São Paulo a partir da 1ª. República trouxeram novo vigor à acanhada economia recém-saída do sistema escravocrata que perdurou no país por séculos, mas também mão-de-obra especializada, criatividade e um senso artístico e estético ainda pouco presentes em terras paulistas.
A história da Praça do Imigrante Italiano é uma confluência de histórias de personagens que vieram para o Brasil nessas diversas ondas migratórias. Cada um movido por uma razão. Cada um com uma bagagem. Todos com o mesmo sonho de escrever neste país uma história de superação.
Um industrial, um artista plástico e um arquiteto:
O industrial é Luigi Papaiz, natural de Sesto al Reghena, cidadezinha da província de Bolonha, região italiana até hoje conhecida pela pujança de sua indústria metalmecânica. Quando resolveu deixá-la, porém, em maio de 1952, o cenário era de uma Itália bastante ressentida dos efeitos da segunda guerra. Por outro lado, no Brasil, iniciava nessa época um período de prosperidade, com a realização de grandes investimentos estatais, sobretudo no campo da infraestrutura.
E nesse ambiente fecundo, Papaiz montou uma indústria fabricante de cadeados, fechaduras e ferragens que se tornou referência no segmento e a maior do setor em toda a América Latina.
Durante sua vida de empresário, Papaiz também atuou como mecenas de diversos eventos culturais no âmbito da coletividade italiana de São Paulo, que propiciaram seu contato com o artista desta história.
Trata-se de Galileo Emendabili, escultor natural de Ancona, cidade litorânea do centro da Itália não muito distante de Bolonha. De aspirações republicanas, numa época em que a monarquia era o sistema de governo em vigor na Itália, Emendabili vem para São Paulo em 1923, onde passa a trabalhar como entalhador no Liceu de Artes e Ofícios. Pouco tempo depois, em 1925, vence um concurso internacional para a construção do monumento em mármore e bronze dedicado à figura do médico e cientista Luiz Pereira Barreto, que ainda hoje pode ser apreciado na praça Marechal Deodoro.
De monumento em monumento, o artista italiano fez fama no Brasil, deixando para a posteridade diversos vestígios de sua arte que, embora espalhada por diversos pontos da capital paulista, além de povoar inúmeras coleções particulares e valorizar o acervo de importantes museus, não raro passa despercebida pelo transeunte apressado.
É de sua autoria, por exemplo, o monumento dedicado ao arquiteto e engenheiro Ramos de Azevedo, localizado na Cidade Universitária, entre o IPT e a Escola Politécnica, que o ilustre homenageado ajudou a fundar. Aquele mesmo que você, corredor ou ciclista, tangencia antes de seguir para a famosa subida do cavalo, assim denominada em alusão ao cavalo alado colocado no topo do monumento.
Também é do artista italiano a concepção do Monumento-Mausoléu aos Caídos da Revolução de 1932, construído na forma de obelisco, em mármore travertino clássico e bronze, cuja presença não pode deixar de ser notada por aqueles que passam todos os dias pelo Parque do Ibirapuera.
Por fim, mas longe de ser o menos importante, é de sua autoria o belíssimo painel em bronze, de 3mx2m, que representa a hospitalidade da família brasileira em relação aos primeiros imigrantes italianos do século XIX. A obra corresponde a apenas uma parte do colossal projeto original do artista, concebido em 1964, e pertencia à coleção particular de Luigi Papaiz, que decide doá-la à cidade de São Paulo em 1988, podendo ser apreciada desde 19 de novembro desse ano na Praça do Imigrante Italiano, localizada na confluência das Avenidas 9 de Julho e Cidade Jardim.
A praça foi criada com a finalidade de homenagear a comunidade ítalo-brasileira e traz à tona o terceiro personagem desta história, o arquiteto e designer Luciano Deviá.
Deviá era natural de Turim, onde se formou em arquitetura. Ainda jovem, com 35 anos, mas já consolidado na profissão que havia abraçado, veio para o Brasil trabalhar no desenvolvimento de equipamentos para o Hospital Sarah Kubitschek, experiência que, nas suas palavras, foi uma das mais marcantes de sua vida, não só pela qualidade dos trabalhos desenvolvidos, mas também por tê-lo auxiliado a entender mais e melhor a realidade brasileira.
No final da década de 80 e há mais de 15 anos vivendo e entendendo São Paulo, foi contratado por Luigi Papaiz para projetar o novo show-room da empresa, localizado logo atrás do terreno que deu lugar à Praça do Imigrante Italiano. O pequeno edifício onde se instalou o show-room já existia.
Era, porém, uma caixa de vidro preto sem personalidade, que Deviá procurou transformar num ponto de referência daquele canto da cidade, tomando por inspiração as inúmeras referências arquitetônicas existentes em sua cidade natal, que orientam e convidam o transeunte a degustar a cidade.
A solução encontrada para incrementar a fachada e dar-lhe destaque em meio à selva de pedra à sua volta foi, a partir de um produto fabricado pela Papaiz, que consistia de grades de alumínio feitas de placas de 1mx6m, criar um grande contorno sinuoso, apoiado na laje de cobertura e descendo de forma cilíndrica na frente. A intervenção, de forma irracional e aleatória, destacava-se também pelas cores fortes e alegres, que se contrastavam com o preto do edifício. Um estranho no ninho. Uma quebra de paradigmas que, anos depois, em 1994, foi agraciada com o Primeiro Prêmio entre as dez melhores fachadas de São Paulo, concedido pela Revista da Folha de São Paulo, pela ASBEA – Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura e pelo Clube de Criação de São Paulo.
Mas o trabalho de Deviá não estaria concluído se não desse destino ao pequeno terreno triangular, de aproximadamente 600m², completamente abandonado e localizado bem em frente ao show-room da Papaiz.
O local era frequentado por moradores de rua que dormiam, faziam comida e todo tipo de coisa que gerava um visual em contradição com a proposta de design do show-room, que também abrigava a sede do COEMIT – Comitê de Imigração Italiana, associação que representava todos os imigrantes, de todas as regiões da Itália e local onde eram realizados com frequência lançamentos de livros e outras atividades culturais patrocinadas pela empresa, inclusive ao ar livre.
Uma nova história mais de 30 anos depois:
Para resolver a questão do terreno abandonado, Luigi Papaiz resolveu doar à cidade o painel de Emendabili que fazia parte de sua coleção, encarregando Deviá de projetar uma estrutura para expor a escultura permanentemente na futura praça a ser criada.
Ao ser inquirido sobre a possibilidade, o diretor da Secretaria Especial de Conservação do Patrimônio Histórico da época, Emanuel von Lauentein Massarani, acolheu a ideia prontamente e comprometeu-se em apoiar a iniciativa junto aos órgãos competentes.
Pensou-se em dar identidade italiana à nova praça dedicada aos italianos, primeira no Brasil com essa finalidade, com a construção de um chafariz, trilhas sinuosas e onduladas, em diálogo com a fachada do edifício, bancos revestidos em mosaicos e uma rica vegetação, em sintonia com a imponente seringueira que ocupa boa parte do terreno.
Refletindo, porém, a respeito de aspectos relativos à conservação do local e eventual ação de vândalos, resolveu-se eliminar do projeto o chafariz e os mosaicos, permanecendo, porém o conceito de sinuosidade nas alamedas e nos bancos de concreto, ali colocados para que os transeuntes pudessem aproveitar o aconchego daquele lugar.
O painel de Galileo Emendabili foi acomodado sobre um pedestal revestido em mármore aurora, disposto num nível mais elevado do que o calçamento, de modo tal a ficar visível não só pelos que por ali caminham, como também pelos que passam de carro. Para destacá-lo ainda mais da paisagem, foi construída uma parede curva em mármore branco do Espírito Santo, com 5m de largura e 3m de altura e que serve como fundo de sustentação da escultura de bronze.
Compõem a decoração do jardim o calçamento e a mureta perimetral dos canteiros, realizados em pedra mineira, bem como as bandeiras do estado e do município de São Paulo e a bandeira da Itália, que à noite ganham destaque com elementos de iluminação estrategicamente colocados.
A Praça do Imigrante Italiano foi inaugurada com pompa e circunstância, conforme descreve Luciano, na manhã do dia 19 de novembro de 1988. Estavam presentes o Cônsul Geral da Itália, Lanfranco Vozzi, o secretário municipal Claudio Lembo, representando o prefeito Jânio Quadros, além de vários empresários e autoridades ligadas ao COEMIT.
Passados quase trinta anos de sua inauguração, outros personagens unem-se à história desse local, para trazer de volta o brilho de seus primeiros dias. Trata-se dos descendentes de Luigi Papaiz, de outro Luigi (Bauducco), destacado empresário ítalo-brasileiro atuante na indústria de alimentos, e do Grupo Comolatti, que figura entre os mais importantes distribuidores de autopeças do país, além de gerir um dos principais ícones da gastronomia de São Paulo, o restaurante Terraço Itália, localizado no topo do icônico edifício construído no local onde funcionava a primeira sede do Círculo Italiano de São Paulo.
Num esforço desses três representantes da comunidade ítalo-brasileira de São Paulo, a praça teve seu calçamento refeito, o jardim restaurado e um novo projeto luminotécnico implementado, dando especial destaque ao local. Trecho de texto do Italia per San Paolo.
Nota do blog: Imagens de 2024 / Crédito para Jaf.
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