sábado, 28 de maio de 2022

Bairro Colônia Africana, Circa 1918, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

 


Bairro Colônia Africana, Circa 1918, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Porto Alegre - RS
Fotografia - Cartão Postal




A Colônia Africana, assim foi denominada pela imprensa da época, era uma comunidade na sua maioria formada por descendentes de escravos, mas também ali habitavam segmentos de outras etnias de imigrantes europeus. Estes últimos vieram trabalhar no lugar dos recém livres da escravidão. A localização deste território, segundo pesquisa de Eduardo Kersting e depoimentos de ex-moradores, situava-se no 3ª distrito de Porto Alegre, não se pode comprovar, mas existe muita controvérsia entre alguns ex-moradores e a própria historiografia. As ruas que demarcavam a sua localização eram: Ramiro Barcellos, Mariante, Mostardeiro e Caminho do Meio (atuais Avenidas Protásio Alves e Osvaldo Aranha). Essa delimitação espacial e temporal corresponde a sua fundação e conclui-se a expulsão definitiva da maioria dos seus ocupantes com o projeto, “Remover Para Promover” instituída nos anos 60 pela prefeitura de Porto Alegre. Nesse sentido, diversas populações negras foram removidas dos vários locais próximos ao centro da Capital gaúcha, denominada de “Cinturão negro” e alocadas no Bairro Restinga, IAPI e outros da periferia da Capital gaúcha. Por fim, citando a ideia do historiador Sérgio da Costa Franco que chama de “censura social” quanto à mudança do antigo nome deste território para bairro Rio Branco em 1959, ou seja, temos aqui uma nítida vontade de branquear o bairro, inclusive seu nome. Literalmente, sobre a Colônia Africana foi lançada uma “pá de cal” com a troca do seu nome descaracterizando totalmente este espaço.

sexta-feira, 27 de maio de 2022

Rua Boa Vista, São Paulo, Brasil






 

Rua Boa Vista, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia

O Dicionário de Ruas é um interessante recurso que a prefeitura de São Paulo oferece na internet, com informações sobre a origem dos nomes das ruas e logradouros da cidade. Pesquisando nele sobre a rua Boa Vista, no centro, encontrei o seguinte:
“[…] Esta rua é um dos raros exemplos de denominação dada pela população e que permanece até os dias de hoje na malha viária da cidade. Sua origem remonta ao século XVIII, uma vez que desde 1711 ela era conhecida com este nome. Mas, por que Boa Vista? A explicação é simples: em seu trajeto, a rua contorna a parte alta de um morro. A partir dela, os frequentadores, em tempos passados, podiam observar uma bela paisagem: a Várzea do Carmo (hoje Parque D. Pedro II), os bairros do Brás e Pari, bem como um horizonte que chegava às encostas da Serra da Cantareira. Nesse sentido, todos tinham uma "boa vista" das atuais zonas Norte e Leste da cidade.”
E na foto acima, do início do século XX, que encontrei meio ao acaso pesquisando imagens para o blog, dá pra ver bem a razão do nome.
A rua Boa Vista é a fileira de fachadas que atravessa a imagem de lado a lado. Nos dois prédios mais à direita estão a loja A Illuminadora, instalada no antigo número 36-A, e o Hotel da Bella Vista, seu vizinho no 34.
E a vista que se tinha de lá era boa mesmo. Destaque para o Tamanduateí, que banhava a 25 de Março, e para o complexo do Gasômetro, até hoje em pé do outro lado do rio. A boa vista se perdeu, mas que bom que o nome Boa Vista está lá, testemunho espontâneo e ainda vivo. Texto de M. Jayo.


Vaso Azul com Flores (Vaso Azul com Flores) - Fulvio Pennacchi


 

Vaso Azul com Flores (Vaso Azul com Flores) - Fulvio Pennacchi
Coleção privada
Óleo sobre placa - 39x28 - 1942

O Circo (O Circo) - Fulvio Pennacchi

 


O Circo (O Circo) - Fulvio Pennacchi
Coleção privada
Óleo sobre madeira - 50x70 - 1942

Praça Osório, Curitiba, Paraná, Brasil








Praça Osório, Curitiba, Paraná, Brasil
Curitiba - PR
Fotografia - Cartão Postal


Vista do início da Avenida Luiz Xavier, fotografada a partir da Praça Osório, circulado em 1906-1908.
Na esquina à direita, vê-se a "Pharmacia Cypriano", localizada onde, mais tarde, foi construído o Edifício Garcez.
Naquele momento a avenida estava dividida em três eixos separados por árvores recém-plantadas, tendo ao centro os trilhos dos bondinhos.

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Ferrari 365 GTS/4 Daytona Spider By Scaglietti 1973, Itália

 












































Ferrari 365 GTS/4 Daytona Spider By Scaglietti 1973, Itália
Fotografia


Built to do battle with the futuristic, mid-engined Miura, the Ferrari GTB/4 berlinetta was something of a bruiser compared with its indescribably pretty Lamborghini rival—but in open GTS/4 guise, the car that would become coined the 'Daytona' by enthusiasts combined thundering V-12 performance with beautiful design to incredible effect.
Announced in 1968, the Leonardo Fioravanti-penned 365 GTB/4 berlinetta served as something of a stopgap before the arrival of the mid-engined Berninetta Boxer. Built in the front-engined V-12 tradition that had served Maranello so well throughout the 1960s, the model was nicknamed 'Daytona' in celebration of the firm’s clean sweep at the 1967 25 Hours of Daytona—a moniker that has stuck fast, even if it was never officially sanctioned by Enzo Ferrari.
Powerful and muscular in tin-top trim, the 4.3-litre dual-overhead cam Daytona was transformed in 1969 with the arrival of the striking GTS/4 Spider, which wowed crowds as the curtain fell at that year’s Frankfurt Motor Show. The final front-engined open-top Ferrari to house a derivation of the firm’s legendary short-block Colombo V-12, the Daytona Spider took all that was great from the berlinetta’s design and added not only the allure of wind-in-your-hair motoring, but also exclusivity, with only 122 highly prized examples ever leaving the workshops at Maranello.
Chassis “16839” is the 90th example of that 122-car cohort, and the 65th of 96 examples that were destined to be sold in the United States. Finished in Giallo Fly over Pelle Nera Vaumol leather, the car is thought to be one of just 16 U.S. examples to feature the classic combination, with air conditioning and a desirable Becker radio adding to the Daytona’s appeal.
Records show that chassis “16839” was completed at the factory in March 1973, after which it travelled to the U.S.A. and into the showroom of William Harrah’s Modern Classic Motors in Reno, Nevada. Bought new by Dearborn, Michigan resident James Nute, the Daytona was soon on the show field, turning out at the 12th Annual FCA Meet at Stone Mountain Park, Georgia in May 1974. After two years of ownership, the car was sold to Atlanta-based dealer Jim Southard, passing through the hands of a further two dealers before finding a home with Fred Johl in 1978.
Fred Johl registered the Ferrari in California with registration plates bearing his nickname, “ITZER”, before exporting the car to his native Germany, where it took part in the Ferrari Owners’ Club meeting at the Nürburgring in June 1980, and returned to the circuit two years later for the AvD-Oldtimer Grand Prix. In 1986 the Daytona was sold to Kay Bradford of Villanova, Pennsylvania, who enjoyed the car for three years before selling it to Gerald Bowes of Philadelphia, by which point the odometer displayed 29,132 miles. In Mr Bowes’ care, the Spider was presented at the Sixth Annual Reading Concours d’Elegance, picking up a class win in 1990 before being sold three years later.
Gary Schaevitz of Katonah, New York was the lucky purchaser, and he held onto the Ferrari for two years before it passed to Dean Becker, owner of the eponymous beeper company. Chassis “16839” briefly passed through the hands of at least one other U.S. owner before being sold to renowned collector Lord Bamford in April 1999, under whose instruction marque expert Terry Hoyle was commissioned to carry out a full cosmetic restoration that included repainting and reupholstering the car in its correct factory colour scheme. Work was also undertaken to convert both coachwork and safety equipment to European specification, which included modifying the headlamps, removing emissions equipment, and adjusting the front and rear bumpers. The air conditioning unit was also replaced with a factory-correct version.
In 2006, the Daytona Spider changed hands once more, before being authenticated by Ferrari Classiche (in original U.S. specification) a year later, confirming that all major mechanical components remained intact and original. From then on, the car has lived a cossetted existence, punctuated by a rare outing to the Concorso Italiano in Seaside, California in August 2018. Two months later the Daytona was thoroughly inspected and serviced by Ferrari of Beverly Hills, which replaced air, cabin, and oil filters, along with a flush and refresh of fluids. The consignor purchased this special Ferrari from the same dealership in 2019, after which a further €4,845.84 was lavished on the Daytona in April/May 2019 at Top Motors of Nonantola, Modena.
As rare and desirable today as when first unveiled in 1969, the Ferrari 365 GTS/4 Daytona Spider offers everything you could want in a sports car. This car further benefits from a striking and uncommon colour combination of Giallo Fly over Pelle Nera, an outstanding level of fit and finish, and—for European buyers—a useful change from U.S. specification. Much prized by owners and collectors, Daytona Spiders are rarely offered for public sale, let alone examples of this quality.

quarta-feira, 25 de maio de 2022

O Grande Maracanã - Artigo

 


O Grande Maracanã - Artigo
Artigo




As obras para a construção do Estádio Municipal no Rio de Janeiro, conhecido por Maracanã e cujo nome oficial atualmente é Mário Filho, começaram em agosto de 1948, em um terreno anteriormente ocupado pelo Derby Club, que sediava corridas de cavalo. Construído para a Copa do Brasil de 1950, foi projetado pelos arquitetos Waldir Ramos, Raphael Galvão, Oscar Valderano, Orlando Azevedo, Pedro Paulo Bernardes Bastos e Antônio Dias Carneiro Feldman.
Tendo a frente o então prefeito do Rio de Janeiro (capital federal na época) marechal Ângelo Mendes de Moraes, a construção do estádio não deixou de provocar reações negativas, como a do deputado federal Carlos Lacerda, que criticava a obra impiedosamente por causa dos gastos e também da localização quase central. Para ele, se o estádio fosse mesmo construído, que o fosse construído “em Jacarépaguá” (na época, uma região remota, na zona oeste do Rio de Janeiro).
O primeiro gol marcado no estádio foi de autoria de Didi, pelo selecionado carioca, que enfrentou o paulista na inauguração de 16 de junho de 1950. A partida foi vencida pela seleção de São Paulo. Na época da sua inauguração, o Maracanã era o maior estádio do mundo, com capacidade para público de quase 200 mil pessoas. Atualmente, comporta cerca de 80 mil.
Uma das versões para a introdução do futebol no Brasil afirma que este chegou aqui trazido por imigrantes britânicos envolvidos com obras e investimentos no país, ainda no final do século XIX. Inicialmente um esporte elitista, a ponto de pessoas com ascendência africana serem proibidas de jogar por clubes, até o início dos anos 1920 a prática ganharia os terrenos baldios das cidades brasileiras e acabaria por se tornar a preferência nacional. Mesmo sindicatos e agremiações anarquistas organizavam partidas para atrair trabalhadores para suas causas.
Na Copa de 1950, o Maracanã sediou 8 jogos, inclusive a final entre Brasil e Uruguai, vencida pelo Uruguai por 2 a 1. A seleção nacional só venceria uma Copa do Mundo em 1958. A partir dos anos 1980, o estádio passou a abrigar outros eventos que não os esportivos, em especial shows musicais e encontros religiosos.
O estádio foi batizado em homenagem ao jornalista que ajudou a popularizar o futebol no Brasil. Mário Rodrigues Filho comprou o Jornal dos Sports de Argemiro Bulcão em 1936, pouco depois de o jornal começar a ser impresso na peculiar cor de rosa. Este veículo foi sua ponta de lança na defesa da construção do Maracanã, e ele o dirigiria até sua morte, em 1966. Após sucessivas diretorias, o jornal viria a fechar definitivamente em 2010. O exemplar cuja reprodução ilustra esta matéria integra o fundo Bernardo Fernandes de Brito, acervo do Arquivo Nacional, fundo este que guarda inúmeros exemplares dos jornais O Globo, Dos Sports, Correio da Manhã, Diário de Notícias, Jornal do Brasil e Jornal do Comércio, entre as décadas de 1930 e 1960.

Medicina e Práticas Curativas no Brasil Joanino - Artigo

 


Medicina e Práticas Curativas no Brasil Joanino - Artigo
Artigo




Para ser um "ótimo estudante da prática médica", e receber seu atestado de assiduidade na Escola Cirúrgica do Hospital da Santa Casa de Misericórdia, Silvestre da Fonseca Proença assistiu às aulas de anatomia, fisiologia, patologia e terapêutica (ouvindo as lições de sua obrigação, assistindo às demonstrações e sabatinas) e foi aprovado no exame de anatomia teórica e prática. Examinado, em 1809, por João Manoel Pires de Menezes, lente de anatomia e cirurgia da Universidade de Coimbra, respondeu ainda aos diários de moléstias, através das experiências médicas nas enfermarias do Hospital da Santa Casa de Misericórdia, como operações, ligaduras e curas praticadas diariamente. Seus estudos eram devedores da medicina setecentista e, sobretudo, daquela ensinada na Universidade de Coimbra reformada por Pombal. Essa demarcação não é, como poderia parecer, uma divisão tão clara entre dois modelos, subsistindo nas novas leituras que se formulam.
Desde o século XVI, com Vesalius (1514-1564), a anatomia de Galeno viria sofrer golpes, sendo considerada uma extrapolação das características animais para o Homem. Também a descoberta do sistema de circulação de sangue (iniciada com o médico árabe Ibn al-Nafis, no século XIII) pelo médico William Harvey (1578-1657) revolucionou as escolas médicas. Não se deve, no entanto, concluir por um abandono dos preceitos clássicos pois, ainda que não fosse doutrinária, a recorrência a Hipócrates e à tradição aristotélica acompanha esses acontecimentos. Assim, a medicina do século XVIII rompeu, progressivamente, com o sistema médico-farmacêutico galênico, em favor, entre outras doutrinas, da iatroquímica, que considerava que o tratamento das patologias deveria partir de uma interpretação química, executando-se o tratamento terapêutico com medicamentos apropriados. Era uma mistura de vertentes químico-vitalistas do século XVII, com a escola de Theophrast Bombast Von Hohenheim (1493-1541) mais conhecido por Paracelso, dos séculos XV e XVI e que se desenvolve paralelamente à base física da teoria e práticas médicas.
É no seiscentos que Descartes (1596-1650) irá exercitar uma concepção mecanicista do corpo, tornado por ele uma máquina. Fundada sobre a física galileana e reforçada pela concepção materialista do universo de Newton (1642-1727), essa corrente dará lugar à teoria iatromecânica que entendia o funcionamento do corpo em termos estritamente físicos e matemáticos. A iatromecânica ganha mais uma ferramenta com o microscópio, desenvolvido pelo holandês Antoni van Leenwenhoek (1623-1723), que permite a observação das microestruturas dos corpos, interpretadas como micromáquinas no interior da macro-máquina que eram os corpos.
No século das Luzes, o médico é um dos principais personagens do processo de desenvolvimento das ciências da natureza, do qual deveriam surgir bens objetivos, concretos: "rodeado de uma nova auréola, aquele que possuía a ciência, aquele que corrigia a natureza sempre que ela errava, aquele que curava os males da vida". Entre as teorias médicas e a clínica, encontramos propostas discrepantes, pois ainda que exija a observação direta do paciente para fundar uma teoria médica, os sistemas descritos obedeciam a uma atitude dedutiva, hipotética, e não segundo um modelo empírico-indutivo atribuído a Hipócrates. Os opositores dos sistemas afirmavam a clínica e reivindicavam em verdade um outro sistema, o empirismo, representado, em sua vertente moderna, por Francis Bacon (1651-1626) e John Locke (1632-1704). O filão empírico tem nos primeiros anos dos setecentos a defesa do princípio clínico, fundamentalmente empírico, no holandês Hermann Boerhaave (1668-1738), que ensina botânica e medicina, cirurgia e química na Universidade de Leyde.
As chamadas ciências empíricas são relacionadas às ciências humanas na perspectiva arqueológica de Michel Foucault: aqui, a medicina do século XVIII é uma atividade ao mesmo tempo política, pontuando a ação do Estado, que não exercerá sozinho o controle das doenças e da saúde. Na França, o Estado atua por meio da distribuição gratuita de medicamentos, da criação de órgãos como a Sociedade Real de Medicina e da elaboração de códigos de saúde, enquanto as sociedades científicas e as academias, "tentam organizar um saber global e quantificável dos fenômenos de morbidade". A medicalização da sociedade comprova que em seu excesso de poder o médico é também político, ocupando um lugar expressivo nos espaços consagrados do saber setecentista, tornando-se, nas palavras de Foucault, "presença cada vez mais numerosa nas academias e nas sociedades científicas"; com "participação ampla nas Enciclopédias".
Entre essas sociedades, encontramos também instituições de caridade e movimentos sanitaristas, acompanhados da formulação de teorias de assistência social, demonstrativas da idéia de higiene pública, uma das invenções das Luzes. Essa preocupação se evidencia com a criação da Sociedade Real de Medicina em 1776, em oposição à Faculdade de Medicina de Paris pouco interessada na missão de combater doenças epidêmicas e endêmicas. Doenças que se desenvolviam sobre um fundo de sífilis e que compunham o quadro de patologias características da Europa das Luzes. Enquanto a peste que havia grassado desde o século XIV viria atenuar-se em meados do XVIII, a mortalidade causada pela varíola vinha substituí-la. Tifo, gripe, desinteria e paludismo eram outros males que iriam ser temidos.
Um pensamento informado pela lógica médica está presente nas teses sociais e na economia, na própria formação de pensadores como John Locke (antes de se ocupar com a alma, diz Hazard, Locke se dedica a conhecer os corpos) e de ilustres representantes da escola fisiocrata como Quesnay, autor de Essai physique sur l'économie animale, de 1736. Os fisiocratas defendiam o útil, como uma unidade entre o físico e o moral, formando a noção de uma física da sociedade. Assim, a utilidade da natureza, o pragmatismo da ciência, atrelando, em grande medida, a botânica à farmácia e à medicina, encontravam correspondência e repercutiam nas teses econômicas e sociais, veiculadas, por vezes, pelos mesmos agentes, demonstrando a extensa superfície de contato entre essas formas de pensamento.
Em Portugal, o estudo e a prática da medicina, como em tantas outras áreas, conhecem uma narrativa histórica peculiar produzida pelos principais interlocutores da reforma pombalina. Tanto o oratoriano Luís Antônio Verney em O verdadeiro método de estudar, obra que na verdade antecede as reformas, editada em 1746, sob o reinado de d. João V, quanto títulos como o Compêndio histórico do estado da Universidade de Coimbra..., além, claro, dos Estatutos da Universidade de Coimbra, tratam do tema da medicina sob o prisma dos ensinamentos formulados pelos jesuítas em contraste aos ensinamentos da ciência moderna e à vinculação a uma origem.
Um ponto de interseção interessante é o recorrente Vocabulário Português e Latino do padre Rafael Bluteau, consagrado como um moderno, membro do círculo dos Ericeiras, que escreve no início do século XVIII, na corte de d. João V. No verbete Medicina, Bluteau descreve uma história iniciada com os hebreus, com o anjo Rafael. A medicina é definida como "a arte e a ciência de excogitar e apontar remédios para conservar no corpo humano a saúde que tem e para lhe restituir a que perdeu". Sobre Hipócrates, diz Bluteau, "foi o primeiro que deu os preceitos da Medicina, a reduziu a forma e método e com as curas que fez adquiriu tão grande nome principalmente no contágio ... que os gregos lhe tributaram as mesmas honras e venerações que a Hércules". Além dessa breve história na qual se destaca Hipócrates, Bluteau estabelece os três tipos de medicina existentes: metódica, empírica e dogmática. É a essa última que o Vocabulário visivelmente reconhece, chamando-a, também, medicina racional. Seus mestres são Hipócrates e Galeno, e suas subdivisões, especulativa e prática, "porque une a razão com a experiência", são também os enunciados da filiação moderna de Bluteau, ainda que recorra a Galeno.
Os estatutos que vigiam até a Reforma da Universidade, em 1772, datam do início do século XVII e a Ratio Studiorum estabelecida pelos jesuítas determinava, essencialmente, para as cadeiras de medicina o estudo de Galeno, Avicena e Hipócrates. Para os autores do Compêndio Histórico do estado da Universidade de Coimbra, oratorianos reunidos na Junta do Providência Literária, até um passado recente a medicina havia mergulhado nas "trevas dos intérpretes e comentadores arábico-galênicos". O grande texto é o de Hipócrates, o corpo de diversos conhecimentos médicos enriquecidos por seus comentários, até a intervenção de Galeno que, segundo os autores, seguiu a doutrina e a prática de Hipócrates, mas errou ao explicá-la pela lógica do "peripato".
A reforma da Universidade de Coimbra trouxe, entre outras transformações, a criação da Faculdade de Medicina, oferecendo como disciplinas "história da medicina, matéria médica, prática farmacêutica, anatomia, medicina operatória e obstetrícia, fisiologia, patologia geral, prática clínica hospitalar diária, aforismos de Hipócrates e Boerhaave", entre outras. Valorizava-se, assim, o estudo da anatomia e dos estudos práticos, investindo-se, também na criação de um Dispensatório Farmacêutico e do Teatro Anatômico, que colocava um fim nas demonstrações de então, sobre carneiros e porcos esfolados.
Na colônia portuguesa na América, a administração da medicina foi, como sabemos, bastante flexível dada à escassez de indivíduos formados em medicina, um cenário descrito por Márcia Moisés Ribeiro, assinalando que "no Brasil, a raridade numérica dos médicos ou físicos obrigou os cirurgiões a desempenhar certas funções que teoricamente não lhes competia. De simples práticos, viram-se na condição de médicos, devendo discutir teorias e mostrar erudição. Distantes do reino, eles tiveram seu status elevado".
Quanto ao controle das enfermidades, pouco podiam fazer os físicos no além-mar. Como lembra o escritor e médico Moacyr Scliar, as instituições metropolitanas ficavam longe, como a Junta do Proto-Medicato, de 1782, preocupada antes em controlar boticas e curandeiros do que em deter doenças. Scliar assinala o caráter precoce das primeiras epidemias e destaca que a assistência hospitalar ficava a cargo das Santas Casas de Misericórdia, que proporcionavam basicamente a albergaria e a assistência religiosa.
Chegadas ao continente, como é conhecido, por meio dos conquistadores, as principais epidemias foram as de sarampo, varíola e tuberculose, além das doenças venéreas, que vieram da Europa mas também de portos africanos. Apesar de todo o efeito devastador, a complexificação da patologia brasileira, avalia Márcia M. Ribeiro engendrou o que podemos denominar de medicina colonial, "que nada mais é que o conjunto de conhecimentos, hábitos e práticas nascidos a partir do convívio assíduo entre as três culturas". Em 1563, uma primeira epidemia de varíola atingiu a capitania da Bahia. Era grande o terror que essa doença espalhava, chamando-se ao surto, "açoite do Senhor", nas palavras de um religioso. Segundo Anchieta, a varíola dizimava a população da capitania de São Vicente. Os índios, duramente atingidos pela doença e seus efeitos assustadores, passaram a temer enormemente a varíola também. Ainda no século XVI, as epidemias de sarampo acometeram a população da colônia ao mesmo tempo em que a varíola e, no século XVI, a febre-amarela é relatada como uma peste espantosa, causando inúmeras mortes entre a população escrava. Embora não representadas no presente conjunto que privilegia as práticas e o conhecimento médico, não se pode deixar de mencionar que apenas o tema das epidemias no período colonial, abrangendo o Império luso-brasileiro, relaciona noventa ocorrências de pesquisa, sobretudo com o descritor "peste" e também o da varíola.
O elo intrínseco entre a botânica e a farmacopéia se manifestou através das diretrizes metropolitanas para o desenvolvimento da cultura das plantas medicinais existentes na colônia. No uso cotidiano, mesmo popular, a flora e a fauna americanas desempenhavam um papel importante: havia um aprendizado e uma adaptação da cultura indígena à européia, tema desenvolvido por Sérgio Buarque de Holanda em capítulo intitulado "A botica da natureza", ao tratar das jornadas pelo sertão, nas quais "o paulista terá apurado as primeiras e vagas noções de uma arte de curar mais em consonância com o nosso ambiente e nossa natureza". O uso da fauna e flora na cura de doenças foi, antes de tudo, iniciativa dos jesuítas, que "souberam escolher, entre os remédios dos índios, o que parecesse melhor, mais conforme à ciência e à superstição do tempo".
Os limites entre o que seria ciência e crença, se desvanecem na afirmação de Sérgio Buarque, como se apagam para os homens brancos, as fronteiras desses mundos da natureza, quando "os adventícios guiavam-se muitas vezes pelos sentidos, que os fazia associar confusamente reminiscências do Velho Mundo às impressões do Novo", o que explicaria a atribuição às espécies nativas, de nomes e propriedades de outras, certamente européias. As provisões e permissões a boticários e a referência ao uso de ervas medicinais ecoam a tradicional tentativa de controle sobre a farmacopéia do reino e dos domínios e de obras que desde as viagens dos Descobrimentos se dedicaram ao inventários das drogas do Novo Mundo.
Os documentos selecionados para o tema das práticas médicas concentram-se, sobretudo, na coleção Fisicatura mor, que reúne processos com exames e cartas de confirmação de parteiras, cirurgiões, sangradores, médicos, entre 1808 e 1828. Com a vinda da Corte para o Rio de Janeiro foi estabelecida a jurisdição do físico-mor, e de seus delegados em 22 de janeiro de 1810, extinguindo-se, assim, a Real Junta do Proto-medicato. Pela leitura das ementas destaca-se o papel de fiscalização exercido pelos delegados sobre o exercício da medicina. Além das matérias em que eram inquiridos os médicos, chama a atenção os exames prestados para a ‘arte de sangria e cirurgia', a concessão dada por um ano do ofício de curandeiro ao "preto forro", Adão dos Santos Chagas ou a autorização do padre carmelita "descalço da cidade do Porto", fr. João dos Prazeres à "arte de boticário". Destacam-se também nomes como o do médico pernambucano José Correia Picanço que estudou em Portugal e se aperfeiçoou na França. Atuou como demonstrador da cadeira de anatomia da Universidade de Coimbra, realizando seguidamente as primeiras dissecações em cadáveres humanos em aulas de anatomia; em 1807 acompanhou a Corte ao Brasil e aqui lançou as bases para o ensino médico estimulando a criação das escolas de cirurgia na Bahia e no Rio de Janeiro. E é como cirurgião-mor do Reino que Picanço emerge em documentos que confirmam ou negam cartas de confirmação de sangria ou combate à prática da "arte da cirurgia" por pessoas não autorizadas.
Diversos ofícios estão embutidos no que entendemos como parte da prática da medicina, mas seus sentidos são diversos do que hoje atribuímos, cujo maior exemplo é a função de cirurgião, que divergia da de médico. Conforme ensina Lycurgo Santos Filho, os cirurgiões eram divididos em "diplomados", "aprovados" ou "barbeiros". Os primeiros freqüentaram hospitais, como o São José, em Lisboa, sendo poucos os que chegaram a vir para o Brasil. No período joanino, as escolas de cirurgia do Rio de Janeiro e da Bahia deram lugar ao "cirurgião-formado" que desaparece com a posterior unificação do ensino médico-cirúrgico. Aqueles classificados como "aprovados" eram orientados por um mestre-cirurgião em hospitais militares e Misericórdias; segundo Lycurgo Santos, nos séculos XVII a XIX, brasileiros, brancos, mulatos e negros substituíram a maioria de cristãos-novos nessa categoria. Os negros recebiam a denominação de "barbeiros" simplesmente, tendo como procedimentos sangrar, sarjar (ou escarifar, gerando incisões na pele), aplicar bichas ou ventosas, arrancar dentes, semicúpios, cortar cabelos e barbas etc.
A ocupação de forros, escravos, africanos ou mulheres com algumas artes de curar e, de modo geral, com as terapias populares, praticadas em contraste ou complementação com a medicina instituída nesse período, despertou grande interesse da historiografia. O caráter de regulamentação de cargos e órgãos como a Junta do Protomedicato e do físico-mor teria tido efeitos singulares, pois ao mesmo tempo em que hierarquizou as categorias médicas, dispondo em um primeiro grupo o médico, o cirurgião e o boticário e em outro, os sangradores, curandeiros, parteiras, curadores de moléstias específicas e outros, acabou por legitimar, pelo controle e oficialização, o cumprimento dessas atividades. A par da dificuldade encontrada pela instituição da Fisicatura, em fazer valer a lei, a dispersão das populações e a própria escassez de médicos fez com que esses ofícios se perpetuassem por muito tempo, enquanto que, ao se aproximar a segunda metade do século, os representantes do saber médico procurassem cada vez mais desqualificar as demais formas de terapia.
O período demarcado pela administração joanina se justifica pela atuação institucional do físico-mor, do cirurgião-mor, pela presença mesma da Corte na América, que ainda que como projeto, indica a germinação de escolas de medicina, controle de práticas, edição de publicações e outros emblemas da medicina defendida em academias e faculdades tocadas pelas idéias ilustradas. Por outro lado, essa periodização não pode nos convidar a estabelecer demarcações para o saber médico, para as práticas, a cultura e absorção de um corpus científico dependente ainda de um conjunto de transformações e resistências em tantos outros campos. A delimitação do próprio tema da medicina é complexa no que se refere mesmo às fontes do Arquivo Nacional: a consulta ao Roteiro de fontes sugere o aprofundamento de pesquisas em fundos, nomes e instituições tais como Academia Médico-Cirúrgica, temas como epidemias, Universidade de Coimbra, cadeira de anatomia e fundos como Casa Real ou Junta da Fazenda entre outros, válidos ainda para uma investigação que antecede a chegada da Corte.