quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Quarteirão Paulista, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil (Quarteirão Paulista) - Cândido Oliveira





Quarteirão Paulista, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil (Quarteirão Paulista) - Cândido Oliveira
Ribeirão Preto - SP
Coleção privada
OST - 60x100 - 2017

O Theatro Pedro II, o Palace Hotel e o edifício Meira Júnior, na cidade de Ribeirão Preto, formam um conjunto arquitetônico, o denominado Quarteirão Paulista, representante de uma arquitetura que associa a diversidade estilística com inovações tecnológicas. Sua importância ultrapassa o valor arquitetônico passando a qualificar e personalizar o espaço em que se inserem, isto é, a área central da cidade e a sua mais importante praça, a XV de Novembro. O projeto do Quarteirão Paulista surgiu da vontade da Companhia Cervejaria Paulista de construir, em 1928, na área mais nobre da cidade, no entorno da Praça XV de Novembro, dois edifícios, um teatro de ópera e um edifício que comportaria uma confeitaria e escritórios. Comandando esse empreendimento estava o seu presidente, Dr. João Alves Meira Júnior, que acompanhou todas as fases do desenvolvimento do projeto até a sua execução. A construção dos edifícios seria um “agradecimento” da Companhia à cidade. A Companhia Cervejaria Paulista, para corresponder ao favor publico a que devia o seu crescente desenvolvimento, deliberou cooperar no embelezamento da cidade, fazendo construir no centro do chamado "Quarteirão Paulista", à Praça 15 de Novembro, um teatro e ao lado deste, em pendant com o do Central Hotel, outro prédio de lojas e escritórios. O teatro, principal edifício do Quarteirão Paulista, no projeto apresentado ao júri e ganhador da concorrência, obra do arquiteto paulistano Hyppolito Gustavo Pujol Júnior, é descrito pelo Dr. Meira Jr. da seguinte forma: O teatro conteria um vestíbulo “monumental”, no primeiro pavimento o foyer de passeio e mais dois amplos salões de circulação e repouso, mais duas outras salas; no segundo pavimento os mesmos números de salas, salões e foyer. O “monumental” vestíbulo de entrada, o foyer e os salões do primeiro andar deveriam ser tratados, como as peças principais, com decoração rica em que se aplicariam, como elementos predominantes, o estuque fino de gesso, escadarias de mármore e balaustradas de ferro forjado. [...] As salas de espetáculos teriam a capacidade para acomodar confortavelmente duas mil, oitocentas e quinze (2.815) pessoas, sendo 1.454 no pavimento térreo; 346 no primeiro andar; 401 no segundo e 614 no ultimo. Colossal!
O presidente da Companhia também comenta o programa e alguns detalhes do Edifício Meira Júnior. O pavimento térreo do edifício comercial seria destinado a instalações de lojas e principalmente de uma confeitaria de luxo, sendo os andares superiores ocupados com magníficos escritórios. A confeitaria teria as portas á moda europeia, em grandes vãos envidraçados, de entrada vedada; na área central graciosa pergola, com plantas verdes, daria a ilusão de verdadeiro jardim e no primeiro pavimento um espaçoso salão de chá, finamente decorado. O Quarteirão Paulista seria composto pelos dois novos edifícios (Theatro Pedro II e Edifício Meira Júnior) e pelo Central Hotel, construção já existente que após a reforma seria chamado de Palace Hotel, localizado na esquina das ruas Duque de Caxias e Álvares Cabral. Para que os três edifícios formassem um conjunto com a mesma linguagem arquitetônica o arquiteto propôs algumas modificações no Hotel Central. Foram aplicados diversos elementos decorativos na fachada, como frontões e florões, acompanhando as ornamentações dos demais edifícios que compõem o Quarteirão Paulista. As varandas de esquina são fechadas, a entrada recebe um toldo de vidro similar ao do Theatro Pedro II e uma cúpula igual ao do edifício Meira Junior é construída. Para se criar uma unidade, o arquiteto propôs: “De fora a fora, desde o canto da rua General Osório até o canto da rua Duque de Caxias, havia uma colunata – que cobria largo ‘trotoir’, na frente dos edifícios...” Logo após a aprovação da planta pela Prefeitura, em março de 1928 começa a demolição dos edifícios localizados onde se construiria o teatro e o edifício comercial. Durante a construção foram feitas modificações do projeto original, o que causou processos judiciais de ambas as partes e atraso nas obras. O Theatro Pedro II foi inaugurado em 8 de Outubro de 1930 com a exibição do filme “Alvorada do Amor”. A Companhia Paulista investiu na construção do Theatro mais do que o previsto, o que ocasionou a necessidade de em 1938 alugar o edifício para empresários de São Paulo. O arrendamento durou até 1943 quando o edifício passou a funcionar como “Cine-Teatro”, administrado por Osvaldo de Abreu Sampaio, o que se estende por 18 anos. Após o término do contrato com a Rede de Cinemas, em 1961, o Theatro passa por uma reforma interna, para se adaptar ao novo uso, como cinema apenas, na qual Lucílio Ceravollo isola as galerias e os balcões com lambris, destruindo vários elementos decorativos da platéia. A capacidade é diminuída para 800 lugares. Devido a união das cervejarias Paulista e Antarctica, o Theatro passa a fazer parte dos bens da Companhia Antarctica Niger S.A. e na década de 70 passa a ser arrendado pela Cia. de Cinema Hilton Figueira. Com a degradação do local nos anos seguintes, o Theatro passa a ser visado por empreendedores que desejavam a demolição para a construção de novos edifícios. Para evitar qualquer ação contra o Theatro, o vereador Flávio Condeixa Favaretto, em 1973, apresenta à Câmara de Vereadores uma lei de “proteção especial ao Theatro Pedro II”, de número 2.764,  que, entre outras coisas, declara o valor histórico e artístico do edifício para o Município; proíbe a ampliação, demolição, mutilação e destruição do imóvel, e afirma que só com autorização do Conselho de Defesa do Patrimônio Municipal, o Theatro poderá ser pintado, reparado e restaurado, obedecendo a higiene, segurança e conservação da "originalidade do seu estilo arquitetônico". Para conservar a “monumentalidade” do edifício, a lei define que as construções "confrontantes" não poderão ter altura superior à do Theatro Pedro II. O Theatro Pedro II, como principal edifício do Quarteirão Paulista, se tornou não só o centro político e cultural da cidade, mas também um marco arquitetônico de Ribeirão Preto. A localização do teatro, fronteiriço a principal praça da cidade, reforça a intenção de se valorizar e embelezar a paisagem urbana, o que ocorria com as principais cidades brasileiras entre os séculos XIX/XX.
O Theatro surgia como edificação monumental importante que representava o progresso da cidade, tão desejado pela sociedade e Companhia Paulista. De 1930, data da inauguração do Theatro, a 1944, data da demolição do Theatro Carlos Gomes, esses dois edifícios coexistiram um fronteiriço ao outro, criando um cenário incomum onde cada teatro se apresentava de uma forma na estrutura urbana. Enquanto o Theatro Carlos Gomes se encontrava implantado isoladamente no lado esquerdo da Praça XV, cercado por passeios e vegetação, o Theatro Pedro II se localizava do lado oposto, com a fachada voltada para a praça e para o Theatro Carlos Gomes, ladeado por outros dois edifícios que reforçavam a sua monumentalidade. Os dois teatros apresentavam grandes diferenças, não só estilísticas como também das técnicas utilizadas na construção. O Theatro Carlos Gomes, de estilo neoclássico, foi construído em alvenaria de tijolos, enquanto no Theatro Pedro II, representante de uma arquitetura eclética, utilizou-se de novidades técnicas na sua construção, através do uso do cimento armado. Desta forma, a cidade possuía um teatro que se implantava como monumento na própria praça, podendo ser observado de todos os ângulos, e um teatro que, ao centro de dois edifícios que seguiam sua linha estilística, formava um grande pano de fundo para a praça. Foi no renascimento italiano que ocorreram as grandes modificações relativas a apresentação teatral, foi quando os teatros de arena que ocupavam as praças são substituídos por espaços fechados, com construções projetadas especialmente para a interpretação. A mais significativa modificação na arquitetura teatral ocorreu no período barroco, na Itália, com “la creación de la ópera, en la introucción de los bastidores y en la disposición del auditorio para acomodar los intermezzi”. O primeiro teatro construído para a apresentação operística é o de San Cassiano, de Veneza, em 1637. O Brasil já contava com inúmeros teatros em 1930, quando foi inaugurado o Theatro Pedro II em Ribeirão Preto. As principais cidades possuíam pelo menos uma casa do gênero, e quase que a totalidade seguia a tipologia italiana. Diferentemente do Theatro Pedro II, a maioria dos teatros de grande porte do país tiveram o patrocínio do poder público e foram construídos nas capitais das províncias ou Estados. As dimensões do Theatro Pedro II já expressavam toda sua importância, era o terceiro maior teatro de ópera do país, e seu projeto sofre influência dos grandes teatros do país no momento: Amazonas (Manaus-1896, capacidade: 661 espectadores), Municipal do Rio de Janeiro (1909, capacidade: 2.365 espectadores) e Municipal de São Paulo (1911, capacidade: 1.580 espectadores).
A arquitetura do Theatro Pedro II apresenta características da tradição clássica: ordens da arquitetura clássica, composição monumental da fachada e sistemas de ornamentação, sendo as principais - molduras e entablamentos, e as secundárias - brasões e guirlandas. Para reforçar a ideia de simetria, vários elementos são adicionados ao Palace Hotel para que esse funcionasse como em “pendant” com o edifício Meira Junior. A cúpula, o toldo de vidro, os frontões e florões aplicados na fachada buscam harmonizar o edifício já existente com os construídos pelo arquiteto. O arquiteto Hyppolito Pujol Junior usa a proporção não só na composição do Theatro, mas utiliza na relação entre os edifícios do Quarteirão Paulista. Para destacar o Theatro dos outros dois edifícios, o arquiteto utiliza-se de dimensões avantajadas do frontispício. Não só os elementos deveriam conter proporções harmônicas, o edifício como um todo deveria seguir essa proporção. “Architectura parlante” era um conceito acadêmico, característica essencial da produção eclética, que significava que o edifício deveria exprimir através do estilo e da tipologia a função a que se destinava. No Theatro Pedro II podemos identificar através das diferenças de altura de cada corpo edificado a seqüência vestíbulo, platéia e palco. No bloco anterior, a delimitação das áreas de vestíbulo, e na seqüência com o alteamento e curvatura da cobertura o grande corpo que abriga a platéia e os camarotes. A partir da linha definida pela boca-de-cena aparece o mais avantajado e verticalizado corpo do conjunto onde estão instalados o palco e os camarins. No dia 15 de Julho de 1980, um incêndio destrói poltronas, cortinas, cobertura, forros, além das galerias e boca de cena. A causa do incêndio é atribuída, conforme laudo técnico, a um fenômeno termoelétrico ocorrido nos fios que alimentavam o motor do exaustor, situado à esquerda do palco. Devido à má qualidade da instalação, uma sobrecarga elétrica provocou um superaquecimento da fiação que passava junto ao madeirame, que sustentava as placas de compensado. Este madeirame, bastante seco, deu início à combustão, formando as chamas que se propagaram de baixo para cima, atingindo o forro e as demais dependências.
Somente em maio de 1982 o Theatro Pedro II é tombado pelo Condephaat. A importância do edifício é escrita na ficha de identificação do bem tombado: O edifício do Theatro Pedro II tornou-se culturalmente, nas décadas seguintes à sua construção, polo centralizador da região mogiana, ultrapassando assim, os limites municipais e, deste modo foi tombado como monumento histórico-cultural. Em dezembro de 1993 são tombados os demais edifícios do Quarteirão Paulista e a Praça XV de Novembro, como bens culturais de interesse histórico-arquitetônico e paisagístico, o conjunto de imóveis situado à rua Álvares Cabral n. 332 a 354 e 390 a 396 – que compõem o chamado “Quarteirão Paulista”, bem como a Praça XV de Novembro, no município de Ribeirão Preto. O tombamento dos imóveis referidos, bem como da praça, vem complementar o do Theatro Pedro II já tombado, dando ao conjunto a unidade arquitetônica e harmonia paisagística que lhe são peculiares para a caracterização deste tradicional núcleo histórico urbano. Em 1991 inicia-se o processo de restauro do Theatro Pedro II, que duraria até 1996 e contaria com o trabalho de mais de mil profissionais (operários, arquitetos, engenheiros e restauradores). Destacamos entre as intervenções ocorridas no Theatro a construção de paredes separando a platéia e os camarotes dos corredores de circulação laterais e a cúpula de autoria da artista plástica Tomie Ohtake. Com a justificativa de melhorar a acústica do Theatro, essas paredes foram acrescentadas no projeto de restauro, tendo-se o cuidado de manter aparentes os ornatos das divisórias dos camarins. Segundo Efrain Ribeiro dos Reis, engenheiro civil que acompanhou as obras de restauro, foram seguidas as recomendações da Carta de Veneza, optando-se pela criação nos casos de intervenção. Sem dúvida, a maior intervenção no Theatro foi a construção da cúpula projetada pela artista plástica Tomie Ohtake. “Entre uma restauração duvidosa e uma intervenção absolutamente criadora, decidiu-se pela segunda alternativa.”
Originalmente a cúpula era composta por “um forro branco, com uma pintura sem realce”, tendo um lustre ao centro. Um levantamento para se reconstruir a cúpula original foi executado, mas posteriormente optou-se por uma intervenção contemporânea em relação a esse elemento arquitetônico. A justificativa, segundo os livros publicados a respeito do restauro, seria de que não haviam informações suficientes para se refazer a cúpula como era originalmente. Devemos contestar essa informação já que existia uma foto da cúpula original, além de toda a sua estrutura de ferro que se manteve após o incêndio, o que seria o suficiente para reconstruí-la. A aprovação da cúpula pelo Condephaat ocorreu só após vários pedidos de detalhamento e visitas à obra. Em 1994, durante vistoria dos trabalhos de restauração do Theatro Pedro II, a arquiteta Silvia Ferreira Santos Wolff declara: "As obras de restauração de cujo processo de aprovação não participei vão caminhando muito bem. Do ponto de vista da execução, a qualidade dos trabalhos, que já se encontram em fase adiantada de recuperação de pinturas murais, compra de equipamentos e preparo para recuperação das fachadas, é muito boa e cuidadosa. Do ponto de vista de aprovações considero oportuno solicitar o envio do projeto do forro que não foi enviado anteriormente.” O projeto da cúpula foi aprovado pelo Condephaat após envio de fotos da maquete e visita as obras pelo técnico responsável, o qual no seu relatório detalha o projeto que esta sendo executado e afirma que este pode ser aprovado integralmente pelo conselho do Condephaat. Duas calotas de gesso estrutural seriam colocadas uma sobre a outra. A de cima serviria de fundo branco para a outra, na cor verde-musgo, que possui recortes por onde a luz extravasa. Essas formas  os recortes são inspiradas no movimento das águas. Um lustre de cristal de 2,70 metros de altura por 2,20 metros de largura reproduzindo uma gota d’água bem ao centro da cúpula completa a obra da artista plástica. A cor do forro da cúpula é uma derivação cromática das paredes de fundo das galerias e balcões. Essas não existiam anteriormente e foram construídas para melhorar a acústica do edifício. Hoje, graças a políticas públicas que na última década requalificaram o centro de Ribeirão Preto, o Quarteirão Paulista continua ocupando o mesmo papel na dinâmica urbana do velho tecido na capital da Mogiana; e tal “conjunto harmônico” oferece, com seus “estilos”, com suas tecnologias e sua impostação monumental, a oportunidade para compreendermos os valores de uma modernidade que se afirmou pela serena tradição avançada da arquitetura clássica. Texto de Renata Alves Sunega.

                                   

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