segunda-feira, 30 de março de 2020

Escultura "Laocoonte e Seus Filhos", São Paulo, Brasil


Escultura "Laocoonte e Seus Filhos", São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia

O grupo escultórico “Laocoonte e seus filhos”, realizado pelo Liceu de Artes e Ofícios e colocado originariamente na Avenida Nove de Julho, foi transferido para o Ibirapuera no ano da sua inauguração, 1954. Ele fica nas proximidades do Portão A9, situado no começo da Av. República do Líbano. Trata-se de uma cópia em bronze de um grupo escultórico romano, em mármore, pertencente aos Museus Vaticanos, cuja datação é incerta, entre os séculos II a.C. e I d.C.
As fontes do mito de Laocoonte são várias e contraditórias. Ele foi tema de uma tragédia, infelizmente perdida, de Sófocles e está citado na Biblioteca de Apolodoro. Mas o relato mais famoso a ele dedicado é o do autor latino Virgílio, no Livro II da Eneida, poema épico escrito no século I a.C.
Na versão de Virgílio, em uma das passagens mais dramáticas da legendária Guerra de Tróia, Laocoonte, um sacerdote troiano de Netuno (equivalente latino de Posseidon, o deus dos mares dos gregos), tenta alertar os seus concidadãos sobre o perigo do Cavalo de Tróia, um gigantesco cavalo de madeira que os soldados gregos estavam oferecendo aos troianos no momento em que a guerra parecia ter acabado a favor destes últimos. De fato, o cavalo era oco e estava cheio de guerreiros gregos. Pensando que se tratasse de um objeto sacro, os troianos não acreditam no sacerdote, que, então, arremessa uma lança contra o cavalo. O som produzido revela que é oco. Porém, nesse mesmo instante, Minerva (Atena para os gregos, deusa guerreira, da razão e aliada dos gregos), envia duas serpentes enormes, que matam Laocoonte e seus dois filhos. Os troianos interpretam esse acontecimento como a punição de Laocoonte por ter desrespeitado um objeto sagrado e deixam o cavalo entrar na cidade. Infelizmente para eles, Laocoonte tinha razão. Os guerreiros gregos saem do cavalo e colocam Tróia sob ferro e fogo. A astúcia se revela. A origem da expressão “presente de grego”, ou seja, um presente traiçoeiro, que se revela prejudicial para quem o recebe, encontra-se exatamente nesse episódio da mitologia grega.
A escultura dos Museus Vaticanos foi descoberta em Roma em 1506 e teve um grande impacto nos artistas da época. Segundo o escritor latino Plínio o Velho (23-79 d.C.), ela é, por sua vez, uma cópia de uma obra original grega em bronze. Como quer que seja, em pleno Renascimento, impressionou pela sua potência plástica, pelo sentido de movimento e pela sua dramaticidade. Entre 1520 e 1524, um escultor de Florença, Baccio Bandinelli, realizou uma cópia em mármore do exemplar romano e a escultura se tornou, assim, um modelo não só para os artistas da época como também para as gerações futuras de escultores e pintores.
Até tempos bem recentes – e ainda hoje – as cópias em gesso de esculturas greco-romanas e renascentistas eram usadas nas escolas como modelos imprescindíveis para a formação de artistas e para a educação ao “bom gosto”. Isso também ocorria em instituições profissionalizantes como o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, fundado em 1873, cujo acervo de cópias e pinturas foi lamentavelmente comprometido por um incêndio ocorrido no ano passado, incluindo uma versão em gesso do próprio Laocoonte. A cópia do Ibirapuera está, assim, vinculada à ideia de “modelo” com o qual confrontar-se, do qual extrair ensinamentos para a própria criação, típica de um momento histórico que antecede o Modernismo. Mas a força inspiradora do Laocoonte desafia os tempos e mesmo um artista pop como Roy Lichtenstein, ainda que com o seu estilo gráfico e o uso das cores fundamentais e dos reticulados típicos das histórias em quadrinhos, transfere para uma tela de grandes dimensões os contornos da escultura antiga.
O Laocoonte e seus filhos do Ibirapuera nos remete, portanto, seja à assombrosa lenda da mitologia grega, seja a um conceito de arte propagada no mundo ocidental a partir do Renascimento italiano, que sobreviveu muito forte até os primórdios do século XX. É, sem dúvida, uma oportunidade para se refletir sobre a literatura e a arte, sobre a história de como elas não conhecem fronteiras geográficas e temporais. E, acima de tudo, sobre a capacidade de sobrevivência de uma ideia, nascida mais de 2.000 anos atrás!


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