Escultura "Laocoonte e Seus Filhos", São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia
O grupo escultórico “Laocoonte e seus filhos”, realizado
pelo Liceu de Artes e Ofícios e colocado originariamente na Avenida Nove de
Julho, foi transferido para o Ibirapuera no ano da sua inauguração, 1954. Ele
fica nas proximidades do Portão A9, situado no começo da Av. República do
Líbano. Trata-se de uma cópia em bronze de um grupo escultórico romano, em
mármore, pertencente aos Museus Vaticanos, cuja datação é incerta, entre os
séculos II a.C. e I d.C.
As fontes do mito de Laocoonte são várias e contraditórias. Ele
foi tema de uma tragédia, infelizmente perdida, de Sófocles e está citado
na Biblioteca de Apolodoro. Mas o relato mais famoso a ele dedicado é
o do autor latino Virgílio, no Livro II da Eneida, poema épico escrito no
século I a.C.
Na versão de Virgílio, em uma das passagens mais dramáticas da
legendária Guerra de Tróia, Laocoonte, um sacerdote troiano de Netuno
(equivalente latino de Posseidon, o deus dos mares dos gregos), tenta alertar
os seus concidadãos sobre o perigo do Cavalo de Tróia, um gigantesco cavalo de
madeira que os soldados gregos estavam oferecendo aos troianos no momento em
que a guerra parecia ter acabado a favor destes últimos. De fato, o cavalo era
oco e estava cheio de guerreiros gregos. Pensando que se tratasse de um objeto
sacro, os troianos não acreditam no sacerdote, que, então, arremessa uma lança
contra o cavalo. O som produzido revela que é oco. Porém, nesse mesmo instante,
Minerva (Atena para os gregos, deusa guerreira, da razão e aliada dos gregos),
envia duas serpentes enormes, que matam Laocoonte e seus dois filhos. Os
troianos interpretam esse acontecimento como a punição de Laocoonte por ter
desrespeitado um objeto sagrado e deixam o cavalo entrar na cidade.
Infelizmente para eles, Laocoonte tinha razão. Os guerreiros gregos saem do
cavalo e colocam Tróia sob ferro e fogo. A astúcia se revela. A origem da
expressão “presente de grego”, ou seja, um presente traiçoeiro, que se revela
prejudicial para quem o recebe, encontra-se exatamente nesse episódio da
mitologia grega.
A escultura dos Museus Vaticanos foi descoberta em Roma em 1506
e teve um grande impacto nos artistas da época. Segundo o escritor latino
Plínio o Velho (23-79 d.C.), ela é, por sua vez, uma cópia de uma obra original
grega em bronze. Como quer que seja, em pleno Renascimento, impressionou pela
sua potência plástica, pelo sentido de movimento e pela sua dramaticidade.
Entre 1520 e 1524, um escultor de Florença, Baccio Bandinelli, realizou uma
cópia em mármore do exemplar romano e a escultura se tornou, assim, um modelo
não só para os artistas da época como também para as gerações futuras de
escultores e pintores.
Até tempos bem recentes – e ainda hoje – as cópias em gesso de
esculturas greco-romanas e renascentistas eram usadas nas escolas como modelos
imprescindíveis para a formação de artistas e para a educação ao “bom gosto”.
Isso também ocorria em instituições profissionalizantes como o Liceu de Artes e
Ofícios de São Paulo, fundado em 1873, cujo acervo de cópias e pinturas foi
lamentavelmente comprometido por um incêndio ocorrido no ano passado, incluindo
uma versão em gesso do próprio Laocoonte. A cópia do Ibirapuera está, assim,
vinculada à ideia de “modelo” com o qual confrontar-se, do qual extrair
ensinamentos para a própria criação, típica de um momento histórico que
antecede o Modernismo. Mas a força inspiradora do Laocoonte desafia
os tempos e mesmo um artista pop como Roy Lichtenstein, ainda que com o seu
estilo gráfico e o uso das cores fundamentais e dos reticulados típicos das
histórias em quadrinhos, transfere para uma tela de grandes dimensões os
contornos da escultura antiga.
O Laocoonte e seus filhos do Ibirapuera nos remete,
portanto, seja à assombrosa lenda da mitologia grega, seja a um conceito de
arte propagada no mundo ocidental a partir do Renascimento italiano, que
sobreviveu muito forte até os primórdios do século XX. É, sem dúvida, uma
oportunidade para se refletir sobre a literatura e a arte, sobre a história de
como elas não conhecem fronteiras geográficas e temporais. E, acima de tudo,
sobre a capacidade de sobrevivência de uma ideia, nascida mais de 2.000 anos
atrás!
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