"Nem Uma Gota"
"Não Sou Eu Que Sou Amado Pela Mamãe"
"Vamos Expulsar os Bêbados do Ambiente de Trabalho"
Os Cartazes da Luta (Fracassada) da URSS Contra o Alcoolismo - Artigo
Artigo
Hoje, em média, o russo bebe menos que o alemão ou o francês. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o consumo de álcool na Rússia caiu 43% desde 2003, graças a uma série de medidas do governo, como a proibição de venda de bebidas após as 23h, aumento do preço mínimo para o consumidor e campanhas em prol de um estilo de vida mais saudável.
Parece surpreendente. E é mesmo. A fama de nação bêbada tem respaldo histórico.
Alcoolismo é um drama de saúde pública há séculos na Rússia. Efeito colateral do protagonismo que a vodca tem na economia do país desde antes de o império se consolidar. Em 1478, o governo tirou o domínio da Igreja sobre a produção e iniciou o processo de monopolização da bebida, o que se consolidou sob o reinado de Ivan, o Terrível (1530-84).
A vodca foi o primeiro produto industrial de massa russo. Mais que isso, ela deu o impulso necessário para Ivan, que adotou o título de czar, colocar em prática o projeto de uma nação russa, centrada em Moscou.
O monopólio deu certo, porque beber fazia parte da vida das pessoas. Os vários tipos de vinho de cereal, como a vodca era chamada, estavam no cotidiano. Russos bebiam em negociações. Bebiam na colheita. Na falta de dinheiro, pagavam em bebida. Subornavam em bebida. A mulher entrou em trabalho de parto? Vodca. Bebê não para de chorar? Vodca goela abaixo que é para acalmar.
Nada muito diferente do que outros povos faziam na mesma época, mas os russos se destacavam no quesito. A popularização do destilado no cotidiano criou uma permanente classe de bêbados e contribuiu inclusive com o aumento de incêndios no país.
Não que a Rússia seja há 500 anos um país exclusivo de pinguços, é evidente. As posições sóbrias da Igreja Ortodoxa Russa ecoavam nos discursos da temperança, movimento antiálcool que cresceu bastante no fim do século 19, com o apoio de algumas da mentes mais brilhantes do país.
"A vodca é uma bebida incolor que pinta seu nariz de vermelho e enegrece sua reputação", declarou Anton Tchekhov. Fiódor Dostoievski, filho de um alcoólatra, escreveu que "o consumo de bebidas alcoólicas brutaliza o homem e o transforma em um selvagem". Já o outrora bêbado contumaz Leon Tolstoi escreveu sobre os malefícios do álcool e criou, em 1887, a Liga Contra a Embriaguez.
Em 1914, com o país em crise e o czar Nicolau 2º desacreditado, o governo decretou a Lei Seca, a primeira do gênero na história. Com soldados sóbrios, o país teria melhores condições para entrar na Primeira Guerra Mundial. Além disso, com o conflito, o povo voltou a se unir e apoiar o czar.
Não por muito tempo. Com a Lei Seca, secou também o dinheiro que abastecia os cofres estatais com o monopólio de álcool. Faltaram investimentos nas forças mobilizadas para a guerra e na infraestrutura do país. O povo se revoltou, a Rússia apanhou em combate, a revolução estourou. A vodca acelerou a queda do czarismo.
Os líderes da Revolução Russa condenavam o álcool e mantiveram a proibição. Mas, em 1924, a União Soviética, país criado dois anos antes, retomou a produção, dando início a uma nova era de monopólio. Em 1943, após a vitória sobre os nazistas na Batalha de Stalingrado, o Exército Vermelho passou a dar uma ração diária de vodca aos soldados.
No começo, quem não bebia optava por chocolate, mas em 1945 o hábito já era tão comum entre as tropas que recusar a dose podia ser visto como insubordinação. Como toda a população masculina ativa da URSS estava no Exército, a bebedeira rapidamente voltou à rotina e se tornou uma constante nos anos socialistas.
Uma das primeiras medidas da Perestroika, o movimento de reformas liderado por Mikhail Gorbachev a partir de 1985, foi lançar uma forte campanha antiálcool. O problema, segundo os críticos, é que a medida mirou a produção de vodca, e não a saúde pública. Fazendas foram dissolvidas e destilarias, quebradas.
Sobrou para a economia nacional, pois a vodca ainda era monopólio estatal, responsável por cerca de 25% do orçamento do governo. A produção de samogon (destilado clandestino e muitas vezes tóxico) voltou a crescer, detonando a saúde da população, que recorria até a fluido de geladeira para se entorpecer.
Com o colapso soviético, a Rússia ressurgiu como um país em 1991, comandada por Boris Yeltsin. O novo presidente seria uma das grandes figuras políticas globais da década, porém, com o passar dos anos, isso se devia mais a uma imagem folclórica do que de liderança. Yeltsin aparecia em eventos visivelmente bêbado e teria problemas graves com alcoolismo.
Nos anos soviéticos, houve diversas campanhas de conscientização e combate ao consumo excessivo de álcool no país. Muitas vinham munidas de cartazes produzidos pela cultuada escola do design gráfico russo.
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