sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Forte São João, Bertioga, São Paulo, Brasil




































Forte São João, Bertioga, São Paulo, Brasil
Bertioga - SP
Fotografia


Martim Afonso de Souza e Diego de Braga - 1531:
O nobre português Martim Afonso de Sousa foi designado pelo Rei de Portugal Dom João III para realizar uma expedição no Brasil, com o objetivo de expulsar os franceses e estabelecer marcos de posse pelo litoral brasileiro. Veio com mais de 400 pessoas. Estava autorizado a escolher para si mesmo cem léguas de costa da melhor terra e outras oitenta para seu irmão mais novo Pero Lopes de Sousa. Chegou ao Brasil em dezembro de 1530 e imediatamente percorreu o litoral brasileiro. Esteve pela primeira vez em Bertioga no ano de 1531, de passagem, para depois retornar em direção à Vila de São Vicente, que seria fundada em janeiro de 1532.
Durante sua passagem por Bertioga, Martim Afonso de Sousa realizou a “Conferência de Bertioga”, objetivando a expulsão do Bacharel de Cananéia, Mestre Cosme Fernandes, do povoado de São Vicente, para que houvesse a fundação da Vila de São Vicente.
Ainda em 1531, na sua passagem por Bertioga, Martin Afonso de Sousa teria ordenado que se edificasse uma instalação de defesa, muito precária, para dar proteção contra os indígenas, ameaça presente à segurança dos colonizadores, cujos conflitos prosseguiriam durante vários anos.
O povo Tupi dividia-se em dois grandes grupos: “Tupinambás”, que ocupavam o litoral do Rio de Janeiro até Bertioga, e “Tupiniquins”, ocupando o litoral a partir de Bertioga até Cananéia. Os Tupinambás tinham parceria com os franceses, e os Tupiniquins com os portugueses. Era um cenário de constantes conflitos, que exigiam a defesa da Barra de Bertioga, impedindo ataques sorrateiros contra a Vila de São Vicente.
Martim Afonso de Sousa, com auxílio de João Ramalho, instalou ali somente uma estacada ou pequena casa, para refúgio e abrigo provisório de pessoas que deixaria naquele ponto, casa esta que ele mesmo fez abandonar no ano seguinte, não se podendo contar, dali, a existência real da fortaleza, segundo defende Fernando Martins Lichti.
Não há registros históricos concretos sobre isso, mas Diego de Braga e seus filhos teriam se instalado ali, numa casa de pau-a-pique, tomando para si a missão de proteger a Barra de Bertioga. Diego de Braga era um português, casado com uma nativa. Eles tiveram cinco filhos, chamados de “mamelucos”, pela miscigenação de branco e indígena. Eram João de Braga, Diogo de Braga, Domingo de Braga, Francisco de Braga e André de Braga, todos jovens adultos nessa época.
A fortificação de paliçada - 1547:
Em 1547, os cinco filhos de Diego de Braga, além de outros portugueses e nativos amigos, os Tupiniquins, sob a orientação de João Ramalho, edificam uma casa forte para defender o território dos inimigos, os Tupinambás.
Possivelmente a família de Diego de Braga tinha interesse em proteger as terras para fins de cultivo e exploração.
Construíram uma paliçada, obra de engenharia militar, formada por uma arena cercada de estacas de madeira fincadas no chão, entrelaçadas entre si, para impedir o ataque inimigo. O livro “Duas Viagens ao Brasil”, de Hans Staden, publicado em 1557, retrata como era uma paliçada, possivelmente semelhante à construída pelos irmãos Braga.
A mata foi cortada e queimada. Os Tupinambás viram esse evento como uma invasão ao seu território e um desrespeito com a natureza. A floresta era o templo sagrado da tradição. Ela fornecia tudo que o nativo precisava. Era na floresta que estavam abrigados os espíritos e era ela que fornecia o alimento e a casa. Quando os Tupinambás viram teriam gritado “caiçara”. Significava “assassinos da selva” ou “incendiários da mata”, como escreveu Francisco Martins dos Santos. Mas, nos estudos de Teodoro Sampaio, o maior especialista em Tupi nacional, “caiçara” significava “estacada”, “tapume”, “cercado” ou “trincheira”.
Não existem documentos que indiquem com precisão qual foi o material empregado para a construção dessa estrutura. Pelo relato de Hans Staden era um cercado de madeira com uma casa forte ao centro. Segundo Adler Fonseca Homero de Castro essa casa forte não era de alvenaria (cal e pedras), mas de barro.
Esse assunto apresenta divergência entre os autores. O historiador José da Costa e Silva Sobrinho afirma que no “Arquivo da Câmara de São Vicente, livro de vereações de 18 de fevereiro 1557”, consta que na Barra de Bertioga, quando foi determinada a construção de uma nova fortificação, em 1551, isso foi feito em substituição a outra que já existia, possivelmente a de 1547. A conclusão é que se substitui somente algo que já existe. Se já existia uma fortificação de alvenaria, foi ela substituída por outra de alvenaria.
Frei Gaspar da Madre de Deus, em “Memórias para a história da Capitania de São Vicente”, disse que “ordenaram com beneplácito de ambos os povos, que à custa deles se levantasse outra fortaleza de pedra e barro defronte da primeira”. Se a ordem foi para a execução de uma outra “fortaleza de pedra e barro”, isso pode ser interpretado como existindo uma anterior, também de “pedra e barro”. Talvez essa construção que Frei Gaspar disse feita de “pedra e barro” fosse a casa forte, que ficava ao centro da “paliçada”, construída em 1547.
Os Tupinambás descobriram a paliçada no mesmo ano em que ela foi erguida, 1547, e vieram silenciosamente pelo Canal de Bertioga (Rio da Bertioga), com setenta canoas e, como de costume, atacaram de madrugada. Os irmãos Braga e seus familiares teriam corrido para a casa forte que construíram e ali se defenderam, sobrevivendo. Muitos Tupinambás foram mortos, mas por fim venceram, matando todos os Tupiniquins aliados dos irmãos Braga, esquartejando-os e repartindo-os entre si, para levar para a aldeia, onde seriam assados e comidos.
Foi diante desse episódio ocorrido em 1547 que a família de Diego de Braga decidiu construir uma nova fortificação, mais resistente, de pedras e com canhões, para a defesa dos inimigos. Mas não ficaram no mesmo local da paliçada destruída pelos Tupinambás. Foram para o outro lado do Rio da Bertioga (Canal de Bertioga), onde seria construído mais tarde o Forte São Felipe (Forte São Luís), na Ilha de Santo Amaro (Guarujá).
Assim, tinham começado um forte na Ilha, mas não o tinham acabado, pela falta de artilheiro português que se arriscasse a morar ali.
Em 1548 Luís de Góes escreve uma carta ao Rei Dom João III alertando sobre as dificuldades encontradas, a urgente necessidade de defender as capitanias e o litoral do Brasil e o risco da Coroa Portuguesa perder essas terras recém descobertas.
Para a alimentação do povoado nas Vilas de Santos e São Vicente era fundamental a produção agrícola nas terras vizinhas, como ocorria em Bertioga. Por isso, vários colonos receberam “sesmarias”, uma espécie de concessão da Coroa Portuguesa para ocupar e explorar as terras. Essas “sesmarias” foram concedidas a Diogo Rodrigues, José Adorno, Jorge Ferreira, Cristóvão Monteiro, Domingos Garocho, Simão Machado, Antonio Rodrigues de Almeida, Pascoal Fernandes, Jorge Pires, entre outros. Porém, com a ameaça dos Tupinambás, os colonos mudaram-se para as Vilas de Santos e São Vicente.
É nesse contexto que o alemão Hans Staden entra para a história de Bertioga. Era um homem livre que estava em busca de prestar serviços em troca de bons salários.
Hans Staden estava na sua segunda viagem ao Brasil, em uma expedição a serviço do governo espanhol. Chegou em abril ou maio de 1549 quando sofre um naufrágio na costa brasileira. Conseguiram aportar em uma ilha, que chamou de Ilha de Santa Catarina (Florianópolis), onde receberam ajuda do povo Carijó, amigo dos espanhóis, permanecendo ali por dois anos, em condições selvagens e precárias, até conseguirem chegar a Vila de São Vicente, para trabalhar em um engenho de açúcar. Soube que estavam precisando de um artilheiro em uma fortificação na Barra de Bertioga.
Hans Staden foi conhecer o lugar. Era final do ano de 1552. Quando os moradores souberam que ele era alemão e que entendia de artilharia, pediram para ficar no forte e ajudá-los a vigiar o inimigo. Prometeram equipe de trabalho e um bom salário, além da garantia de ser estimado pelo Rei, porque este costumava ver com bons olhos aqueles que, em terras assim novas, contribuíam com seu auxílio e seus conselhos. Hans Staden decide ficar pelo período de quatro meses e segundo o que relatou em seu livro, algum tempo depois começaram a chegar os suprimentos para construção da fortificação. Termina o seu contrato de quatro meses, mas o Governador Thomé de Souza e os moradores pediram para que ele ficasse. Aceitou ficar por mais dois anos, contratado oficialmente pela Coroa Portuguesa, em abril de 1553, recebendo sua patente e com o compromisso que terminado o período de trabalho, ele retornaria no primeiro navio para Portugal. Ali foi concluída a construção de uma “casa de pedra”, uma estrutura que antecede ao Forte São Felipe (Forte São Luís). Foram instalados alguns canhões e Hans Staden recebeu ordens para que zelasse bem da casa e das armas.
Hans Staden relatou que era necessário estar mais alerta em duas épocas do ano. Em agosto, os Tupinambás partiam para a pesca de uma espécie de peixe que saia do mar para a água doce, onde desovava. Era a pesca da tainha, segundo explicou Teodoro Sampaio. As tainhas eram capturadas com redes ou flechas. Esse peixe era frito em grandes quantidades pelos nativos e levado para a aldeia. Também faziam farinha dele. Em novembro, outro momento de iminente perigo de ataques, era época de amadurecer o milho, com o qual os nativos preparavam uma bebida fermentada junto com a mandioca, que eles bebiam quando tinham algum inimigo de guerra para comer em rituais antropofágicos. Relata Hans Staden, que várias vezes, a noite, os nativos tentaram surpreendê-los, mas sempre conseguiram percebê-los, evitando um novo ataque.
Em 1554 Hans Staden, caçando fora das imediações da fortificação, foi capturado pelos Tupinambás e levado para a aldeia, localizada mais ao norte de Bertioga. É um dos relatos mais extraordinários sobre a cultura do povo Tupinambá. Hans Staden ficou prisioneiro por nove meses e os Tupinambás possivelmente tinham intenção em praticar com ele a antropofagia, uma espécie de ritual espiritual que consiste em comer os inimigos, em momento de ódio e vingança, ainda não muito bem compreendida, talvez para ganhar a força e os poderes do inimigo, fazendo dele parte de seu corpo. Logo que capturado, os nativos disputaram a posse dele, para que ficasse com o que viu o ou capturou primeiro. Ao chegar na aldeia, os nativos mordiam simbolicamente os braços dele, para mostrar a intenção de comê-lo.
Alguns dias depois, foi levado para a aldeia principal, onde conheceu o principal “rei” de todos eles, Cunhambebe, ali implorou pela vida e enalteceu fortemente a grandiosidade do líder indígena Tupinambá. Descreve Hans Staden ser Cunhambebe um homem com uma pedra verde atravessada nos lábios, além de um colar de conchas, enrolado várias vezes no pescoço, com cerca de dez metros de comprimento, demonstrando a autoridade do líder Tupinambá. Conversou por longo tempo com Cunhambebe, que gostou de ouvir os elogios. Foi mantido cativo, sob a constante ameaça dos nativos de ser morto, cozido e devorado, como ele próprio viu acontecer com outros prisioneiros.
Hans Staden era uma espécie de troféu para os Tupinambás contra os inimigos portugueses. Pensavam que Hans Staden era português. Inicialmente, foi tratado de modo agressivo, mas as suas súplicas à Deus, olhando para o céu, e falando a língua Tupi, que ele conhecia, fizeram com que fosse mantido vivo. Ficava a maior parte do tempo com as indígenas, por ordem do seu dono, sem ter nada com elas.
Certo dia, os Tupiniquins atacaram a aldeia onde estava Hans Staden, que pediu arco e flecha para lutar ao lado dos Tupinambás contra os inimigos, na intenção de fugir, mas não conseguiu.
Hans Staden foi poupado, por sobrestarem dúvidas quanto à sua nacionalidade. Além disso, os Tupinambás não tinham desavenças com os franceses, de quem os alemães eram simpatizantes, e o jovem Hans Staden chegou a lutar ao lado dos Tupinambás contra os Tupiniquins, aliados dos portugueses.
Hans Staden foi encontrado pelos franceses, que negociaram sua libertação. Voltou para a Alemanha, onde publicou seu livro em 1557, “Duas Viagens ao Brasil”, relatando sua passagem por Bertioga. O livro foi “best-seller” na Europa, um grande sucesso, pois ali os europeus tomavam conhecimento, pelo ponto de vista de um alemão branco da época (Hans Staden), de como eram os habitantes das recém terras descobertas.
É nesse contexto que Portugal resolve construir duas fortificações: uma no local da antiga paliçada (Forte São Thiago/São João) e outra do lado oposto do Canal, onde a família de Diego de Braga se refugiou e por onde mais tarde trabalhou e viveu Hans Staden (Forte São Felipe/São Luís).
Nomeação de Antonio Adorno como Governador da fortificação - 1550:
Thomé de Souza, primeiro governador-geral do Brasil, nomeia em 1550 um dos irmãos Adorno, Antonio Adorno, como Almoxarife (governador/administrador) da fortificação de Bertioga. Nessa época, o que existia na Barra de Bertioga, conforme relatou Hans Staden, era uma casa forte, do outro lado do Rio da Bertioga (Canal de Bertioga), na Ilha de Santo Amaro, no mesmo local onde mais tarde seria construído o Forte São Felipe (Forte São Luís). A ordem do Rei de Portugal para que se erguessem as edificações oficiais somente viria no ano seguinte.
Provisão Régia determinando a construção da fortificação de pedra - 1551:
Por Provisão Régia de 18 de junho 1551, o Rei Dom João III determinou que no local fosse erguida uma fortificação, destinando recursos para essa finalidade.
Alfredo Maria Adriano d’Escragnolle Taunay, o famoso Visconde de Taunay, escreveu que era tão importante a posição da fortificação que o próprio Rei de Portugal, Dom João III, ordenou “que se refortificasse a barra da Bertioga autorizando o Governo Geral do Brasil a despender a esta obra a soma enorme para a época, de três mil cruzados”.
Nomeação do Padre Fernão Luiza Carapeto para a vigaria da capela do Forte São Thiago - 1555:
O Bispo de Salvador, Dom Pedro Fernandes Sardinha, no ano de 1555, nomeia o Padre Fernão Luiz Carapeto como o primeiro vigário da capela localizada no interior do Forte São Thiago (Forte São João).
Dom Pedro Fernandes Sardinha ou Pero Sardinha foi o primeiro Bispo do Brasil. Era o Bispo de Salvador da Bahia de Todos os Santos. Nasceu em 1496, em Pernambuco. Foi Bispo de 1551 a 1556. Sua morte foi trágica. Em uma viagem de “nau”, para Portugal, próximo a foz do Rio Coruripe, em Alagoas, a embarcação naufraga e os sobreviventes são capturados pelos Caetés, aprisionando-os e praticando o ritual do antropofagismo. Ele não teve a mesma sorte de Hans Staden.
A reconstrução do Forte São Thiago (Forte São João) - 1557:
Explica Hans Staden que diante do ataque à fortificação de paliçada, pareceu conveniente aos comandantes e à Câmara Municipal de São Vicente, não abandonar o lugarejo, mas fortificá-lo o máximo possível, porque de lá se podia defender toda a região. E assim aconteceu.
No ano de 1557, o Forte São Thiago (Forte São João) foi construído, trabalhos de que se incumbiu o fidalgo português Antônio Rodrigues de Almeida, Almoxarife/Comandante da Capitania de Santo Amaro. As obras somente teriam sido concluídas em 1560.
É uma obra de alvenaria, construída com pedra, óleo de baleia e cal (este extraído dos sambaquis para formar a argamassa). O Forte São João é formado por um baluarte e um quartel.
No mesmo período, de 1557 a 1560, foi construída uma fortificação menor, localizada do outro lado do Canal de Bertioga, na Ilha de Santo Amaro, o Forte São Felipe (Forte São Luís), cujas obras foram concluídas um pouco antes do Forte São Thiago (Forte São João). O objetivo era que as duas fortificações, equipadas com canhões, trocassem tiros com eventuais invasores.
Não existem plantas ou desenhos da época. Porém, na reforma realizada em 1760, existe uma planta da fortificação do ano de 1751, indicando em vermelho a área que seria ampliada e em azul a antiga fortificação quinhentista, construída em 1560 e que permaneceu ali com as mesmas características por mais de 200 anos, até ser “ampliada” a partir de 1751 para dar lugar a fortificação tal como existe até hoje.
Para a administração das duas fortificações, foi designado no ano de 1557 Pascoal Fernandes, o qual, mais tarde, pelos serviços prestados, recebeu como doação pelo próprio Antônio Rodrigues de Almeida o Forte São Felipe (Forte São Luís), onde residiu com sua esposa e filhos, e um trecho de Bertioga, que ia do Forte São Thiago (Forte São João) até São Sebastião.
Construção de arquitetura “quinhentista” - 1560:
O Forte São Thiago (Forte São João) foi concluído em 1560. O Padre Fernão Cardim, acompanhando em 1585 o Padre Christovão Gouvêa à São Vicente, narra a existência do Forte São Thiago em Bertioga: a fortaleza é coisa formosa, parece-se ao longe com a Torre de Belém e tem outra mais pequena de fronte (Forte São Felipe), e ambas se ajudavam uma à outra no tempo das guerras.
A Confederação dos Tamoios e a Paz de Iperoig – 1563:
Os “Tamoios” foram um agrupamento de povos indígenas, da linhagem tupi, que habitou o litoral norte do Estado de São Paulo e o litoral sul fluminense. Tamoios significa “avós”, pois intitulavam-se como o povo mais antigo que habitava a região. Também são denominados de Tupinambás.
A “Confederação dos Tamoios” foi uma revolta organizada por lideranças indígenas. O povo Tamoio não aceitava os abusos praticados pelos colonizadores portugueses e outros europeus. As doenças que vinham com o povo branco e a concepção trazida pelo europeu de destruir o inimigo foram causas determinantes para essa revolta. Havia conflitos entre os indígenas antes da chegada dos europeus. Os Tupinambás e os Tupiniquins disputavam território e posições culturais, mas não havia a ideia de destruição do inimigo.
A “Confederação dos Tamoios” ocorreu entre os anos de 1554 e 1567. E o principal líder Tamoio (Tupinambá) foi Cunhambebe, herói do povo indígena, que lutou ao lado dos franceses contra o domínio português. Segundo o historiador Eduardo Bueno, o chefe Tamoio, em rituais canibais de sua tribo, teria devorado mais de sessenta portugueses. Cunhambebe existiu, é citado em duas obras literárias da época. Representa a força e resistência indígena. Entretanto, existiram dois Cunhambebe, o pai e o filho. O primeiro era um grande guerreiro e morreu de varíola em 1555. Já o filho, preferiu a diplomacia, e foi um dos articuladores da paz de Iperoig, assassinado em 1563 pelos portugueses.
As autoridades portuguesas enviaram os padres jesuítas Manuel da Nóbrega, como representante do governo de São Vicente, e José de Anchieta, como intérprete, para acertarem um tratado de paz com os tamoios fronteiriços. Partiram de São Vicente em 18 de abril de 1563, com escala em Bertioga, os abnegados padres Nóbrega e Anchieta, em expedição custeada e acompanhada por um dos irmãos Adorno, seguiram para Iperoig (Ubatuba/SP), onde chegaram em 06 de maio de 1563, para tentar a pacificação dos Tamoios, tendo lá ficado como refém o padre José de Anchieta, que conseguiu, pela sua fé e força moral, a paz almejada.
Durante esse período como refém, Anchieta compôs, na areia da praia, seu célebre poema em latim em honra à Virgem Maria, o “Poema à Virgem Maria”.
Porém, mesmo após o acordo de paz, os portugueses continuaram matando Tupinambás, sendo o próprio Cunhambebe traído e assassinado.
Pela grandeza desse herói indígena, foi homenageado no Parque dos Tupiniquins, ao lado do Forte São João, com sua escultura.
Fundação do Rio de Janeiro – 1565:
Em 1565, após missa rezada pelo padre Manuel da Nóbrega, em auxílio à Estácio de Sá, partiram de Bertioga o apóstolo José de Anchieta e os irmãos Adorno, que forneceram diversas naus e embarcações a remo e suas respectivas tripulações cristãs e indígenas, possibilitando, em união com as forças vindas de São Vicente e da Bahia, a primeira retomada do Rio de Janeiro.
Segunda expedição ao Rio de Janeiro – 1567:
Em 1567, novamente partem eles de Bertioga, aparelhados em naus, embarcações e homens, e apoiam decisivamente Mem de Sá e Estácio de Sá na luta pela posse definitiva do Rio de Janeiro, tendo sido preponderantes os esforços desses pioneiros e particularmente do padre José de Anchieta, na expulsão dos franceses e seus aliados.
Mapa de São Vicente, indicando a existência do Forte de São Thiago (Forte São João) – 1574:
Um dos registros históricos mais antigos da fortificação é o “Mapa de São Vicente”, de Luís Teixeira, de 1574, indicando a existência do Forte de São Thiago (Forte São João).
Forte de Santiago ou São Thiago (Forte São João) – 1555/1587:
O Tratado Descritivo do Brasil, de 1587, é o documento mais antigo que se refere especificamente a fortificação como “S. Thiago”. Acontece que mesmo antes de 1587, o Bispo Pero Sardinha, em 1555, ao nomear o vigário, Padre Fernão Luiz Carapeto, referiu-se a “vigairaria de Santiago da Britioga”. A fortificação que estava em construção já deveria possuir uma capela destinada a adoração à Santiago. É muito provável que houvesse uma imagem do Santo. O nome da fortificação Santiago ou São Thiago decorreu dessa capela ou paróquia ali instalada, ainda que modestamente. Em 1560, quando concluída a fortificação, já deve ter recebido o nome de Forte São Thiago.
O período do esquecimento – 1583/1710:
A expulsão dos franceses do Rio de Janeiro, em 1567, transformou a área de conflito em região de grande calmaria nos anos seguintes. Com a união das coroas portuguesa e espanhola, no período de 1580 a 1640, a costa brasileira ficou exposta aos ataques dos ingleses e holandeses, inimigos da Espanha. O cenário dos conflitos foi transferido para o Canal da Barra Grande, que era o principal acesso ao Porto de Santos. Em 1583, foi construída a Fortaleza de Santo Amaro e a partir daí pouca importância se deu ao Canal de Bertioga e ao seu forte.
A descoberta do ouro em Minas Gerais pelos paulistas, em 1697, e o ataque dos espanhóis à Colônia Portuguesa de Sacramento em 1735 levariam a Coroa Portuguesa a reforçar as defesas militares das capitanias do sul no decorrer do século XVIII e também mudar a capital do Vice-reinado de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763, ficando mais próxima do escoamento e controle do ouro e das ameaçadas fronteiras do sul, cobiçadas pelos espanhóis.
Entre 1712 e 1714, o governo português enviou o Brigadeiro João Massé à Santos para projetar um sistema de defesa do porto e reformar as instalações militares existentes. Bertioga era uma delas.
A construção da tenalha de cal e pedra – 1724:
Com poucas informações documentadas a respeito, possivelmente no ano de 1724, o Forte São Thiago (Forte São João) passou por uma pequena reforma, apenas para substituir a dupla estacada de madeira, que estava instalada ao redor de toda a fortificação.
A “estacada” era um alinhamento feito de madeira, no entorno do Forte São João e do quartel (museu). Sua finalidade era a defesa da fortificação.
Foi substituída por uma “tenalha” de cal e pedra, pois a estacada de madeira precisava de manutenção de três em três anos, aumentando os custos de manutenção da coroa portuguesa.
A menção aos quartéis – 1733:
Não se sabe ao certo em que época o quartel do Forte São Thiago (Forte São João) foi construído. Não existem desenhos ou plantas, ou até mesmo relatos históricos entre 1560 até 1733 sobre a existência deles.
Possivelmente, sempre existiram edificações nos fundos do Forte, isto porque ele era formado por uma torre de pedras (terrapleno). A instalação, como alguns possam imaginar, não é um castelo, com salas e corredores no seu interior, mas um elevado onde amontoam-se cal e pedras. Se não é possível ocupar dentro da fortificação, estocar armas, pólvora, alimentos, dormir, evidente que edificações mais simples faziam parte do conjunto que formava a defesa da barra de Bertioga.
Somente em 1733, a Carta Régia de Dom João ao Conde de Sarzedas, Governador da Capitania de São Paulo, faz menção a um “muro de duas casas que servem de quartéis aos soldados da guarnição”. Através desse registro histórico, podemos afirmar que em 1733 existiam duas edificações no local, cercadas por muros.
Esses muros talvez sejam a tenalha de cal e pedra, executada em 1724, em substituição a estacada de madeira que cercava o conjunto.
O quartel do Forte São João deve ter sido construído juntamente com a fortificação em 1560, sendo posteriormente restaurado, mas preservando a maioria de suas características originais.
Missão do Brigadeiro Silva Paes – 1738:
Em 1738, foi enviado o Brigadeiro José da Silva Paes pelo Rei Dom João V, para fortificar o sul do país. Nessa ocasião, esteve na Barra de Bertioga e ali encontrou instalações em péssimas condições de defesa. Verificou que as duas fortificações, o Forte São Felipe (Forte São Luís) e o Forte São Thiago, (Forte São João) estavam completamente destruídos.
Adler Homero Fonseca de Castro, em seu livro “Muralhas de Pedra, Canhões de Bronze, Homens de Ferro”, informa que a documentação aponta que os fortes construídos na Barra de Bertioga, no século XVI, desapareceram no século seguinte. O historiador fundamenta sua tese arguindo que em documento de 1696 somente são mencionados na região dois fortes, o de Itapema e o de Monserrate. Além disso, segundo o mesmo autor, em 1709 um documento enviado ao Governador de São Paulo consultava-o se não seria melhor bloquear a barra com aterros ou levantar uma fortificação no local. Acontece a Carta do Governador da Capitania Rodrigo Cezar de Menezes ao Rei de Portugal, datada de 20/05/1724, mencionava a existência de uma fortificação e da construção da tenalha de pedra. Dom João V, Rei de Portugal, em 30/10/1733 envia Carta Régia ao Conde de Sarzedas abordando a situação precária das fortalezas na costa brasileira e mencionando literalmente a fortificação da Barra de Bertioga. Em 27/09/1738, o Rei Dom João V, em Carta Régia ao Governador da Capitania de São Paulo, volta a mencionar a fortificação da Barra de Bertioga. Em 1734 Gaspar de Caldas Lobo é nomeado Comandante do Forte e em 1740 é nomeado Manuel de Souza Ribeiro Araujo para a mesma função. Em 20/06/1745, Dom Luiz Mascarenhas (Conde d’Alva), Governador da Capitania de São Paulo, nomeia Matias de Couto Reis como Capitação da fortificação de Bertioga, com o encargo de repará-la. Desse modo, por mais que se encontrasse parcialmente abandonada e em ruínas, comprova-se por documentos oficiais históricos que a dita fortaleza nunca desapareceu.
A ampliação do Forte – 1751/1765:
Adler Homero Fonseca de Castro, em seu livro “Muralhas de Pedra, Canhões de Bronze, Homens de Ferro”, explica que Matias de Couto Reis era um simples soldado, mas tinha servido como tesoureiro da “real capitação” (um imposto cobrado dos mineradores de ouro) e era almoxarife da fazenda real, o que indica que era um homem rico. Na verdade, a sua nomeação para o posto de Capitão da Fortaleza era para finalidade meramente honorífica, dando-lhe um título e prestígio social.
Em troca desse título ele se encarregava de reparar a fortificação que já existia no local e equipá-la, tudo com seus recursos pessoais. Não havia nenhum retorno econômico para Matias de Couto Reis a não ser o “reconhecimento social do posto de Capitão”.
Em carta de 14/08/1745 do Governador Dom Luis Mascarenhas comprova-se que a Coroa Portuguesa não tinha mais interesse em manter a fortificação, por considerar que em uma eventual invasão, as tropas inimigas desembarcariam em qualquer outro ponto do extenso litoral. É isso que justifica a Coroa Portuguesa ter incumbido Matias de Couto Reis na tarefa de reparar a fortaleza.
No entanto, as modificações realizadas não agradaram ao Governador e determinou que as obras fossem refeitas.
Segundo alguns historiadores, em 1751 o então Governador da Praça de Santos, Luís Antônio de Sá Queiroga, fez reedificar o forte. Na ocasião, o modesto terrapleno quinhentista com uma área de 100 metros quadrados foi reformado, para dar lugar ao atual, com 250 metros quadrados. É provável que as despesas com as obras tenham sido todas suportadas por Matias de Couto Reis, pois após a sua morte, o Governador da Praça de Santos passou o comando da fortaleza para o “genro e herdeiro” de Matias de Couto Reis.
Ampliado ou reconstruído? O desenho de Luís Antônio de Sá Queiroga não menciona demolição para posterior reconstrução. Não é suficiente para essa conclusão. Pelo desenho, o que se pode concluir com certeza é que foi ampliado. Não há estudos técnicos realizados pela Universidade de São Paulo – USP que demonstrem que foi demolido e reconstruído e talvez tais estudos ainda hoje sejam impossíveis sem danificar o patrimônio. Nos parece mais coerente que tenha sido ampliado.
A “tenalha” é um muro de pedras que fica no entorno do Forte São João e do quartel (museu). Essa tenalha já existia, foi construída, provavelmente, em 1724, pois segundo historiadores foi apenas elevada para dois metros de altura e um metro e meio de largura. O muro foi construído com terra socada em uma forma de madeira, no formato de “cauda de andorinha” e a sua finalidade era a defesa do Forte São Thiago (Forte São João). A altura desse muro, entretanto, é matéria de divergência, pois é provável que o projeto que constava da planta não tenha sido efetivamente executado. Em perfeito alinhamento no entorno da “tenalha” foi instalada uma “estacada” paralela. A “estacada” era um alinhamento feito de paus enterrados na areia, uma espécie de cercado que fazia parte das estruturas de defesa militar da época. O Forte São Thiago (Forte São João), desse modo, foi cercado por um muro feito de pedras (tenalha) e no entorno desse muro foi construída uma estacada.
O edifício do quartel já existia nessa época e estava incluído no projeto, mas segundo os historiadores, ele foi apenas reformado, mantendo-se o desenho original.
O Forte São Thiago (Forte São João) foi equipado com novo armamento, representado, entre outras peças, pelos 3 históricos canhões, remanescentes da época. Em 1759 contava com a guarnição de um alferes e doze soldados. Em 1765 tinha um sargento e vinte e três soldados, sem oficiais.
A ressaca que adernou o forte – 1769:
Por volta de 1769, uma intensa ressaca marinha destruiu parte do terrapleno do Forte São Thiago (Forte São João), deslocando em aproximadamente 25 centímetros a guarita e a cortina. Esse fenômeno teria destruído também a Capela de São João Batista localizada na praia, vizinha ao Forte. Tendo a imagem da capela sido recolhida ao Forte, este passou a ser denominado pela população de Forte São João.
Em Relatório à Coroa Portuguesa, acerca das fortificações da Capitania, datado de 30 de junho de 1770, o governador da praça de Santos, Luís Antônio de Sá Queiroga, informou que o quartel estava arruinado e por ser muito úmido não pode conservar um só barril de pólvora, e nem tem parte onde se lhe possa fazer cômodo para o ter sem grande risco.
No documento consta um quadro de legendas apontando os danos causados na fortificação pela ação do mar.
O Forte tinha acabado de ser reformado ou parcialmente reconstruído. A estrutura quinhentista foi ampliada, para dar lugar a uma estrutura maior de 250m². A fortificação levou de 1751 a 1760 para ser projetada e reformada, e adernou nove anos depois. Por isso mesmo, os danos causados pela enchente de 1769 foram apenas reparados na proporção dos recursos da época, sendo visível a todos nos dias atuais a fenda e a inclinação de parte da torre.
Alguns já chegaram a dizer que foi um tiro de canhão contra o Forte, mas isso jamais aconteceu. As fortificações de São João e de São Luís nunca trocaram tiros, pois jamais os inimigos se dispuseram a utilizar a barra de Bertioga para invadir a Vila de São Vicente.
O único conflito realmente enfrentado foi na época da paliçada, em 1547, construída pelos cinco irmãos Braga e auxiliares, que resultou na carnificina dos Tupiniquins pelos inimigos Tupinambás. A paliçada foi incendiada e a artilharia foi levada pelos Tupinambás. Foi desse conflito que a Coroa Portuguesa se convenceu de erguer a fortificação.
A destruição da Capela de São João Batista – 1769:
A Capela de São João Batista, em Bertioga, foi instituída por legado testamentário do Vigário de Santos, João da Rocha Moreira, e edificada por provisão do Bispo do Rio de Janeiro Dom Frei Antonio de Guadalupe, de 12 de outubro de 1725, tendo recebido a benção em 1º de abril de 1740.
Em um mapa, mais detalhado, em publicação de 1775, é possível observar a capela de São João Batista, que deveria estar localizada próximo a praia, entre o Forte e a atual Casa da Cultura. Embora seja de 1775, nessa época a capela estaria em ruínas ou mesmo já não mais existia, pela enchente de 1769.
A alteração do nome, de Forte São Thiago para Forte São João – 1769:
Com a destruição da Capela de São João Batista, que ficou em ruínas pelos efeitos da ressaca de 1769, os poucos habitantes conseguiram recuperar a imagem de São João Batista, que foi levada para a Capela que existia dentro da casa do quartel do Forte São Thiago.
Com o tempo, a população passou a denominá-lo de Forte São João, nome com o qual passou a ser reconhecimento nos documentos oficiais.
A imagem original de São João Batista, transferida para a Capela do Forte, era de madeira e já não existe mais, destruída pela ação do tempo.
Guarnição – 1772:
No ano de 1772, contava o Forte São João com uma guarnição completa, de onde eram tirados os destacamentos para São Sebastião e Ubatuba. Era um grupo de militares que permanecia “aquartelado”, cumprindo suas atribuições no Forte São João. Não era uma tropa de patrulha ou preservação das posturas e ordem local. A função era servir como um posto de comunicação com outras localidades para envio de soldados.
A pequena reforma com a obra de estacada a mando do Governador Luís Antônio de Souza Botelho Mourão – 1775:
Trata-se de uma planta manuscrita do Forte São João, com a obra da estacada que o Governador da Capitania de São Paulo, Dom Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão – o Morgado de Mateus – mandou fazer no forte. A planta faz parte do conjunto de “Cartas topográficas do Continente Sul e parte Meridional da América Portuguesa”, publicada em 1775. No documento consta um quadro de legendas localizando os principais pavimentos do forte e seus arredores.
Em 1766 o Governador Morgado de Mateus estava reformando todo o sistema de defesa da capitania e determinou a realização de obras complementares no Forte São João. A estacada foi substituída por uma nova e deu-se início a uma outra paliçada em torno de todo o forte. Conforme Adler Homero Fonseca de Castro, em seu livro “Muralhas de Pedra, Canhões de Bronze, Homens de Ferro”, essa segunda paliçada, analisando planta da época, circundava todo a fortaleza, inclusive na frente da praia, onde era “dobrada”, isto é, duas séries de estacas com terra socada no meio. Entre essa paliçada e a tenalha de pedra ficava um estreito caminho coberto.
Foi ainda no governo do Morgado de Mateus que o Forte São João passou a ser utilizado como um posto para registro das embarcações que entravam pela Barra de Bertioga, evitando-se o contrabando e a evasão de impostos.
Mas logo após o Morgado de Mateus deixar o governo em 1775 o Forte São João volta a cair em um período de abandono e esquecimento. As pedras que compunham a tenalha foram danificadas pelos efeitos das marés e parte delas foram removidas por moradores para construir o alicerce de suas casas e para servir de cais para atracação de embarcações em frente ao quartel (museu). Armando Lichti contou que recolheu pessoalmente algumas pedras na década de 1940 que estavam espalhadas pelo terreno. Na década de 2000 a Prefeitura de Bertioga reconstruiu parte da tenalha e restaurou o trecho preservado.
Relatório sobre a artilharia – 1797:
No manuscrito, “Sobre as fortificações da costa marítima da Capitania de São Paulo”, possivelmente do ano de 1797, sem autor, in Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo, vol. XLIV, p. 303-308, consta um breve relatório sobre as condições precárias dos itens de artilharia, da umidade localizada no quartel que impedia o depósito de pólvora e fazendo críticas sobre a utilidade da fortificação.
Mesmo diante das condições precárias, em 1798 foi nomeado Vicente Machado da Silva para o posto honorífico de Comandante do Forte São João. Ainda em 1798, o Tenente-Coronel Antônio Faustino da Costa é incumbido de montar ou recuperar a artilharia da fortificação.
Em 1801 o título de Comandante do Forte São João passa para José Antônio Vieira de Carvalho.
Relatório do 2º Tenente de Engenheiros – 1817:
Em 1817, o 2º Tenente de Engenheiros Rufino José Felizardo e Couto, esteve em Bertioga e produziu um relatório sobre a artilharia do Forte São João, cumprindo ordens do Governador e capitão-general da Província de São Paulo, Francisco de Assis Mascarenhas, indicando a precariedade dos itens.
Reforma do telhado do quartel – 1817:
Acredita-se que foi realizada em 1817 a reforma do telhado da edificação do quartel. O telhado que perdurou de 1760 até 1817, aproximadamente, era de “duas águas”. Na planta publicada em 1775, da Coleção Morgado de Matheus, do conjunto de “Cartas topográficas do Continente Sul e parte Meridional da América Portuguesa”, é possível notar o desenho do telhado em formato de “duas águas”, na casa ao centro.
Com a reforma de 1817 o telhado do Forte passou a ter “quatro águas”.
Em um desenho, observamos a representação de telhado de “duas águas”, que existiu até 1817, foi substituído pelo telhado de “quatro águas”, existente até hoje.
Relatório do Marechal Daniel Pedro Muller – 1830:
Em 1830, o Relatório apresentado pelo Marechal Daniel Pedro Muller, informava que o Forte São João possuía uma guarnição em tempo de paz composta de três homens, e, em tempo de guerra, compunha-se de um oficial superior, um inferior, e vinte soldados de infantaria.Nos anos seguintes, diversas vistorias e relatórios foram realizados no Forte São João. Todos identificavam as péssimas condições da artilharia e a necessidade de reposição. Alguns relatórios atestavam o estado de abandono e a necessidade de recuperação, enquanto outros afirmavam que a fortaleza já não era mais de interesse, sem utilidade alguma para defesa de Santos e São Vicente.A desativação da Armação das Baleias, que ocorre nas primeiras décadas do século XIX contribui para o abandono e esquecimento do Forte São João.
Mapa das Fortificações do Ministério da Guerra – 1847:
O “Mapa das Fortificações existentes nas Províncias do Império do Brasil” é documento integrante do Relatório da Repartição dos Negócios da Guerra, elaborado em 1847. Em consulta que realizamos no Arquivo Nacional, foi possível ter acesso a este raríssimo documento. Segundo ele o Forte São João estava “em ruínas”, mas ainda era “de alguma importância”.
Em foto de 1899, aparece o Forte em ruínas, tomado pela vegetação, especialmente na parte onde existe a fenda provocada pela ressaca de 1769.
Em 1855 Cândido Francisco Carpes que ocupava o cargo de Comandante do Forte São João, é promovido a Secretário de Inspeção das Fortificações e substituído no posto de Comandante por João Carlos Corrêa Lemos.
Ao longo da história, o Forte São João sempre teve a presença de soldados. Em 1819 contava com nove soldados, em 1829 com oito soldados, em 1837 eram seis soldados e em 1860 apenas um. O engenheiro André Rebouças sugeriu que o forte fosse abandonado, pois existiam outros artifícios de defesa que poderiam ser adotados e menos onerosos. Isso foi endossado em parecer oficial de 1866 do Comandante Geral da Artilharia, Conde D’Eu.
Planta do Forte – 1871:
Trata-se de uma planta do Forte São João, datada de 1871, de autoria de José António Teixeira Cabral.
José Antônio Teixeira Cabral foi promovido a tenente-coronel efetivo do Real Corpo de Engenheiros do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves em 6 de fevereiro de 1818. Com a independência do Brasil, continuou prestando serviço no Imperial Corpo de Engenheiros. Realizou o levantamento, redução e desenho de diversas vilas e fortificações brasileiras, em especial no litoral de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul.
Pelo que tudo indica, essa planta foi mesmo produzida em 1871, mas apenas para atualizar informações sobre as fortificações militares no Brasil. Não há registros de que essa planta tenha sido utilizada para sua reforma.
Os últimos comandantes do Forte – 1889:
Em 1870 é nomeado para o comando da fortificação Manoel Guimarães do Espírito Santo, sucedido em 1873 por Antonio Placido Guimarães Cova. Em 1876 é nomeado para o comando da fortaleza Joaquim Antônio de Mattos Junior. Em 1887 é nomeado o último comandante, Antônio Joaquim Dias, que teria permanecido no posto até o fim do Império, com a Proclamação da República em 1889.Esses postos eram ocupados por homens ricos ou influentes, geralmente militares aposentados, que eram prestigiados socialmente recebendo o título honorífico de comandante de uma fortificação. Estar no comando do Forte São João não significava morar nele ou até mesmo trabalhar, mas apenas de estabelecer algumas ordens de administração e cobrir certas despesas.
Vistoria e relatório de Euclides da Cunha – 1904:
Euclides da Cunha foi um grande destaque da prosa pré-modernista brasileira, além de jornalista, militar e engenheiro, construtor de prédios públicos e pontes no interior de São Paulo. Sua principal publicação, Os sertões, é considerada referência na literatura brasileira, por expor importantes elementos de nossa cultura, exibindo aflitivos problemas sociais da nação, bem como uma poderosa narrativa do conflito histórico da Guerra de Canudos.
É nomeado engenheiro-fiscal da Comissão de Saneamento de Santos em 15 de janeiro de 1904. Muda-se para o Guarujá e percorre ambas as cidades do litoral paulista. No mesmo ano, a pedido de Dr. Cardoso de Almeida, prepara um relatório para o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, sobre “Os Reparos nos Fortes de Bertioga”.
Euclides da Cunha relata que o Forte São João estava “acaçapado e em ruínas – cômodos estavam mal repartidos, sem soalhos e quase sem abrigo, sob um telhado levadio que desabou em parte”.
Para Euclides da Cunha, as duas fortificações, o Forte São João e o Forte São Luís deveriam ser conservados como estavam, sem grandes reformas que o descaracterizam-se:
Trata-se de conservar duas grandes relíquias, que compensam a falta absoluta de qualquer importância estreitamente utilitária, com o incalculável valor histórico que lhes advém das nossas mais remotas tradições. Compreende-se, porém, que tais reparos tendam apenas a sustar a marcha das ruínas. Quaisquer melhoramentos ou retoques, que se executem, serão contraproducentes, desde que o principal encanto dos dois notáveis monumentos esteja, como de fato está, na sua mesma vetustez, no aspecto característico que lhe imprimiu o curso das idades.
Transferência da administração – 1908:
Através do Aviso de 19 de fevereiro de 1908 o Forte São João foi transferido para a administração do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Era utilizado como um dos postos da linha costeira do telégrafo nacional, sendo esta a principal razão por não ter sido deixado ao total abandono.
Reforma por iniciativa de Washington Luís – 1920:
Por ordem do presidente Washington Luís, a fortificação foi reformada em 1920. O Visconde de Taunay relata que isso foi feito com “grande tato”. Disse que restava uma única guarita de atalaia e almenara e com a reforma as guaritas tornaram-se simétricas.
Vistoria e relatório de Mário de Andrade – 1937:
Mário de Andrade foi romancista, poeta, pesquisador, etnógrafo, musicólogo, documentarista, ensaísta. Foi também o intelectual designado pelo Ministro da Educação e Saúde para elaborar o anteprojeto de um serviço destinado à defesa do patrimônio artístico nacional em 1936. Juntamente com Rodrigo Melo Franco de Andrade, criou em 1937 o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), que mais tarde viria a se tornar o IPHAN.
Conhecido por obras literárias como “Macunaíma” e “Amar Verbo Intransitivo”, Mário tinha um projeto de renovação cultural para o país. Sua extensa pesquisa sobre as tradições culturais brasileiras o levaram a se aproximar das questões de preservação e valorização do patrimônio nacional. Em 1935 Mário foi um dos criadores e primeiro diretor do Departamento de Cultura do Município de São Paulo. Na mesma década, redigiu o anteprojeto de criação do SPHAN (Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que se tornaria o IPHAN). Como assistente técnico do SPHAN, Mário elaborou em 1937, com a colaboração de Luiz Saia, Nuto Sant’Ana e do fotógrafo Germano Graeser, um relatório sobre “monumentos arquitetônicos de valor histórico ou artístico” no Estado de São Paulo. Nele, foram listados edifícios considerados dignos de tombamento pelo órgão federal.
Em novembro de 1937 esteve em Bertioga para uma vistoria no Forte São João, no Forte São Luís e na Ermida de Santo Antônio do Guaíbe.
Descreveu Mário de Andrade sobre o Forte São João:
Este forte está bem danificado pela ação do tempo e ameaçando ruína. Ora, trata-se justamente de um dos mais deliciosos perfis da arquitetura militar colonial que possuímos e há que conservá-lo. Na quebra da praia, olhando o mar e as águas sombrias do rio, entestando o maciço montanhoso da ilha de Santo Amaro, o forte de São Tiago é uma expressão magnífica. No primeiro século defendeu Santos dos Tamoios que vindo do mar, desejariam atacar a vila pelas costas. Hoje é simplesmente gracioso. As suas pedras enérgicas, a sua plataforma de vasta perspectiva, as suas vigias pueris, são duma elegância arquitetônica impecável. O dedo do tempo, que é o maior de todos os feitiços, transformou Hércules na própria Onfale (sic).
Destacamos que o poeta nos apresenta a seguinte frase: o dedo do tempo, que é o maior de todos os feitiços, transformou Hércules na própria Onfale.
A interpretação do texto não é fácil. Nosso entendimento é que Mário de Andrade refere-se ao “mito” sobre Hércules vendido como escravo para a Rainha da Lídia, Ônfale, que com ele teve filhos, mas o submeteu a diversos “castigos”, inclusive vestindo ele com roupas femininas para cumprimento de tarefas domésticas e ela com o manto de pele de leão de Hércules. Parece existir uma troca de papéis, mas Ônfale não possui os poderes de Hércules. Ela é apenas uma mulher vestida com as roupas dele. Assim, a força e o esplendor que o Forte São João teve no passado (Hércules), não é a mesma realidade do presente (Ônfale). O tempo transformou Hércules em Ônfale. Aos estudantes de Bertioga, fica o desafio de interpretar melhor o sentido desse texto precioso e histórico, escrito por Mário de Andrade em 1937 exaltando a principal identidade de Bertioga: o Forte São João.
Mário de Andrade advertia que eram necessários reparos urgentes. Ainda segundo ele, o empenho na recuperação do Forte São João partia da “Sociedade Amigos de Bertioga”, então presidida pelo médico Francisco Quartim Barbosa, mas que também tinha como um de seus diretores José Ermírio de Moraes. Esta associação civil realizava diversas demandas perante as autoridades dos Poderes Executivo e Legislativo, bem como divulgando na imprensa paulistana a grandeza do passado histórico das fortificações na Barra de Bertioga.
Tombamento – 1940:
Foi tombado em 19/02/1940 como Patrimônio Nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.
Segunda Guerra Mundial – 1939/1945:
No contexto da Segunda Guerra Mundial serviu como quartel para os pelotões de vigilância dos 4° e 6° Batalhões de Caçadores do Exército Brasileiro.
Uma nova reforma – 1942:
Em 1941 foi iniciada a restauração do Forte São João pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Ficou responsável pela obra o arquiteto Luís Saia, que viria a se tornar um dos fundadores do IPHAN e respeitado professor e pesquisador sobre patrimônio histórico-cultural. A reforma foi concluída no ano de 1942.
Segundo consta, a principal finalidade dessa reforma foi colocar na posição original partes das cortinas que se encontravam desaprumadas desde a ressaca de 1769. As cortinas são as paredes de pedras que cobrem a estrutura externa do terrapleno. Essas cortinas foram, originalmente, construídas com sambaqui, óleo de baleia e areia, uma mistura que forma argamassa para a construção civil, explica a pesquisadora Adriana Sanajotti Nakamuta.
Na reforma iniciada em 1941, as cortinas foram preenchidas com “cal de marisco”, em substituição ao “sambaqui”, nos locais onde estavam deterioradas. Disse o IPHAN, em consulta oficial, que a fortificação de Bertioga foi executada com pedras irregulares, do tipo “opus incertum”, por isso eram as cortinas revestidas e caiadas. Se fossem paredes de cantaria, com pedras perfeitamente alinhadas, aí permaneceriam aparentes sem um cortina caiada.
Também nesta reforma foi removida da plataforma de armas a torre do telégrafo, serviço que já estava desativado.
Destacamento da Polícia Militar – 1944/1954:
Entre 1944 e 1954 serviu de aquartelamento ao destacamento subordinado à Praça Militar de Santos.
O Museu João Ramalho – 1962:
Em virtude de entendimentos do Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga com a Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, foi procedida a completa reforma da Casa do Forte (quartel), possibilitando em vista do acordo firmado a instalação do Museu João Ramalho. Foi inaugurado no domingo do dia 11 de abril de 1962.
Antônio Mariquita – 1960/1970/1980:
Fica encarregado, por mais de duas décadas, como caseiro do Forte São João, cuidando de sua segurança, visitação, limpeza e conservação, ao lado da esposa, Dona Francelina.
Parque dos Tupiniquins - 2004:
No ano de 2004 a Prefeitura de Bertioga desapropria os terrenos vizinhos à edificação e ao Museu João Ramalho, promove a demolição das construções particulares recentes e cria em toda a quadra o Parque dos Tupiniquins, devolvendo para a população de Bertioga o seu maior patrimônio cultural.
Cunhambebe, o líder do povo Tupinambá, foi homenageado, recebendo no local a primeira estátua de Bertioga.
O Forte São João, criado por ordem do Rei de Portugal Dom João III, embora tenha enfrentado períodos de abandono, sempre os historiadores, governadores, militares e a população civil lutaram para preservá-lo.

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