A Ascensão do Club Athletico Paranaense no Futebol Brasileiro - Artigo
Artigo
Texto 1:
"Falem o que quiser sobre a gente, mas se tem algo que ninguém pode negar é que somos mesmo um furacão", assim o Athletico-PR se define. A frase que abre um material oficial divulgado na época da mudança de símbolo e uniforme mostra bem a essência de um clube contestador. De personalidade forte, o Rubro-Negro provoca rivais, peita a Globo, não se curva a decisões comuns e se orgulha de suas posturas.
Hoje (29/10/2022), o Flamengo terá pela frente um time que gosta de incomodar. Tudo que não pode ser dito sobre o Athletico é que é uma agremiação como qualquer outra. A partir das 17h, em Guayaquil (Equador), estará em jogo um sonho de seu mandatário Mario Celso Petraglia, que preconizou o título da Copa Libertadores e mira no Mundial de Clubes.
Não é raro ouvir-se falar do Athletico como um time "do contra". E esse posicionamento se espalha por vários setores da Baixada. Sem nenhuma intenção de ser afável, desprovido do desejo de agradar a todos, desinteressado em ser simpático a quem não seja da sua torcida, o Furacão deixa sua marca por onde passa, gostem ou não.
"Não abaixamos a cabeça nunca".
Outra das frases de autodefinição do Athletico casa bem com sua postura. Principalmente em relação à Globo, detentora de direitos de transmissão da maioria dos campeonatos. O clube se recusou a aceitar ofertas da empresa e bloqueou transmissões de jogos enquanto conseguiu. Além disso, produziu suas próprias maneiras de passar os jogos, voltadas a seu público específico, ignorando qualquer possibilidade de acordo coletivo.
"Quem destruiu o futebol brasileiro foi a rede de televisão, que fez essas injustiças absurdas na distribuição de valores de TV, além de não valorizar o nosso futebol. A indústria do entretenimento do futebol foi destruída no Brasil nas últimas décadas", disse Petraglia.
"Somos intensos, somos temidos".
O Athletico não tem dúvida: o status de "clubes grandes" do futebol brasileiro é ultrapassado. A tradição de considerar 12 clubes como mais importantes do cenário nacional — São Paulo, Santos, Corinthians, Palmeiras, Flamengo, Vasco, Botafogo, Fluminense, Inter, Grêmio, Atlético-MG e Cruzeiro) está equivocada. Falta o Athletico entre eles.
E seu pleito não reside apenas em valorizar os feitos do clube, como ser referência na formação de jogadores e ter histórico de títulos, como Brasileirão, Sul-Americana e Copa do Brasil. Mas em provocar rivais.
O alvo preferido é o Santos. "O Athletico passou o Santos de trator. Não passou naquilo que vocês têm consciência que levam anos, décadas, que é a formação da torcida. Mas, no resto, o que o Santos significa perto do Athletico?", indagou o presidente. "Quem vive de passado é museu. Tanto que é o Santos de Pelé, e não Pelé do Santos", completou.
Mas costuma sobrar para todo mundo, como Palmeiras. "A Leila [Pereira, presidente do Alviverde] quer ser campeã do mundo porque é uma piada, um meme, o Palmeiras não é campeão do mundo, e ela quer quebrar isso [risos]", ironizou.
Inter e Grêmio também. "Pegue os dois gaúchos [Internacional e Grêmio]: endividados. Problema deles, não temos nada com isso", disse.
E até o Flamengo. "Mesmo contra tudo e contra todos, o Athletico tem a melhor infraestrutura da América do Sul. Mas o Flamengo tem um centro de treinamento, que temos aquela passagem fatídica que não gosto nem de repetir [incêndio no Ninho do Urubu], e não tem estádio, está pensando em fazer um agora", disparou.
"Passamos por cima de quem não põe fé na gente".
Passar por cima, de fato, é especialidade do Furacão. A personalidade forte de seu presidente, que rege o clube de forma absolutista, tomando para si todas as decisões necessárias, se alastra por todo ambiente rubro-negro. O Athletico não faz questão de ser um clube simpático.
Seja na aversão a dar entrevistas, no fechamento das portas do CT para cobertura jornalística ou na forma que se relaciona, o Furacão mira atender apenas um público: seu torcedor.
Quando se manifesta, Petraglia costuma ser firme. E isso por vezes também gera atritos. "Fomos roubados, absurdamente assaltados. Futebol brasileiro é isso aí, por isso não dou entrevistas. Falo a verdade e sou mal-entendido", disse ao reclamar da arbitragem no duelo com o Flamengo na Copa do Brasil.
Nos bastidores, o clube é uma das vozes mais firmes contra a divisão de cotas prevista na formação de uma Liga de Clubes no Brasil. Petraglia sempre repete que não irá se curvar ao desejo de manter clubes como Flamengo e Corinthians recebendo valores muito maiores do que outros.
"O que nós queremos é dividir melhor, mais justo, e não o Flamengo ter 70 vezes o valor do Athletico-PR em pay-per-view. 70 vezes na mesma competição. Que joguem sozinhos. Que jogue Flamengo contra Corinthians, Corinthians contra Flamengo", disse.
"Podemos conquistar um lugar onde ninguém imaginou que poderíamos estar".
O Athletico se fez grande. O clube teve uma série de iniciativas para arrancar da Série B há dez anos até a final da Libertadores. Entre elas a profissionalização, a produção e venda de talentos, o investimento no time e o apreço pela infraestrutura.
Atualmente, com o comando técnico firme e experiente de Felipão, apoiados numa escola de goleiros de sucesso, a equipe teve trajetória ímpar na disputa da qual é finalista hoje.
Como campeão da Sul-Americana do ano passado, o Furacão entrou na Libertadores já na fase de grupos. Passou pela Chave B em segundo, com 10 pontos. Nas oitavas encarou o Libertad e avançou com vitória e empate. Nas quartas foi a vez de despachar o Estudiantes, e na semi eliminou o atual bicampeão da competição, o Palmeiras.
"Todos os caminhos só podem nos levar a um lugar: o nosso destino de campeão".
Hoje, o Furacão defende um sonho antigo de seu presidente. Foi em 2015, em entrevista à Rádio Banda B que ele preconizou a disputa do Mundial de Clubes, e o título, até o ano do centenário do clube, em 2024.
"Fomos campeões da Série B e A [do Brasileirão], quase fomos bicampeões dentro de dez anos prometidos, vice-campeões da Libertadores [2005]. Essa família atleticana sabe o que é melhor e quem merece a confiança. Seremos, até o nosso centenário, campeões do mundo", declarou.
Ainda dá tempo. Tudo passará pelo que acontecer no campo do estádio estádio Monumental Isidro Romero Carbo, em Guayaquil.
Texto 2:
O presidente do Athletico, Mario Celso Petraglia, fez uma promessa em 2014 de que faria o clube campeão mundial em 10 anos. Finalista da Libertadores, o Furacão encara o Flamengo neste sábado, no estádio Monumental de Guayaquil, e está a três jogos de consagrar o dirigente com dois anos de antecedência.
Polêmico, ambicioso e visionário, o dirigente de 78 anos transformou um "time de bairro", como ele se refere ao período anterior à sua chegada - para ira da torcida - a um clube que incomoda os gigantes brasileiros e da América do Sul. Como estrutura, o moderno Centro de Treinamento do Caju e a Arena da Baixada, reformada duas vezes e, agora, o único estádio com teto retrátil na América Latina.
Em sua galeria de taças, o Athletico agora tem os títulos do Campeonato Brasileiro (2001), da Copa do Brasil (2019) e da Sul-Americana (28-18-2021). Todos debaixo do guarda chuva de Petraglia, no clube de 1995 até agora, com uma saída - para muitos "abandono" - entre 2009 e 2011.
Sob o comando de Luiz Felipe Scolari, 73 anos, o Furacão voltou à finalíssima da Libertadores após 17 anos. Em 2005, foi vice do São Paulo. A "glória eterna" está próxima de se concretizar e abaixo fazemos um resumo da trajetória do mandatário atleticano, querido por jogadores, avesso à imprensa e responsável por mudar símbolo e nome do clube sem a aprovação da torcida.
Gaúcho de Cruzeiro do Sul, Petraglia se mudou para Curitiba na infância e passou a se relacionar nos bastidores do Athletico na década de 1980. A revolução comandada pelo dirigente se solidificou após ver o time rubro-negro sofrer uma goleada de 5 a 1 para o Coritiba, em 16 de abril de 1995 (domingo de Páscoa), no Couto Pereira.
Um ano antes, contudo, o dirigente oposicionista já planejava a queda do presidente Hussein Zraik de maneira democrática na eleição programada para o fim do ano seguinte. Só que a má campanha no estadual já pavimentava a sucessão antecipada, que ficou evidenciada no revés do Atletiba.
José Carlos Farinhaki seria o substituto, mas Petraglia desistiu do nome. Ele usava sua influência política através do então governador Jaime Lerner para impedir que o Athletico conseguisse empréstimos de bancos para diminuir dívidas e fazer contratações.
Zraik relutou a renunciar por um período, mas aceitou a queda com o argumento de que não conseguia administrar o clube pelas manobras internas. A saída foi em 17 de maio.
Assim, em 26 de maio, nova comissão gestora assumiu. Petraglia discursou no Conselho e, oficialmente, começou seu projeto pessoal para transformar o Furacão em um negócio. Na época, a dívida atleticana era de R$ 6 milhões.
No mesmo ano que assumiu, Petraglia conquistou o título da Série B com a dupla de ataque Paulo Rink e Oséas. Em 1996, o time caiu nas oitavas de final do Brasileiro para o Atlético-MG. Três anos depois, o clube ganhou a Seletiva com os atacantes Lucas, Kelly e Kleber e conquistou uma vaga na Libertadores de 2000.
Os atacantes foram protagonistas em campo, mas também ajudaram o clube nas finanças. As vendas desse período fizeram com que Petraglia levantasse o CT do Caju e transformasse um estádio defasado na Arena da Baixada, ambos inaugurados em 1999.
A ousadia não parou por aí. Com a Copa do Mundo confirmada para o Brasil em 2014, o dirigente atleticano desbancou projetos do estádio Pinheirão e bancou que construiria uma nova arena do zero.
A remodelada Arena da Baixada até chegou a correr riscos pelo atraso na reforma, mas foi reinaugurada em maio do ano do Mundial. Inteira cinza, em novo ato contra a vontade da torcida, o estádio possui teto retrátil e depois veio a ter grama sintética, inovações no futebol brasileiro.
O clube ainda discute judicialmente o pagamento do estádio, com custo final de R$ 342,6 milhões. TCE-PR deu parecer favorável para um novo acordo tripartite entre Athletico, prefeitura e governo. No total, o Athletico contabiliza R$ 483 milhões deste financiamento em seu balanço financeiro. A dívida é corrigida anualmente por uma taxa de juros.
A ideia do Furacão é dar uma entrada próxima de R$ 50 milhões e parcelar o restante em até 20 anos. De acordo com o balanço de 2021, o clube possui R$ 152,1 milhões aplicados e tem caixa de sobra para fazer o primeiro aporte.
Do CT, o Furacão tem as categorias de base como uma das mais fortes do país e revela atletas, com retornos esportivos e financeiros.
Nos últimos cinco anos, o clube se aproximou da marca de R$ 500 milhões em vendas, com Bruno Guimarães, Renan Lodi e Robson Bambu no top-3. Outros nomes de destaque foram Léo Pereira, Rony, Vitinho e Pablo.
Em campo, nesse mesmo período copeiro, o Furacão se aproxima de R$ 400 milhões em premiações.
Desde 2013, por exemplo, Petraglia "largou" o Campeonato Paranaense e alternou entre time sub-23, aspirantes e principal, outro pioneirismo no país. O bom trabalho na iniciação reflete no principal.
No elenco finalista da Liberta, nove atletas foram formados no CT: Bento, Léo Linck, Khellven, Fernandinho, Christian, Vitinho, Rômulo, Marcelo Cirino e Pablo. Do lado flamenguista, mais dois vendidos pelo Athletico: Santos e Léo Pereira.
Polêmicas:
Petraglia e manchetes chamativas são praticamente um sinônimo. Em 1997, seu nome apareceu em uma gravação de telefonema com Ivens Mendes, então chefe do Conselho Nacional de Arbitragem, em um possível caso de corrupção. Petraglia chegou a ser suspenso do futebol por dois anos e o Athletico por um ano, mas não se cumpriu - o Furacão perdeu cinco pontos no Brasileirão.
Ao longo do tempo, o dirigente colecionou declarações que repercutiram pelo Brasil. Recentemente, o dirigente disse que o Santos quebrou e o Athletico o passou de trator, que Corinthians e São Paulo baixaram de teto e que Inter e Grêmio estão endividados.
Petraglia também vislumbra que a SAF vai alçar o Furacão como potência do continente: "Maiores que River Plate, Boca Juniors e Flamengo", sentenciou em abril deste ano.
O mandatário atleticano, contudo, evita a imprensa e aparece pontualmente. A decisão se estende para o elenco, blindado ao máximo - muitas vezes contra a vontade dos próprios atletas. Também é comum que os empresários de jogadores evitem declarações ou confirmação para não desagradar o dirigente.
De difícil trato, Petraglia coleciona episódios de rompimento com aliados, como o ex-presidente Marcos Malucelli, e tem um perfil centralizador. Poucos conseguem manejá-lo e uma das exceções é o treinador e diretor Paulo Autuori, com idas e vindas pelo clube.
Entre o amor e o ódio com a torcida:
A relação do torcedor atleticano com Petraglia é de inúmeros altos e baixos. Após abandonar o clube em 2009, quando brigava contra o rebaixamento, o dirigente retornou em 2011 ao ser eleito presidente logo após a queda para a Série B.
O Athletico subiu à Série A no ano seguinte e foi vice-campeão da Copa do Brasil em 2013 diante do Flamengo. No fim de 2015, o mandatário foi reeleito em uma disputa acirrada: apenas 249 votos o garantiram como presidente do Conselho Deliberativo, uma manobra estatutária para seguir no comando do Furacão.
O desgaste com a torcida fez com que protestos fossem frequentes, mesmo quando o campo ajudava. As maiores queixas são a falta de cores preta e vermelha na Arena, o preço caro do ingresso e do sócio-torcedor com a falta de vantagens e, principalmente, o desrespeito no tratamento com os torcedores.
É comum, assim, ver o Petraglia extravasar contra o maior patrimônio do Athletico. "Bando de interesseiros e ingratos", "O que fizeram além de encher o saco?", "Não me façam me arrepender pelo que fiz por esse time de bairro", "Viúvas de ex-treinador", entre outras respostas ríspidas em redes sociais.
Outro descontentamento do presidente é com a torcida organizada Os Fanáticos, acostumada a estreitar e romper laços com a diretoria de acordo com os interesses do dirigente. A proibição de materiais no estádio é rotineira, assim como a liberação depois.
Neste ano, por exemplo, Petraglia pediu para a organizada não viajar em jogos fora a fim de evitar brigas e defendeu a torcida única no país todo. A Fanáticos não aceitou o pedido.
Mudanças de nome e símbolo:
Um dos atos mais emblemáticos de Petraglia foi mudar a grafia e o símbolo do Athletico. No fim de 2018, na véspera da final da Sul-Americana, ele promoveu uma revolução silenciosa sem aprovação dos Conselhos e sócios.
O então Atlético incluiu o "H" no nome e alterou totalmente o uniforme e o escudo. A recuperação da letra, segundo o dirigente, tinha a intenção é resgatar o passado. O Atlético, então, voltou a se chamar Club Athletico Paranaense, como em sua fundação em 1924.
Vale destacar que, na década de 30, uma reforma ortográfica fez com que o "H" saísse do nome, sem decisão interna do clube.
Outra grande mudança foi as quatro listras ascendentes e a sigla CAP completando o formato no símbolo. A inspiração foi a Juventus, da Itália. O projeto também tem palavras de ordem "Ambição", "Entusiamo", "Rebeldia" e "Inovação" para marcar o "início de uma nova era".
Curiosamente, a passagem de Atlético para Athletico marcou um ciclo vitorioso do clube no Brasil e na América do Sul.
Passagem do bastão:
"Quem vai substituir Petraglia?" e "O Athletico manterá seu crescimento sem Petraglia?" são perguntas que atleticanos não sabem prever. E, de fato, o dirigente não preparou um sucessor.
Em 2019, com então 75 anos, ele teve problemas pós-operatório e chegou a ficar internado por 48 dias no hospital Novo Star em São Paulo. Na ocasião, o mandatário rubro-negro não presenciou o título da Copa do Brasil diante do Inter.
Na capital paulista, Petraglia passou por mais dois procedimentos cirúrgicos para a correção de fístula intestinal e o fechamento da parede do abdômen. O dirigente correu sérios riscos de morte na época.
Em conversas internas, o clube acredita que muita coisa "funciona no automático" sem a presença de Petraglia. O grande temor é não encontrar alguém que mantenha a visão de futuro. Até por isso, o presidente quer vender a SAF do Athletico para garantir que não haja aventureiros no caminho.
Nota do blog 1: Em um curto espaço de tempo, um time que não tem a maior torcida nem no estado do Paraná, construiu um belissímo estádio, conseguiu títulos e bons resultados, tudo isso jogando contra clubes de torcidas e orçamentos muito maiores.
Nota do blog 2: Ainda não foi desta vez que o Athletico ganhou a Libertadores. O Flamengo venceu a final em Guayaquil por 1x0. O Athletico conseguiu seu segundo vice-campeonato da competição.