terça-feira, 4 de outubro de 2022

Selo "Bicentenário da Independência - Movimentos Populares", 2022, Brasil


 



Selo "Bicentenário da Independência - Movimentos Populares", 2022, Brasil
Selo




Através do conceito de Utopia e a ideia de um país em construção o artista se apropria de diversas imagens históricas de manifestações populares no Brasil e cria uma nova imagem, uma Utopia Reinventada a partir de lutas sociais e manifestações populares. Utilizando a palavra como objeto simbólico o artista cria uma imagem composta por milhares de letras, frases e palavras que propõem a reinvenção da utopia Brasileira através do poder da memória (como um lugar de luta e disputa por narrativas sociais). O poder de contar e escrever a própria história é também a possibilidades de construir um futuro mais justo para o Brasil, um projeto de futuro que possa valorizar narrativas de igualdade e de justiça social. A técnica utilizada foi datilografia, carimbo e xerografia sobre papel.
A Independência do Brasil quase sempre foi contada e recontada como se ela tivesse sido, simplesmente, um grande acordo entre elites interessadas na manutenção e reforço de seus interesses políticos e econômicos. Em consequência desse acordo, a imensa maioria da população do Brasil à época – cerca de 3 milhões de pessoas – teria ficado completamente fora de um processo supostamente linear, sem grandes solavancos e fundamentalmente pacífico. Ao longo dos últimos 200 anos, essa versão da Independência foi sendo reforçada por um dos grandes mitos fundadores de nossa história nacional: a de um país criado e desenvolvido sem guerras, sem excessiva violência, e povoado por habitantes de índole pacífica, cordata e propensa ao entendimento.
Não custa provar que nossa história não foi assim: basta olhar ao nosso redor e para como tem vivido a imensa maioria dos brasileiros nos últimos dois séculos. Tampouco a Independência, capítulo fundador e central da história brasileira em geral, foi assim. É bem verdade que a separação política entre Brasil e Portugal teve acordos entre elites, entendimentos de poderosos em defesa de seus interesses comuns, e transições negociadas que resultaram em um país que, desde o seu nascimento, tem características bastante peculiares, nem sempre bem decodificadas por quem sobre ele lança um primeiro e despreparado olhar. Mas ela também teve muita, muita violência. A começar pela violência inescapável a toda sociedade – como era a do Brasil de começos do século XIX – assentada na escravidão. Teve também violência sob a forma de conflitos armados, civis e militares, e que durante a década de 1820 ocorreu em muitas regiões do país que estava se formando, inclusive as guerras na Bahia, Maranhão, Piauí, Pará e na Província Cisplatina (atual Uruguai, à época parte do Reino e depois Império do Brasil). E mesmo que o embate entre diferentes projetos políticos, típico da Independência, nem sempre tenha descambado para a violência aberta, a imprensa da época e as manifestações das ruas potencializaram ainda mais diversas formas de participação popular que não deveriam, jamais, ser menosprezadas. Mesmo que elas não tenham sido a principal força em atuação na Independência.
Na historiografia da Independência, a participação popular sempre esteve na mira de muitos tentos e importantes historiadores que, no entanto, quase sempre se constituíram em vozes minoritárias. José Honório Rodrigues, por exemplo, na década de 1970 dedicou significativas páginas de sua vasta obra, Independência: revolução e contra-revolução, ao tema da participação popular. Anos depois, o crescimento dos estudos focados na escravidão negra, na história indígena e no campo do direito foram ativos revisores do tema, dando-lhe novas dimensões. Atualmente, os estudos sobre a Independência estão mais ávidos do que nunca de prosseguir nessa trajetória.
Também pudera: vivemos em um Brasil à flor da pele sensível ao até agora perene problema das diferenças sociais, reforçado por renovadas perspectivas de combate ao racismo, ao machismo, ao sexismo e a todas as demais formas de preconceito e exclusão. Os estudiosos do passado, por dever de ofício sempre sensíveis ao mundo que, no presente, os rodeia e os informa, nunca estiveram tão à vontade para reconhecer: a Independência do Brasil teve, sim, participação popular.
O que não significa, claro, um salvo-conduto para se exagerar e distorcer tal participação. Ela pode não ter sido elemento central nas linhas de força que definiram a Independência. Mas a separação entre Brasil e Portugal, que criou as condições para a criação de um Estado, de uma nação e de uma identidade nacional brasileiros que não existiam antes de 1822, foi também resultado de ações, ideias, visões de mundo, anseios e frustrações localizados, principalmente, entre camadas mais inferiorizadas da sociedade da época. E como nos ensinam os grandes mestres historiadores, a história dos perdedores, por tê-los feito perdedores, não deve jamais ser confinada ao esquecimento. Inclusive porque a história, como realização humana, é, sempre, um caminho em aberto e que pode conduzir a diferentes lugares, a depender das vontades e das condições de seus únicos protagonistas. Vencidos do passado podem vir a ser vencedores do futuro.
E assim, a iniciativa dos Correios de evocar e homenagear a participação popular na Independência do Brasil por meio de um selo se constitui em um destacado marco do Bicentenário de 2022, oferecendo aos brasileiros um excelente pretexto para que este Bicentenário de tão importante acontecimento seja, mais do que um manancial de festejos, um convite ao conhecimento e ao entendimento de seu país, de sua história e do lugar em que, neles, cada um de nós ocupa.

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