segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Fachada do Clube dos Vinte, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, Brasil


 

Fachada do Clube dos Vinte, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, Brasil
Santa Cruz do Rio Pardo - SP
Foto Postal Colombo N. 16
Fotografia - Cartão Postal



O clube que foi considerado um dos melhores e mais animados do interior do Brasil hoje é uma mera lembrança dos “anos dourados” e cuja história está se perdendo. Ninguém sabe o paradeiro dos enormes álbuns de fotografias que o clube guardava a sete chaves, o imponente prédio foi cedido à Associação Comercial e Empresarial (ACE) e até o piano de cauda desapareceu. Mas quem conheceu a alegria de seus bailes e eventos não esquece a magia do Clube dos Vinte de Santa Cruz do Rio Pardo.
A agremiação era uma das mais antigas da cidade, fundada em julho de 1929 por um grupo de 20 nomes considerados ilustres na sociedade, liderados por Leônidas do Amaral Vieira. Aliás, a data de inauguração foi escolhida por ser o aniversário do principal nome entre seus fundadores, que era o prefeito da cidade no ano anterior.
A primeira sede foi na rua Conselheiro Antônio Prado, num prédio alugado que mais tarde seria a rádio Difusora. É por isso que a emissora aproveitou um palco que existia no imóvel para promover eventos durante muitos anos.
Em 1954, o clube recebeu auxílio do governo do Estado para construir sua sede própria. O terreno escolhido ficava na antiga Praça da República (atual Leônidas Camarinha) e a construção ficou pronta em 1958.
“Foi um clarão de cultura, lazer, bom gosto e entretenimento em toda a Média Sorocabana no final da década de 1950 e nos anos 1960. Não havia apenas grandes orquestras e cantores ou um restaurante fabuloso, mas todo um movimento cultural”, conta o economista Miguel Moyses Abeche Neto, que morava em Santa Cruz do Rio Pardo naquela época e frequentava o Clube dos Vinte.
De fato, o Clube dos Vinte mantinha uma programação cultural invejável, com brincadeiras dançantes, cinema, teatro e outras atividades. Foi a agremiação que trouxe para Santa Cruz, por exemplo, o matemático José Cesar de Mello e Souza, que adotou o nome de “Malba Tahan” e cuja data de nascimento foi instituído como o “Dia da Matemática” no Brasil.
Havia, ainda, o “Programa do Estudante” nas noites de sextas-feiras e o “Rádio Clube Mirim”, apresentado pelo animador José Eduardo Catalano nas manhãs de domingo. Estes eventos chegaram a revelar talentos, como a atriz de teatro e televisão Cléo Ventura.
Após o cinema ou o Programa do Estudante, a juventude tinha um encontro marcado com Mário Nelli e seu conjunto. Naquele tempo, a dança era frequente entre os casais.
Os bailes das debutantes marcaram época, com a presença de artistas famosos da televisão ou cadetes da Academia das Agulhas Negras. Miguel Abeche conta que, certo dia, conheceu um músico e, durante a conversa, descobriu que ele havia tocado em Santa Cruz do Rio Pardo. “Segundo ele, o baile do Clube dos Vinte era o sonho de todo artista da época. Eram eventos reconhecidos no Brasil todo”, disse.
Havia também promoções beneficentes, como o “Natal das Crianças Pobres”, que o clube fazia para arrecadar recursos para, no final do ano, comprar brinquedos para crianças de vilas carentes.
Os carnavais do clube passaram a fazer história logo que a sede própria foi inaugurada. Claro que no ano seguinte, 1959, uma outra ala política de Santa Cruz inaugurou o Icaiçara Clube e durante anos houve uma rivalidade intensa. Mas nada desbancou a hegemonia do Clube dos Vinte durante quase uma década. Afinal, era o clube popular, o lugar da classe média.
O equilíbrio entre Icaiçara e Clube dos Vinte só começou a partir de 1964, quando Geraldo Vieira Martins assumiu a presidência do Ica e iniciou um trabalho de popularização da agremiação ligada ao grupo político dos “azuis”.
Mas até 1964, o melhor carnaval de toda a região estava no Clube dos Vinte, cujo salão ficava lotado nas quatro ou cinco noites de folia. Vinha gente de toda a região para acompanhar as brincadeiras.
A agremiação teve até uma orquestra exclusiva, comandada por Sérgio Ribeiro, que animou carnavais durante quase uma década. Além disso, havia bailes “pré-carnavalescos”, promovidos a partir de janeiro e até a véspera da folia. Na semana da folia, havia o “Carnaval dos Brotinhos”, das 19h às 22h.
Em 1963, por exemplo, pularam no piso do clube nada menos do que a atriz norte-americana Rhonda Fleming — chamada na época de “Vênus Platinada de Hollywood” — e o astro italiano Rossano Brazzi. A dupla estava rodando o filme “Pão de Açúcar” em Jacarezinho/PR e veio passear em Santa Cruz.
O carnaval no clube era tão importante que em 1966, logo após a cassação do governador Ademar de Barros em plena ditadura militar, o substituto Laudo Natel resolveu passar uma noite em Santa Cruz do Rio Pardo. E foi ao carnaval do Clube dos Vinte, acompanhado do usineiro Luizito Quagliato.
Terminado o carnaval, as atividades continuavam na Quaresma, com campeonatos de pingue-pongue, xadrez, dama, baralho e até futebol de botão. A juventude, enfim, tinha o que fazer em praticamente todas as noites.
Segundo Miguel Abeche, o segredo do sucesso era a direção do clube sob comando de “pessoas diferenciadas”, citando, entre outros, Teófilo Queiroz, Leônidas Camarinha, Carlos Queiroz, Paulo Suzuki e Ângelo Aloe.
Até 1964, apesar do apelo popular, o clube seguia as regras sociais da época. Só entrava quem vestisse paletó e, logo na recepção, havia um porta-chapéus e cabideiros para guardar os acessórios dos homens e os casacos — de pele ou mais simples — das mulheres.
O restaurante era o mais equipado da região, com um balcão de luxo fabricado com aço inox, e oferecia aperitivos e amendoim nas manhãs de domingo, enquanto a criançada se divertia no programa “Rádio Clube Mirim”. Durante anos houve também a “Festa Junina”, com quentão e o tradicional “correio elegante”.
Na primeira metade dos anos 1960, o clube chegou a sortear um automóvel zero quilômetro entre seus associados. O reluzente Dauphine, fabricado pela Willys do Brasil sob licença da francesa Renault, saiu para o advogado santa-cruzense Osmar Gonzaga de Oliveira.
Era comum a presença de artistas em bailes do Clube dos Vinte, como o cantor Dick Farney ou a vedete Virgínia Lane, além de astros como Carlos Zara, Paulo Figueiredo e outros.
Alguns nem eram contratados, mas apareciam para se divertir, como Pery Ribeiro — o primeiro cantor que gravou a música “Garota de Ipanema” de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Na verdade, Pery havia se apaixonado por uma mulher de Santa Cruz do Rio Pardo.
Mas nada foi tão marcante quanto um baile cujo cantor não compareceu. O contratado era nada menos do que Cauby Peixoto, uma das grandes estrelas da MPB na época. No sábado à noite, o cantor não apareceu, frustrando centenas de fãs e a direção do clube. Numa época em que não havia internet e nem celular, ninguém imaginava o que havia acontecido.
Porém, na tarde de domingo eis que um sorridente Cauby aparece na porta do Clube dos Vinte. “Mas o baile não é hoje?”, perguntou. Na verdade, o cantor se confundiu com as datas e ficou muito irritado ao descobrir o erro e saber que não iria mais se apresentar no salão.
Uma multidão começou a se formar em frente ao clube. Cauby percebeu e logo disse às pessoas que estavam no bar: “Venham comigo”. Em seguida, dirigiu-se ao coreto da praça central, cantou uma música e mais a consagrada “Conceição” antes de entrar no carro e deixar a cidade. Nunca mais Cauby Peixoto pisou em Santa Cruz do Rio Pardo.
Nos “anos dourados”, a rádio Bandeirantes transmitiu ao vivo, diretamente do Clube dos Vinte, o programa “Os Brotos Comandam”, comandado por Luiz Aguiar. Era um sábado e à noite houve um baile com a banda “The Bells”, famosa na “Jovem Guarda”, e a presença de astros como Jerry Adriani, Wanderlei Cardoso, Dalva Aguiar, Meire Pavão e outros. Horas antes, todos participaram de um show no cinema.
Claro que ainda houve uma outra geração que se divertiu no Clube dos Vinte a partir dos anos 1970 até o final da década de 1980, quando começou o declínio da agremiação. Em meados dos anos 1990, o clube fechou as portas. Algum tempo depois, o prédio foi entregue à Associação Comercial e Empresarial, que instalou sua sede no local sob o compromisso de manter e zelar por suas instalações.
Ficaram, contudo, as lembranças daquele que foi um dos maiores clubes do interior do Brasil e cuja história não pode se perder. Texto de Sérgio Fleury Moraes.

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