Barata-de-Cozinha Começou Saga de Dominação Global há 2.100 Anos - Artigo
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O mistério que cercava as origens da barata mais comum do planeta pode ter chegado ao fim, segundo um estudo publicado nesta semana na PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences). Análises de DNA indicam que a Blattella germanica, também conhecida como barata-de-cozinha, francesinha ou baratinha-alemã, protagonizou uma expansão lenta, segura e gradual por algumas regiões do Velho Mundo ao longo dos últimos dois milênios, até se tornar uma ameaça globalizada do fim do século 19 em diante.
Apesar dos nomes populares e até do nome científico "germânico", a espécie originalmente não tinha nada de alemã. Os dados genômicos indicam que a linhagem do bicho se separou da de sua parenta mais próxima, a B. asahinai, há 2.100 anos, provavelmente em algum lugar entre o leste da Índia e Myanmar, adaptando-se aos grandes centros urbanos que já existiam nessa região na época.
Os passos seguintes da saga global da baratinha também foram mapeados por um grupo liderado por Qian Tang, do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Nacional de Cingapura. Tang e seus colegas compararam as versões das "letras" químicas de DNA de um gene dos insetos em quase 300 baratas, coletadas em 17 países e seis continentes.
Um detalhe que chamou a atenção dos pesquisadores é que, das 1.536 "letras" de DNA desse gene, o máximo de variação entre uma barata e outra correspondia a trocas de 1 a 3 "letras". E isso quando havia variação: em 83% dos locais estudados, não havia diferença nenhuma no gene. Trata-se de um sinal claro de uma expansão populacional recente e rápida: não parece ter havido tempo suficiente para que o DNA das baratas das diferentes regiões divergisse muito, ao menos no caso desse gene.
Após a origem no sul da Ásia, a B. germanica passou por dois processos iniciais de expansão geográfica, mantendo sua associação com climas quentes, similares, nesse aspecto, aos de sua terra natal. Primeiro ela chegou ao Oriente Médio há cerca de 1.200 anos, provavelmente pegando carona nas rotas de comércio e incursões militares dos impérios islâmicos que surgiram nessa época (elas costumavam se esconder, por exemplo, nas cestas de pão carregadas pelos soldados). Depois, há cerca de 400 anos, chegou a outras regiões asiáticas a leste da Índia.
Em regiões mais ocidentais, os primeiros registros datam de apenas 250 anos atrás, na Europa Central (daí os apelidos de "alemã" e "francesinha"), momento em que os cientistas finalmente se deram conta da existência do bicho e deram a ele seu nome oficial.
Acredita-se que o salto definitivo da espécie rumo à dominação global começou um século mais tarde, com a popularização de tecnologias de aquecimento das casas e da construção de encanamentos e sistemas de esgoto, permitindo que as baratinhas se abrigassem e se reproduzissem mesmo em climas mais frios. Outro elemento que facilitou o avanço delas foi o surgimento dos navios a vapor, carregando os bichos rapidamente de um porto a outro.
Tanto é assim que as pequenas diferenças genéticas entre as populações parecem estar diretamente ligadas às conexões comerciais globais do fim do século 19. Um exemplo curioso é o das baratinhas de Cingapura e da Austrália, que têm parentesco mais próximo com as dos Estados Unidos do que com as da Indonésia (um país muito mais próximo). Mas tanto os EUA quanto os outros dois lugares estavam interligados pelas conexões comerciais e culturais com o Império Britânico, o que não era o caso indonésio.
De pequeno porte (até 1,5 cm) e incapazes de voar, as baratas dessa espécie gostam de se alimentar de restos de carne, amido, gordura e açúcar, podendo apelar para restos de pasta de dente e sabão se estiverem muito famintas, e até para o canibalismo. Seu ciclo de vida, de cerca de 60 dias, é o mais rápido entre as baratas que são pragas domésticas. No Brasil, só não são mais incômodas que as baratas voadoras, da espécie Periplaneta americana. Texto de Reinaldo José Lopes.
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