sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Palácio do Rádio, Avenida São João, São Paulo, Brasil

 
















Palácio do Rádio, Avenida São João, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia


Quem hoje ouve a Rádio Cultura faz uma associação direta à Fundação Padre Anchieta ou mesmo ao Governo do Estado de São Paulo, entretanto suas origens são mais antigas e relacionadas a um produto brasileiro bastante popular: o Biotônico Fontoura.
A rádio surgiu no início dos anos 30 como uma brincadeira dos irmãos Olavo e Dirceu Fontoura, filhos de Cândido Fontoura dono do conhecidíssimo Biotônico. As primeiras transmissões ocorreram na garagem de uma casa na rua Padre João Manuel, sendo inicialmente apenas para aprendizado e entretenimento deles e de amigos. O primeiro nome da estação foi “A Voz do Juqueri”, em alusão ao então Asilo de Alienados do Juqueri.
As irradiações de início clandestinas trouxeram algumas dores de cabeça aos Fontoura, que não desistiram e logo perceberam que sua brincadeira tinha enorme potencial, e dessa forma surgiria oficialmente a PRE-4 Rádio Cultura, agora renomeada de “A Voz do Espaço”.
E a rádio que deu seus primeiros passos em uma garagem, passou a crescer com investimentos da família Fontoura, agora em novas instalações, dessa vez oficiais, no bairro paulistano do Jabaquara, onde estavam localizadas sua torre de transmissão, escritórios e estúdios de irradiação.
A inauguração da sede no Jabaquara, em 1936, foi uma grande festa e contou com diversas personalidades do meio artístico e cultural, destacando-se Procópio Ferreira, que apresentou no local a peça “Deus lhe pague”. Também estava presente Nhô Totico, que desde 1934 já estava no elenco da Rádio Cultura com o programa “Vila da Arrelia”.
A aceitação da rádio pelos ouvintes de São Paulo foi imediata, com a audiência animando a família Fontoura, que logo percebeu que havia um grande inconveniente em sua sede no Jabaquara: era demasiadamente longe.
A distância da região central de São Paulo, onde tudo acontecia, não impedia os auditórios de encherem e nem mesmo eram obstáculo para as famosas peneiras, eventos que selecionavam novos talentos para o rádio, mas incomodava os proprietários que sentiam que se estivessem estabelecidos em uma região de maior destaque, teriam tudo para se consagram de vez.
Assim, surgiu em 1937 o projeto do futuro Palácio do Rádio.
A Rádio Sociedade Cultura, nome oficial da empresa de 1936 até 1969, e os Fontoura não mediram esforços para construir um edifício que transformaria de vez o rádio paulistano. Um prédio suntuoso na avenida São João, a mais elegante da cidade e apelidada por muitos de “Broadway Paulistana”, que abrigaria as novas instalações de irradiação, escritórios e um auditório.
Dessa forma, em 28 de março de 1939, apenas 3 anos depois da emissora abrir as portas oficialmente, nascia o magnífico Palácio do Rádio.
Construído em estilo art déco e fortemente inspirado nos famosos teatros de rádios dos Estados Unidos, o Palácio do Rádio era naquele momento a mais ousada e moderna instalação de uma emissora no Brasil. O edifício foi pensado para oferecer a melhor estrutura para seus espectadores, funcionários e, é claro, para as estrelas do rádio.
O auditório era moderno e contava com uma sofisticada iluminação indireta, poltronas grandes e confortáveis, sistema de ar condicionado, palco projetado para espetáculos radiofônicos de qualquer porte, sistema de som moderno à disposição tanto para a plateia quanto para os estúdios. Além disso, a discoteca da emissora contava com mais de 5000 discos no momento de sua inauguração.
De acordo com e edição de 28 de março de 1939 do extinto jornal Correio Paulistano, a Rádio Cultura passava a contar naquele momento com o maior e mais caro cast radiofônico do Brasil.
Portanto, a inauguração mostrou que a Rádio Cultura não inaugurava suas instalações por brincadeira: para a estreia foram convidados estrelas do rádio e da música de vários cantos do Brasil e do mundo, como o conjunto cubano “Habana”, a atriz e cantora argentina Lita Landi, o pianista brasileiro Francisco Gorga e o tenor húngaro Nicolau Szedo da Ópera Real da Hungria entre outros, todos eles dirigidos por Nicolau Tuma então locutor chefe da emissora.
Desde sua inauguração, o Palácio do Rádio passou a contar com um rigoroso sistema de entrada, uma de suas principais características, que só permitia a entrada do público em suas instalações mediante a retirada de ingresso, o que trazia maior segurança e organização aos espetáculos que lá eram exibidos.
Mas, com o passar dos anos, mais rádios surgiram no dial e a concorrência entre as emissoras passou a ficar cada vez mais acirrada. Além disso, a família Fontoura também já não conseguia dedicar-se como gostaria à rádio, já que sua empresa principal, a do biotônico, requeria muito atenção e tempo dos filhos de Cândido Fontoura.
Assim, em 1940, a Rádio Cultura acabou vendida para Paulo Machado de Carvalho, proprietário da Rádio Record, passando a formar as Emissoras Unidas. Posteriormente, em 1953, foi novamente vendida, desta vez para as Organizações Victor Costa.
Aos poucos a rádio passou a enfrentar dificuldades e deixou de contar com elenco próprio, o que reduziu consideravelmente o público que frequentava o Palácio do Rádio. Mesmo assim o aniversário de 22 anos da emissora foi bastante comemorado e contou com transmissão pela extinta TV Paulista, mas já sem o mesmo brilho de antes.
Dessa forma, com o auditório recebendo um público bem abaixo do esperado e as atenções começando a se voltar aos programas televisivos, em destaque desde o surgimento da TV no Brasil em 1950, começou-se a pensar em novos usos para o ainda elegante Palácio do Rádio.
Em 1953 surge a possibilidade de Cacilda Becker assumir o auditório para transformá-lo em um teatro, as conversas realmente ocorrem mas por alguma razão, desconhecida, a célebre atriz brasileira desistiu da ideia no final daquele ano. É o começo do fim do que outrora e tão brevemente foi o grande endereço do rádio em São Paulo.
Diante dessa nova situação, a rádio foi mantendo um certo nível de qualidade, mas sem o brilho de antes, até ser vendida ao Grupo Diário Associados em 1959. A rádio ficaria sob o controle deste conglomerado até ser transferida, junto com TV Cultura, para o governo paulista através da Fundação Padre Anchieta no final da década de 1960.
Com tantas mudanças em curto tempo e o declínio da era do rádio em função da televisão, o edifício da avenida São João, número 1285, não encontrava um destino apropriado para continuar existindo.
Ele iniciou os anos 70 em franca decadência até que, em 1975, foi demolido. Alguns anos mais tarde seus vizinhos do lado esquerdo também foram demolidos. Restou apenas um, ainda que descaracterizado, onde funciona o Hotel San Michel.
Seus outros vizinhos deram lugar ainda nos anos 70, a um edifício comercial, hoje destinado à Polícia Civil (DPPC). Já o terreno que outrora abrigou o Palácio do Rádio, permaneceu vazio até 2013, até que no seu lugar foi construído um novo edifício.
O nome do empreendimento bem que poderia ser “Palácio do Rádio” em homenagem ao que outrora existiu ali, mas como estamos no Brasil a escolha foi bem fora de sintonia com a cidade: "Uptown Arouche".
E assim desapareceu, sem deixar rastros, um pedaço importante não só da história de São Paulo, mas também da memória do rádio no Brasil. Texto Douglas Nascimento.
Nota do blog: Imagens 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11, data 07/1939, crédito para Revista Acrópole / Imagem 2, data não obtida, crédito para Riveplac / Imagens 12 a 13, data e autoria não obtidas.

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