História do Monumento Criado para Comemorar o IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1954, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Artigo
Embora Oscar Niemeyer seja muito reverenciado, quase ninguém conhece um projeto dele que foi um estrondoso fracasso. Era um monumento símbolo da cidade, inaugurado há exatos 60 anos, em 25 de janeiro de 1954. Projetado para a entrada principal do parque Ibirapuera, o monumento foi pensado para ser uma marca de São Paulo – mais ou menos o que Cristo Redentor é para o Rio. Ele era uma enorme e elegante espiral de concreto, que parecia irromper do solo avançando para o céu. A ideia era que aquilo simbolizasse o espírito progressista e laborioso de São Paulo, a pujança, o crescimento, o futuro de glória dos paulistas, enfim, essas baboseiras ufanistas, cultivadas com tão pouca autocrítica no discurso oficial da época. As fotos da maquete dão uma ideia da grandiosidade da coisa.
Antes mesmo de começar a ser construído, o monumento já tinha virado um emblema, adotado como logomarca oficial da cidade. Estava estampado por todos os lugares, daí a grande expectativa de que ele ficasse pronto para as comemorações do Quarto Centenário, em 25 de janeiro de 1954.
Mas houve um probleminha: do jeito que o monumento tinha sido projetado, por mais que os engenheiros se esforçassem, não teve jeito. Ele simplesmente não ficava em pé. Não com os materiais e a tecnologia de construção disponíveis na época.
Depois de diversas tentativas, a solução encontrada para minimizar o vexame foi construí-lo em juta e gesso ao invés de concreto, aos 46 minutos do segundo tempo. Mesmo assim não foi fácil, e ele acabou ficando meio troncho, com aparência grosseira, pouco lembrando a delicadeza característica das curvas do Niemeyer. Como era de gesso, naturalmente durou pouco: se desfez na primeira chuva, assim como o futuro de glórias de São Paulo.
Há quem diga que Niemeyer morreu negando o fiasco. Segundo ele, o projeto nunca chegou a ser construído. As fotos da inauguração do parque, no entanto, parecem desmenti-lo. E em 2008 a história foi contada em mais detalhes por uma testemunha dos fatos, Mauris Warchavchik, conforme entrevista abaixo:
Conversando com Mauris Warchavchik sobre alguns episódios do passado de São Paulo, quando ele se lembrou de algo peculiar: "O senhor conhece a história do Monumento do IV Centenário?", perguntou ele. Eu não me lembrava. Do símbolo do IV Centenário, sim; do monumento, não. Mas são, no fundo, a mesma obra. Aspiral é seu nome. E a verdadeira história de sua construção e do que aconteceu com ela foi contada pela primeira vez, naquele dia, por ele. "Nunca contei, mas agora vou contar o que aconteceu."Mauris se lembra do dia em que Ciccilo Matarazzo procurou seu pai, o famoso arquiteto Gregori Warchavchik. E da frase que proferiu: "Estou desesperado! Não consigo construir o monumento símbolo do IV Centenário!". Faltavam dois meses para o evento mais esperado da década. O ponto alto dos festejos do IV Centenário seria a inauguração do Parque do Ibirapuera. E a principal efeméride da abertura do parque, a inauguração do monumento em questão. O projeto de Oscar Niemeyer, conta Mauris, muito bonito, previa a construção de uma haste, em torno da qual havia uma espiral, com inclinação de 45 graus. O que seria inexequível, para os engenheiros consultados. Gregori delegou a tarefa, então, ao seu sócio, Walter Neuman. "Ele vai resolver seu problema", prometeu a Ciccilo. Neuman também achou inexequível colocar a haste naquela inclinação, mas apresentou uma saída. "Vamos colocar a haste a 60 graus sem contar para o Niemeyer. Ele não vai perceber. "Ciccilo concordou. E se acalmou. Estava sob forte pressão. Seu maior crítico era Jânio Quadros, que já o fustigara como deputado estadual, Ciccilo presidia a comissão dos festejos do IV Centenário desde 1951. "Não pode aparecer como um dos dirigentes da comemoração um casal em situação irregular com a Santa Madre Igreja", disse Jânio, aludindo ao fato de Ciccilo viver com Yolanda Penteado, separada do primeiro marido. Empossado prefeito em março de 1954, Jânio encontrou em Ciccilo o inimigo ideal. Ninguém melhor para simbolizar o "milhão" contra o qual Jânio lutava, na condição de "tostão". Ciccilo não tinha a fortuna do primo, o conde Francisco Matarazzo Júnior, que faturava 3 bilhões por ano com suas 300 empresas, ante 7 bilhões arrecadados pelo governo de São Paulo, mas servia. Era dono da Metalúrgica Matarazzo e o maior mecenas da cidade. Neuman passou a supervisionar a obra, cuja execução foi entregue a uma construtora, a mesma que estava erguendo um dos edifícios do parque, a futura sede do Detran. Num certo fim de semana, Mauris, então com aproximadamente 30 anos, atende o telefone no escritório do pai, com quem trabalhava. "O negócio está desmoronando", ouve do mestre-de-obras. Chamado às pressas, Neuman constata, na segunda-feira, o grande erro. Os pedreiros, em vez de cobrirem a espiral com dois centímetros de concreto, como especificado, cobriram com quatro centímetros. Muito peso. A espiral veio abaixo. E levou a haste para o chão. Faltavam dois dias para a grande festa. Ciccilo não podia saber, o risco de enfarte seria grande. Neuman mandou comprar juta e gesso. A haste foi levantada, a espiral colocada em seu lugar e o conjunto envolvido em juta e coberto com gesso. A inauguração foi um sucesso. Há uma foto que mostra o momento em que as autoridades se dispersam, no final da cerimônia. Além das sempre presentes "autoridades militares e eclesiásticas", estão lá o prefeito Jânio Quadros e o governador Lucas Nogueira Garcez, nem tão próximos assim, sem se abraçar ou se cumprimentar, mas estão lá. "Seis meses depois", conta Mauris, "fortes chuvas derreteram a juta e o gesso, deixando a estrutura de ferro exposta. Em pouco tempo, deve ter enferrujado. E, então, alguém, não sei quem, deve ter mandado jogar fora o que um dia foi o monumento símbolo da maior festa de São Paulo de todos os tempos.” As fundações, acredita ele, estão até hoje enterradas em algum ponto em frente à marquise, na Avenida Pedro Álvares Cabral. Não é difícil supor que Jânio, então governador, dada a ojeriza que demonstrou pela construção do parque, tinha o maior interesse em sumir com o monumento. Em entrevistas, Jânio comparou "as luzes e fogos do Ibirapuera" com a "noite da Ilha Fiscal" (a derradeira festança da monarquia, no Rio). E alardeou: "Encontramo-nos no fundo do poço e parece que existe quem deseja promover um baile nele." Há, no entanto, uma saída. O monumento pode ser reconstruído. Mauris já foi procurado por técnicos da Prefeitura, informados sobre o seu relato, publicado pela primeira vez na revista K, um house organ da construtora Klabin Segall, produzido pela editora SAX. "Com os materiais de hoje, vai ser possível, inclusive, obter a inclinação de 45 graus, como está no projeto original", pondera Mauris Warchavchik, que se diverte com a confusão da imprensa. "De vez em quando aparece uma notícia no jornal assim: E o Monumento do IV Centenário, que nunca foi construído? Foi construído sim, mas em gesso e juta!"